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Política

A quase dois meses da assinatura do denominado “Acordo de Paz Definitiva”, o terceiro do género na República de Moçambique, agendado para a primeira semana de Agosto, o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, espera que a crise interna que se vive no seio da Renamo não passe de uma “pequena perturbação”, de modo que, por um lado, se conclua o processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração (DDR), no calendário definido e, por outro, permitir a participação daquela formação política nas próximas eleições gerais.

 

Falando, esta terça-feira, em Maputo, à margem do “Diálogo Sobre Políticas de Alto Nível”, organizado pela Westminster Foundation For Democracy (WFD), em parceria com a Fundação Joaquim Chissano, no qual foi orador principal, Chissano disse acreditar na resolução do problema a curto prazo, de modo que a Renamo participe nas eleições do dia 15 de Outubro.

 

“Oxalá que seja uma pequena perturbação. Que não cresça e que resolvam o mais depressa possível para concluirmos o processo (DDR) e termos a Renamo a participar no processo eleitoral”, disse o antigo estadista moçambicano, para quem as ditas “deserções” não irão afectar o processo negocial.

 

Quem também garante ser uma “fase” é o deputado António Muchanga, que afirma estarem a trabalhar, de modo a solucionar o problema que, na sua óptica, foi provocado pela pessoa que “leu a carta das negociações no Comité Central e na Polícia”, mas sem revelar o nome. (Abílio Maolela)

A exclusão política, económica e social e as fragilidades das instituições democráticas, que deviam funcionar como máquinas capazes de mover o processo de desenvolvimento, tornam Moçambique ainda longe de estar em paz. Quem assim entende é o antigo Chefe de Estado, Joaquim Chissano, falando, esta terça-feira (18), durante o Diálogo Sobre Políticas de Alto Nível, que teve lugar em Maputo.

 

Respondendo a uma pergunta da plateia sobre como via a paz, hoje, com a insurgência que se verifica na província de Cabo Delgado, Joaquim Chissano defendeu que “a paz ainda está a ser construída” e que “falta muito para a paz se consolidar”.

 

“Estamos muito longe de sermos paz, pois, cada um tem de ser paz. Criar a paz dentro de si. Saber ser tolerante com o outro. Aceitar a diferença”, disse o antigo Estadista a uma plateia composta por diplomatas, deputados e Reitores de algumas universidades moçambicanas, para além de jornalistas e outras figuras anónimas.

 

Chissano, que falava sobre “Democracia e Desenvolvimento Económico em África: Desafios e Perspectivas para Moçambique”, afirmou que o percurso da democracia e desenvolvimento moçambicanos não depende apenas de boas políticas públicas, mas sobretudo da paz.

 

“A paz e a harmonia social são as condições sem as quais não há política pública que possa fazer milagres. A paz é o primeiro maior bem comum que deve ser defendido e promovido por todos”, defendeu o antigo Presidente da República.

 

“Muita gente costuma dizer que a democracia e a paz são faces da mesma moeda, mas eu costumo acrescentar que a moeda não tem apenas duas faces, mas também tem bordas. E esta pode ser a paz. Nunca pode ser separada dessa moeda”, acrescentou a fonte, sublinhando que é nas zonas rurais, onde se sente o maior desconforto da vida, devido à falta da paz, desenvolvimento e inclusão.

 

Com o processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração em curso, Joaquim Chissano defende que, mais do que buscar a experiência dos outros países na pacificação e consolidação da democracia, deve-se buscar as experiências nacionais, pois, na sua óptica, “não há qualquer país que progride ignorando a sua própria história”.

 

“Em Moçambique, temos muitas experiências e boas. A partir do momento em que decidimos lutar política, militar e diplomaticamente pela nossa liberdade até este momento estamos a acumular a nossa experiência. Talvez não estamos a utilizar essa experiência de forma eficiente”, anotou, sublinhando: “a nossa galinha pode ser mais saborosa que a do vizinho”, em recurso ao adágio popular que diz: “a galinha do vizinho é mais gorda”.

 

Para Chissano, não se pode falar de democracia, se a mesma não influencia o melhoramento das relações humanas e o desenvolvimento dos povos, pois, a democracia e o desenvolvimento constituem a base fundamental das relações internas e externas dos seres humanos, sendo um relacionamento de interdependência económica, política, social e cultural.

 

Neste sentido, afirma Chissano, a melhor forma de relacionamento irá depender, fundamentalmente, das políticas públicas que forem desenhadas com a participação de todo o cidadão, de modo a eliminar-se as barreiras que impedem o crescimento.

 

“A participação activa poderá fazer com que cada moçambicano se sinta orgulhoso de ter contribuído na construção do país, pois, muitas vezes, quando se fala de democracia, as pessoas falam de eleições e esquecem da participação, que é essencial”, argumentou, sustentando a sua posição com a situação vivida pela Líbia, durante o reinado de Muammar al-Gaddafi.

 

“Quando visitei a Líbia, fiquei admirado porque toda a gente tinha carro, casa, escola e o combustível custava 20 cêntimos. Mas, havia gente que não estava tranquila, porque parecia que tudo caía do céu. Não participavam na concepção das políticas. E isso criou agitação na Líbia, pois, tinham pão, mas não participavam na sua concepção Portanto, a democracia deve ser praticada, de modo que as pessoas possam sentir tranquilidade dentro de si”, frisou.

 

Aliás, no seu discurso de 20 minutos, Joaquim Alberto Chissano, de seu nome completo, contrariou a maioria dos moçambicanos que considera a Constituição da República de 1990 como a que introduziu a democracia, no país.

 

Para Chissano, “não nos esqueçamos que, quando travámos a luta de libertação nacional, estávamos a travar a luta contra um regime ditatorial, fascista e não apenas colonial, pois, não havia democracia”, por isso, “que não venhamos a pensar que a democracia começou, em 1990, quando mudamos a Constituição. Lutamos pela democracia, desde quando nos insurgimos”. (Abílio Maolela)

A organização da sociedade civil, denominada Sociedade Aberta, que se dedica à promoção de modelos de desenvolvimento local, lançou, esta segunda-feira (17), em Maputo, “aulas abertas” destinadas aos partidos políticos e demais interessados.

 

Segundo o Director Executivo da organização, José Dias, a iniciativa visa, por um lado, despertar e consciencializar a sociedade sobre o desenvolvimento social e económico do país e, por outro, pretende dotar os candidatos políticos de todas as ferramentas necessárias para a preparação dos seus manifestos eleitorais e dos respectivos programas de governação.

 

José Dias acrescenta que as referidas aulas, que resultam da conferência realizada nos dias 15 e 16 de Maio, promovida pela organização, poderão contribuir na construção de uma sociedade mais orientada.

 

A referida conferência foi organizada sob lema “contribuições para as instituições cada vez mais fortes, mais participativas e melhor orientadas para o desenvolvimento económico e social” e teve oradores como Óscar Monteiro, Severino Nguenha, António Queface e Edson Macuácuà.

 

A fonte acrescentou ainda que, para a realização da conferência, a “Sociedade Aberta” inspirou-se em cinco principais eixos, que podem levar o país a uma visão mais estratégica de desenvolvimento, nomeadamente: funcionamento adequado entre os três ramos de Estado; participação efectiva do cidadão no processo de tomada de decisões chaves; promoção da transparência e prestação de contas da administração pública ao cidadão; a participação dos partidos da oposição no processo de formulação de políticas públicas; e a consolidação de uma visão estratégica de desenvolvimento económico e social.(Marta Afonso)

Como é de praxe, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, José Pacheco, colocou de lado a possibilidade de o caso do assassinato dos dois agentes da Polícia da República Moçambique (PRM), da especialidade da Guarda Fronteira, vir a colocar em causa as relações diplomáticas entre Moçambique e África do Sul.

 

Uma das maiores reservas de vida selvagem da África está marcando um ano sem um único elefante encontrado morto por caçadores furtivos, o que os especialistas chamam de um desenvolvimento extraordinário numa área onde milhares de animais foram abatidos nos últimos anos.  A aparente reviravolta na reserva do Niassa surge após a introdução de uma força policial de intervenção rápida e patrulha e resposta mais assertivas por via aérea, segundo a Wildlife Conservation Society, sediada em Nova Iorque, que gere a reserva com o governo de Moçambique. e vários outros parceiros.

 

O monitoramento da vasta reserva com levantamentos aéreos e patrulhas a pé permanece incompleto e depende de amostragem. Mas, apesar do sinal de progresso, pode levar muitos anos para que a população de elefantes do Niassa se reconstitua até aos níveis anteriores, mesmo se a caça furtiva for mantida sob controle.

 

A caça furtiva agressiva ao longo dos anos reduziu o número de elefantes do Niassa de cerca de 12.000 para pouco mais de 3.600 em 2016, de acordo com uma pesquisa aérea. Estratégias anti-caça furtiva de 2015 a 2017 reduziram o número de mortos.

 

As novas intervenções, com o presidente moçambicano Filipe Nyusi autorizando pessoalmente a força de intervenção rápida, levaram os parceiros a esperar que os elefantes do Niassa "tenham uma chance genuína de recuperação", disse o grupo ambientalista. "É uma conquista notável", disse James Bampton, diretor da Wildlife Conservation Society, à Associated Press.  A última vez que um elefante na reserva do Niassa foi morto por um caçador ilegal foi em 17 de Maio de 2018, disse ele.

 

A vontade política é uma das principais razões para o sucesso, disse Bampton, com o presidente de Moçambique interessado em reduzir a caça furtiva. Bampton reconheceu que o baixo número de elefantes restantes também é um factor no declínio da caça furtiva. Um ano atrás, ele estimou que menos de 2.000 elefantes permaneceram em Niassa, embora ele agora diga que a análise preliminar de dados de uma pesquisa realizada em Outubro e ainda não publicada indicava que cerca de 4.000 elefantes estão na reserva.

 

Ainda assim, um ano livre da caça furtiva de elefantes na extensa reserva suscita considerações positivas de alguns especialistas em vida selvagem.

 

 “É um desenvolvimento importante e muito importante que a caça furtiva cessou. Isso representa um grande sucesso”, disse George Wittemyer, que preside o conselho científico da organização Save the Elephants, sediada no Quênia. A nova força policial de intervenção rápida é uma unidade de elite que é mais bem armada do que os guardas normais da reserva e tem “uma certa reputação de ser bastante dura”, disse Bampton, acrescentando que não foram reportados “incidentes ruins” no Niassa.

 

Os membros da força têm o poder de prender os suspeitos de furto, organizar um processo crime em 72 horas e entregá-lo a procuradoria local, disse Bampton. “Ser encontrado com uma arma de fogo é considerado intenção de caçar ilegalmente", com uma sentença máxima de 16 anos de prisão. Especialistas em vida selvagem viram ganhos em outras partes da África contra a caça ilegal de elefantes. A Reserva de Caça Selous da Tanzânia, amplamente reconhecida como “Marco Zero” para a caça furtiva e ligada à reserva do Niassa por um corredor de vida selvagem, também assistiu a um declínio recente nos assassinatos.

 

A caça ilegal de elefantes africanos diminuiu para níveis anteriores a 2008, após atingir um pico em 2011, de acordo com a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas. Mas especialistas dizem que a taxa de perdas anuais por elefantes ainda excede a taxa de natalidade, e a invasão de assentamentos humanos está reduzindo o alcance dos animais.

 

A colaboração e o “enorme esforço” entre os parceiros da reserva do Niassa tem sido crucial, mas os dados mostram que as questões permanecem com outras espécies icônicas como os leões, disse Rob Harris, gerente nacional da Fauna & Flora International, que apoia um dos operadores da reserva. “Portanto, a combinação de apoio de nível nacional e esforço local deve ser mantida para melhorar a situação de toda a vida selvagem.” (Carta)

A estatística não mente, mas em Moçambique há quem a use para manipular a distribuição regional da população em idade de votar nas eleições gerais (presidenciais e legislativas), provinciais e autárquicas. No recenseamento eleitoral que acaba de ser realizado, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) veio a público declarar que 80% da população da província de Gaza tem 18 e mais anos de idade (18+). Como explica este fenómeno? Simplesmente não explica. Do ponto de vista demográfico, social e estatístico, nada pode explicar que Gaza apareça subitamente com apenas 20% de adolescentes e crianças menores de 18. Os dados do Censo 2017 revelam uma tendência de redução, em vez de aumento, da idade mediana da população moçambicana, estimada em 16,6 anos em 2007.

 

Os últimos três censos populacionais apresentaram proporções médias nacionais da população de 18 e mais anos, variando entre 48% em 1997, 49% em 2007 e 45% em 2017). Esta tendência decrescente é consistente com a anterior, sobre a diminuição da idade mediana nacional, por causa do acelerado crescimento de nascimentos e crianças em idade não activa para votar.

 

De igual modo, se compararmos os dados provinciais, em momento algum Gaza aparece com percentagens tão elevadas como declara o STAE. Em 1997, a proporção de pessoas 18 e mais anos na Zambézia foi 48% e em Nampula 49%, precisamente idênticas à de Gaza (49). A recente contestação do Centro de Integridade Pública (CIP) dos alegados 80% de pessoas 18+ em Gaza justifica-se, mas não pelo motivo que explora. Seria surpreendente se o CIP ou qualquer investigador encontrassem algum estudo a mostrar que os pais da província de Gaza têm tido “... poucos filhos em relação aos da província da Zambézia”.

 

Não tem sentido procurar em qualquer fenómeno demográfico ou social resposta para uma percentagem que o STAE não justifica, nem se esforça para esclarecer. Pelo que parece, o STAE chegou aos alegados 80% de pessoas 18+, dividindo a estimativa que fez da população de Gaza neste grupo etário em 2019 (1,114,337 pessoas) pelo total da população provincial (1,422,460 pessoas) em 2017.

 

Estranha divisão, de um valor para 2019 por outro de 2017. Se não foi esse o cálculo, ao STAE se deve esta e outras dúvidas, visto que não disponibiliza os pressupostos usados nas estimativas que divulga. Este texto visa fundamentar e detalhar a revelação que recentemente fiz, sobre o número misterioso na população de Gaza. Uma revelação que surgiu por mero acaso, em resposta à solicitação da ADS Eleições 2019, para que interpretasse a declaração do STAE sobre os alegados 80% em Gaza e 40% na Zambézia (Francisco, 2019).

 

O assunto motivou-me a rever as projecções da população do Instituto Nacional de Estatística (INE), a fim de melhor apreciar as estimativas do STAE. O resultado desta breve pesquisa evidencia a subtileza e dimensão de possíveis malabarismos estatísticos, muito mais graves do que os analistas têm percebido, ao investigarem os dados contraditórios dos órgãos de administração eleitoral e em particular do STAE.

 

Contexto das Estimativas Eleitorais

 

A contestação dos recenseamentos e cadernos eleitorais que dele resultam tem sido recorrente, ao longo da década passada, sendo vista por certos analistas como enfraquecedor do processo eleitoral (Brito, 2011). Se os fundamentos da referida contestação podem ser diversos, um dos possíveis motivos tem sido surpreendentemente descorado. De uma maneira geral, os analistas têm depositado confiança nas estatísticas oficiais, nomeadamente os dados dos censos populacionais do INE usados como referência de comparação com os recenseamentos eleitorais. Na falta de melhor fonte, não é por causa das taxas de omissão dos censos do INE, em geral relativamente baixas, que se justifica questionar a sua cobertura e abrangência.

 

Não dispondo de registos civis e de um sistema de estatísticas vitais confiáveis, não temos alternativa. Por outro lado, o INE é das poucas entidades moçambicanas que elaboram dados estatísticos nacionais, com capacidade logística e apoio financeiro suficiente, para reunir competências técnicas adequadas, a fim de elaborar projecções da população, a nível global e desagregado por províncias, distritos e localidades. Neste contexto, não havendo evidências gritantes e motivos comprovados para duvidar da qualidade das estatísticas do INE, a sua base de dados tem servido de referência confiável para estimativas com vários fins, como é o caso dos dados eleitorais.

 

O Pecado Original do INE

 

Apesar da boa reputação do INE, imaginemos que os seus dados escondem um misterioso e grave erro, resultante de um descuido sem más intenções ou cometido propositadamente por motivos que dificilmente serão confessados? Antes de apontar o erro misterioso, para benefício do leitor que não está familiarizado com as projecções da população do INE, vale a pena esclarecer o seguinte: desde o Censo de 1997, o INE tem disponibilizado dois tipos de projecções anuais da população (nacional e provinciais) que em princípio são ou devem ser consistentes entre si.

 

Com base no Censo 1997, publicou projecções da população total (1997-2020) e projecções provinciais (1997-2010) (INE, 1999a, 1999b). Como previsível, o total da população moçambicana em 1997 é igual ao agregado dos totais provinciais (16,075,708 pessoas). Surpreendentemente, as projecções baseadas no Censo de 2007 não mostram a mesma consistência (INE, 2011, 2010).

 

Ao comparar o total nacional da agregação dos totais provinciais (ver INE, 2011) com o total das projecções anuais (urbana e rural) da publicação de 2010 encontramos uma diferença de 986,197 pessoas. Nesta última, com projecções globais para o período 2007-2040, a população de Moçambique em 2007 é 20,632,434 habitantes. Porém, na publicação de 2011, o Quadro 1 da população projectada por província e sexo segundo idade, apresenta um total de 21,618,631 habitantes em 2007. E onde se encontra este diferencial numérico? Única e exclusivamente na província de Gaza.

 

O total da população em 2007 de Gaza (usado pelo STAE) é 1,236,284 pessoas, mas o total no referido Quadro 1 é 2,222,481 pessoas. Todas as outras províncias, sem excepção, possuem valores coincidentes nas duas publicações. A partir dos 2,2 milhões em Gaza, que incluem os 986 mil fantasmas a mais, a população 18+ que resultou para 2007 foi 1,225,109 pessoas. Comparando este efectivo com a estimativa da população de Gaza usada oficialmente (1,236,284), a população 18+ em 2007 representaria 99% da população desta província. Um valor demasiado escandaloso, para lhe conferir alguma credibilidade. Até prova em contrário, as 986 mil pessoas a mais em Gaza fornecem a chave para entender a origem da alegação do STAE quanto aos 80% de pessoas 18+.

 

Muito provavelmente, os estatísticos do STAE optaram pelos 80% na esperança que não causasse surpresa e reacção. Por isso, tem sentido suspeitar que em vez de corrigir um erro aberrante, optou-se por uma percentagem aparentemente mais modesta, baseada na divisão estranha, acima referida.

 

À semelhança da diferença na população total de Moçambique, idêntica discrepância pode ser encontrada entre a projecção global e as projecções desagregadas por província da população 18+. Na publicação do INE de 2010, o total da população 18+ é 9,890,193 pessoas, mas nas projecções provinciais da publicação de 2011, o total é 10,505,726 pessoas. Neste caso, a diferença reduz para 615,533 pessoas, porque apenas abrange o grupo etário 18+. Impacto dos 986 mil Fantasmas Qual é a razão do número fantasma e misterioso que aparece inesperadamente em Gaza? De imediato, a única explicação sensata e justificável é ter sido introduzido, inadvertida ou intencionalmente.

 

Um erro, seja ele intencional ou não, mas um erro muito grave. Como escapou à atenção dos analistas, durante tanto tempo? Talvez porque a nível oficial e do consumo público, a estimativa da população total moçambicana em 2007, oficialmente referida é 20,6 milhões, em vez dos 21,7 milhões. Do mesmo modo, sempre que se menciona a população de Gaza, o valor usado para 2007 é 1,3 milhões e não os 2,2 milhões que incluem os 986 mil fantasmas a mais em Gaza. Mas convém não ser ingénuo. É improvável que o STAE não tenha reparado que algo de errado existia.

 

Não é preciso muita atenção para perceber que um número fantasma estava a inflacionar a população de Gaza, ao ponto de fazer com que o total da população 18+ ficasse idêntico (99%) à população total da província. Para se obter um efectivo de 1,2 milhões em 2007 seria preciso que a população de Gaza tivesse crescido entre 1997 e 2007 a uma taxa média anual de 7,1%. É improvável que alguém no STAE, com o mínimo de sensibilidade estatística, não tenha reparado na inconsistência numérica aqui revelada. Uma vez desvendado o segredo dos alegados 80% de pessoas 18+ anos em Gaza, fica claro que o mistério é muito mais simples e fácil de explicar do que parecia. Todavia, enquanto esse fantasma numérico não for removido das estatísticas que estamos a usar ele poderá continuar a deturpar nossas análises, opções e acções políticas e operacionais. (...)

 

 Conclusão e Comentário Final

 

A revelação apresentada e fundamentada neste texto pode motivar diversas interpretações: técnicas, políticas e morais ou éticas. Não há espaço para as discutir aqui, nem era esse o propósito desta reflexão. Também não procurarei especular ou antecipar, como fez o CIP, se Filipe Nyusi vai ou não ganhar mais 370 mil votos.

 

Esta ou outras hipóteses não irão depender apenas da forte base manipulativa proporcionada pelas estatísticas do INE ao STAE. Não menos importante, a maior ou menor capacidade de o candidato presidencial da Frelimo captar votos vai depender de outras formas de manipulação, a vários níveis, como seja, na contagem, verificação, controle e aprovação dos resultados finais. Sobre os dados estatísticos, limito-me a adiantar que o exemplo aqui apresentado ilustra bem como um “pequeno” erro pode provocar inúmeros equívocos e especulações.

 

Em devido tempo veremos como é que o STAE, habituado que está a provocar dúvidas e desconfianças, por motivos alheios à qualidade dos dados estatísticos, irá lidar com as implicações da revelação do segredo dos alegados 80% em Gaza. Quanto ao INE, infelizmente, também não sai nada bem neste retrato. Se bem que o grave erro aqui demonstrado não seja suficiente para pôr em causa a boa reputação que o INE conquistou, em nada o beneficia a situação ridícula em se colocou.

 

O mínimo que espero que faça, para se redimir do erro, é que o corrija, porque os dados da evolução estatística continuarão a fazer parte das análises dos utilizadores dos produtos do INE. E depois deste precedente, vamos esperar pelas novas projecções nacionais e provinciais com base no Censo 2017. Considerando a experiência eleitoral de Moçambique, no passado, cada vez mais o importante não é quem vota, mas quem conta e controla o resultado final. Não me surpreenderei se Filipe Nyusi conseguir o que os militantes da Frelimo mais ambicionam a todo o custo: uma vitória retumbante! Principalmente em Gaza, não tenhamos dúvidas; tudo está encaminhado para que em Outubro próximo, Nyusi e Frelimo consigam essa vitória retumbante.

 

*Artigo extraído da publicação IDEIAS, do IESE, da autoria do Prof. António Francisco. O título é da responsabilidade da “Carta”