Com o cair do pano da sessão extraordinária do Comité Central da Frelimo, assistiu-se ao adeus de uma geração politica que não soube, ao longo da segunda República, pensar diferente, erigir um edifício teórico capaz de se adequar aos tempos hodiernos, pautar-se por uma conduta que não fosse o locupletamento, à venalidade.
Vai-se uma geração que teve a oportunidade de redirecionar este país a uma administração, a um governo, assente nos valores fundacionais da modernidade: a liberdade, a justiça, a igualdade, a democracia, o progresso. Falo, a título de exemplo, da liberdade e da justiça, como dois valores que deviam e devem estar em constante sintonia, tendo em conta que no período monopartidário, no chamado socialismo, a justiça (ainda que discutível) era o emblema, e, no liberalismo, na segunda República, a liberdade assume um valor primacial.
Que discursos assistimos, nestes últimos 39 anos, em torno desta dualidade, e, consequentemente, o necessário equilíbrio à sustentação da democracia assente nos três poderes? Nada!A geração que ora se despede, foi incapaz de erigir um discurso alternativo ao da geração da gesta nacionalista.
Quando a História assistiu o desmoronamento do Bloco do Leste esta geração optou, tal como a precedente, por adir (numa relação incestuosa) a economia à política, tornando o Estado numa máquina sem rosto, num instrumento sem sangue e músculos, num país miserável no concerto das nações. A promiscuidade, a licenciosidade entre o sector público e privado tornou-se não só insustentável, como ignominiosa.
Ao nível do poder legislativo, assiste-se ainda a vergonhosa imagem de silêncio dos dirigentes descartados do poder executivo, comodamente sentados na bancada da unanimidade e dependência. É deprimente, para um cidadão minimamente informado, assistir, no pequeno ecrã, ao angustiante e penoso silêncio dos antigos dirigentes.
Ficam meses e anos a aguardar, em silêncio, por uma chamada para um cargo visível e rentável, dissipando na espera os crescentes cabelos brancos com cortes rasos que tanto rendem os cabeleireiros. O poder legislativo transformou-se, para o partido no poder, num campo privilegiado de reservistas do poder executivo.
É, numa crua e honesta frase, o rebotalho do poder executivo. É isto que se esperava desses outrora jovens que abraçaram a política como um acto de elevada cidadania?
É isto que se esperava destes militantes e ex-dirigentes que só emergem do silêncio em épocas eleitorais, à procura, em campanhas estultas e patéticas, do posto de Presidente da República?
É óbvio que não. Esta geração, a que o Daniel Gabriel, ex-ministro, intitulou, num livro recente, de geração da transição, tornou-se uma decepção porque, como aludi, não executou transição nenhuma. O que mais fez foi receber de bandeja a queda do Bloco do Leste e, timidamente, ensaiar discursos consentâneos com os tempos da mudança.
Enfeudados que estão à geração da independência, cabe agora a estes políticos em reforma definitiva, dar um último sopro de dignidade, afirmando, em plenos pulmões - ou o que lhes resta de fôlego -, que não venceram os desafios da sua geração porque tributários à geração da independência, uma geração que nunca soube assumir com dignidade os seus erros, limitando-se, no presente político, a fazer a lavagem da sua desbotada imagem política.
Há, como em tudo, honrosas excepções que importa registar. Avanço duas, a titulo de exemplo: a primeira – o Mateus Kathupa. Foi, entre dois congressos, indicado, juntamente com o então jovem e hoje desaparecido, Aguiar Mazula, para a Comissão Política. Eram os mais jovens no órgão. No congresso seguinte foram retirados, sem explicação, do pódio da hierarquia partidária.
O Aguiar Mazula (o primeiro civil a assumir a pasta de ministro da defesa) remeteu-se ao anonimato. Kathupa ainda ensaiou, em plena febre do neoliberalismo, como ministro da cultura, o conceito de bantufonia, algo como a procura de uma dignidade africana que tanto escasseava, e ainda rareia, neste país. Ninguém o ligou. Interesses materiais imperavam no xadrez nacional.
Hoje o Mateus Kathupa está acantonado nas frias terras de Putin, como embaixador. Um fim inglório para um indivíduo, jovem à época, por sinal um reconhecido académico, que esperava outro futuro político. A segunda: o Teodato Hunguana. Este já vinha exercendo cargos de relevo na primeira República. Na segunda, principalmente depois dos acordos de paz de que fez parte como negociador, Teodato foi emergindo com posições públicas consentâneas com os tempos modernos. Os seus camaradas, incapazes de o acompanharem em debates, dentro e fora do muro partidário, condenaram-no ao ostracismo. Hoje está aí, jogando o xadrez da solidão. Estes e outros singulares exemplos que o texto não pode comportar, são a amostra da excepção que a regra acomoda.
Mas a regra, convém ressaltar, foi decepcionante à geração que devia erguer com empenho e orgulho o ceptro da liberdade, da justiça, da equidade, da cultura, da ciência, da tecnologia, do desenvolvimento, do progresso, e dar um rumo digno a este país, à beira de completar 50 anos de independência, na miséria. A pergunta que ora urge colocar, é o lugar da chamada geração 8 de Março. Onde colocá-la?
No meu entender, esta geração, a que atrevidamente chamo, roubando o termo ao xadrez, de peões, nunca, salvo algumas desonrosas exceções, se atirou à política activa. Ao tempo, 1977, eles não escolheram o seu destino, foram, simplesmente, direcionados às várias tarefas da reconstrução e construção de um tempo chamado novo. E resignaram-se a isso, deixando aos jovens políticos de então a responsabilidade de os conduzir politicamente.
De realçar, a tal excepção, que houve um grupo que foi indicado (o que foi patético) a ir estudar Politica na extinta República Democrática Alemã. Não vingaram. Os que internamente se atreveram a enveredar pela política, limitaram-se a enfileirar-se na falsamente designada geração da transição, uma geração sem grande cometimento político como temos ressaltado. Nada aconteceu a eles, senão, no sentido mais negativista, o chamado enriquecimento ilícito e muito mais.
Quanto aos peões, os verdadeiros peões, tenho-os visto por aí, como referi em crónica já publicada, nos seus sessenta e tal anos, em estaleiros e casas de ferragens, à procura de material de construção para a casa da reforma. A História tem dessas … Agora cabe à geração pós-independência apontar este país para outros rumos, não cometendo os mesmos erros que as gerações precedentes. A pergunta a colocar é simples: será que esta geração está imune dos vícios que atolaram nos pântanos da indignidade das gerações anteriores? A ver vamos!.
Ungulani Ba Ka Khosa Maputo, Maio de 2024
*Consagrado escritor mocambicano
A Renamo, o auto-intitulado “pai da democracia”, pontapeou, ontem e hoje, a decisão do Tribunal Judicial do Distrito de Alto-Molócuè, que ordenava a presença do deputado Venâncio Mondlane na tenda onde decorre o VII Congresso da “perdiz”.
Sem quaisquer explicações públicas, o partido dirigido pelo General Ossufo Momade recusou-se a receber e assinar a notificação do Tribunal, que dá provimento à Providência Cautelar Não Especificada submetida por Venâncio Mondlane, a contestar a sua exclusão do principal órgão do maior partido da oposição, após ser eleito, por aclamação, delegado ao Congresso, durante a Conferencia Provincial da Cidade de Maputo.
Aos jornalistas, Ossufo Momade disse não ter tido conhecimento do referido despacho, no entanto, o documento foi exarado na terça-feira (14 de Maio) e apresentado ao partido horas antes do início do evento. Aliás, imagens divulgadas ontem em directo por alguns canais de televisão ilustravam oficiais da justiça, acompanhados de agentes da Polícia, a conferenciar com membros da Renamo, no sentido destes receberem a notificação do Tribunal.
Em entrevista concedida esta tarde aos órgãos de comunicação social, Venâncio Mondlane afirmou que a desobediência à decisão do Tribunal foi promovida por Saimone Macuiane, Presidente do Conselho Jurisdicional da Renamo, com apoio do Comando Distrital da PRM (Polícia da República de Moçambique) de Alto-Molócuè que, mesmo solicitado pelos oficiais de justiça, não se dignou a fazer cumprir a lei.
Perante a inoperância manifestada ontem pelo Comandante Distrital da PRM, conta Venâncio Mondlane, o Tribunal emitiu hoje um ofício a ordenar a Polícia a fazer cumprir a decisão, mas esta voltou a ignorar o ofício da justiça, mantendo o político longe do local do evento.
Na sua longa entrevista, seguida de uma passeata pelas artérias da pacata vila municipal de Alto-Molócué, Venâncio Mondlane disse estar na companhia de 600 jovens disponíveis a lhe acompanhar à tenda da Renamo com o despacho do Tribunal, porém, defende que recorreu às instituições da justiça por acreditar neste pilar da democracia.
“Este é o paradigma que estou a trazer à política: usar métodos públicos, constitucionais e legais. Somos políticos, mas não somos politiqueiros, não fazemos politiquice”, defende o político, afirmando que usa os órgãos de justiça para demandar os seus direitos.
Referir que, ao abrigo do artigo 133 da Constituição da República, os Tribunais são órgãos de soberania. Por sua vez, o artigo 214 da Constituição da República estabelece que as decisões dos Tribunais são de cumprimento obrigatório para todos cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de outras autoridades.
Perante o crime de desobediência qualificada verificada ontem e hoje, Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane, defende que o Tribunal Distrital de Alto-Molócuè, em coordenação com a Procuradoria Distrital local, deve emitir um mandado de captura contra o Comandante Distrital da PRM daquele distrito por não ter cumprido com a ordem do juiz.
O advogado sublinha que os atropelos verificados no VII Congresso da “perdiz” (a exclusão verbal de Venâncio Mondlane, de mandatários de algumas candidaturas e a desobediência ao despacho do Tribunal) podem levar à anulação da reunião e, consequentemente, das suas decisões.
Sublinhar que, para além de Venâncio Mondlane, Manuel Bissopo, antigo Secretário-Geral da Renamo, é um dos excluídos do VII Congresso da “perdiz”. O antigo deputado e mandatário da candidatura de Elias Dhlakama não recebeu convite para participar do evento, tendo sido impedido pelos seguranças de atravessar o portão do local onde decorre o evento. Disse aos jornalistas ter sido mandado aguardar, porém, não sabe até que horas.
Referir que a Polícia que negou de executar a ordem do Tribunal, mobilizou-se esta tarde para impedir Venâncio Mondlane de se manifestar naquele ponto do país. (A.M.)
O Presidente da Renamo, Ossufo Momade, nega ter sido forçado a organizar o VII Congresso do partido, “contrariando” a narrativa de que a reunião do órgão mais importante da “perdiz” resulta do processo judicial interposto pelo deputado Venâncio Mondlane, em Março último, a exigir a marcação da data do encontro.
A tese foi defendida na tarde desta quarta-feira, durante a abertura da principal reunião do maior partido da oposição, que decorre na vila autárquica de Alto-Molócuè, na província da Zambézia. O evento termina, em princípio, esta quinta-feira.
Segundo Ossufo Momade, o VII Congresso da Renamo era um dos pontos da agenda da VI Sessão Ordinária do Conselho Nacional do Partido, realizada no passado dia 14 de Abril, em Maputo, uma reunião convocada em Janeiro, no princípio das desinteligências entre Ossufo Momade e o seu antigo Assessor Político. Aliás, o anúncio da realização do VII Congresso da Renamo foi feito no dia em que o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo estava prestes a analisar a providência cautelar submetida pelo político em torno do assunto.
Para Momade, não é verdade que tenha havido pressão para que se convocasse o Congresso. “Ninguém forçou a realização do Congresso. Não fomos forçados. Estamos a realizar o nosso Congresso normalmente”, defendeu o político, acrescentando que o segundo maior partido do país “não se guia por chantagens e agendas ocultas” e muito menos deve ser ensinada a democracia porque “nós somos os pais da democracia”.
“Agentes alheios à Renamo investiram energias negativas para convencer a opinião pública nacional e internacional que não queríamos realizar este VII Congresso em tempo útil, por isso, aproveitaram-se dos constrangimentos decorrentes do fim do processo autárquico de 2023 para pôr em causa o mandato dos órgãos do partido”, sublinha.
Para o Presidente da Renamo, a criação de clivagens naquele partido político não se coaduna com a postura e ideais dos líderes históricos da organização (André Matsangaíssa e Afonso Dhlakama), pelo que “nunca e nem devem ser aplaudidos por um membro íntegro e defensor da Renamo”.
O discurso de Ossufo Momade foi proferido três horas depois de o seu partido se ter recusado a receber a notificação do despacho do Tribunal Judicial do Distrito de Alto-Molócuè, que ordenava a entrada de Venâncio Mondlane na sala do congresso, depois deste ter interposto mais uma providência cautelar, desta vez pedindo a anulação da decisão verbal do Presidente da Mesa da Conferência Provincial da Cidade de Maputo de exclui-lo da reunião sem qualquer fundamentação.
No seu despacho, o Tribunal Judicial do Distrito de Alto-Molócuè alega ter dado provimento à Providência Cautelar Não Especificada do deputado Venâncio Mondlane pelo facto deste, enquanto membro da “perdiz”, ter direito de “eleger e ser eleito aos órgãos do Partido”, à luz do nº 2, do artigo 12, dos Estatutos da Renamo. E porque o evento decorre nos dias 15 e 16 do mês corrente, entende o juiz Agostinho Jorge, “não há outra providência para acautelar o direito do Requerente [Venâncio Mondlane] e o prejuízo derivado da Providência não excede o dano que com ela se quer evitar”.
Refira-se que um dos momentos altos do encontro será a eleição do Presidente do Partido, dos membros do Conselho Nacional e dos membros da Comissão Política Nacional. Nove nomes concorrem à liderança da Renamo, incluindo Ossufo Momade. Venâncio Mondlane, o décimo candidato, é o único que ainda não teve a sua candidatura confirmada. (A.M.)
O contrabando de madeira, estimado em 23 milhões de dólares (18 milhões de libras) por ano, das florestas de Moçambique para a China, está a ajudar a financiar uma brutal insurgência islâmica, bem como uma grande rede criminosa no norte do país.
Este comércio ilícito de pau-rosa está ligado ao financiamento de militantes violentos em Moçambique com ligações ao Estado Islâmico na província de Cabo Delgado, no extremo norte, segundo dados da Agência de Investigação Ambiental (EIA), uma ONG que faz campanha contra alegados crimes ambientais.
O pau-rosa de Moçambique está protegido por um tratado internacional, o que significa que apenas é permitido um comércio muito limitado que não ameace a espécie.
No entanto, uma investigação secreta de quatro anos levada a cabo pela EIA em ambos os países revelou que a má gestão das concessões florestais oficialmente sancionadas, a exploração ilegal da madeira e a corrupção entre os funcionários portuários estão a permitir que o comércio se expanda sem controlo em áreas controladas pelos insurgentes.
A revelação surge numa altura em que há um recrudescimento significativo dos combates no norte de Moçambique. Na sexta-feira (10), pelo menos 100 insurgentes realizaram o ataque mais ousado em três anos à vila de Macomia, que acabou por ser repelido pelo exército.
A localização do ataque confirma que a insurgência deslocou as suas bases mais para sul devido ao aumento da presença de soldados no norte. “Também ganhou fundos suficientes para recrutar na província vizinha de Nampula, mais a sul”, segundo o analista Joe Hanlon.
O Relatório Nacional de Avaliação de Risco sobre o Financiamento do Terrorismo publicado no início deste ano pelo governo moçambicano, e a que a BBC teve acesso, diz que os insurgentes da Al-Shebab aproveitaram o comércio ilícito de madeira para “alimentar e financiar a reprodução da violência”.
O relatório afirma que o envolvimento dos insurgentes no “contrabando de produtos da fauna e da flora”, incluindo madeira, e na “exploração de recursos florestais e faunísticos” está a contribuir para um “nível muito elevado de angariação de fundos” para o grupo insurgente. O relatório estimou que a receita obtida com essas actividades era de US$ 1,9 milhão por mês.
Dado o desafio no acesso à região de Cabo Delgado, é difícil quantificar o nível de envolvimento diário dos insurgentes no comércio de madeira, mas há relatos de empresas que pagam uma taxa de protecção de 10% a grupos insurgentes para realizarem a exploração madeireira ilegal em áreas florestais.
Florestas com árvores valiosas, e não apenas pau-rosa, são divididas em parcelas ou concessões. Quem quiser desmatar essas áreas deverá pagar uma taxa às autoridades. Estes são normalmente licenciados a um cidadão moçambicano, o intermediário, e alugados a empresas madeireiras chinesas. Fontes comerciais que não quiseram ser identificadas estimam que 30% da madeira extraída em Cabo Delgado resulta potencialmente de florestas ocupadas pela insurgência.
Pensa-se que existem três áreas florestais principais em Cabo Delgado onde ocorre a exploração madeireira e a venda de madeira: Nairoto; Muidumbe e Mueda, além de outra em Napai, na província vizinha de Nampula.
Embora as autoridades chinesas tenham tornado ilegal a exploração de jacarandá no seu próprio país, continuam a ser importadas enormes quantidades. Jacarandá é um termo comercial abrangente para uma ampla variedade de madeiras tropicais altamente valorizadas para móveis de luxo na China.
O pau-rosa recebe um código alfandegário para hongmu (que significa madeira vermelha em chinês) na chegada ao país, o que permite aos pesquisadores rastreá-lo. Moçambique foi o principal fornecedor africano de madeira hongmu para a China no ano passado, fornecendo mais de 20 mil toneladas no valor de 11,7 milhões de dólares, de acordo com o Trade Data Monitor, uma empresa comercial que monitora o comércio global.
Ultrapassou outros países como o Senegal, a Nigéria e Madagáscar, à medida que as suas espécies de pau-rosa foram eliminadas ou esgotadas, ou as leis que proíbem as exportações foram aplicadas com mais rigor. Como parte da sua investigação secreta, a EIA localizou um enorme carregamento de jacarandá proveniente de Moçambique.
Entre Outubro de 2023 e Março de 2024, os investigadores rastrearam cerca de 300 contentores de um tipo de pau-rosa conhecido como pau preto desde o porto da Beira até à China. Os 300 contentores transportavam 10 mil toneladas de pau-rosa.
O pau preto, encontrado no norte de Moçambique e na Tanzânia, é classificado como espécie ameaçada na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). As estimativas do Trader Data Monitor avaliam cada contentor em cerca de US$ 60 mil, colocando o valor da remessa total em cerca de US$ 18 milhões.
Imagens secretas da EIA vistas pela BBC mostram que parte deste carregamento específico também estava em forma de torros brutos em vez de pranchas que deveriam ser processadas em serrações. Isto viola a lei de Moçambique de 2017 sobre a exportação de qualquer madeira não processada.
O jacarandá é transportado por muitos milhares de quilómetros até Xangai depois de fazer várias escalas ao longo do caminho, descobriram os pesquisadores da BBC. Fontes da indústria dizem que normalmente quando as árvores são cortadas por madeireiros nas florestas de Cabo Delgado, quer em concessões operadas em grande parte por empresas chinesas, quer ilegalmente para além deste território, a madeira é levada para ser processada em serrações em redor de Montepuez.
Esta madeira de múltiplas origens é então misturada e transportada das serrações de Montepuez por camiões para os portos de Pemba ou Beira. Nestes portos, a carga devia ser inspeccionada pelas autoridades moçambicanas e receber uma licença ou licença de exportação. Mas a EIA afirma que os registos são muitas vezes comunicados de forma errada ou nem sequer declarados na documentação aduaneira. O pau-rosa transportado entre Moçambique e a China é transportado por duas das maiores companhias marítimas globais do mundo, a Maersk e a CMA-CGM, de acordo com a investigação da EIA.
Um porta-voz da Maersk disse em comunicado à BBC que está “empenhada em combater o comércio ilegal de vida selvagem e não aceitará reservas de vida selvagem ou de produtos de vida selvagem, quando tal comércio for contrário à CITES ou de outra forma ilegal”. Solicitamos aos nossos clientes que declarem correctamente o conteúdo da sua carga e dependemos das autoridades aduaneiras para verificar as declarações e certificados. As remessas só podem ocorrer mediante certificados CITES e aprovação da autoridade.”
O comunicado explica que é comum no transporte marítimo os clientes carregarem e lacrarem os seus contentores antes de entregá-los à companhia marítima. Um porta-voz da CMA-CGM disse que transporta mercadorias pertencentes a clientes em conformidade com as regulamentações locais e internacionais e “não é responsável e não tem como controlar a origem das mercadorias, que são todas enviadas em contentores lacrados”.
O porta-voz disse ainda que “a CMA-CGM já não transporta madeira em bruto e introduziu uma regra que proíbe a reserva de espaço a bordo dos navios do grupo para madeira em bruto que sai de Moçambique”.
A desflorestação em Moçambique continua em ritmo acelerado. O país perde diariamente o equivalente a cerca de 1.000 campos de futebol de cobertura florestal, segundo a ONG Global Forest Watch. O comércio de pau-rosa deveria ser restringido pela CITES, mas tornou-se o produto de vida selvagem mais traficado no mundo, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Em termos de valor, está agora muito à frente do comércio de marfim de elefante e chifre de rinoceronte.
O pau preto está listado no Apêndice II da CITES. Para que seja exportado legalmente, o governo de Moçambique deve concluir uma investigação científica completa chamada estudo de financiamento sem prejuízo (NDF) para garantir que o comércio não ameace a sua sobrevivência.
A BBC perguntou ao representante moçambicano na CITES, Cornélio Miguel, que trabalha para a Administração Nacional das Áreas de Conservação, se alguma vez tinha sido realizado um NDF sobre o pau preto. Ele não fez nenhum comentário. Sem esta avaliação, qualquer comércio viola o tratado internacional. A China, como signatária, estaria a violar os termos do tratado ao aceitar importações inadequadas.
A BBC contactou algumas das empresas comerciais chinesas citadas no relatório da EIA, mas nenhuma se dispôs a comentar se estavam a ser abastecidas com madeira de Moçambique.
Para a ambientalista como Annah Lake Zhu, da Universidade de Wageningen, este tratado só poderá ser tão robusto quanto os governos que o aplicam. Ela acredita que a gestão sustentável do comércio de jacarandá precisa de ser totalmente repensada. Zhu diz que o tratado não interrompe a demanda insaciável da elite chinesa por móveis hongmu.
Ela sugere que o processo de listagem de espécies específicas antes de serem regulamentadas de forma mais rigorosa pode até estar a impulsionar a dinâmica do mercado, uma vez que “anuncia eficazmente a escassez futura” e, por sua vez, criando escassez.
O reforço da lei e a introdução de um sistema de rastreio mais sofisticado melhorariam a situação. Mas, na prática, a conservação do jacarandá só pode funcionar se os países de origem e os comerciantes de madeira fizerem disso uma prioridade. Em zonas de conflito como Cabo Delgado parece improvável que isto aconteça.
Em muitos aspectos, Cabo Delgado é o “lugar perfeito” para o florescimento do comércio ilícito de madeira, afirma o gestor do programa EIA África, Raphael Edou. Ele descreve a província como um nexo de rotas comerciais, com uma mistura de ilegalidade, corrupção e uma população local desesperadamente pobre.
Além de abrigar algumas das árvores mais valiosas do mundo, Cabo Delgado tem outras fontes lucrativas de riqueza dentro do seu território, incluindo petróleo, gás natural, rubis e safiras. Estes tesouros atraem grandes investidores globais, como a empresa francesa de energia Total, que pretende construir uma fábrica de liquefacção de gás no valor de 20 mil milhões de dólares.
O proprietário da marca de joalharia Fabergé, Gemfields Group, detém 75% da mina de rubis Montepuez, em Cabo Delgado. Em 2023, a sua receita foi de US$ 167 milhões. A actividade insurgente na província levou a uma das crises de deslocamento mais significativas de África, com mais de um milhão de pessoas forçadas a abandonar as suas casas.
Os insurgentes têm como alvo civis, realizando massacres, decapitações, violações e raptos. Casas e aldeias inteiras foram alvejadas e queimadas. A violência desestabiliza a maior parte de Cabo Delgado durante quase uma década, levando o governo a contar com tropas estrangeiras para “policiar” a província.
As autoridades estão a lutar para reforçar as leis destinadas a proteger as pessoas mais vulneráveis de Cabo Delgado, e muito menos as destinadas a proteger o seu ambiente e as suas florestas. O jacarandá é o produto de vida selvagem mais traficado do mundo, superando o marfim e o chifre de rinoceronte. (BBC)
Os terroristas ligados ao grupo Estado Islâmico (EI) estão a aumentar na província de Cabo Delgado as actividades “Da'wah” nos distritos de Chiure, Macomia, Meluco, Mocímboa da Praia, Nangade e Quissanga, onde 300 insurgentes teriam capturado em Março.
Com recurso ao “Da'wah”, os grupos ligados ao EI estão a pressionar para mudar a sua imagem, num esforço para ganhar o apoio público e recrutar novos combatentes, dizem os analistas.
“Da'wah” é um termo árabe que significa aproximadamente proselitismo. Os insurgentes são conhecidos por invadir e incendiar vilas, decapitar civis e atacar forças de segurança.
Como observou Caleb Weiss no Long War Journal da Fundação para a Defesa das Democracias, são os grupos terroristas que muitas vezes tentam converter as pessoas à sua versão do Islão e construir boa vontade nas comunidades, mesmo naquelas que capturam.
Fotos recentemente divulgadas pelo EI mostram os líderes do grupo conduzindo orações e oferecendo comida em grandes reuniões de moradores locais. As crianças aparecem em muitas das imagens.
Estas actividades “são parte integrante do projecto jihadista de construção do Estado e a divulgação de tal propaganda ajuda a fornecer provas de uma forma de governação numa área específica”, escreveu Weiss, analista sénior da Fundação Bridgeway, que trabalha para prevenir o genocídio.
De acordo com o Zitamar News de Moçambique, o movimento “Da'wah” faz parte de uma estratégia de divulgação empregue desde finais de Janeiro, quando 30 terroristas apareceram em Mocímboa da Praia, alegando que estavam lá apenas para comprar comida e telemóveis.
Permaneceram então várias horas na aldeia de Calugo e disseram não haver motivos para temê-los, mas também alertaram os moradores para não informarem as forças de segurança da sua presença.
Dias depois, um grupo de jovens insurgentes chegou a uma mina de ouro em Meluco. Eles dividiram os mineiros em grupos de muçulmanos e cristãos, mas disseram que não os matariam. Em vez disso, compraram comida, roupas e outros suprimentos antes de partir. A maioria dos atacantes tinha entre 14 e 22 anos e alguns eram do Quénia, informou o Zitamar News. Vários desses esforços foram relatados nos meses seguintes.
Estas tácticas ajudam o EI a tirar partido da má governação, a explorar as queixas locais e a recrutar novos membros, dentro e fora do país. Em Moçambique, o EI atraiu combatentes estrangeiros do Ruanda, da África do Sul e da Tanzânia, de acordo com o The Soufan Center, uma organização de investigação independente sem fins lucrativos.
Os esforços mais diplomáticos do grupo surgiram à medida que as forças internacionais lutam para evitar uma lacuna de segurança quando a Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) deixar a província de Cabo Delgado. Espera-se que toda a missão parta em Julho.
As tropas estão a partir, enquanto o EI lança novas ofensivas a partir do seu coração, no centro costeiro de Cabo Delgado, para o sul, onde 27 aldeias foram atacadas durante um período de quatro semanas, em Fevereiro e Março, informou a Associated Press.
Weiss escreveu que acredita que a expansão do grupo para o sul continuará “levando a ainda mais eventos “Da'wah” para solidificar o seu controle e, mais importante, as relações públicas com as comunidades locais”.
Mais de 100 mil pessoas, incluindo mais de 61 mil crianças, fugiram da expansão do grupo para o sul, segundo as Nações Unidas. Estima-se que 72 crianças tenham sido dadas como desaparecidas após os recentes ataques, disse Albertina Ussene, directora de género, criança e acção social do governo provincial de Nampula, à agência Lusa.
Piers Pigou, do Instituto de Estudos de Segurança, disse que os recentes deslocamentos em massa mostraram como a segurança continua frágil em Cabo Delgado.
“O governo reconhece que apenas um punhado de insurgentes pode gerar incerteza generalizada”, disse Pigou à Associated Press. “Isto não mudará a menos que as comunidades acreditem muito mais que as forças de segurança serão capazes de proporcionar a estabilidade necessária.”
O Ruanda, que não é um estado membro da SADC, comprometeu-se a enviar mais tropas para Cabo Delgado quando a SAMIM deixar o terreno. O governo ruandês já conta com cerca de 2.500 militares e polícias nos distritos de Ancuabe, Mocímboa da Praia e Palma.
Durante um período de uma semana, no fim de Abril e início de Maio, as tropas moçambicanas e ruandesas conduziram operações conjuntas contra terroristas nas densas florestas de Cabo Delgado.
Cerca de 300 soldados da Tanzânia, membro da SADC, deverão permanecer em Cabo Delgado ao abrigo de um acordo de segurança bilateral separado, segundo o Zitamar News. (África Defense Fórum)
Seis anos depois de ter deixado o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) para se juntar à Renamo, o deputado Venâncio Mondlane pondera agora deixar o partido da “perdiz” e candidatar-se à Presidência da República de forma independente.
A posição foi assumida hoje no distrito de Alto-Molócuè, província da Zambézia, depois de o político ver frustrada, por um lado, a sua intenção de concorrer à liderança da Renamo e, por outro, a sua participação no VII Congresso do maior partido da oposição, que decorre naquele ponto do país desde ontem.
Falando aos jornalistas na tarde de hoje, Mondlane disse que a decisão está dependente dos conselhos a receber pelos 450 colaboradores espalhados por todo país que, nos últimos seis meses, suportaram a sua candidatura.
“Neste momento, fica mais do que claro que Venâncio Mondlane era o pior perigo para entrar naquela tenda [local onde decorre o Congresso], é por isso que todos candidatos se uniram numa conspiração para não entrar naquela tenda”, defende o político, alegando que tem mais de 80% de potencial de votos entre os delegados eleitos ao Congresso.
Mondlane admite ter na mão diversos convites para concorrer à Presidência da República como independente, assim como líder de uma coligação de partidos extraparlamentares. Ao todo, fala de mais de 21 partidos e algumas organizações da sociedade civil que o querem como seu candidato presidencial nas eleições de 09 de Outubro próximo.
Lembre-se que Venâncio Mondlane ingressou na Renamo em 2018 com intenção de tornar-se cabeça-de-lista da “perdiz” na Cidade de Maputo durante as V Eleições Autárquicas, mas um “complô” entre o MDM e a Frelimo acabaria afastando a sua candidatura. Porém, viria a liderar a lista da Renamo na capital do país nas VI Eleições Autárquicas, realizadas em 2023.
Desde o seu ingresso na Renamo, Venâncio Mondlane desempenhou as funções de Assessor Político de Ossufo Momade, de mandatário do partido e de Relator da Bancada Parlamentar da Renamo na Assembleia da República, cargos que cessou após as desinteligências com o Líder do partido, na sequência dos polémicos resultados eleitorais das últimas eleições, que deixaram a Renamo com quatro municípios, contra os anteriores sete.
Sublinhar que Venâncio Mondlane foi o primeiro membro da Renamo a manifestar o desejo de candidatar-se à presidência do partido, porém, um perfil desenhado de forma milimétrica impede o político de assumir os destinos daquela formação política. (Carta)