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Política

terça-feira, 16 abril 2019 09:52

Recenseamento eleitoral começou a meio gás

A maioria dos postos de recenseamento eleitoral abriu ontem pelas 8:00 horas, no primeiro dos 45 dias do registo, de acordo com nossos correspondentes em todos os distritos. Contudo, em Muéria (Nacala à Velha), Mogincual e Mogovolas (na província de Nampula), foram-nos reportadas filas de espera de 200 pessoas. O mesmo problema verificou-se nos postos de Chemba (Sofala), Gilé (Zambézia), Changara (Tete), Namapa e Muecate (Nampula), entre outros locais em que as filas eram de mais de 60 pessoas. Enquanto isso, noutros postos, particularmente no sul do país, não havia ninguém esperando para se registrar.

 

Com base na informação colhida nos locais, um quarto dos postos de recenseamento não abriu às 09:00 horas, ou parou de funcionar. O maior problema é a falta de energia eléctrica, baterias de computador sem carga, ou problemas com painéis solares, facto que afectou, por exemplo, a Escola Secundária de Macombe, em Gondola (Manica) e a Escola Primária do Primeiro Grau do Luabo (Zambézia).

 

Nos locais de recenseamento assistiram-se também a problemas informáticos ou de impressão, nomeadamente na Escola Secundária 7 de Abril, em Chimoio, a Escola Secundária de Nacala, e a Escola Primária Completa Camanga, em Morrumbala (Zambézia). A causa desse problema está, em parte, na falta de treinamento do pessoal. Por exemplo, na Escola Primária Completa de Namutequeliua, na cidade de Nampula, o recenseamento não foi iniciado porque ninguém sabia a senha do computador. Em vários locais, os nossos correspondentes relatam que os técnicos do STAE, após chegarem aos postos, só se ocuparam a resolver problemas informáticos e, por consequência, alguns eleitores desistiram, regressando para as casas.

 

Enquanto em alguns locais se registavam problemas de atraso, falta de corrente elétrica, e questões informáticas, noutros o equipamento sequer havia chegado. Este facto registou-se nas províncias de Inhambane e Nampula, concretamente, em Jangamo e Chocas Mar, respectivamente.

 

Em vários lugares, a inauguração foi adiada porque o diretor da escola não chegou com a chave para abrir a sala de aula que a brigada devia usar. Na cidade de Maputo, o director da Escola Comunitária 4 de Outubro localizado no bairro Polana Caniço A, não chegou às 8h30. As brigadas demonstraram flexibilidade e, em alguns lugares, montaram trabalhos debaixo das árvores. (CIP)

Momade Assif Abdul Satar, mais conhecido por Nini Satar, o tal “jovem das quantias irrisórias”, poderá ser condenado a dois anos de prisão por ter utilizado um documento de viagem falso durante a vigência da liberdade condicional que lhe fora concedida em 2014 pelo juiz Adérito Malhope.

 

Pelo menos publicamente, nada chegou a ser esclarecido sobre se a liberdade condicional concedida a Nini dava-lhe direito de se ausentar do país, ainda que na altura tenha circulado a informação segundo a qual ele solicitara autorização para deslocar-se ao estrangeiro alegando sofrer de uma doença que só poderia ser tratada fora de Moçambique.

 

O número 1 do artigo 546 do Código Penal (CP) determina que “a pessoa que tomar o nome suposto, fabricar um passaporte ou outro documento de viagem falso, ou alterar substancialmente o verdadeiro, ou fizer uso de passaporte falsificado por qualquer destes modos, será condenado à prisão de dois meses até dois anos”.

 

Para além do crime da utilização de passaporte não autêntico, o Ministério Público (MP) acusa Nini Satar de ter usado um nome falso, crime punível com uma pena que varia de quinze dias a seis meses de prisão, e multa de um mês.   

    

O “jovem das quantias irrisórias” irá a julgamento esta terça-feira (16) no Estabelecimento da Penitenciária de Máxima Segurança, vulgo BO. No mesmo processo será julgado, na qualidade de ‘cúmplice’, Sahim Aslam, sobrinho de Nini Star e dono do nome que consta no passaporte que vinha sendo usado pelo tio (Nini). A julgamento vai igualmente Sidália dos Santos, funcionária do Serviço Nacional de Migração (SENAMI), sobre quem recai a acusação de ser responsável pela emissão do documento de viagem.

 

De acordo com o despacho de pronúncia em poder da “Carta”, pesa sobre Sahim Aslam, de 33 anos, filho de Farida Satar, irmã mais velha de Nini Satar, que fugiu do país depois de ter-lhe sido concedida a liberdade provisória, a acusação de ter utilizado um passaporte falso e nome igualmente falso.

 

Já Sidália dos Santos, descrita no processo como ‘pivot’ da fraude, é acusada de ter cometido crimes de falsificação de passaporte por servidor público, corrupção passiva para actos ilícitos, na qualidade de autora material, e uso de documento de viagem falso, na qualidade de cúmplice.

 

Dos três réus, dois encontram-se detidos. Nini Satar está a cumprir outra metade da pena de 24 anos a que fora condenado no caso relativo ao assassinato do jornalista Carlos Cardoso, em virtude de ter sido revogada a liberdade condicional de que beneficiara em 2014. À data, os órgãos da justiça moçambicana alicerçaram a revogação da liberdade condicional de Nini Satar com base no facto de ele ter formado uma organização criminosa que se dedicava ao rapto de cidadãos nacionais, e em seguida exigir, como condição para libertação das vítimas, avultadas quantias em dinheiro. O processo sobre os casos de rapto encontra-se ainda na fase da instrução preparatória, a nível da Procuradoria da Cidade de Maputo

 

Sidália dos Santos, 37 anos, funcionária do SENAMI desde 2003, está encarcerada nas celas da Penitenciária Preventiva de Maputo (ex-Cadeia Civil). Dos Santos está também a ser investigada noutros processos em conexão com casos que tramitou de forma irregular. Na lista estão incluídos o processo dos 42 cidadãos nigerianos encontrados na República Popular da China com passaportes moçambicanos, e um outro relacionado com a produção paralela e ilegal de documentos de viagem. Sahim Aslam está no gozo da liberdade provisória, para o que pagou 120 mil meticais de caução.

 

Sidália dos Santos: “cérebro da fraude”

 

De acordo com o despacho de pronúncia assinado pelo juiz Eusébio Lucas, da 4a Secção Criminal do Tribunal Judicial do Distrito de Kamphumo, é na pessoa de Sidália dos Santos, como responsável do sector de produção dos Passaportes Biométricos, onde reside o mérito para que Nini Satar tenha logrado ter acesso a um passaporte falso. Foi desempenhando aquelas funções, no período 2013-2017, que Sidália emitiu o passaporte com nº13AF01026, de Nini Satar, a 23 de Dezembro de 2014.

 

Nos autos, o documento de viagem que era usado por Nini foi emitido por um operador identificado no sistema pelo nome de Aldo Costa, mas, na verdade, a responsável pela emissão foi a co-arguida Sidália dos Santos. Ela consumou o acto por volta das 16h15, fora do horário normal de expediente. A escolha dessa hora foi com o propósito de anular a possibilidade de ser vista pelos colegas a praticar tais actos, ‘garantindo’, assim, a sua impunidade.

 

Já em poder do passaporte, Nini Satar passou a usar um nome falso porque isso permitia-lhe dissimular a sua localização, reduzindo a possibilidade de ser detido pelas autoridades nacionais e internacionais. O despacho de pronúncia assinado pelo juiz Eusébio Lucas, da 4a Secção Criminal do Tribunal Judicial do Distrito de Kamphumo, destaca que a escolha de Sahim Aslam para ‘proprietário’ do passaporte usado por Nini Satar deveu-se às semelhanças físicas com este último.

 

No dia 23 de Dezembro de 2014 foi efectuado um depósito numa conta de Sidália dos Santos, no montante de 70 mil meticais. Mas, nos autos, Sidália disse desconhecer a proveniência do valor. Apesar disso, e de acordo com o despacho de pronúncia, Sidália nunca chegou a apresentar qualquer inquietação ou denúncia sobre a existência daquele dinheiro na sua conta bancária.

 

A 10 de Janeiro de 2015, Nini Satar, munido do passaporte falso, saiu do país, tendo a Swazilândia, agora eSwatini, como primeiro destino. Conseguiu lá chegar usando o posto de travessia de Namaacha/Lomahasha, contando com a preciosa ajuda dos funcionários do Serviço Nacional de Migração, entretanto não identificados nos autos.

 

No dia seguinte, 11 de Janeiro, e de novo usando o mesmo documento de viagem, “o jovem das quantias irrisórias” deixou a Swazilândia com destino à África do Sul, através do posto de travessia de Lavumisa/ Ngoela. Da África Sul seguiu para os Emirados Árabes Unidos, onde permaneceu de 5 a 9 de Fevereiro.

 

Valendo-se do mesmo documento, Nini Satar esteve sucessivamente em Singapura, Cambodja, Qatar, Arábia Saudita, França e Tailândia. Foi neste último país, em Agosto de 2018, onde ele foi detido pela Polícia Tailandesa, em cumprimento de um mandado de captura internacional emitido no âmbito do processo-crime 4/10/2014. A captura de Nini Star foi justificada com base no argumento de que ele violara os pressupostos da liberdade condicional que lhe tinha sido concedida. (Ilódio Bata)

Estão fora da cadeia os 17 oficiais do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP) detidos a 25 de Fevereiro deste ano por alegado envolvimento no esquema que levou à saída da cadeia, em liberdade condicional, de Momade Assif Abdul Satar, vulgo Nini Satar. A soltura dos 17 oficiais do SERNAP, mediante pagamento de caução, foi feita em duas fases, tendo a primeira ocorrida na passada sexta-feira, com a libertação de 12 elementos do grupo. Os restantes cinco foram postos em liberdade ontem, segunda-feira (15).

 

Na sexta-feira, os 17 oficiais do SERNAP compareceram perante o Tribunal Distrital da Machava, 1ª Secção, tendo a juíza Mirza dos Santos ordenado a sua soltura. No grupo está o antigo director da BO (na altura dos factos), José Machado, e o antigo director da Cadeia Central da Machava (na altura dos factos), Ramos Zambuco. Todos eles tinham sido detidos no âmbito do processo 273/10/P/17, instaurado pela Procuradoria Provincial de Maputo.

 

A detenção dos visados surgiu na sequência de uma acusação que lhes foi imputada pela Procuradoria da Província de Maputo, segundo a qual o grupo esteve envolvido na facilitação da liberdade condicional de Nini Satar e de outros reclusos. Por decisão da juíza Mirza dos Santos, os dois ex-directores, José Machado Ramos Zambuco, foram libertados mediante pagamento de uma caução no valor de 120 mil Mts cada. Para poderem sair em liberdade, os restantes 15 arguidos tiveram de pagar uma caução de 35 mil Meticais cada. (Omardine Omar)    

Um estudo sobre “Processo de Justiça Criminal para os Crimes sobre a Fauna Bravia - da Captura ao Cumprimento da Pena”, encomendado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), recomenda, ao governo, a criação de uma jurisdição especial de Crimes de Fauna Bravia para as Áreas de Conservação (AC). De acordo com o relatório apresentado na última quinta-feira (11) em Maputo, criar uma jurisdição especial dos crimes de fauna bravia para as áreas de conservação pode suprir a fraqueza de cada um dos intervenientes legais, ultrapassando-se desafios de capacidade e falta de compreensão, e melhorando a partilha de informações e coordenação entre os diversos interessados.

 

O estudo teve como objectos o Parque Nacional da Gorongosa e a Reserva Nacional do Niassa. O objectivo central era perceber em que condições o aumento da detenção de crimes ambientais leva à acusação e punição dos supostos criminosos. Metodologicamente, foi feita uma a análise do quadro legal moçambicano sobre caça furtiva, desde captura de um suspeito ao cumprimento da pena. Seguiram-se entrevistas aos intervenientes envolvidos, incluindo agentes da polícia, funcionários judiciários, das AC e líderes comunitários.

 

Para os pesquisadores (Peter Bechtel, Gildo Espada e Eugénio Guila), o sistema legal moçambicano separa os papéis do agente de prisão, procurador e juiz, para proteger os direitos dos cidadãos, mas devia haver uma coordenação e partilhar de informação. Os entrevistados deixaram suas percepções. Uma das queixas dos fiscais, por exemplo, prende-se com a dificuldade em cumprirem com as 48 horas determinadas pela Lei para legalizar a detenção dos infractores, devido à burocracia processual. O facto, contam, é que, após a sua detenção, os criminosos são levados à AC para a elaboração do auto de notícia, sendo depois encaminhados para a localidade-sede. Daqui são enviados de imediato para a procuradoria distrital. Esta situação, dizem os pesquisadores, chega a durar mais de 48 horas, para além de acarretar custos do transporte. Outro aspecto prende-se com o facto de, em certas ocasiões, os indivíduos serem detidos, acusados, julgados e condenados, mas sem nunca cumprirem o castigo, devido à falta de espaço no estabelecimento penitenciário.

 

Entretanto, apesar destas situações, o estudo constatou que a captura de criminosos da fauna bravia acusados e a recolha de provas são realizadas dentro dos parâmetros legais. Constatou também que todas as partes interessadas compreendem a importância daqueles locais e os seus papéis na aplicação da lei; e que as instituições desenvolvem fortes relações colaborativas através da formação, operações conjuntas, melhores práticas de comunicação e infra-estrutura, comandos unificados, apoio técnico, material e logístico mútuo.

 

A pesquisa observou ainda que as AC garantem às comunidades a partilha plena dos benefícios e das responsabilidades de viver com a fauna bravia. Constatou, igualmente, que o envolvimento estratégico e direccionado das partes interessadas é usado para planear, desenvolver e monitorar as relações das AC com todas as entidades relevantes que igualmente tenham interesse. Também se certificou que as relações institucionais fortes são utilizadas para resolver problemas de desempenho individuais.

 

O estudo avança que é facultado apoio ao sistema prisional como forma de aumentar a capacidade de encarceramento e desenvolver alternativas à detenção e que a responsabilidade pela supervisão da detenção é claramente atribuída no quadro legal moçambicano, tendo sido já apresentado um projecto de lei no Parlamento.

 

Recomendações

 

Entre as recomendações deixadas pelos pesquisadores à Administração Nacional das Áreas de Conservação (ANAC) inclui-se o investimento na consolidação das equipas e divulgação para motivar e mobilizar as diversas partes interessadas no processo de justiça criminal, a fim de tornar eficaz a aplicação da lei; a coordenação e construção de relações com as procuradorias distritais relevantes, para poderem prestar assistência directa aos guardas literados na preparação do auto de notícia, o fornecimento do apoio operacional aos sistemas prisionais locais, particularmente na provisão de comida; e a organização e coordenação de acções conjuntas, como patrulhas, entre as áreas de conservação e as esquadras da polícia.

 

Aos líderes comunitários foi recomendada a educação da população sobre as regras e regulamentos das Áreas de Conservação, participação activa na monitoria e captura de suspeitos, envolvimento na condenação comunitária de infractores. Aliás, a pesquisa identificou três tipos de caça furtiva: a de subsistência, vingança e profissional.

 

Segundo os pesquisadores, a caça de subsistência é feita pelas comunidades e destina-se ao consumo. A de vingança surge como resposta da comunidade à “valorização” dos animais selvagens que as pessoas. Enquanto a caça furtiva profissional é desenvolvida por organizações criminosas. Ao sector da justiça, o estudo recomendou a promoção da detenção e não fiança. Refere que, nos casos em que é exigida fiança, ela deve ser solicitada em “grandes quantias” para desencorajar os criminosos. Diz ainda haver necessidade de as acusações expandirem-se para além dos crimes específicos contra a fauna bravia, passando a incluir outros (crimes) relacionados, como forma de atacar as redes criminosas.

 

Para a Directora da USAID, Jennifer Adams, a conservação da biodiversidade e o sistema de justiça criminal estão actualmente mais ligados do que nunca. Afirmou que a nível mundial o tráfico ilegal da fauna bravia arrecada cerca de 25 mil milhões de USD por ano, financiando uma série de outras actividades ilegais, ao dizimar as populações de animais selvagens e minando o potencial de investimento e desenvolvimento económico das comunidades rurais. Por esse motivo, a redução da caça furtiva é tão importante na segurança e protecção da África Austral como para salvaguardar a biodiversidade única do nosso país.

 

Adams defende ainda que levar os criminosos à justiça é uma componente essencial da protecção das áreas de conservação, pois, envia uma mensagem de tolerância zero para impedir futuras actividades criminosas. “No entanto, o sucesso nessa luta depende da coordenação entre todas as partes interessadas”, sublinhou a dirigente norte-americana.

 

A Directora da USAID, em Moçambique, revelou que, desde 2007, a USAID já investiu 23 milhões de USD na área da conservação, particularmente, no Parque Nacional da Gorongosa (20 milhões de USD) e na Reserva Nacional do Niassa (três milhões de USD). Por sua vez, o Director da ANAC, Mateus Muthemba, manifestou a sua preocupação face ao recrudescimento da caça furtiva, que no ano passado pôs em causa a existência do elefante na Reserva do Niassa. (Abílio Maolela)

No passado dia 26 de Março, Samora Machel Júnior entregou ao Partido Frelimo um documento com 40 páginas, onde apresenta sua defesa à uma Nota de Acusação instruída a mando do Secretário-Geral do partido, Roque Silva, como procedimento disciplinar pelo facto de Samito ter-se apresentado como cabeça de lista da AJUDEM nas eleições municipais de Outubro passado, em Maputo.

 

A Nota de Acusação, instruída por dois relatores da Comissão de Verificação do Comité Central (CVCC), nomeadamente Francisco Cabo e Filipe Sitoe, aponta para uma única saída: a sua expulsão da Frelimo.

 

Expulsão?, responde Samito.

 

Quem deve ser suspenso é o Presidente Nyusi, diz ele.

 

Sua defesa é cáustica. Ele praticamente esvazia os argumentos da acusação e parte para o ataque. Diz que o processo disciplinar é nulo (mostra com argumentos de facto e de jure) e, sendo nulo, não há como ele ser sancionado. “A pena de expulsão decorre de uma vontade visando atingir um resultado; é fruto de uma campanha de anti-democracia, de anti-regra instalada pelo Presidente Nyusi” na Frelimo. “Carta de Moçambique” já leu as 40 páginas e amanhã publica o essencial. A não perder! (M.M.)

As suspeitas de corrupção que pairam sobre o processo de construção do polémico Aeroporto Internacional de Nacala, alvo de críticas devido ao seu elevado custo (125 milhões de USD), para além da sua aparente não estratégica localização (está a menos de 200 km do Aeroporto de Nampula, o segundo mais movimentado do país), continuam a ganhar sentido. Isso deve-se ao “surgimento” de dois contratos de financiamento celebrados entre a empresa pública Aeroportos de Moçambique (AdM) e o Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), do Brasil, instituição financeira que concedeu o crédito, porém, com protagonistas diferentes.

 

A “Carta” está na posse de duas cópias de “contratos de financiamento mediante abertura de crédito” assinados entre o BNDES e a AdM, com intervenção da Odebrecht (agente exportador), do Governo (agente garantidor), através do então Ministro das Finanças, Manuel Chang, e do antigo Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, (terceiro interveniente).

 

Entretanto, estes foram assinados por protagonistas diferentes num intervalo de dois anos. O primeiro contrato, celebrado a 28 de Abril de 2011 com o n° 10.2.1877.1, concedia à AdM um crédito de 80 milhões de USD e destinava-se à exportação, em 100%, dos bens e serviços brasileiros que seriam aplicados no projecto, através da sua linha de financiamento “BNDES-exim Pós-Embarque, modalidade buyer’s credit”. A linha de crédito em causa é aquela em que os recursos são disponibilizados depois de a operação ter sido aprovada.

 

O contrato foi assinado por Manuel Veterano e António da Silva, então PCA e Administrador da empresa, respectivamente. Também rubricaram aquele contrato Luciano Coutinho e Luiz Melin, na altura presidente e director do BNDES, respectivamente, bem como Carlos Napoleão e Fernando Soares, directores da Odebrecht. Em nome do Governo rubricou o mesmo contrato Manuel Chang, enquanto Paulo Zucula assinou-o como representante do Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC).

 

O segundo contrato de financiamento, que surge de uma adenda contratual assinada entre AdM e Odebrecht a 08 de Agosto de 2012, foi celebrado no dia 06 de Setembro de 2013 (13 meses depois da assinatura da adenda), com o n° 13.2.0104.1, concedendo um crédito na ordem de 45 milhões de USD. O referido contrato tinha como finalidade complementar as obras de ampliação das capacidades do empreendimento, igualmente através da sua linha de financiamento “BNDES-exim Pós-Embarque, modalidade buyer’s credit”.

 

No entanto, se o primeiro contrato tinha a assinatura de Paulo Zucula, o segundo contava apenas com os testemunhos da Odebrecht e do Governo, este último representado pelo então Ministro das Finanças, Manuel Chang. Assinaram o segundo contrato Emanuel Chaves e Lucrécia Ndeve, PCA e administradora da empresa Odebrecht, respectivamente, Carlos Napoleão e Carlos de Souza (ambos da Odebrecht), Wagner Bittencourt e Luiz Melin (os dois pertencentes ao BNDES), e Manuel Chang, do Governo.

 

Esta situação levanta dúvidas sobre as pessoas que possam ter beneficiado dos subornos pagos pela Odebrecht. O facto é que o processo nº 58/GCCC/17-IR, em investigação no Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), constituiu apenas dois arguidos, nomeadamente Paulo Zucula e Manuel Chang. Zucula é acusado de ter recebido subornos no valor de 135 mil USD, enquanto Chang é suspeito de ter encaixado 250 mil USD. No total, os dois receberam 385 mil USD.

 

Entretanto, a Odebrecht declarou ter feito o pagamento, no período 2011-2014, de 900 mil USD a altos funcionários do Governo durante o processo de construção do Aeroporto Internacional de Nacala, ora transformado num “elefante branco”. Ninguém sabe explicar o “desaparecimento” dos restantes 515 mil USD. Importa referir que, aquando da assinatura do segundo contrato, Zucula ainda era titular da pasta dos Transportes e Comunicações, mas não o assinou como fê-lo em relação ao primeiro, situação que levanta algumas questões sobre os motivos de tal situação.

 

Âmbito da parceria e cláusulas contratuais

 

Tendo em conta a fundamentação dos dois contratos, o MTC foi o primeiro a celebrar um contrato comercial com a Odebrecht para a construção do Aeroporto Internacional de Nacala a 10 de Dezembro de 2009. Todavia, o Ministério retirou-se do negócio no dia 29 de Novembro de 2010, através da assinatura de um acordo de cessação de posição no contrato, tendo transferido as responsabilidades para a AdM. Com 26 páginas e 24 cláusulas, o primeiro contrato estabelecia, entre outras cláusulas, que o crédito não deveria ser usado para o pagamento de impostos, tarifas alfandegárias, contribuições, comissões e quaisquer outras taxas ou tributos, em Moçambique ou noutro país.

 

Regido pela legislação inglesa (collateral agency agreement and bank account charge), que terá por objecto o penhor e administração das contas-garantia constituídas como contra-garantia ao seguro de crédito à exportação, o contrato também estabelece, na 20ª cláusula, que em caso de incumprimento o problema será resolvido via Tribunal Arbitral composto por três árbitros e terá lugar na cidade brasileira do Rio de Janeiro com aplicação da legislação daquele país.

 

Acrescenta, na 13ª cláusula, que na hipótese de uma cobrança judicial da dívida, a AdM pagará ao BNDES uma multa de 10% sobre o principal, e encargos da dívida, para além das despesas extra-judiciais, judiciais e honorários advocatícios. Por sua vez, a AdM declara, na 3ª cláusula, que a eleição da legislação brasileira como aplicável àquele contrato estava em conformidade com a legislação nacional e será aplicada pelos órgãos jurisdicionais, razão por que “as sentenças a serem aplicadas pelos tribunais brasileiros seriam reconhecidas e aplicadas pela justiça moçambicana”.

 

O primeiro crédito tem uma taxa de juro aplicada para os empréstimos interbancários de Londres (Libor) para um período de 60 meses, acrescida de 2% a título de spread, permanecendo fixa até à liquidação da dívida. Os juros deviam ser pagos em 30 parcelas semestrais consecutivas (15 anos), e seriam calculados dia-a-dia sobre o saldo devedor do crédito. Por sua vez, a própria dívida devia ser paga em 23 parcelas semestrais (11 anos e meio).

 

O segundo contrato estabelece as mesmas condições impostas no primeiro, mas acrescido a isso especifica que o crédito deve ser amortizado em 23 prestações semestrais (quase dois anos), e a taxa de juro do crédito a ser aplicada deverá ser equivalente à dos empréstimos interbancários de Londres (Libor) para um período de 60 meses, acrescida de 2% a título de spread, permanecendo fixa até à liquidação da dívida. Os empréstimos devem ser pagos em 27 parcelas semestrais (23 anos e seis meses). (Abílio Maolela)