Xará de Nyusi, Filipe Chimoio Paúnde usou nos últimos 10 anos de todo o poder e influência de Secretário-Geral do partido que Armando Emílio Guebuza lhe conferiu durante seu consulado. Filipe Paúnde foi meticulosamente marcando os pontos no roteiro de sua agenda e de seu grupo do Centro, a prepararem o consulado “da nossa vez de comer”. “Paúnde vem arregimentando e aparelhando o poder, numa perspectiva de vez do Centro”, garantem-nos fontes de “Carta”. “Quem comanda as operações nos bastidores chapistas é Filipe Chimoio Paúnde”.
“Quando um ataque misterioso mata o presidente e elimina todos os que estão na linha de sucessão, Thomas Kirkman, um humilde ministro do gabinete, é forçado a assumir a responsabilidade como sobrevivente designado.”
Esta é a sinopse da série de ficção da Netflix “Designated Survivor”, uma das séries que desde a pandemia da Covid-19 tem deliciado sessões de “binge-watching” e alimentado o imaginário de muitos amantes do cinema do pequeno ecrã ou nas telas mágicas de smart tê-vês.
Mas esta série também povoa o ideário de amantes da política moçambicana, quanto mais não seja porque o actual Presidente da República foi o sobrevivente designado do último conclave da Frelimo, em Maio de 2024, no qual foi, primeiro, eleito à cesariana candidato do partido para a Presidência da República nas eleições gerais de 09 de Outubro último e, no dia seguinte, por aclamação, conduzido ao cargo de Secretário-Geral da Frelimo.
Recorde-se que Chapo foi eleito ao fim de três dias da sessão extraordinária do Comité Central, que inicialmente estava prevista para durar apenas um dia, mas a falta de consensos em relação à lista apresentada pela Comissão Política levou a que esta tivesse interrupções sucessivas.
À cesariana, Chapo venceu com 225 votos, equivalente a 94 por cento, numa segunda volta em que concorreu sozinho, após a renúncia do segundo classificado da primeira volta, Roque Silva, o qual durante a sessão pediu demissão do cargo de Secretário-Geral da Frelimo e manifestou o desejo de não fazer mais parte da Comissão Política.
Daniel Chapo, então Governador de Inhambane, chegou a confessar publicamente que, quando partiu de Inhambane para a sessão do Comité Central, ia para lá apenas votar por um dos putativos candidatos e nunca lhe passara pela cabeça que lá iria para ser votado. Tanto que tinha muda de roupa para apenas dois dias e não quatro.
Chapo superaria outros três candidatos: Roque Silva, do Sul, Esperança Bias, à altura Presidente da Assembleia da República, do Centro, e Francisco Mucanheia, membro da Comissão Política, do Norte. Damião José, do Centro, fazia parte da lista inicial da Comissão Política, mas acabou desistindo antes do escrutínio.
A suposta visita ao Sobrevivente Designado
Da noite de insónia em que o sobrevivente designado foi eleito provável futuro Presidente da República, correu, nos bastidores da Frelimo e nos corredores familiares aos meandros e círculos de poder no partido Governista, uma anedota, especulação ou facto verídico, mas não confirmado nem desmentido.
Reza a dita estória que, após ter sido entronizado o improvável candidato do partido a PR, Daniel Chapo estava ainda a recobrar-se e vivia sobressaltado de dúvidas sobre o seu “novo destino”, quando recebeu uma visita inusitada em seu quarto do Resort Indy Village, no coração do bairro de referência número um da elite política e económica de Moçambique, Sommerschield. Dizem os rumorologistas do partidão que Chapo foi visitado por uma figura de proa do partido, a qual sossegou-lhe que ninguém e nada o tiraria da parada, para finalmente chegar “a vez do Centro” do país ter um PR.
Esse camarada de “alta patente”, especula-se, é nada mais nada menos que Filipe Chimoio Paúnde, para muitos emissário de Armando Emílio Guebuza, mas para os mais entendidos dos bastidores da Frelimo, porta-voz de mais ninguém senão dele mesmo e de seus próprios propósitos.
Chefe da Brigada Central do Partido Frelimo para as eleições gerais de 2024 e um dos mais fortes membros da Comissão Política do partido, afiançam-nos fontes do partido dos camaradas, Filipe Paúnde é na verdade o verdadeiro “kingmaker” da “vez do Centro” do país ter um PR, depois da hegemonia do Sul com Samora Machel (1975 - 1986), Joaquim Chissano (1986 - 2004) e Armando Guebuza (2005 - 2014) e a estreia do Norte com Filipe Jacinto Nyusi (2015 - 2024).
Ao contrário do que “Carta” estava até hoje convencida, para esta ascensão de um candidato oriundo do centro de Moçambique, tese bastante pregada pelo politólogo João Graziano Pereira, nos últimos oito anos, o “King” dos “Kingmakers” não era o falecido Fernando Francisco Faustino, líder da ACLLN até à sua morte por doença em Outubro passado.
O roteiro ''Centrista'' de Chimoio Paúnde
Xará de Nyusi, Filipe Chimoio Paúnde usou nos últimos 10 anos de todo o poder e influência de Secretário-Geral do partido que Armando Emílio Guebuza lhe conferiu durante seu consulado, o mesmo aliás que Roque Silva Samuel foi perversa e promiscuamente usando a mando de Filipe Nyusi, “qual cão de guerra” do poderoso Chefão passado “a papel químico”.
Filipe Paúnde, hoje a exultar vitalidade aos oitenta anos, como bem ficou patente pelo garbo e galhardia com que se exibiu durante a cerimónia de tomada de posse de Daniel Francisco Chapo, a 15 de Janeiro último, foi meticulosamente marcando os pontos no roteiro de sua agenda e de seu grupo do Centro, a prepararem o consulado “da nossa vez de comer”.
Natural de Marita em Manica, Paúnde fez-se político da linha da frente e do primeiro plano do partidão em Nampula, província mais populosa, maior círculo eleitoral e o verdadeiro turbilhão étnico-cultural de Moçambique, onde goza de significativo apoio, granjeia altas simpatias entre as várias etnias dominantes e conflitantes e tem relações fortes de amizade com empresários locais, alguns dos quais em conflito com a Lei ou envoltos em litígios uns com os outros na barra da Justiça.
Afiançam-nos as nossas fontes, foi do jogo de cintura entre o Guebuzismo revigorado, com que se identifica, mas usa para mascarar os interesses etno-tribais do “grupo do Centro”, e o Nyussismo decadente mas resistente, que Paúnde foi o “Kingmaker” da indicação para Presidente da Assembleia da República, de sua camarada e velha aliada das batalhas de Nampula, Margarida Adamugy Talapa.
“Paúnde vem arregimentando e aparelhando o poder, numa perspectiva de vez do Centro”, garantem-nos as fontes, que “Carta” ainda está por perceber defendem interesses de quem nas lógicas e dinâmicas do partido. “Foi ele que apadrinhou Lúcia Ribeiro (de Manica) para o Conselho Constitucional. Foi ele quem fez o grooming de Adelino Muchanga (de Manica) da academia para Presidente do Tribunal Supremo”, confessam-nos em indisfarçável resignação as fontes, mais ligadas a uma certa intelectualidade por detrás de históricos do partido, avessos a agendas tribais, étnicas ou regionalistas.
“E agora deu a machadada final no Ministério da Justiça, com a movimentação de Mateus Saize do Conselho Constitucional para Ministro da Justiça”, acusam. Mas, perguntámos, afinal não são escolhas de Daniel Francisco Chapo na sua divisa e compromisso de que “vamos trabalhar”, e deriva reformista e promissória de que “não devemos fazer as coisas do mesmo jeito e esperar resultados diferentes”?
Jogos de cintura e ''toma lá, dá cá''
“Quem comanda as operações nos bastidores chapistas é Filipe Chimoio Paúnde”, reforçam sua tese. Garantem que Paúnde é quem puxa os cordelinhos e ele é que comanda a agenda de Chapo na actual configuração da Comissão Política onde tem alguns “aliados naturais” (Margarida Talapa, Aires Aly, Sérgio Pantie, Nyeleti Mondlane) e habitam alguns “dinossauros” do partido e outras figuras críticas do Nyussismo (Tomaz Salomão mais vocal, Basílio Monteiro mais nos bastidores) e que querem ver Chapo se afirmar na sua agenda reformista e de ruptura com os anos tenebrosos e sinistros de Nyusi ao leme do partido e do país.
Com base nas denúncias dessa falange intelectual dentro do partido, “Carta” abordou outras fontes e foi visitar o submundo das lógicas e dinâmicas de inter-relações e toma lá, dá cá entre as Organizações Sociais do partido. Reza o Artigo Noventa e Dois da “Organização Política do Partido FRELIMO” (BR III Série - Número 7, de Quarta-feira, 10 de Janeiro de 2018, páginas 213 a 216) que “são organizações sociais da FRELIMO, sem prejuízo de outras que forem definidas pelo Comité Central:
- a) Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional - A.C.L.L.N.;
- b) Organização da Mulher Moçambicana - O.M.M.;
- c) Organização da Juventude Moçambicana – O.J.M.''
Fim de citação.
“De outras que forem definidas pelo Comité Central” consta a Organização dos Continuadores, que não sendo uma liga infantil representa uma franja de antigos “Continuadores da Revolução Moçambicana”, hoje quarentões ou cinquentões, mas que no jogo político intra-partidário podem ser chamados à liça. Mas que liça?
No próximo dia 14 de Fevereiro, Dia de São Valentim, uma sexta-feira, a Frelimo vai reunir-se em Comité Central, com a seguinte agenda:
- Eleição do Presidente do Partido;
- Eleição do Secretário-Geral;
- Eleição dos Membros do Secretariado do Comité Central.
Apesar de, no ano passado, no calor do verão pré-eleitoral no partido Frelimo, ter havido um debate académico nas redes sociais e na mídia, segundo o qual, em respeito à Constituição da República, o Chefe de Estado não pode ser Presidente da Frelimo, é mais do que físico que Daniel Francisco Chapo vai ser entronizado Presidente do partidão. Reza o artigo 148 da Constituição da República, que o Chefe de Estado não deve exercer qualquer função privada, subsumindo-se daí a pretensa incompatibilidade entre a função de Presidente da República e a de Presidente da Frelimo, por sua natureza e objecto uma organização com fins privados.
Um tema para excelentes teses de doutoramento em filosofia, ciência política, comunicação e cultura, sociologia política, teoria de Estado de Direito e Democrático e outras mais bancas temáticas para o alcandorado título de PhD em qualquer universidade do Mundo. Mas, na pragmática da política moçambicana, uma esterilidade.
Garantidamente, os 250 membros do Comité Central vão votar unanimemente e por aclamação, sem vírgulas nem exclamações, pela eleição de Chapo. Vai voltar a ouvir-se aquele estribilho “hêêêêh, Chapoooo”, como bem manda a praxis e pompa auto-celebratória Frelimista, mesmo que em negação face ao tsunami popular que é Venâncio António Bila Mondlane Jr, nascido politicamente na Frelimo, mas que na sua fase adulta e quando decidiu se tornar activista e político profissional divorciou-se irrevogavelmente do partido fundado por Eduardo Chivambo Mondlane.
A cartada Cidália Chaúque
A liça de que falamos está sobretudo na corrida ao cargo de Secretário-Geral da Frelimo. Contrariando o que nos afiançaram outras fontes na semana passada, emerge uma nova favorita para Secretária-Geral da Frelimo. Sim, SG no género feminino. Apesar de a “Jota” pretender influenciar Daniel Chapo a escolher seu preferido Mety Gondola; de a ACLLN estar dividida entre Mety Gondola (filho de um veterano da luta armada, falecido esta semana, paz à sua alma!), Samora Machel Jr e Raimundo Maico Diomba; a OMM sonhar com Alcinda Abreu Mondlane ou Verónica Macamo Dlovo, os jogos de bastidores destes grupos poderão redundar em fracasso...
Poderão redundar em fracasso as tentativas de toma lá, dá cá dessas organizações sociais, bem como de vozes independentes na Comissão Política e líderes de opinião e “influencers” no Comité Central, perante o poder do actual maior “Kingmaker” do partido, Filipe Chimoio Paúnde.
“Agora, para Secretário-Geral da Frelimo tem de ser alguém do Sul”, garantem-nos vozes descontentes do partido, às quais outras vozes retorquiram e nos confidenciaram que “pode ser legitimamente uma figura do Norte”. Mas não do Centro, já que não se pode ter Presidente e SG da mesma região, segundo as lógicas regionalistas do equilíbrio de forças no partido Frelimo. Para ser SG da Frelimo, pela primeiríssima vez uma mulher, quem realmente puxa os cordelinhos dos movimentos e pensamentos do Presidente Daniel Francisco Chapo, pelo menos até este se consolidar na Chefia de Estado e no comando central do partido Frelimo, Filipe Chimoio Paúnde quer, nada mais, nada menos que Cidália Chaúque.
Cidália Manuel Chaúque Oliveira, que completou 52 anos no passado 22 de Outubro, nasceu na cidade do Maputo, foi Ministra do Género, Criança e Acção Social no primeiro mandato de Nyusi. Contabilista e auditora, antes da política fez carreira em empresas públicas e no aparelho do Estado (EDM, Águas de Moçambique, Direcção Provincial de Finanças em Inhambane). Sua carreira política, no partido, perpassa a OJM e a OMM, até que foi deputada da Assembleia da República (1999 a 2012), nesse ínterim membro do Comité Central do Partido FRELIMO (2003 e 2008) e, em 2015, exerce de forma fugaz o cargo de Governadora da Província de Nampula.