A partir de Abril próximo, o Termo de Compromisso na importação de bens será obrigatoriamente electrónico. O Termo de Compromisso, agora feito manualmente, é um documento emitido pelo banco intermediário de uma operação de importação para ser presente à autoridade aduaneira. O processo consiste em o banco certificar que o importador é seu cliente, e que está a intermediar a operação em causa. Também visa verificar se o importador assume o compromisso de remeter os documentos relevantes ou as receitas de exportação para o mesmo banco, nos prazos definidos para o efeito. A ser ultrapassado o processo manual, o documento em causa deverá ser submetido pelo importador na Janela Única Electrónica (JUE), através do despachante aduaneiro ou banco intermediário do importador.
A utilização do Termo de Compromisso para intermediação bancária é uma medida imposta pelo Banco de Moçambique (BM) através do Aviso nº 20/GBM/2017, de 27 de Dezembro (Normas e Procedimentos a Observar na Realização de Operações Cambiais), no seu nº1 do artigo 30, tendo como finalidade o controlo cambial no processo de importação de bens.
A fase piloto do Termo de Compromisso iniciou em Setembro do ano passado, abrangendo 30 empresas pré-selecionadas (e não só), com término previsto para o dia 31 deste Março. (Evaristo Chilingue)
O supermercado “Recheio” agravou na última sexta-feira (22) o preço do purificador de água “Certeza” (a vertente comercial do produto), passando dos anteriores 25,00 Mts para 55,00 Mts. A nossa reportagem deslocou-se ao “Recheio” para se inteirar do que estava a passar-se. Muita gente comprava o produto em grandes quantidades com o propósito de doá-lo às vítimas do IDAI nas províncias afectadas pelo ciclone. Tentámos ouvir um representante do “Recheio”, mas ninguém se predispôs a prestar declarações sobre o assunto. Em conversa com alguns vendedores, foi-nos dito que a subida do preço do “Certeza” em mais de 100% deveu-se à uma grande procura nos últimos dias.
A cidadã Júlia Rafael contou que, na última quinta-feira (21), deslocou-se ao “Recheio” para comprar o produto em grandes quantidades para mandar para a família no Dondo. Nesse dia, comprou grandes quantidades de “Certeza” ao preço de 25,00 Mts. No sábado de manhã, ela quis aumentar a quantidade mas, quando lá chegou, o preço do produto tinha duplicado! Mesmo assim não deixou de comprá-lo, ainda que desta vez em pequenas quantidades. “Não tive muitas escolhas, tendo em conta que, neste momento, é o que podemos fazer pelas vítimas do IDAI. A especulação é uma realidade, não só na Beira mas também em vários outros pontos do país. Há oportunistas em todo o lado”, lamentou.
Ainda sobre a especulação do preço da “Certeza”, o nosso jornal contactou Virgínia Muianga, porta-voz da Inspeção Nacional das Actividades Entómicas (INAE). Ela não escondeu a sua indignação e surpresa ao receber a informação, tendo garantido à nossa reportagem que iria mandar uma equipa ao “Recheio” para averiguar o assunto.
O purificador “Certeza”, que pode ser adquirido em comprimidos ou na forma líquida em recipientes de 150,00 Ml, é recomendado pelo Ministério da Saúde por possuir propriedades que permitem a eliminação de bactérias existentes na água, que podem ser prejudiciais ao ser humano.
Uma das vantagens da “Certeza” é facilitar a conservação da água, principalmente nas zonas rurais, onde as condições de transporte e armazenamento do precioso líquido são precárias. É por essa razão que tem havido muita procura do “Certeza”, pois depois das chuvas a água torna-se muitas vezes imprópria para o consumo humano. (Marta Afonso)
Depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) remeteu, ao Tribunal judicial da Cidade de Maputo, o Processo nº 1/PGR/2015, de 12 de Agosto, relativo às “dívidas ocultas” contraídas pelas empresas EMATUM, ProIndicus e MAM, acusando 20, dos 28 arguidos constituídos no âmbito deste processo, abre-se um novo capítulo nesta longa-metragem iniciada, em 2015.
Com o processo já no Tribunal, encerra-se a fase de instrução preparatória que leva consigo o “segredo de justiça”. Ou seja, a partir deste momento, os advogados de defesa passam a ter um conhecimento mais detalhado da matéria indiciária, começando a desenhar as suas estratégias de defesa.
Os advogados, diz uma fonte consultada, tem dois caminhos a seguir. Um é pedir a abertura da instrução contraditória, de modo a esclarecerem questões dúbias e sugerir diligências. O outro é contestarem a acusação. Porém, explica que neste tipo de casos, os advogados preferem a abertura da instrução contraditória.
Finda a instrução contraditória, o Tribunal devolve a acusação para o Ministério Público para dar seguimento ao seu trabalho que, nesta fase, cingir-se-ia em acusar ou não os arguidos. Com ou sem a sua acusação, o processo é devolvido ao Tribunal, onde um juiz vai proferir o Despacho de Pronúncia. Aqui fica-se a saber quem o juiz considera que deve ou não ser submetido a julgamento, tendo em conta os indícios recolhidos.
Até o Despacho de Pronúncia, segundo a nossa fonte, o Tribunal tem 40 dias para decidir sobre o futuro dos arguidos que aguardam o desfecho do caso na prisão por tratar-se de um processo de querela. Ou seja, Gregório Leão e a esposa Ângela Leão, António Carlos do Rosário, Teófilo Nhangumele, Ndambi Guebuza, Inês Moiane, Bruno Tandane, Sidónio Sitoi, Fabião Mabunda e Sérgio Namburete.
Dos advogados que assistem os 20 arguidos, “Carta” conseguiu falar com Damião Cumbane, advogado de Ângela Leão, e Alexandre Chivale, que defende o trio composto por Ndambi Guebuza, Inês Moyane e Sérgio Namburete.
Até as 11 horas desta segunda-feira, Damião Cumbane ainda não tinham sido notificado pelo Tribunal, por isso, não sabia que passos subsequentes ia dar no processo.
“Ainda não fomos notificados. Não sabemos em que secção foi submetido o processo. O juiz ainda deve estar a estudar a acusação”, disse aquele advogado, garantindo ainda que a sua constituinte gozava de boa saúde. Por sua vez, o “guebuzista” Alexandre Chivale garantiu ter recebido a notificação, mas negou entrar em detalhes.
Entretanto, o seu assistente, Isálcio Mahanjane, disse ser prematuro avançar o que será feito nos próximos dias, pois, ainda não tem conhecimento da acusação. “Temos que conhecer acusação para vermos se contestamos ou nos conformamos com ela”, garantiu.
Os outros advogados que assistem o caso são Abdul Gani (Gregório Leão e António Carlos do Rosário), Adriano Boene (Sidónio Sitoi), Paulo Nhancale e Carlos Santana.
Refira-se que, nesta segunda-feira, ficou conhecida a lista dos 20 acusados do caso das “dívidas ocultas”. Para dos nomes já conhecidos, nomeadamente todos os detidos acima mencionados mais o sobrinho de Inês Moiane, designadamente Elias Moiane, foram acusadas as seguintes figuras: Cipriano Mutota, Crimildo Manjate, Mbanda Anabela Buque (irmã de Ângela Leão), Khessaujee Pulchand, Simione Mahumane, Naimo Quimbine, Márcia Biosse de Caifaz Namburete (mulher de Sério Namburete), Manuel Renato Matusse e Zulficar Ahmad.
Para além destes 20, o Ministério Público absteve-se de acusar quatro pessoas e abriu processos autónomos contra outras quatro, incluindo o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, detido na África do Sul a 29 de Dezembro, a pedido da justiça norte-americana, no âmbito do caso das “dívidas ocultas”.
Sublinhar que a PGR acusa os 20 arguidos, dos 28, por crimes de chantagem, falsificação de documentos, uso de documentos falsos, abuso de cargo ou função, peculato, corrupção passiva por acto ilícito, abuso de confiança, branqueamento de capitais e associação para delinquir. (Abílio Maolela)
O antigo Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, foi esta segunda-feira (25) condenado a uma pena de 14 meses de prisão pelo crime de pagamento de remunerações indevidas ao Conselho de Administração do Instituto de Aviação Civil de Moçambique (IACM), em Maio de 2009.
Mas, por decisão da segunda secção do Tribunal Judicial do Distrito Municipal KaNhlamankulo, a pena será convertida em multa, a uma taxa diária de 50% do salário mínimo. Zucula terá ainda de pagar uma indeminização de 1.089.839,02 Mts, para além do imposto máximo da justiça.
Arguido no Processo nº 457/17, o antigo titular da pasta dos Transportes e Comunicações no período 2008-2012 era acusado de crimes relativos a abuso de cargo ou função, pagamento de remunerações indevidas ao Conselho de Administração do IACM, em Maio de 2009, no valor de 2.250 mil Mts.
No entendimento do Tribunal, a conduta de Paulo Zucula consubstanciou a prática do crime de pagamentos de remunerações indevidas pelo facto de, à data dos factos, ele ser funcionário do Estado e dirigente máximo do Ministério dos Transportes e Comunicações, instituição que tutela o IACM.
Mas embora não tendo encontrado “dolo” nos actos praticados pelo arguido, a juíza de Direito Zvika Cossa afirmou que Paulo Zucula agiu à margem da lei e, sobretudo, sem observância do Estatuto Orgânico do IACM.
“A falta de consciência ou vontade não exime o arguido das suas responsabilidades”, disse a juíza, em referência aos argumentos apresentados por Zucula na sessão de julgamento, segundo os quais não sabia que era da sua competência aprovar/autorizar o pagamento daquelas remunerações.
Foi ainda esclarecido pelo Tribunal que a decisão do Ministro de tutela é vinculativa, diferentemente do das Finanças, porque ao titular deste pelouro cabe apenas emitir parecer. No entender do Tribunal, Zucula devia ter consultado o seu Gabinete Jurídico em vez de confiar no remetente.
Entretanto, a segunda secção do Tribunal Judicial do Distrito Municipal KaNhlamankulo decidiu reduzir o valor da indemnização que era requerida pelo Ministério Público (2.250.000 Mts) para a metade (1.089.839,02 Mts), por achar que Paulo Zucula foi responsável pelo pagamento da metade daquelas remunerações, já que a outra metade tinha sido autorizada pelo seu antecessor, António Munguambe.
Ex-DG condenada e outras co-arguidas absolvidas
O Processo 457/17 no qual Paulo Zucula é acusado contava com outros arguidos do sexo feminino provenientes do IACM, que eram acusadas de pagamentos adiantados de salários e subsídios.
Das três co-arguidas, apenas a antiga Directora-Geral (DG), Lucrécia Ndeve (2007-2010), foi condenada a uma pena de seis meses de prisão, igualmente convertida em multa a uma taxa diária de 50% do salário mínimo nacional, pela autoria material do crime de pagamentos indevidos e abuso de cargo e função. Ndeve terá ainda de pagar uma multa superior a 36 mil meticais.
De acordo com o Tribunal, Lucrécia Ndeve abusou do seu cargo ao ordenar a emissão de passagens a favor de Teresa Jeremias (também co-arguida) sem qualquer requisição formal. Além de Ndeve ter ordenado que as passagens fossem pagas sem qualquer requisição formal, o pagamento, de acordo com o Tribunal, foi efectuado um ano depois mediante cobrança da Linhas Aéreas de Moçambique.
Para tal, como referiu a juíza, a arguida usou das suas boas relações com o chefe de Escala do Aeroporto Internacional de Maputo para emitir passagens áreas a favor da sua colega de serviço.
As outras co-arguidas, Teresa Jeremias, antiga administradora não-executiva (2006-2012), e Amélia Dalane, responsável pelo Departamento de Administração e Finanças (2008-2010), foram absolvidas por se entender que ambas não tinham poderes para ordenar a emissão de cheques a seu favor.
Reacção da defesa de Zucula
Contrariamente ao que tem sido habitual entre os advogados, Damião Cumbana, advogado de defesa de Paulo Zucula, não revelou se irá ou não recorrer. Aos jornalistas, Cumbana disse haver aspectos que merecem análise da sua parte, assim como do seu constituinte, para perceber se valerá ou não a pena recorrer. Esta foi a primeira batalha judicial perdida por Paulo Zucula, que ainda é co-arguido no famoso “caso Embraer” e na construção do Aeroporto de Nacala. (Abílio Maolela)
A Hidroeléctrica de Cahora Bassa realiza, as II jornadas Técnico-científicas sob lema “Inovação e Sustentabilidade: Desafios da Manutenção nos Sistemas Electroprodutores”. Com estas jornadas pretende-se valorizar o conhecimento Técnico e Científico existente no sector, para além de partilhar a informação técnica com as entidades relacionadas, em prol das acusações inovadoras e de desenvolvimento do capital humano nas áreas mencionadas.
(De 27 a 29 de Março, no Centro Cultural da HCB em Songo)
“O Mundo Não Sabe o Que Quer” trata-se de uma reedição da obra poética do mesmo autor, lançada em Dezembro de 2016, em Maputo, com o título “Pedido da Madrinha de Guerra”, que, em parte, assume um olhar crítico e profundo da sociedade moçambicana, na expectativa de exaltar o dever ser, ainda que de forma pedagógica, mas humilde e consequente. O livro foi lançado em Lisboa (Portugal), no âmbito de uma parceria entre a editora Chiado Books e o MOLIJU, Movimento Literário Juvenil que desde 2005 congrega jovens escritores e estudantes do bairro de Hulene e circunvizinhos da cidade de Maputo. Esta é a primeira publicação no estrangeiro da MOLIJU que visa, essencialmente, divulgar a literatura e os seus autores; incentivar os jovens a cultivar o gosto pela leitura; acompanhar o seu crescimento literário e lançar novos valores da literatura moçambicana. Realizam actividades em diversas escolas secundárias da cidade de Maputo.
(28 de Março, às 17Hrs no Centro Cultural Português)
Em celebração do dia Mundial do Teatro e do mês da Mulher, estão todos convidados a assistir à estreia do “(Des)marcarado”, uma peça sobre as rivalidades na relação de género e entre a tradição e a modernidade. O texto é de autoria de Venâncio Calisto e é resultado de um trabalho colaborativo com as actrizes Rita Couto e Lucrécia Paco.
Ficha técnica:
Encenação e Dramaturgia: Venâncio Calisto
Interpretação: Sufaida Moyane e Rita Couto
Figurinos: Sara Machado
Músicos: Robath Estevão e Carlos Ebu.
Fotografia: Adelium Castelo
(27 de Março, às 19Hrs no Centro Cultural Franco-Moçambicano)
Teofilo Nhangumele, Bruno Tandane, Cipriano Mutota, Ndambi Guebuza, Gregório Leão, António Carlos Rosário, Ângela Leão, Elias Moiane, Fabião Mabunda, Sidónio Sitoe, Crimildo Manjate, Mbanda Anabela Buque (irmã de Ângela Leão), Khessaujee Pulchand, Simione Mahumane, Naimo Quimbine, Sérgio Namburete, Márcia Biosse de Caifaz Namburete (mulher de Sérgio Namburete), Mária Inês Moiane Dove, Manuel Renato Matusse e Zulficar Ahmad. Para além destes 20, o Ministério Público absteve-se de acusar 4 pessoas e abriu processos autónomos contra outras quatro figuras, incluindo o antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang. (Carta)
A tormenta do IDAI tirou do anonimato a localidade de Grudja, nos confins do Buzi. Por razões trágicas, como já se adivinha. Mas também produziu heróis anónimos, que não tiveram mãos a medir para ajudar quem estava impotente, abeirando-se lentamente da morte. O sul-africano Nicky Gagiano é uma dessas figuras, um verdadeiro herói anónimo como muitos outros moçambicanos cujas estórias ainda não foram contadas (e muitas delas ficarão bem cravadas, sem serem ditas, nas memórias dos seus actores).
Nicky Gagiano chegou a Moçambique nos anos 2000 atraído pela febre da “jatropha”, que se dizia uma planta mágica cuja produção era como que plantar “sementes” de ouro. Gagiano, com 10 mil hectares no interior do Buzi, não conseguiu render com a “jatropha”. Mas permaneceu em Moçambique e, nos últimos anos, mudou-se para a celulose. Na vastidão das terras molhadas das baixas de Grudja, a 70 km da Estrada Nacional número 1, a partir de um desvio localizado a 50 km ao sul do Inchope, ele plantou um milhão de eucaliptos.
E tudo o vento levou, quando no dia 14 veio a tormenta!
Nicky Gagiano tinha-se literalmente precavido, evacuando a família para longe. Os boletins hidrológicos dos dias anteriores e a informação sobre a chuva intensa carregada na volúpia infernal do ciclone faziam antever o desastre e…muita água. Gagiano estava avisado, mas nunca podia imaginar que a enchente chegaria à altura da viga de cobertura de um casebre. Mas foi isso o que aconteceu.
Nicky Gagiano decidiu que não sairia dali, recusando-se a ‘deixar ao Deus dará’ os seus funcionários, familiares e população circunvizinha da sua farma em Grudja. Eram cerca de 70 pessoas, e todas subiram ao tecto da administração da localidade. No domingo, dia 16, quando a chuva torrencial amainou, Nicky conseguiu comunicar com um amigo em Maputo: o empresário Dino Foi, cuja quinta em Grudja ficara completamente inundada. Dino moveu ‘mundos e fundos’. Era mesmo preciso um autêntico SOS. No domingo, Nicky e o resto dos sitiados continuavam aflitos. A esperança era que o salvamento acontecesse por helicóptero. Na segunda-feira, o gigantesco pássaro chegou mas não pousou (também não tinha mantimentos). Os pilotos comunicaram que viriam barcos. Mas não vieram. Afinal, não eram só eles os que estavam sitiados no cimo de árvores e casebres. Como eles, havia milhares de outras pessoas. E o resgate só podia ser aleatório.
Nicky percebeu isso. E decidiu meter mãos à obra. Ele e sua equipa improvisaram canoas, logrando tirar do telhado da administração e de outros (telhados) das redondezas todas as cerca de 300 pessoas que lá se encontravam. Num esforço titânico, Nicky Gagiano tentou também levar as crianças que estavam desidratadas e com fome para o hospital rural de Grudja. Algumas sucumbiram. Depois do resgate veio o risco das doenças. E da fome.
Com apoio de alguns funcionários, Gagiano conseguira acolher todos os sitiados na sua fábrica, e também numa escola. Na terça-feira faltava comida, cobertores e comprimidos para malária. Nos pedidos de ajuda que enviava para Dino Foi, Nicky Gagiano fazia questão de realçar o grau de urgência. A partir de Maputo, Dino partilhava a informação com as autoridades de emergência. “Mantas e comprimidos vão ajudar”, gritava Nicky para Dino.
Cá na capital, Dino Foi já tinha planeado uma deslocação à Beira, de avião, para tentar dar também a sua mão no salvamento geral. Mas…em vez disso, e como não tinha a certeza de que os sitiados de Grudja teriam apoio em mantimentos, ele enviou uma “pick up” dupla cabine, carregada de comida e medicamentos.
Na imaginação de Dino Foi havia muita gente a precisar de ajuda em regiões do interior, no sul. Ele gostaria de ver as viaturas da emergência que partiam de Maputo para a Beira a pararem nas zonas mais ao sul de Sofala, pois a estrada EN6 ainda estava cortada. “Pensem em Grudja. Neste momento os mantimentos para Beira que já foram enviados por estrada não podem chegar. Então pensemos em quem pode ter acesso. Não deixemos produtos na estrada enquanto outros irmãos estão à espera noutros sítios. Tem de se chegar à Mutindire, 50 quilómetros de Inchope”, escrevia Dino, espalhando o alerta pelas redes sociais, tentando complementar o esforço hercúleo do amigo Gagiano.
E Dino Foi fez mais do que imaginara. Juntou 10 toneladas de arroz, 200 camas desmontáveis, 200 mantas, 50 caixas de água mineral de 1.5L e 500 redes mosquiteiras da Fundação Tzu Chi, de que ele é representante para Moçambique, tendo enviado tudo para Buzi, onde Nicky Gagiano estava com mais de 500 pessoas. Os bens foram recolhidos de muitos cidadãos anónimos de Maputo. Dino tratou de encontrar um camião de 15 toneladas que levasse tudo em 24 horas para Buzi: farinha de milho, comida para bebés, peixe seco, sal e mantas.
Gagiano conseguiu uma façanha notável, sem apoios, contando com as suas próprias forças e das de meia dúzia dos seus colaboradores. Muitos dos que foram retirados do telhado e de outros pontos conseguiram escapar à morte. Um belo exemplo de heroísmo desinteressado no meio de uma tragédia com riscos para si próprio. Como Nicky Gagiano há muitos heróis anónimos! (Marcelo Mosse)
Uma semana depois do Idai, as lágrimas vão secando, mas a luta pela vida continua nas zonas afectadas e nos centros de acolhimento na Beira.
Aqui (Praça do Munícipio da Beira) chegaram chorando, porque não havia mais casa para chorar sozinho. Contamos 172 pessoas e não estavam todas no local. “Alguns foram procurar comida. Aqui não chega nada”, conta-nos Dina José, 43 anos, que perdeu a casa e ficou com três filhos para cuidar. São, na grande maioria, residentes da Praia Nova, mas também há do Esturro e da Manga. Dina e as filhas, que não podem frequentar a escola desde o dia da tragédia, não encontraram espaço no interior da loja onde vendia produtos de beleza e que ficou sem os vidros.
Coube-lhe um espaço reservado à entrada do Conselho Municipal, que terá de ser abandonado nas primeiras horas de segunda-feira (hoje). Dina vivia na Praia Nova, numa casa com três quartos, mas nunca pensou que o ciclone fosse capaz de destruir o que levou duas décadas para erguer. Desempregada e viúva, Dina não só perdeu a casa, mas também os escombros. “Quando voltei para recuperar as coisas não encontrei nem os barrotes e nem as chapas... estou mal, perdi tudo e não esperava que fosse ficar aqui no município sentada, como quem parece estar a vir do distrito”, refere. De entrevistado em entrevistado, as histórias repetem-se e algo é comum: “aqui nunca chegou comida”.
No interior da loja da “darling” e em menos de 50 metros quadrados ‘habitáveis’, sem casa de banho e sequer uma latrina, convivem 82 pessoas. A maior distância que se pode percorrer dentro do espaço são 10 passos, de um extremo ao outro. Um percurso impossível de fazer sem contornar pessoas deitadas em caixas ou chapas de zinco à guisa de esteiras. Cada vez que alguém se cruza com uma pessoa, seja criança ou adulta, há uma história de perda e sobrevivência.
As paredes estão repletas de tigelas e cada família usa um fogão a carvão para preparar a única refeição do dia. Jaime António, saiu da Praia Nova para o Esturro e nos dois lugares veio-lhe a desgraça. No primeiro a maré empurrou-lhe para fora do bairro com uma esposa e três crianças. Esturro pareceu-lhe, então, há três anos, um porto seguro até o Idai vir provar o contrário, subtraindo-lhe primeiro as chapas de zinco e em seguida as paredes, uma por uma. “Mal Afastei as crianças, a primeira parede ruiu”, conta. Conferiu os filhos uma e outra vez para ter certeza de que estavam completos.
É tudo que se lembra do momento. Quando deu por si estava com duas cadeiras plásticas, uma bacia, a pasta escolar da filha e as roupas do corpo “num lugar com muita gente”. Também conseguiram levar umas capulanas. Colchão para dormir nem pensar. “São feitos de coqueiro e pesam demais”, justifica assim o facto de terem ficado para trás. Jaime ficou dois dias sem andar até que as pessoas lhe obrigaram a arrastar-se ao hospital. Uma vacina reduziu as dores e pouco a pouco recuperou o equilíbrio para caminhar. Algo que precisa para procurar alimentos para sua família.
Jaime vive outro dilema: o amor da sua filha mais velha pelos livros. Zinha não largou a pasta desde a tragédia, tentou cuidar dos seus livros e mesmo num local onde a desgraça é a palavra de ordem ela cuida dos livros, seca-os, organiza-os na pasta como se ao acordar tudo fosse voltar à normalidade. Chama-se Rosinha e frequenta a segunda classe. É orgulho dos pais e apenas quando seguro os livros é que se pode observá-la compenetrada e com o rosto fechado, como se ruminasse uma mágoa. Com olhar perdido no horizonte, ela cuida dos livros e dos cadernos, mas depois disso abre um sorriso e corre como uma criança descomprometida com tudo que ocorre ao seu redor.
Outros locais
Nos Centros de Acolhimento, espalhados um pouco por toda cidade da Beira, no Buzi e em Nhamatanda a ajuda chega apenas para uma refeição diária com base em arroz e/ou farinha de milho e feijão. Enquanto o apoio não chega e a maior preocupação continua a ser resgatar pessoas com vida, os que sobreviveram prosseguem na sua luta habitual contra todos elementos. Ademais da sua batalha diária com a falta de infraestruturas, de escolas para crianças e dos problemas de saúde. Ao cair da noite, surpreendentemente, os gritos de desespero se convertem em muitos casos em cantos e rezas, segundo coincidem vários testemunhos. “Um som comovedor em meio a uma tragédia horrível”, segundo comenta uma idosa que vive numa casa em cima da loja.
A Praia Nova, de onde vem a maioria dos “residentes” da Praça do Município, não é um bom lugar para viver, mas ainda assim 6000 pessoas tentam construir um bairro que apenas possui uma montanha de escombros e o cadáver de um e outro familiar enterrado numa vala comum. Mesmo na rua, que separa um bairro que foi destroçado literalmente, da cidade de cimento, há um grupo de jovens a fabricar um caixão com estacas de madeira.
...de volta à praça
Um pouco por toda cidade, menores vagueiam pelas ruas duma urbe onde só no sábado foi restabelecido parcialmente o fornecimento de água, sem nada que comer e sem protecção contra a violência e os abusos sexuais. A linha entre o inferno e o purgatório pode depender de algo tão simples como chover ou não. Há dezenas de milhares de pessoas nos centros de acolhimento, nas ruas e nos bairros alagados. Quando entrevistados quase todos dizem o mesmo: “que não chova mais”. Mas a chuva não dá tréguas. Vem e vai. Podia ser pior, claro, tudo poderia ser pior. Queríamos entrevistar os jovens a fabricar o caixão, mas não quiseram. Porquê há raiva? Uma raiva mansa, a que, todavia, se deve mais a resignação de cidadãos acostumados ao infortúnio. Como a raiva duma mulher acompanhada pela sua filha, apenas coberta por um trapo.
Responde as perguntas de rigor, onde te surpreendeu o ciclone?, perdeu algum familiar?, qual é o seu nome?, mas logo, quando vê que isso era tudo, pergunta com um tom incipiente de raiva: “isso é tudo? Só queriam conversar? Quando virá aqui para a Praça do Município alguém que não só queira conversar, que nos traga um pouco de ajuda?” (Rui Lamarques)