Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

Para a África que se regozija com os sinais de que esteja na forja um mundo multipolar (mais do que um centro de poder estatal mundial), em contraponto com o unipolar das últimas décadas, vai um aviso à navegação: a multipolaridade pode ser fatal para a África. E não sou eu quem o diz: é a História.

 

Historicamente, e não tão longe, a existência de várias (super)potências mundiais fora ruim para a África. No último quarto do séc. XIX, um grupo de potências mundiais da altura, as potências colonizadoras, sentaram-se à volta de uma mesa em Berlim, capital alemã, e esfrangalharam o continente africano.

 

Hoje, com os sinais da proliferação de potências mundiais que se acrescem os da eterna avidez forasteira por África, a possibilidade de uma nova divisão não é remota e pelas mesmas razões que ditaram a estadia em Berlim de 15 de Novembro de 1884 até 26 de Fevereiro de 1885.

 

Lembrar que foram as crispações entre estas potências - que só atrapalhavam, mais do que ajudavam no cardápio da exploração - que ditaram os mais de três meses de negociação de diferenças e do tamanho da fatia do bolo de cada uma delas.

 

Acredito, para terminar, que o leitor não precisa que se desenhe para concluir que a História repete-se. Aliás, e já dizia Hegel: “A História repete-se sempre, pelo menos duas vezes”. E Karl Marx acrescentaria: "a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. "E a farsa é mais terrível do que a tragédia”, completaria Herbert Marcus.

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

 

PS: Um detalhe: as conversações da Conferência de Berlim incluíram o período da quadra festiva (1885/86). Hoje, 138 anos depois (2023/24), é bem possível que enquanto o leitor celebra a presente quadra festiva a comer um frango assado no seu “Terreno”, haja, algures numa capital pelo mundo, quem esteja a esfrangalhar o seu “Terreno” e a ditar os termos da sua “ocupação efectiva” até a próxima quadra festiva.   

terça-feira, 26 dezembro 2023 10:52

RUI DE NORONHA

Nelson Saúte

 

Dum grande poeta deu-se o nome

a uma suburbana

 

nem tanto quis em vida

 

das ‘solidões lacustres’

que seu facho ainda alumia

dos nítidos e urbanos

dias ermos

escreveu e morreu”

 

(Sebastião Alba, “O Ritmo do Presságio”)

 

Este belo e pungente poema, que termina com versos lapidares (“fulge limpidamente / nas memórias mais graves / dos melhores de nós”), de Sebastião Alba, sucede, cronologicamente, a um outro, de Noémia de Sousa, “Poema para Rui de Noronha – No aniversário da sua morte”, escrito em 1949, e que termina, de forma igualmente lapidar e lacerante: “Como um cometa / atravessando a noite dos nossos peitos esmagados.” A tragédia do Poeta, que subscreve o mito, teve o seu epílogo no dia 25 de Dezembro de 1943.

 

António Rui de Noronha nascera a 28 de Outubro de 1909, filho de pai originário de Goa e de mãe nascida na África do Sul. Viveu os seus primeiros anos com a mãe biológica, Lena Sophia Bilanculu. Quando o pai, José Salvador Roque das Neves de Noronha, se casa com uma senhora oriunda da Índia, de nome Ana Luisinha de Figueiredo, o pequeno Rui e o seu irmão Amâncio passaram a viver com o pai, a madrasta e os irmãos do casamento subsequente do progenitor. Estudou no liceu que leva hoje o apelido de Escola Secundária Josina Machel, concorreu e foi admitido nos Caminhos de Ferro como aspirante. Ali, a par da sua atividade jornalística, estabeleceu a sua tribuna. Estreou-se aos 17 anos, colaborou em jornais e revistas, fez crítica de teatro e de cinema. Viveu apenas 34 anos.

 

O poeta ferroviário escreverá “No Cais”, publicado em “O Brado Africano”, em 1934: “Há vibrações metálicas chispando / Nas sossegadas águas da baía. / Gaivotas brancas vão e vêm bicando / peixinhos numa louca gritaria.” Este poema foi recolhido na sua obra póstuma “Sonetos” (1946), organizada e apresentada por Domingos Reis Costa, seu antigo professor, que lhe terá adulterado a obra. O poema, igualmente amofinado, termina com o seguinte terceto: “E ouve-se mais forte, mais vibrante, / Os pretos a cantar, a noite adiante, / Por entre a bulha e o pó das carvoeiras…”

 

Mário Pinto de Andrade, intelectual angolano de grande gabarito, num ensaio magistral e fundador, “Origens do Nacionalismo Africano: Continuidade e rutura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa 1911–1961” fala-nos de uma geração de “proto-nacionalistas”, uma geração que precedeu à sua (cunhada por ele como “Geração Cabral”), que nas primeiras décadas do séc. XX, quer em Portugal, sobretudo em Lisboa, quer nas chamadas colónias (São Tomé e Príncipe, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique) empreenderam os primeiros tentames da resistência e protesto. Seriam “proto-nacionalistas”, “pan-africanistas” ou “nativistas”. A questão racial era central, a problemática do ominoso colonialismo. A verdade é que pertenciam a um “movimento negro anti-racista” que se afirmava. Eram os movimentos pan-africanistas, na América avultavam os movimentos dos direitos cívicos, onde pontificam as figuras de Booker T. Washington, W. E. B. Du Bois ou Marcus Garvey.

 

Creio que a figura de Rui de Noronha deve ser enquadrada nesta geração dos chamados “proto-nacionalistas”. Era o gérmen da rebelião, da contradita, da divergência. Temos por adquirido que o movimento emancipador iniciou nos anos 60. É uma forma oblíqua de ver a História. Há predecessores cujo papel é preciso reparar.  À sua biografia desencontrada, marcada pelo infortúnio, ir-se-á confundir uma obra precursora. Poeta esquecido ao longo de décadas, ao ser evocado não falta a mofina que lhe ditou a vida. Fátima Mendonça, que lhe fixou a obra e esclareceu muitos dos equívocos que a edição, sob a égide de Domingos Reis Costa, estabeleceu, insurge-se contra o determinismo biográfico que obscurece uma poesia que vai além do sofrimento, da infelicidade, do desgosto ou do tormento. O porfiado trabalho de Fátima Mendonça muito fez para obviar esse mito redutor e apoucador que aviltava o estro de Rui de Noronha.

 

“Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério. / Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo…/ O Progresso caminha ao alto de um hemisfério / E tu dormes no outro o sono teu infindo…” As sim inicia o poema “Surge et Ambula”, imbuído da sua “missão de fazer despertar consciências adormecidas”, como assevera Fátima Mendonça, num continente “onde fervilhavam já as expressões nacionalistas que o pan-africanismo sugeria”. O texto “Rui de Noronha, o esquecido?” foi publicado na revista “África” n.º 13, em 1986. Nesta mesma publicação, no seu número inaugural, em 1978, Francisco de Sousa Neves, no texto “A poesia de Rui de Noronha” defendia que as versões da edição póstuma de “Sonetos” poderiam corresponder a variantes deixadas pelo próprio poeta. Esta “tese” ia em sentido contrário às posições de Rodrigues Júnior que tinha acusado Domingos Reis Costa, encarregado da edição da poesia de Rui de Noronha, de lhe ter alterado e adulterado os sonetos. Isto em 1951! Mais de vinte anos depois, nos anos 70, Guilherme de Melo voltou à liça: um exame ao espólio do poeta revelava isso. Uma atitude preconceituosa em relação a quem denunciara tal aviltamento arrastaria a questão que denigre o Poeta por décadas. Os estudiosos e os antologiadores, por descaso ou abulia, não se ativeram à denúncia de Rodrigues Júnior e reiteradamente mantiveram a franquia torpe de Reis Costa.

 

Fátima Mendonça debruça-se sobre esta questão: “Foi um erro de que a literatura moçambicana foi vítima e que urge remediar, repondo a verdade. Efetivamente, grande parte dos sonetos publicados apresenta versões que não correspondem às que foram publicadas em vida pelo poeta, em “O Brado Africano”. Um exame ao espólio do poeta – em poder da sua filha – revela que o professor Reis Costa, por sua própria mão, alterou grande parte dos sonetos sobre os originais, tornando-os praticamente ilegíveis. Desta forma, o espólio devolvido à família está praticamente inutilizado. De notar ainda que o compilador deixou de lado inexplicavelmente alguns sonetos e toda a produção poética que não obedecia a esta forma”.

 

Fica, no entanto, quanto a mim, um enigma por elucidar: por que razão Reis Costa consignou de volta à viúva do Poeta, Albertina dos Santos Noronha, os textos ultrajados? Para mim, é um mistério. Soberba? Zombaria? Confiava demasiado na sua sobranceria ou debochava da crítica e do crivo futuros?

 

Fátima Mendonça, que defendia na época em que produziu o seu texto, informado e vigilante, advertia que a obra e o poeta Rui de Noronha obrigavam-nos a promover uma edição crítica e reparadora da injustiça praticada por Reis Costa. Vinte anos depois, foi editada a obra “Os Meus Versos – Rui de Noronha” com organização, notas e comentários de Fátima Mendonça. O título do caderno original deixado pelo poeta era justamente “Meus versos” e essa era a intenção da organizadora. O zeloso editor acrescentou-lhe “os”, alterando-lhe título. É irónico: parece que o poeta está fadado a este tipo de infortúnios. Não quero imaginar a fúria da estudiosa.

 

Primeiro fora Rui Knopfli, que lhe chamara “a primeira voz” (na revista “Tempo, em 1973), e depois Sebastião Alba, que o homenageara no belo poema (publicado em 1974) que serve de epígrafe a este texto, e, mais tarde, José Craveirinha que lhe chamara “o Grã poeta da circunvalação”, que haviam estimulado o interesse e o fascínio que Fátima Mendonça desenvolveria sobre a obra e a figura de Rui de Noronha. Aliás, recordo-me das vezes que Craveirinha o evocava e descrevia na geografia emocional e cultural da Mafalala. Também Noémia de Sousa falar-me-ia de Rui de Noronha e de outras ínclitas figuras daquela época, como Estácio Dias, Karel Pott, os Dahan ou os Mata e todos aqueles que habitavam “O Brado Africano”, como os fundadores João e José Albasini.

 

Aníbal Aleluia, em dezembro de 1950, escreveria sobre o Poeta em “O Brado Africano”. Michel Laban , em 1992, quando o entrevistou, não evitou a pergunta óbvia: “Conheceu Rui de Noronha?” Aleluia retorquiu: “Conheci. Era um homem solitário, um temperamento a um tempo romântico e melancólico, de uma sensibilidade rara. A sua poesia traduzia a um tempo fatalismo e inconformismo. Parecia profundamente afectado pelo racismo então muito forte nesta terra. Creio que foi isso que o levou ao abandono de si mesmo, qualquer coisa como a busca do Nirvana. Não quero aludir a aspectos da sua vida que jogam com sentimentos íntimos, uma paixão não correspondida que se lhe atribui e que, no dizer de alguns, ditou o seu precoce passamento pela Terra.” (“Moçambique – Encontro com Escritores”)

 

Eduardo White (“Rui de Noronha, o poeta que a morte não poupou”, 1984), quase trinta e cinco anos depois irá descobri-lo. Da mesma geração, Mikas Dunga (Pedro Chissano) irá sobre ele discorrer na “Charrua”: “Encontro marcado com Rui de Noronha” (“Charrua” n.º 2, 1984). Importa referir o importante trabalho de Olga Iglésias, profusamente citado por Fátima Mendonça. Manuel Ferreira, um dos precursores, em Portugal, do estudo e divulgação das nossas literaturas, situou-o diligentemente. Mário Pinto de Andrade também o fizera na “Antologia Temática de Poesia Africana”.

 

Logo no texto que abre a coleção dos textos “Meus versos” escreve o poeta: “Mas o meu canto é mágoa.” Isto lhe define o destino: “Cruel destino o meu que ao meu caminho trouxe”, escreverá no soneto subsequente, que termina assim: “Que eu ficarei cantando o nosso eterno amor!” Estes versos primeiros parecem definir-lhe o anátema: “Vem de séculos, alma, essa orgulhosa casta, / Repudiando a dor, tripudiando a lei, / Num gesto de altivez que em onda leva, arrasta, / Inteiras gerações de amaldiçoada grei.”

 

A dor, a tristeza, a solidão, a amargura, a noite, o frio, a mágoa, os infernos, entre outros sintagmas, dominam estes versos que ajudam a construir a imagem de um poeta enjeitado pela raça e pela amada e que se deixa destroçar até à morte. “Porque é através da Dor, não da Alegria / Que eu mais sinto a beleza, a poesia / Duma manhã que canta e de um poente…” Ou num outro poema: “Oh, minhas ilusões, mágoas sem fim!”. “E eu sou tristeza sempre, sempre pranto…”.“… E eu nada tenho por amar-te tanto!”

 

A dor reiterada: “Só nesta dor que me sepulta, ignoto / Não chega a luz da lua e nunca noto / A beleza das cousas sempiternas.”. Os “Dias Tristes”: “Tristeza de si própria comovida…” A dor, sempre a dor: “A dor eterna é dor; mas dor maior / É aquela que um momento foi menor / E se tornou imensa em dor volver…” No poema “Caminhos”: “E eu entristeço e penso em quanta mágoa”. E no texto “Eternamente” escreve: “E esta amargura acerba de cair.” Ou no poema “Menti?”: “Vê tu quanta amargura novamente...”

 

O poema “Sonho Desfeito”, não coligido na edição póstuma, é assertivo quanto ao seu infortunado amor: “Foi curta a história desse amor que eu tive, / Mas foi profundo e triste o rasto seu. / Foi rápido e fugaz como o declive / Do aerólito que no céu correu…” José Craveirinha, na entrevista que concedeu a Michel Laban, em 1993, também se lhe refere: “Eu lembro-me do Rui de Noronha a dizer-me: ‘Continua, miúdo. Continua…’ Ele passava aqui, nesta rua, vou-lhe mostrar a casa onde ele morava. Ele saía de serviço, trabalhava no Caminho de Ferro, vinha para casa. Depois da casa, vinha assim sozinho, seu fatinho de linho, seu chapéu na mão… Esta rua não era alcatroada, era areia. Andava à volta e passava pela sua Dulcineia – a mulher que o inspirou sempre e que casou com outro. Mas que ele amou até à morte. Ele ia assim, passava e ela às vezes aparecia na varanda. Ele ficava assim, só para ver – já casada com outro. E ele voltava. Era um homem triste. Nunca o vi exuberante, a rir-se. Eu cheguei a vê-lo no “Brado Africano”, chegou a ser chefe de redacção do “Brado Africano”, mas sempre triste. Aliás, morreu cedo: ele não morreu, matou-se. Sim, praticamente matou-se, porque ele estava proibido de beber e bebia álcool puro.” (“Moçambique – Encontro com Escritores”).

 

Rui de Noronha: “Amei-te tanto, meu amor, oh, tanto!…/ Que ver cair tão súbito este encanto / Eu acredito que te amei bem pouco…”. Ou num outro poema: “Ninguém te amou como eu te amei outrora”.

 

Mas Rui de Noronha foi também o poeta que escreveu sobre os “Patshises” (carregadores no cais): “A pena que me dá ver essa gente / com sacos sobre os ombros cansadíssima / Às vezes é meio-dia, o sol tão quente / E os fardos a pesar, Virgem Santíssima!”, ou sobre os “Mavikis” (contratados à semana): “De manhãzinha, a mata ainda escura, / Ainda dormindo os colibris nos ninhos, / Partem cantando uma canção obscura, / Em variados grupos ou sozinhos”. Poeta que reparou da humilhação de um herói: “E o Gungunhana, em pé, sereno o aspecto, / Fitava os dois, o olhar heroico, augusto”. Isto diante de Mouzinho. Poeta extraordinário desse fabuloso “Quenguêlequêze”.

 

Fátima Mendonça é assertiva: “É esta contradição, lucidamente assumida, que Rui de Noronha expõe aos homens do seu tempo. E é precisamente um dos polos do eixo em que se move essa contradição que a edição póstuma de “Sonetos” escamoteia. A seleção feita por Domingos Reis Costa criou uma imagem deformada do homem e a da obra, esta a servir aparentemente de refúgio para as inquietações e angústias daquele. Se a obra de Rui de Noronha exibe permanentemente um conflito não resolvido , dela faz também parte a afirmação da identidade africana.” (“Literatura Moçambicana – A História e as Escritas”).

 

Noémia de Sousa, no “Poema para Rui de Noronha” escreve: “Mas o archote, murcho e fraco, / que tuas mãos diáfanas mal lograram suster, / deixa que nós o levemos!” Rui de Noronha fica assim consagrado como a voz fundadora da poesia moçambicana, pese embora, na Ilha de Moçambique, José Pedro Campos Oliveira, seja efetivamente o primeiro poeta nascido em Moçambique. O mito fundador fica assim endossado pela poderosa voz de Noémia de Sousa. Com José Craveirinha, Fonseca Amaral, Rui Nogar, entre outros, ela estará na origem da poesia de raiz marcadamente moçambicana, anos depois, no dizer de Rui Knopfli. Naquele poema evocativo, de 1949, a autora de “Sangue Negro”  concedera a Rui de Noronha, que morrera seis anos antes, no dia 25 de dezembro de 1943, passam hoje 80 anos, os “trilhos abertos a golpes de catana” na literatura moçambicana.

 

“Desperta! O teu dormir já foi mais do que terreno.

 

Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno

 

Que a mão te estende e diz-te: - África, surge et ambula!”

 

(Rui de Noronha)

 

P.S. – Rui Knopfli morreu - coincidência infeliz!-, num dia 25 de dezembro, em 1997.

 

KaMpfumo, 25 de dezembro de 2023

sexta-feira, 22 dezembro 2023 12:27

Carta ao Pai Natal

Olá Pai Natal!!!

 

Como de costume nestas alturas do ano, dedico um tempo e escrevo a minha cartinha, e faço alguns pedidos – alguns meio extravagantes e outros talvez utópicos. Porém, imagino que pela sua idade e experiência perceberá o alcance de muitos dos pedidos.

 

Imagino que pela minha faixa etária não seja mais elegível nem prioritário para ver meus pedidos satisfeitos, mas como deveis saber, eu raramente peço para mim, mas tento interceder pelos menos favorecidos.

 

Escrevo a partir de Moçambique – um país extenso e muito belo; também apelidado de Pérola do Índico. País com uma riqueza de dar inveja a qualquer um, mas com níveis de pobreza alarmantes e muito preocupantes. É conhecido por uns como a terra do gás que jorra pela bacia do Rovuma; como a terra dos rubis localizados maioritariamente em Namanhumbir; da grafite de Balama; das areias pesadas de Moma; e a terra que hospeda uma biodiversidade marítima, faunística e florestal única. Por outros é conhecido como o país que vive horrores do terrorismo que grassa a província de Cabo Delgado desde 2017 e, também como o caminho das tempestades tropicais devastadores, sejam elas de alta, média e baixa intensidade.

 

Mas o escopo da minha carta não é publicitar as riquezas e potencialidades do meu belo país, tampouco sugerí-lo às apetências dos senhores do mundo. É sim, deixar ficar um pedido muito nosso, para que interceda a favor do nosso país junto ao concerto das nações e faça o grito dos moçambicanos ser ouvido e respeitado além-fronteiras.

 

Na carta que escrevi no ano passado, acabei me empolgando e fiz muitos pedidos. Será perceptível que não tenha dado cobro a todos, todavia escrevo de forma convicta e com alguma esperança no coração. Lembro-me de forma clara, que dos vários pedidos que fizera, destacou-se o de pedir mais responsabilidade e assertividade por parte dos que governam e “decidem” o futuro do país.

 

Do Índico surge um pedido normal e algo ainda muito cortinado – mas que a meu ver deve ser visto como um direito inalienável e inegociável – O Direito a sermos um país uno e indivisível; com a autodeterminação e um lugar audível e respeitado nos holofotes do mundo.

 

Nesta carta trago pedidos de índole político-social. E acredito que pela sua versatilidade podes tornar-te um actor relevante e um campeão que carrega mensagens aos políticos e decisores. Quero usar deste canal de influência que é “a carta”, para levar a voz de todo um povo sofrido mas esperançado, que clama por mais justiça social, mais empatia, mais inclusão e mais respeito pela dignidade humana.

 

Por veleidade, podia aqui acrescentar alguns pedidos que tenho em mente – chamarei de pedidos de ocasião, mas com um alcance muito realístico pois, preocupam a mim enquanto cidadão ordinário, e a todos enquanto actores e sujeitos activos e passivos da ação climática. Sem egocentrismo, olho para o mundo como um todo e vejo que a crise climática é uma realidade e está cada vez mais severa. Suas consequências são nefastas e seus efeitos tem se mostrado avassaladores. Nunca antes o agora e o hoje foram tão prementes e convidativos a uma ação global urgente, coordenada e sem precedentes. Nenhuma outra geração teve em mãos o poder para pensar, decidir e fazer o que deve ser feito – nenhuma outra geração poderá ter melhor chance de mudar o hoje e deixar um amanhã melhor para as gerações futuras. O relógio climático da terra esta disparado, e os ponteiros do clima aceleram a uma velocidade quase que incontrolável - tudo o que devemos fazer é dar uma chance ao clima (give a chance to climate). Feliz ou infelizmente, o efeito das mudanças climáticas não tem sul global nem norte global; eles afectam ao globo como um todo. Todavia o sul global é o que mais perdas e danos sofre e daí vem um clamor para que se olhe mais pelo Sul.

 

Pai Natal!!!
Irá perceber que as mudanças climáticas estão a acelerar o degelo na Antártida e noutros pontos cruciais do nosso planeta, e em breve, até a neve que tanto o caracteriza irá começar a escassear. Não nos vai espantar que o seu trenó puxado por Renas seja substituído por barcaças ou que as Renas sejam substituídas por camelos. – Aí, talvez tenhas que reinventar e recriar toda amalgama em torno do enredo secular que gira em torno de ti e do Senhor barbudo que faz maravilhas ao mundo.

 

As mudanças climáticas não eram parte da sua agenda, e disto estou certo. Mas esteja mais certo que irão a breve trecho afectar o seu status de velho barbudo que faz a alegria de milhares de crianças pelo mundo. Por isso Pai Natal, faça uso dos seus corredores nas Nações Unidas e faça chegar este pedido sobre desbloqueio do financiamento climático, sobre o fundo para perdas e danos, para adaptação e mitigação, energias limpas e renováveis, bem como para a tão propalada transição justa. Por falar em transição justa, tente falar que o Sul Global precisa desenvolver-se, criar bases sólidas e atingir os standards no Norte Global – e quando estiver num nível de desenvolvimento sustentável haverá sentido falar em justiça climática.

 

Acabei me empolgando na ressaca da COP28, e trouxe aspectos globais que espero que sejam também globalizantes e ligados a agenda climática que a todos diz respeito e a nós toca de forma muito particular a cada evento extremo. Mas, descendo a minha petição, diria que no meu país – Moçambique – o ano foi um dos mais desafiadores e marcantes. Uma data de acontecimentos varreu o país e inaugurou um novo paradigma social e político – a marcha progressiva de repúdio e aos discursos vazios e sem materialização factual. Talvez seja cedo para apelidar de um novo amanhecer, mas a aurora parece ter dado sinais.

 

Velhas formas de pensar e olhar a sociedade, outrora relegadas a velha esperança, deram lugar a novas formas de agir social e vários movimentos espontâneos de mobilização social liderados por jovens, agitaram o panorama político-social do país.

 

Estas formas de pensar e de agir, degeneraram em manifestações muito concorridas onde milhares de jovens maioritariamente das gerações 1980, 90 e 2000, saíram às ruas para mostrar o seu descontentamento e seu desejo de ver a mudança há muito anunciada e propalada, mas nunca vista.

 

Estas manifestações e passeatas pacíficas, foram sempre acompanhadas por uma carga e uso desproporcional de força da força por parte das autoridades.

 

Se em 2020 na minha carta de natal, pedi mais vacinas e máscaras para a COVID19, entenda Pai Natal que o contexto pandémico assim o exigiu.
Hoje, em 2023, troco as máscaras da COVID pelas máscaras ANTI-GÁS lacrimogénio. Cancele os brinquedos e toda a gama de entretenimento da época e invista mais em saúde do nosso povo provendo máscaras anti-gás, pois o contexto também o exige.

 

No encontro anual que tem com os estadistas e governantes, faça chegar de forma leve, breve e objectiva esta máxima que é sobejamente conhecida: Nada é mais forte que o POVO!!! E que usar a força e brutalidade contra o povo é perder a base de apoio deste que é o maior recurso social, político e humano da nossa nação.  

 

Não quero politizar a minha carta, tampouco ser associado a alguém que esta perverter a ordem social e o status quo, por isso Pai Natal, peço anonimato, e a minha assinatura será ilegível.

 

Escrevo porque sei que existes, e acredito veementemente como tantas outras pessoas que tu podes e vais fazer chegar nossa prece aos devidos destinatários.

 

Mais esperança para Moçambique.

 

Feliz Natal!!!

 

Por: Helio Guiliche

terça-feira, 19 dezembro 2023 13:54

Para grandes males...pequenos remédios!

O desporto, cuja história apontava para ser um dos maiores patrimónios históricos do país, vem sofrendo face ao estatuto de menoridade a que foi relegado. Da Independência para os tempos em que vivemos, cometeram-se grandes males. Hoje, com o realismo e empenho de alguns, estamos numa fase dos pequenos remédios.

 

As leituras dos “rankings” internacionais, não mentem. Mas vive-se agora na tentativa de “acertar o passo” com África e o Mundo, o que poderá ser um tónico para encorajar a juventude a tirar proveito do “tónico” ímpar para a saúde, que é a prática desportiva!

 

NÚMEROS NÃO MENTEM

 

A invasão do cimento e dos “dumba-nengues”, à vista de todos, foram os primeiros “culpados” do abulicismo da juventude. O cimento tomou conta dos espaços onde se improvisavam os campos e o mercado informal fez o resto. Nem as varandas escaparam à voracidade de construir em tudo quanto é sítio, nas zonas urbanas.

 

Exemplificando: no Maputo, havia o Clube Central, movimentando o futebol na II Divisão. Dele já não reza a história. O mesmo com o Alto Maé, que possuía uma sede no bairro que lhe deu o nome.

 

E o que é feito do Atlético Nacional, Ferroviário das Mahotas, Belenenses, Beira-Mar, Rodoviário, Vasco da Gama, Aeroporto, Caju Industrial, Metal Box, Alumínios, Atlético Mahometano, S. José, Nova Aliança, Gazense, Águia D´Ouro, Inhambanense, Nacional Africano, João Albasini, IMA, Texlom, Zixaxa e tantos outros, dependentes das quotas e empenho dos sócios? Resiste ainda o Munhuanense Azar, autêntico “avis-rara”! 

 

E se tivermos em conta que estes clubes movimentavam juvenis, juniores e reservas, facilmente se pode calcular as razões pelas quais o campo de recrutamento se reduziu drasticamente, obrigando a recorrer-se aos países vizinhos, de onde vêm, muitas vezes, jogadores caros e de qualidade duvidosa.

 

Outro “pecado”: no pós-Independência, o Estado decretou um “não” às transferências dos nossos atletas para outras latitudes. Craques de craveira passaram ao lado de grandes carreiras, deixando de motivar as novas gerações. Mais um erro histórico que acabou por ser corrigido, depois de (re)conhecido.

 

E AGORA?

 

Para quem como eu viveu, sentiu e sente, de alma e coração um tempo em que os “Geny(os) Catamos apareciam todas as épocas, custa engolir e acreditar que do reduzidíssimo parque desportivo que nos restou, o do Desportivo de Maputo, venha a ser mais um em vias de desaparecimento, para aumentar o sufoco que o cimento provoca na capital do país!

 

Repare-se que o Governo foi o líder da invasão dos terrenos dos desportistas, com o impensável exemplo de construir até a Secretaria do Desporto, num espaço que anteriormente era o Ginásio de Maputo! Ao lado, metro a metro, o circuito António Repinga vai reduzindo, reduzindo, reduzindo!

 

E já que estamos a falar de prioridades, não podemos deixar de referir que nos poucos campos e recintos desportivos que sobraram, por questões financeiras ou orientações políticas, as prioridades apontam para a ocupação em cerimónias religiosas e políticas, ou espectáculos desportivos.

 

Foram grandes males!

 

Os pequenos e curtos remédios?

 

Os recintos modernos, apenas dirigidos ao desporto do Black Bulls, ENH e União Desportiva do Songo, mais o programa do elenco de Feizal Sidat em investir na formação, bloqueando e recuperando os espaços destinados ao futebol.

 

Pessoalmente, gostaria de apresentar uma proposta: “qui-tal” (como dizia o SE), destruirmos os prédios que “roubaram” espaços ao desporto, para os devolver aos legítimos donos?

terça-feira, 19 dezembro 2023 13:50

O Estado Geral da Noção do País

 

Acompanhei na imprensa que esta quarta-feira, 20 de Dezembro de 2023, o Presidente da República (PR) fará, no Parlamento, a habitual comunicação anual denominada o “Estado Geral da Nação”. Uma das televisões foi à rua e questionou aos cidadãos sobre o que eles esperavam da comunicação a ser feita pelo PR.

 

Enquanto os interpelados respondiam, lembrava-me de uma conversa, no início das conversações do desfecho da II Guerra Mundial (1939-1945), entre o então líder soviético, Joseph Stalin, que respondendo ao líder americano, Franklin Roosevelt, quanto ao futuro da Alemanha, perguntara: “Alemanha? Qual Alemanha?”. Para Stalin, a Alemanha do final da guerra era apenas uma noção geográfica.

 

Pergunto o mesmo sobre o sujeito da comunicação do PR: “ Estado Geral da Nação? De Moçambique? Qual Moçambique? E tal como o raciocínio de Stalin (talvez a única coisa de bom que aprendera dele), o país do final do dia 11 de Outubro de 2023, a data das sextas eleições autárquicas, é apenas uma noção geográfica.

 

No final da conversa entre Stalin e Roosevelt, e para o bem das conversações, as partes acordaram que seria a Alemanha do dia anterior à data do início da II Guerra Mundial (data da invasão alemã à Polónia).

 

E para o bem do entendimento da comunicação do PR sobre o Estado da Nação: que Moçambique será o objecto da comunicação? O país do dia anterior à última comunicação do Estado Geral da Nação? Ou o país do final do dia 11 de Outubro de 2023?

 

PS: Logo depois do início da Guerra entre a Rússia e a Ucrânia publiquei um texto (Ucrânia? Qual Ucrânia?) do qual extraio uma parte que compõe o ora publicado. Se estiver interessado acesse: https://cartamz.com/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/10067-ucrania-qual-ucrania

 

terça-feira, 19 dezembro 2023 13:41

Falsa promessa

Fui arrebatado por uma leveza, depois de consumado o coito, olhei, candidamente, para a minha parceira, e ela ofereceu-me um sorriso matreiro. Acariciámo-nos, permanecíamos ali estendidos dentro da nossa nudez, deitados de costas para a vida, no colchão macio, que suportava o peso do nosso prazer .

 

Depois de um prolongado silêncio, quebrado de vez em quando, pelo meu arfar, ela balbuciou, de mansinho:

 

- Quero mais!

 

- Mais o quê? – questionei, incrédulo.

 

- Quero que me comas outra vez - ripostou ela impassível

 

- Oh, querida, terminamos agora - defendi-me.

 

Beijei-a, longamente, para compensar a sua insatisfação. Deixei-lhe de costas e procurei adormecer. Ela ainda sussurrou mil palavras de amor, antes de eu embarcar no meu sono.

 

Despertei, quando o meu braço descobriu a ausência dela na cama. Não me lembro se sonhei. Espreguicei-me, antes de abrir completamente os olhos. Busquei-a por cada canto do quarto, e nada. Levantei-me preguiçosamente, vesti as cuecas e saí do quarto.

 

Encontrei-a a preparar o pequeno-almoço, abracei-a, as suas costas contra o meu peito depois beijei-a, ela continuava completamente nua. Meimuna soltou-se levemente e caminhou em direcção ao quarto de banho, deixou o seu odor impregnado na cozinha . Nem o cheiro dos manjares em preparo ofuscavam a sua fragrância excitante.

 

Segui-a. Redescobri-a, através do envidraçado translúcido da banheira. Engoli a sua nudez e entesei-me. Penetrei na banheira, afaguei-lhe as costas contra o meu peito, senti o seu arfar, minhas mãos seguraram-lhe os seios.

 

Trocámos carícias. As minhas mãos viajaram pelos contornos do seu corpo, até acender o fogo das nossas entranhas. Depois, ela inclinou-se ligeiramente para a frente, levantei-lhe a perna esquerda e apoiei-a na borda da banheira, seu rabo abundou minha região pélvica, penetrei-a suavemente, ela libertou um gemido que me encheu de prazer. Vigiei, durante certo tempo o seu êxtase pelo número de gemidos que ela emanava. Depois perdi a conta, quando a volúpia tomou conta de mim, já gemíamos em uníssono.

 

Depois de extasiados, sentámo-nos à mesa, para desfrutar dos manjares, saboreei um pedaço de mandioca cozida com manteiga, e beberiquei o meu chá Gurué ainda quente.

 

O toque do meu telemóvel soou no quarto e quando me predispunha a alcançá-lo deixou de soar. Então, o som de entrada de uma mensagem de texto fez-se ouvir. Apressei-me a terminar o pequeno-almoço, e fui buscar o celular. “Tou chegar” lia-se na mensagem enviada pelo taxista que eu amiúde recorria para visitar Meimuna. Já passava das 10h da manhã e meu voo estava marcado para às 11h30.

 

Vesti-me precipitado, ela ajudou-me a arrumar a bagagem, ficámos ambos aguardando a chegada do taxista. Despedia-me dela, com um beijo prolongado e entrei para o táxi.

 

O taxista imprimiu velocidade ao seu veículo, contornou todas as curvas do bairro, com perícia, na corrida que fazia para chegar a tempo ao aeroporto.

 

Precipitei-me numa correria, para alcançar o balcão do check-in, que estava prestes a encerrar. Logo depois embarquei.

 

A aeronave despegou-se do solo e entranhou-se nos céus. Senti momentaneamente saudades de Meimuna.

 

A minha longa estadia na cidade de Nampula, com o propósito primário de fazer prospecção de mercado para posterior investimento teve resultados positivos. E para incentivar minha permanência na cidade, conheci Meimuna.

 

A viagem de pouco mais de duas horas estava quase no fim. A aeronave iniciou a descida em direcção ao aeroporto internacional de Maputo.

 

Desembarquei, recolhi a minha bagagem e caminhei em direcção ao átrio do aeroporto.

 

- Seja bem-vindo, meu amor!  Clamou Júlia, minha esposa.

 

- Olá, pai!  Cumprimentou a minha filhota de cinco anos.

 

Precipitámo-nos em direcção à casa, numa marcha lenta, condicionada pelo tráfico típico de Maputo. Minha filha disparava mil perguntas sobre a minha estadia em Nampula. No semblante de Júlia podia-se notar a felicidade que sentia por eu estar de volta. Foi um mês de ausência ditada pela imposição laboral.

 

Entrosei-me com a família numa animada brincadeira, por vezes com gracinhas oferecidas por Cármen, minha filha, outras vezes com carícias a minha esposa.

 

O meu calor emprestou à casa o ambiente masculino, deixando o lar coberto de uma redoma de paz.

 

Jantámos cedo, levei Cármen para o seu quarto, abri o seu livrinho de estórias, li com entusiamo, não demorou a adormecer.

 

Recolhi para o aposento conjugal e encontrei minha esposa trajando lingerie vermelho novo que lhe assentava no corpo, de forma majestosa, arrebatando completamente o meu ser. A luz das velas projectava o seu corpo numa das paredes do quarto animando mais o ambiente íntimo.

 

Segurou-me e conduziu-me à cama, acariciou-me, retribuí beijando-a. Olhou-me, com meiguice, despiu-se e deitou-se de costas na cama. Meus olhos vagaram pelo seu corpo. Também despi a peça de roupa interior que trajava e nu abracei-a. Continuámos a acariciar-nos. Percebi que minha parceira usufruía de volúpia quando segurou meu membro viril.

 

Quando entendi que meu falo não reagia aos estímulos proporcionados pela minha esposa, levantei-me e servi uma taça de champanhe. Depois de consumir três taças num trago, voltámos a trocar carícias. O falo recusava-se categoricamente a falar o que quer que fosse. Ela tentou todas as formas que conhecia para me proporcionar uma erecção, mas nada, nada mesmo!

 

Quando percebi que não tinha como ganhar uma erecção, aleguei que a viagem e o excesso de trabalho me conferiam aquele estado. Da nossa relação marital de pouco mais de dez anos era a primeira vez que algo do género acontecia.

 

Embebedei-me, para resgatar a auto-confiança que pudesse conferir-me o domínio e logo encontrar o estímulo para concretizar o coito. Nada acontecia. Senti-me desfalecer e horas depois, quando despertei, o sol já brilhava. Senti uma ligeira dor de cabeça. Olhei para o relógio, já se passavam das 10h. Minha esposa já tinha saído para o emprego e levado a minha filha à creche.

 

Precipitei-me nos preparativos, para ir ao meu posto de trabalho. Tinha uma reunião com os meus superiores. Momentaneamente a minha mente projectou a imagem de Meimuna, com todos os atributos femininos típicos daquela criatura extasiante.

 

Voltei à realidade, e lembrei-me do meu acto desastroso na noite passada, clareei a mente, e parti para o trabalho.

 

Levei a reunião a bom porto com a apresentação do relatório.

 

Já meio aliviado de trabalho, avancei em cogitações, para descortinar a disfunção eréctil da noite anterior. Hospedei-me num café da cidade. A manhã ia sendo consumida pela azáfama da urbe, com múltiplos sons de carros em suas correrias desenfreadas, à mistura com as sirenes de escoltas tentando romper o congestionamento de trânsito.

 

Mais uma vez, o rosto de Meimuna assaltou a minha mente. Desta vez ela apresentava-se trajando uma capulana multicolor e tinha o semblante mascarado com msiro¹. Desnudei-a quase telepaticamente, entesei-me, esbocei um sorriso de satisfação, afinal não era nada de grave.

 

Podia procurar compensar a Júlia mais logo.

 

O som polimórfico do meu telemóvel fez-se ouvir e na pequena tela surgiu o nome Dr. Amaral Muende, o cognome que havia atribuído a Meimuna.

 

- Anselmo você tesde que jegou não tiz nata, esdou com muiida sautate – rematou ela, eufórica, catapultando o seu sotaque emakwa².

 

- Olá, querida, muito trabalho aqui – repliquei, animado, por ouvi-la

 

- Quanto vens endão faser apresentação e petito? – lembrou-me da promessa que a fizera.

 

- Deixa-me terminar o trabalho por cá e logo venho – ripostei, para acalmá-la.

 

-Está pem, amor, peijo.

 

Senti no tom da sua voz a felicidade que a minha promessa fizera, mas que eu não tinha nenhuma intenção de cumprir.

 

Agora, cogitava na minha intenção de proporcionar a Júlia uma noite recompensadora, depois do desastre da anterior. Minha esposa foi tomada de dupla surpresa. Fui encontra-la, no seu trabalho, ofereci-lhe um buquê de rosas e tulipas. Comentários abonatórios foram disparados pelos colegas. Vi um largo sorriso moldar o seu rosto. Isto era só o introito da missão compensadora que eu tinha para ela.

 

Rumámos por uma via desabitual, enquanto o aparelho sonoro do carro reproduzia uma música romântica.

 

- Para onde vamos, amor? - questionou Júlia animada.

 

- Espera, para ver.

 

Vislumbrámos a fachada principal do hotel “paraíso” de quatro estrelas, quase em simultâneo.

 

Entreolhávamo-nos e ambos sorrimos. Era o hotel em que tínhamos passado a nossa noite de núpcias.

 

Alcançámos a recepção. Solicitei a chave do quarto cinco, o mesmo da nossa noite de lua-de-mel. Caminhámos de mãos dadas. O mobiliário rústico do quarto emprestava um ambiente íntimo. Tomei a iniciativa, despindo-me, minha parceira imitou-me, avancei com os preliminares, procurando criar o clímax necessário.

 

A minha manifesta vontade de materializar o coito redundou em mais um fracasso, o meu membro viril recusou-se mais uma vez a desafiar a força da gravidade e posicionar-se na horizontal.

 

- Isso acontece, meu amor! - afirmou Júlia procurando acalentar o meu espírito atormentado.

 

Desisti da minha empreitada sexual, refugiei-me no bar do hotel, e só depois de suficientemente embriagado é que me juntei à minha esposa.

 

Os dias que se sucederam foram de tentativas de tratamentos convencionais e tradicionais, que redundaram em fracasso absoluto, remetendo-me a uma total depressão.

 

A minha psico-libertação sucedeu, depois de muita insistência de Estêvão, um amigo próximo, para que conversássemos, pois há muito que não púnhamos o papo em dia.

 

Expus-lhe a minha incapacidade de levar a bom porto a cópula com a minha parceira.

 

- Desde que voltei da minha última viagem de Nampula, que não consigo nada. Relatei,

desabafando.

 

- Diz-me o que aconteceu lá. – Questionou curioso, Estêvão.

 

-Nada de especial, conheci uma macua, e tive uma relação amorosa.

 

- Oh, ohh! – meu amigo, aí poderá estar a causa do mal – Ela poderá ter-te engarrafado.

 

- Não acredito nisso – rematei, pouco convicto – Claro que lhe prometi que me casaria com ela, mas não passava duma falsa promessa.

 

- Meu amigo, um conselho, volta para lá, e resolve o assunto com essa mulher.

 

Aventei a possibilidade de rumar de volta a Nampula, não custava tentar, custaria sim a passagem aérea e a estadia, para tirar a limpo o pressuposto avançado pelo meu amigo.

 

Quando a aeronave entrou no espaço aéreo da província de Nampula, senti um movimento estranho na zona pélvica.

 

“Iniciamos a descida em direcção ao aeroporto de Nampula, a temperatura exterior é de 27 graus Celcius”. O comandante desacelerou a aeronave, baixou a altitude, o sinal de apertar os cintos acendeu, a assistente de bordo emitiu o pedido de apertar os cintos. Continuava tenso e o meu membro viril permanecia erecto. O avião aterrara por volta das17h. A temperatura exterior revigorou-me. Sentia-me um homem completamente novo.

 

- Foltaste padrão! - conferiu o taxista quando me reviu.

 

Entrei para o táxi, que se dirigia em direcção ao hotel onde eu ficara da última vez. Corrigiu-o dizendo-lhe o nome de um hotel de três estrelas onde ficaria desta vez.

 

- Vem buscar-me às 18h- anunciei.

 

Não avisara a Meimuna da minha vinda, queria surpreendê-la. Descansei no hotel, aguardando a hora de visitá-la. Busquei meditabundo uma explicação, para a anomalia que se operava com o meu falo.

 

Encontrei Meimuna submersa nos seus afazeres domésticos.

 

- Ishhh, amor xecaste nem afisaste! - exclamou ela surpresa.

 

Catapultei-me para ela, como que arrebatado por uma força suprema, carreguei-a e a pousei no banco do lava-loiças. Meu órgão genital serpenteou entre as suas coxas até alcançar a vulva, senti suas matunas³ enroscarem meu pénis, um baque forte sacudiu meu peito, ela soltou um gemido.

 

- Ahhh!- libertou-se ela.

 

- Ohhh – repliquei, eufórico.

 

Depois de extasiados, ela perguntou-me:

 

- Vais me cazar?

 

-Sim caso-me, sim – redargui completamente relaxado.

 

¹ m’siro- No Norte de Moçambique e principalmente na Ilha de Moçambique, as mulheres usam diariamente uma pasta branca no rosto, uma máscara de beleza natural.

² emackwá– língua falada na província de Nampula

 

³ matunas – alongamento do clítoris efectuado pelas mulheres do centro e norte de Moçambique.

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