Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

Nasci e cresci num ambiente em que os livros jornais e revistas eram parte integrante da nossa vida. Pouco percebia do real significado que aqueles amontoados de papel tinham, tampouco da riqueza que escondiam. A medida em que as letras começaram a fazer sentido, as palavras ganharam melhor significado e a curiosidade despontou. Por conseguinte, muito cedo me permiti folhear alguns livros que tinha em casa. Ganhei gosto, aprendi a conversar e a entender o poder que o livro tem.

 

O livro é fonte do saber, de informação, de cultivo de homens doutos e cultos; são uma riqueza única e de valor inestimável para a sociedade. Para países em vias de desenvolvimento, como o caso de Moçambique, com altas taxas de iliteracia, o livro é uma arma fundamental no processo de educação e emancipação, ocupando sólida relevância.

 

O contexto evolutivo do registo- de informação desde as sociedades antigas aos nossos dias, mostra que, quando a humanidade fez a transição das fontes orais para as fontes escritas, assistiu-se a um salto qualitativo no processo de armazenamento e um maior acesso as fontes do conhecimento. O saber passou a ser não apenas mais acessível, mas também venceu a barreira geográfica e temporal - podia passar de geração em geração de forma fiel e fidedigna.

 

A conservação e armazenamento do conhecimento adquirido ao longo do tempo, evoluiu a pari passu a medida que as sociedades foram se desenvolvendo. Das gravuras, passando pelas pinturas rupestres, murais em pedra, em artefactos, e mais tarde em papiro com o uso dos hieróglifos, a humanidade foi se construindo rumo a um mais abrangente acesso a o conhecimento registado. O surgimento da imprensa escrita foi um marco fenomenal pois permitiu que a geografia e historia dos quatro cantos do mundo se cruzassem de forma eficaz e rápida.

 

Hoje, graças a esses registos, é possível visitar os escritos mais antigos, os clássicos nas suas mais diversas formas (desde o grego, latim, hebraico, aramaico à outras línguas civilizacionais). O livro permite a aprendizagem, a reflexão, a critica e o diálogo entre gerações.

 

Entre a construção e a (des) construção

 

O drama do africano durante séculos tem sido associado ao acesso a educação de qualidade que se julga, ser o caminho para a emancipação mental, cultural e de (re) construção da sua identidade. – Num mundo em que o conhecimento significa poder, quem não o tem, vive um drama humano existencial.

 

Nesta analogia, pouco interessa se o conhecimento que temos nos é identitário, se espelha a nossa cultura, a nossa tradição, a nossa história e as nossas vivencias enquanto africanos e donos de uma ontologia própria. A luta do africano tem sido a conquista pelo reconhecimento da sua racionalidade e de uma incessante afirmação da sua humanidade – ainda que este reconhecimento custe mais a sua alienação. A pouco e pouco vamos enterrando a nossa axiologia, os nossos usos e costumes, as nossas línguas, tradições, religiões e com isto vamos enterrando a nós mesmos, o nosso SER.

 

A educação que se pretendia libertadora e emancipadora, virou uma educação alienadora e usurpadora. Sim, usurpadora porque permitimos deixar para trás o que é realmente nosso e adoptados com muito orgulho o que não é e nunca foi nosso. E este processo desenrolou-se numa lenta e progressiva narrativa teórica e prática de inferiorização e de negação do ser do africano.

 

Contemporaneamente um dilema emerge na indagação do nosso lugar no mundo – o dilema identitário que tem muitas semelhanças com a disjuntiva periférica: ser como os do centro ou ser como nós mesmos? – Numa clara alusão a dúvida que se instalou em cada um de nós ditos civilizados.

 

Aqueles a que chamamos atrasados, ainda conseguem ser mais evoluídos e ilustrados que nós, ditos civilizados e herdeiros da ciência, dos novos ideais que nos foram impostas.

 

A arma usada para que tudo se efectivasse da forma mais natural foi o livro na sua capa educacional e evangelizadora. Não que ela (a educação) tenha sido má; muito pelo contrário, ela foi e é boa e necessária para edificarmos uma sociedade progressista e alicerçada nos valores da ciência, do desenvolvimento e da evolução da espécie humana. Os modelos educacionais e os currículos adoptados por muitos países independentes como é o caso de Moçambique, foram e são em algum momento modelos que gradualmente preconizaram a negação do nosso ser e inculcaram aceitação do ser do outro, modelos que nos distanciaram da nossa realidade.  

 

Quando o livro que serve para formar milhões de crianças, adolescentes e jovens do Rovuma ao Maputo, e do Zumbo ao Índico, contém erros grotescos, desinformação e atropelos graves a ciência, e tais livros tenham passado pelo crivo da instituição de tutela, então o livro que tanto apregoamos é uma arma altamente destrutiva. Destrutiva porque há anos que vimos escangalhando o ensino público e tornando-o uma autêntica chacota - fazendo mais do mesmo na multiplicação de conteúdos não profícuos; há anos que transferimos a mediocridade e incompetência institucional para as nossas crianças e, há anos que reproduzimos um discurso vazio e inócuo em torno da educação.

 

Mas, mais do que erros, e incongruências, os nossos currículos estão em parte desfasados da realidade e, não espelham o país que queremos ser nas próximas décadas. Na reflexão em torno do poder do livro (livro não como objecto isolado, mas como base de formação), quero destacar três dimensões julgo fundamentais para a construção de um país genuinamente orgulhoso do seu passado, do seu presente e certo de que o futuro será risonho:

 

  • A dimensão nacionalista que olha para nossa história, nossos feitos enquanto povo, país e nação;
  • A dimensão Ética que olha para a globalidade da pessoa humana e para o tipo de sociedade que estamos a (des) construir e,
  • A dimensão futurista que tenta vislumbrar o país que queremos ser nas próximas décadas.

 

Não se pode normalizar gralhas nem produzir erratas para a nossa quase que penosa e decadente situação, aceitando que no futuro possamos ler e acreditar que a colonização foi um processo pacífico e não conflituoso, e de laços de fraternidade entre o colonizador e o colonizado; que os mais de 500 anos de presença colonial em África, Asia e América Latina foram, juntamente com a desumana escravatura, um momento de intercambio turístico, religioso e de descobrimento mutuo.

 

Não se pode, nem se deve permitir que o plano de desestruturação e de promoção de uma alfabetização medíocre seja uma bandeira de desumanização do negro e a negação da sua racionalidade, historicidade e eticidade. Um povo sem história é um povo sem rumo e um povo sem conhecimento da sua cultura não tem futuro algum; e o caracter malévolo dos manuais e livros produzidos reside neste aspecto – a marginalização, banalização e vulgarização do processo educativo.

 

O livro tem o papel idêntico ao da enxada sobre a terra – tornar possível um processo de produção de algo novo, abrir os solos e produzir – subentendendo-se que as mentes dos alunos são solos férteis e que merecem produção de qualidade. O livro deve abrir mentes e ajudar a reflectir um mundo e um país diferente e cada vez mais inclusivo.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

terça-feira, 31 maio 2022 08:27

Educação: Quando tudo parecia bem!

“Quando uma Jovem Licenciada escreve na sua página do FACEBOOK assim (mição comprida) com direito à fotografia empunhando o Diploma e buquê de flores da ocasião, significa que algo vai demasiado mal no nosso sistema de educação. Quando os livros escolares são produzidos sem o mínimo rigor na correcção, significa que a negligência atingiu o auge”.

 

AB

 

Quando digo “quando tudo parecia bem” refiro-me ao facto de o País ter uma massa de Jovens com formação superior a todos os níveis em quantidade suficiente para “tocar o barco a andar” baseado em recursos humanos locais. As nossas Universidades estão pejadas de gente sedenta de formar-se e quase todos os anos saem quadros aparentemente formados para reforçar o mercado de trabalho, digo aparentemente formados porque, ao constatar todas estas gralhas, estes erros todos de uma comunicação para o público, fica claro que algo não vai bem.

 

É tema de debate, nas redes sociais, o Livro de Ciências Sociais da 6ª Classe, onde aparece “Limites do grande Zimbabwe: Mar Vermelho e Golfo de Áden. A Sul, Malawi e Zâmbia, a Este, Oceano Índico e o Rio Inharrime é chamado Rio dos Bons Sinais”. Aqui o problema não está nos professores, não está nos alunos, está ao nível mais alto do sistema de educação que, a meu ver, pode não estar até no Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano, pese embora, deveria ter detectado isto antes da distribuição.

 

Digo pode não estar na educação porque, na verdade, todos sabemos que, para a edição do livro, deve-se passar por muitas etapas, desde a revisão, editação, retornar a revisão/limpeza para que saia tal como se pretende. No entanto, num sistema em que o Livro Escolar é produzido no exterior, lembrar que, temos alunos neste momento sem o Livro Escolar e não há ideia sobre quando chega, esta ginástica de ensaio antes da publicação fica difícil, salvo se tivermos revisores e editores no local de produção desse mesmo Livro Escolar.

 

Esta reflexão não pretende, de forma alguma, isentar de responsabilidade o Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano. Pretende, sim, lançar a reflexão para outras áreas que não são estritamente este sector vital. Diz-se à boca cheia que, se “queres destruir um País, mata a educação”, entretanto, não creio que os funcionários da educação sejam “suicidas” e que queiram matar o seu próprio sector. Certamente, serão colegas de outros sectores que percebem de educação que pretendem aniquilá-los.

 

Convenhamos, enquanto não se resolver o problema de produção interna do Livro Escolar, estes problemas serão recorrentes e, repito, a questão não deve ser vista, estritamente, na educação e desenvolvimento humano, todos os sectores do Governo devem ser responsabilizados por estes erros, desde a economia e finanças que diz não ter dinheiro, a indústria que nega existência de capacidade interna para a produção, assessores do Governo que se mantêm indiferentes ao problema da educação, digamos, este problema é do Conselho de Ministros, como um todo!

 

No princípio do ano, o debate foi sobre os conteúdos e aqui, sim, a educação e desenvolvimento humano tem responsabilidades acrescidas, sem isentar outros sectores da sociedade civil. A existência de uma massa crítica não significa a dispensa de consulta a outros sectores da sociedade sobre matérias a educar no sistema. Na verdade, a educação deve ser de participação de todos, mas, como não podemos fazê-lo, existem grupos da sociedade representativos a consultar e se as pessoas responsáveis pela produção de matérias se acharem suficientemente capazes e não precisarem de consulta, pode residir aí o erro, que merece correcção imediata!

 

Caro amigo! Já imaginaste um debate de estudantes sobre a localização de um determinado ponto geográfico, um a defender aquilo que estudou e que o professor o classificou como BOM e outro a defender aquilo que é universalmente correcto e baseado nas suas pesquisas e de autodidatismo!? O outro a provar por A+B que está certo e a prova é o que vem escrito no Livro de Educação Oficial? Evitemos embaraços, ao Governo, em última instância, compete criar condições para que a educação não seja o que vivemos hoje. Repito, temos bases para que a educação avance sem sobressaltos, precisamos é de capacitar esses quadros, fornecendo capacitações, reciclagens e outras formas para que as coisas estejam sob carris.

 

Não se pode ter um produtor de conteúdos escolares em regime de “past-time”, não se pode ter um revisor de conteúdos escolares enquanto professor “turbo” que deve dar aulas em múltiplas escolas para poder sustentar a família. Deve-se criar condições materiais para que as pessoas afectas nesses sectores estejam 24 sobre 24 horas a pensarem no trabalho que devem realizar. Se não tiver trabalho objectivo, a leitura deve ser o seu refúgio.

 

A terminar mesmo, esta reflexão vai longe, quero parabenizar os Pais e encarregados de Educação pela permanente preocupação para com a educação dos filhos e educandos, a sociedade de um modo geral que lê matérias sobre a educação e constata e denuncia estes erros. Esta é, na minha opinião, uma demonstração clara de vontade de ver as coisas a correrem bem neste sector vital da vida de uma Nação. Continuemos firmes, por uma educação abrangente e de qualidade!

 

Adelino Buque

terça-feira, 31 maio 2022 05:22

“A República das Erratas!”

NovaOmardino

Mais uma vez, estamos diante de um escândalo cabeludo, que abala o Sector da Educação do nosso País. O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) chamou a imprensa, no Domingo (29.05), para pedir desculpas aos encarregados de educação e alunos, face à onda de revolta social movida por erros graves verificados em alguns livros do Ensino Primário.

 

Na ocasião, a Porta-voz do MINEDH, Gina Guibunda, anunciou a criação de uma Comissão de Inquérito e, por fim, uma grande nova – produção de Erratas para colocar em 941.700 livros da disciplina de Ciências Sociais da 6ª Classe; ao que tudo indica, mais livros possuem erros graves e injustificáveis. E o mais engraçado, diante de tudo isso, é a forma banal e descarada como essa informação foi apresentada – “Vamos colocar Erratas nos manuais (livros) em causa!”

 

Aquela afirmação, vindo de uma mãe, tia, avó, esposa de alguém e, sobretudo, de uma gestora da coisa pública, demonstra que estamos, de facto, a brincar de governar. É por isso que a mensagem deixou todo cidadão atento e preocupado com o desenvolvimento deste País escandalizado.

 

Na sua comunicação, ela reconfirmou, mais uma vez, que os nossos gestores de educação não são amigos da leitura, daí terem deixado passar erros graves como aqueles, que estão a ser tratados como simples gralhas. Com um livro repleto de erros atrás de erros, a Porta-voz do MINEDH teve a coragem de vir ao público, espalhar sua lata, e dizer que colocariam Erratas nos manuais, ou seja, milhões de Erratas!

 

A ser assim, e se a moda pegar – acho que deveríamos produzir milhões de Erratas e colocar em muitas coisas neste País. Imaginem a forma como quase todas as coisas vão sendo e são feitas por aqui, na terra do deixa andar… Portanto, decidamos colocar Erratas:

 

- Na Constituição da República de Moçambique (CRM);

 

- Nos diversos Acordos de Paz entre o Governo e a Renamo;

 

- Nas Leis específicas e nos regulamentos normativos que norteiam a sociedade moçambicana;

 

- Em todos os manuais de história e língua portuguesa; nas monografias, dissertações e teses científicas; nos manuais de geografia, entre outros;

 

- Nos certificados e diplomas que as escolas, os institutos e as universidades passam aos alunos e estudantes finalistas que foram (de)formados;

 

- Nos discursos lidos pelo Presidente da República, pela Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-Ministro, pela Procuradora-Geral, e por tantos outros;

 

- Nos documentos de identificação e de trânsito mal escritos;

 

- Nos curricula de formação de professores, médicos, polícias, militares, enfermeiros, jornalistas, juristas, magistrados, ambientalistas, engenheiros, teólogos, agrónomos, informáticos, educadores de infância, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos, gestores administrativos, alfandegários, aduaneiros, serventes, motoristas e políticos – deve-se produzir milhões de Erratas para corrigir tudo que temos assistido nesta martirizada terra!

 

- Sabem porquê? – Somos um País em que se vive de faz de contas. Do espírito de deixa-andar. Da mão leve. Do cabritismo. Uma terra onde se normalizou a irresponsabilidade. A incompetência, a falta de respeito pelo povo, a indignidade do cidadão, o espírito de deixa-andar e tantas outras coisas que enojam um cidadão decente e preocupado com o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos moçambicanos de hoje e do amanhã.

 

- Que coloquemos Erratas na Bandeira Nacional. Nas notas do nosso Metical. Erratas nas tabelas e taxas de impostos que aceleram a nossa pobreza. Erratas nos preços dos produtos de primeira necessidade. Erratas na conduta dos políticos e governantes. Erratas nos preços de portagens que nos sufocam. Erratas nos relatórios triunfalistas de sectores que nada fazem e passam a exibir fotos de feitos inexistentes – passemos Erratas em tudo! Talvez assim continuemos a fingir que estamos a trabalhar.

 

E se a saga pegar, nos próximos dias, poderemos vir a ser uma “República das Erratas”. Mas caso queiram mudar o cenário e aliviar a nossa consciência, o primeiro passo que se deve tomar é queimar todos os livros. Banir do Sistema Nacional de Educação (SNE). Processar todos envolvidos, inclusive a autora e sua equipa. Convocar um leque de especialistas isentos e professores da velha guarda para começarem a produzir novos manuais, que serão organizados, monitorados, impressos e distribuídos por gente nova e comprometida.

 

É necessário, também, exonerar a Ministra Carmelita Namashulua e toda a sua equipa folgada e que está nas direcções. Desmantelar a quadrilha e os esquemas montados naquele sector. Desvendar os actores envolvidos nestas negociatas e reformular todo Sistema Nacional de Educação (SNE).

 

Tratando-se de um sector tão importante, a revolução para o nosso Desenvolvimento Humano – que passa pela formação do Homem Novo e um moçambicano reconfigurado – há décadas almejado na Pérola do Índico, deve começar lá e já; caso contrário, a desgraça continua e as pragas do Egipto continuarão a assolar-nos!

A educação é um direito fundamental e, ao mesmo tempo, um direito humano, do qual depende o livre exercício e gozo de outros direitos humanos conexos, incluindo o direito ao desenvolvimento, o direito à informação, à participação pública, o direito ao trabalho, à liberdade de pensamento e de escolha do que se pretende ser e fazer, sobretudo, profissionalmente. A educação constitui um instrumento de poder para os cidadãos que lhes permite controlar o curso das suas vidas e contribuir eficazmente para o desenvolvimento da nação. A falta de educação básica ou a má qualidade de formação afecta os conhecimentos dos cidadãos sobre o ambiente, saúde e higiene, o que impacta negativamente sobre a qualidade das suas vidas. A negação do direito à educação nas suas diversas formas, que abrange a má qualidade de ensino, é também denegação do desenvolvimento do pleno potencial dos cidadãos e da participação significativa na sociedade.

 

O direito à educação enquadra-se essencialmente na categoria dos direitos económicos, sociais e culturais e está plasmado no artigo 88 da Constituição da República de Moçambique (CRM) nos seguintes termos:

 

  1. Na República de Moçambique, a educação constitui direito e dever de cada cidadão.
  2. O Estado promove a extensão da educação à formação profissional contínua e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito.

Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), de que o Estado moçambicano é parte, determina no n.º 1 do seu artigo 17 que: “Todas as pessoas tem direito à educação.” O artigo 22º da mesma Carta consagra o direito ao desenvolvimento nos seguintes termos:

 

  1. Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do património comum da humanidade.
  2. Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.

 

Este direito ao desenvolvimento está em grande medida relacionado com o exercício e gozo do direito à educação que deve ser acessível, aceitável e de qualidade para a edificação de uma sociedade de justiça social, de bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos, conforme preconiza a alínea c) do artigo 11 da CRM.

 

A garantia e a salvaguarda dos direitos humanos, dos direitos e liberdades fundamentais cabe, em primeira linha, ao Estado, seja à luz da CRM ou dos instrumentos internacionais de direitos humanos de que Moçambique é parte.

 

Aliás, determina o n.º 1 do artigo 56 da CRM que: os direitos e liberdades individuais são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas, são garantidos pelo Estado e devem ser exercidos no quadro da Constituição e das leis.

 

Da leitura e exercício hermenêutico da norma contida no n.º 1 do artigo 56 da CRM é fácil perceber a responsabilidade do Estado para com os direitos e liberdades fundamentais como é o caso do direito à educação. No mesmo sentido, a alínea e) do artigo 11 da CRM estabelece como um dos objectivos fundamentais do Estado: “a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei.” Importa também referir que o artigo 1 da CADHP impõe que os Estados partes da presente Carta reconheçam os direitos, deveres e liberdades enunciados na mesma e se comprometam a adoptar medidas legislativas e outras para aplicá-los.

 

Ora, há mais de dez anos que o investimento no sistema de educação tem sido insignificante para aquilo que são os objectivos do sistema nacional de educação definidos na legislação e políticas de educação. O orçamento para o sector da educação, para além de não ser de gestão transparente, revela-se problemático no concernente à alocação de fundos para a construção de escolas, que, infelizmente, tem sido reduzido à “construção de salas de aulas precárias.” A esta situação, acresce o deficiente  mecanismo de aquisição do material escolar essencial e de contratação e formação de professores para um processo de ensino e aprendizagem de qualidade, particularmente no ensino primário e secundário.

 

Outrossim, o governo permite espaço para o consumo de bebidas alcoólicas nas escolas, cujos sistemas de segurança são altamente frágeis. A instalação de barracas e/ou bares nas proximidades das escolas cresceu bastante, constituindo um convite aos alunos e professores para o consumo de bebidas alcoólicas, enquanto frequentam as aulas. Ademais, os currículos do sistema nacional de educação não estão consolidados e não são objecto de um debate público aberto entre os profissionais da educação, encarregados de educação e sociedade civil que trabalham na área de educação e outras conexas, não obstante esses currículos sofrerem constantes alterações ou reformas em períodos muitos curtos à medida que se mudam dos dirigentes do sector da educação.

 

Recentemente, foi determinada a leccionação de aulas de várias disciplinas por um único professor em determinadas classes em que durante muito tempo cada disciplina tinha o respectivo professor qualificado e não se percebe as razões para tamanha transformação institucional, atendendo ao elevado padrão de qualidade de ensino que se pretende.

 

No mesmo sentido, os salários e incentivos para os professores, sobretudo os do ensino básico, são extremamente baixos, os livros que deviam ser de distribuição gratuita são na verdade entregues para esquemas de negociação ou venda tanto no mercado negro, como nas escolas privadas ou particulares em detrimento das escolas públicas. Curiosamente, as condições e qualidade ensino nas escolas públicas tendem a ser muito débeis, ao que parece ser para alimentar o ensino privado que é altamente lucrativo para os respectivos donos.

 

O processo de elaboração e aquisição dos livros escolares tem sido obscuro e não chegam ao País em tempo útil, nem apresentam a devida qualidade de conteúdo para um eficaz e eficiente processo de ensino e aprendizagem, com vista à realização do direito à educação no quadro da Constituição da República em vigor.

 

Distribuir livros com erros ortográficos e de conteúdo graves é um atentado ao direito à educação, que dá a entender que se trata de um plano obscuro de destruição do sistema nacional de educação e a consequente denegação do direito ao desenvolvimento dos cidadãos e do Estado moçambicano, considerando que estão em prática vários mecanismos e/ou acções que demonstram se estar perante um processo sistemático de debilitação e violação do direito à educação em Moçambique.

 

Portanto, é notório que o Estado, através do seu governo, não está a cumprir com os seus deveres legais de respeitar, promover, proteger e realizar o direito à educação e, nessa vertente, está, igualmente, a denegar o direito ao desenvolvimento aos cidadãos, pelo que urge uma advocacia e atitude para mudança e eliminação de todas as barreiras ao acesso à educação de qualidade, num contexto de adopção de processos de tomada de decisão transparente e com a participação pública abrangente dos interessados no sector em questão.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

A própria baía em si perdeu a beleza, dando lugar  a um matagal sem sentido, que tomou o lugar de veraneio da urbe, tirando assim o direito aos banhistas e a todos aqueles que já não podem contemplar uma maravilha que nos punha em contacto visual com toda esta paisagem exuberante que inclui a península de Linga-Linga e o arquipélago de Mucucune – por um lado -  e a soberba do coqueiral que se ergue do outro lado, onde a Maxixe perdeu também, ao longo da orla marítima, a sua liberdade, por conta das construções que nunca obedeceram a nenhuma regra.

 

Os bancos de areia têm nome, todos eles, cada um com o seu potencial pesqueiro e seus tabus, porém – apesar desse diferencial - o que havia neles  de comum era a fartura. Por isso mesmo, homens e mulheres, em maré vaza, atravessavam em pequenos barcos à vela, na demanda do abundante pescado que incluia a apanha de carangueijo e moluscos e camarão, e não havia dúvidas de que os cestos voltariam mais do que abarrotados, para gáudio de famílias inteiras que nunca souberam o que é fome.

 

“Boni” será  -  provavelmente - o banco mais conhecido e se calhar o mais produtivo e o de maior extensão territorial. Em dias de pesca e de apanha e de arrasto, as pessoas eram desembarcadas aos magotes e espalhavam-se como baratas assustadas, mas era mentira, levavam dentro delas a certeza e a alegria de que voltariam para casa abastecidas. E todo aquele trabalho que faziam – muitas vezes debaixo de frio intenso e chuva – dáva-lhes prazer por saberem que os resultados seriam por demais compensadores.

 

Os bancos de areia da baía de Inhambane eram uma música, repetida na cidade e nos subúrbios, num ritmo que ressurgia com fulgor em cada refeição ou em cada petiscada nas bebedeiras de sura. Também eram uma jazida interminável que proporcionava renda a muitos e, por tudo o que representaram na economia e na sociedade, nunca vão deixar de ser património valioso.

 

Mas hoje ninguém fala dessas fontes de energia, pouca gente as procura, porque já não têm nada para dar, ou têm muito pouco. Há uns que dizem que aqueles bancos de areia e as suas circundantes águas misteriosas outrora promissoras, foram profundamente exploradas até a exaustão. Foram esvaziadas. Todavia, há aqueles que defendem outro pensamento. Segundo eles, foi o próprio Deus que diminuiu as bençãos, por ira. E, como todos nós sabemos, depois da Palavra de Deus, não há outra palavra. Assim, o mito morreu, e com ele a nossa esperança.

segunda-feira, 30 maio 2022 08:27

AINDA SOMOS CARVÃO, Ó MESTRE!

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Comemorando os 100 Anos de José Craveirinha, Poeta-mor!

 

Desde que partiste

 

Não parámos de gritar

 

Pois diferente de outrora

 

Quando vivo entre nós estavas

 

Hoje mais negros nos tornamos

 

E nosso patrão é nosso conhecido-irmão

 

E como antigamente, ainda somos carvão!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

Ainda somos arrancados do chão

 

Como minas de Moatize e outras geografias

 

Somos explorados sem auditoria honesta

 

Não apenas por Vales que das nossas terras nos baldeiam

 

Mas também por aqueles que dizem sacrificialmente lutar

 

Para nos proporcionar o sonho que nos fez batalhar

 

Contra a escravidão de brancos e pretos embranquecidos!

 

 

Desde que partiste

 

Quem explora a nossa mina

 

É o nosso irmão, mas hoje um ferino patrão

 

E nós, ó nobre Mestre, continuamos mais pretos, carvão!

 

 

Desde que partiste

 

O irmão que nos deixaste

 

Com o tempo, como um génio camaleão

 

Camufladamente, ao olho nu, foi-se revelando

 

Um autêntico capitalista, um supremo-patrão!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

Nossas estradas ganharam novos donos

 

E mesmo abarrotas de valas comuns

 

Que escondem sangue de gente inocente

 

Até dentro da cidade, não muito longe de Mafalala

 

Pagamos quotas para à vontade circular!

 

 

Desde que partiste

 

Ao longo das nossas estradas malfeitas

 

Brotaram empreendedores de combustíveis

 

Especialistas em economia de mercado lobista

 

Similares a Mestres de Kung fu e Karaté

 

A cada página de estrada vazia de alcatrão

 

Apertam o cinto da miséria dos teus pobres irmãos!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

Os mesmos velhos que deixaste a governar

 

Pululam pelas pontas vermelhas, governamentais e municipais

 

Desta pobre terra de cabo do norte queimado

 

Como especialistas em inovações químico-laboratoriais

 

Intoxicam o povo com políticas que dizem a todos beneficiar

 

Mas sabemos que seus planos e suas estratégias, é tutu mafia!

 

 

Desde que partiste

 

O custo de vida não parou de subir

 

E a subida de que profeticamente escreveste

 

Não é só do pão, óleo, carvão, transporte

 

Não é só da educação, saúde, formação

 

Nosso batimento cardíaco também subiu

 

Pois o salário mínimo apenas sobe alguns degraus

 

Quando já há um plano vampírico para sem dó o tirar!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

A educação que nos podia educar

 

É feita por lobistas designados professores

 

E os livros que nos podiam iluminar

 

São malandramente produzidos para nossos filhos deformar

 

E banhados de ignorância, perdermos o norte que nos podia salvar!

 

 

Desde que partiste

 

Nossa Constituição, aquele livro legal sagrado

 

Tem sido folheado por cientistas-pecadores

 

Como um manual de empreendimentos laboratoriais

 

Para garantir mandatos e a todos controlar!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

Até governadores pelo povo eleitos

 

Como estudantes e funcionários estagiários

 

Têm supervisores faz-tudos directamente da base central

 

Afinal, o que deve prevalecer não é a vontade do teu povo irmão

 

Porém decisões superiores dos famosos Grandes e Eternos Chefes!

 

 

Desde que partiste

 

O que mata os nossos irmãos

 

Não são guerras, fomes, secas, doenças ou ciclones

 

É a ganância pintada de coragem de um irmão insatisfeito

 

Que em revolta, sem coração, prefere inocentes trucidar

 

Para sua voz ecoar mais alto e sua superioridade declarar!

 

 

Desde que partiste, ó nobre Mestre

 

Pouco se escreve para o povo iluminar

 

Mas páginas em branco, de livros e manuais, se enchem

 

E murais de redes sociais espalhados na internet se inundam

 

Com deformações históricas, geográficas, económicas

 

Sociais, políticas, religiosas, repletas filosofias sanguessugas

 

Para deturpar o caminho da educação, saúde e salvação!

 

 

Desde que partiste

 

Ainda somos carvão

 

Ainda se consome nossa combustão

 

Mas como abertamente disseste

 

Arder eternamente, não patrão!

 

Não poderemos continuar a arder

 

Ser a mina explorada de um patrão- irmão

 

Que ontem garantiu até seu sangue derramar

 

Para nossas vidas economicamente melhorar

 

E devolver o sangue que por séculos nos foi sugado!

 

 

Portanto, ó nobre Mestre

 

Temos que continuar a arder

 

E com a chama da nossa combustão

 

Queimar tudo que malandramente nos sufoca

 

E com temperos de políticas e má governação

 

Nosso presente e futuro dos nossos filhos na terra inferniza!

 

 

Desde que partiste

 

Mesmo nascidos em terra consagrada independente

 

E governados por gente que diz democracia defender

 

Hoje ainda somos um futuro cidadão

 

Mas como abertamente disseste

 

Arder eternamente, não patrão!

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