Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

Conforme fez ontem saber a sempre solícita porta-problemas, aliás, porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, os graves erros contidos no livro de Ciências Sociais da sexta classe serão mitigados por via de erratas, o que, pela abundância de gralhas, será, certamente, ineficaz.

 

Entretanto, acho que uma “errata” de fundo e muito urgente se impõe: desenvolver institucionalmente o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE), criando, de entre outros, condições para que possa atrair e reter dos melhores quadros que o país possui. Até onde sei, esse não é o caso neste momento.

 

Grande parte dos quadros do INDE, maioritariamente formados domesticamente e com cursos de pós-graduação nas melhores universidades do mundo, largaram a instituição à procura de melhores condições (o que é normalíssimo!), estando grande parte deles a trabalhar, actualmente, em projectos de educação sob a égide de Organizações Não-Governamentais (ONGs), como gestores e oficiais seniores.

 

Naturalmente que se os decisores políticos de topo olhassem, em termos de pacotes salariais, para o INDE como olham para instituições como Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFIM) e Banco de Moçambique (BM), o INDE não estaria, hoje, muito enfraquecido em termos de qualidade de recursos humanos.

 

Ou aqueles que acham que 25 de Junho é “Dia dos Heróis” não encontram, actualmente, “refúgio” no INDE? Permitam-me o exagero, mas é necessário ir para além do aparente.

 

Ou esta é uma “errata” que não procede por o INDE não ter receita própria?

 

Enquanto não se empreende uma “errata” tal, talvez seja tempo de se “aplicar racionalmente” a cláusula de “adjudicação directa” que integra o regulamento de contratação pública, ou de “concurso dirigido” (Universidade Pedagógica, UEM, etc.), para a dimensão produção de conteúdos do livro escolar…

sexta-feira, 27 maio 2022 10:19

O Jornalismo numa “democradura”

Foi-me pedido que partilhasse a experiência moçambicana num Congresso sobre jornalismo, cidadanias e democracias sustentáveis. O meu primeiro dilema tem que ver, mesmo, com o tema do Congresso. Os conceitos constitutivos desse tema são objecto de múltiplas querelas intelectuais e académicas, discussões que vão desde a filosofia política à ciência política, passando pela sociologia e teoria políticas. Como, pois, falar de jornalismo, cidadania e democracia sustentável num mundo em que a degradação dos princípios democráticos parece ser a regra cada vez geral nos países ditos de “velha democracia” e, mormente, num país onde esses conceitos têm mais um carácter abstrato e instrumental do que necessariamente existência material?


Não é, sequer, uma revelação assertar que Moçambique não é uma “democracia sustentável”, se aceitarmos que “democracia sustentável” quer dizer um regime político onde as liberdades fundamentais (Locke, Montesquieu, Mill, Aron) e as leis são livres e transparentes, onde o respeito pelos direitos fundamentais é garantido e onde a violência não é a base fundacional para o exercício do poder, como é o caso de Moçambique.

 

Todos os relatórios, nacionais e internacionais, que estudam o estado das democracias e o exercício das liberdades, no mundo, mostram que a situação da democracia e das liberdades, em Moçambique, está cada vez mais degradada.

 

Ao fazer esta comunicação, em Março de 2022, passa menos de um mês depois que saiu o último Índice (2021) de Democracia do The Economist Intelligence Unit que, com toda a discussão metodológica que suscita, classifica Moçambique, pelo quarto ano consecutivo, como um regime autoritário.


Estes resultados, mesmo que metodologicamente problemáticos, permitem, com todas as reservas, constatar que o processo de liberalização política, em Moçambique, tem conhecido profundos problemas para o seu aprofundamento. Ou seja, estes resultados mostram, simplesmente, que o regime político, em Moçambique, longe de ser democrático, é mais uma democradura, na medida em as práticas e os mecanismos autoritários são o que o caracteriza, concretamente, mas, ao mesmo tempo, nos aspectos formais, são as regras democráticas que parecem vigorar, começando com a lei constitucional.

 

No Índice da Liberdade de Imprensa 2021, dos Repórteres sem Fronteiras, Moçambique também está entre os países lusófonos com piores níveis de liberdade de imprensa. Num índice que avalia 180 países, Moçambique ocupa a posição 108, superando países como Angola (103) e Guiné-Bissau (95).

 

Ler estes relatórios, a partir da Europa ou outro local fora de Moçambique, produz uma ideia senão for distante do real, ao mínimo menos concreta sobre o estado das coisas, em Moçambique, pois, para quem experimenta, no dia-à-dia, o sentido desse fechamento ou cerceamento dos espaços e liberdades democráticas, a violência e o desespero é mais aguçado, mais traumático.


É sobre isso que pretendo articular, a partir do jornalismo como discurso sobre os fenómenos actuais, pois, a partir deste, posso melhor articular entre as vivências e uma reflexão mais elaborada à volta dessas experiências múltiplas de violência e cerceamento das liberdades fundamentais.


Mas qualquer esforço cognoscitivo para compreender o estado da democracia e do jornalismo, enquanto contra-poder, requere, primeiro, uma explicação sobre a cultura política do país. O que o The Economist Intelligence Unit denomina como regime autoritário não pode ser compreendido sem uma análise da cultura política reinante que, desde o período de partido-único (1975-1990), sustenta, até hoje, o substracto do processo de construção do Estado e alimenta as percepções sobre o poder das elites que governam o país.

 

Qualquer análise que se pretenda consistente e coerente deve, imperativamente, partir do percurso histórico do país para melhor compreender os fundamentos que explicam que, 47 anos depois da proclamação da independência e 30 anos de liberalização políticas, o regime político, em Moçambique, sob controlo da Frelimo, o partido que governa o país desde 1975, nunca se abriu, genuinamente, para a democracia, fazendo desta última um mero instrumento ao serviço dos seus interesses diante dos parceiros internacionais.

 

Os libertadores tornaram-se tão venais quanto os colonizadores

 

O que aconteceu é que, numa fase particular da história recente do país, quando a União Soviética estava a cair e Moçambique a braços com uma prolongada guerra civil, a Frelimo tinha de aceitar a institucionalização da democracia, até por uma questão de sobrevivência do próprio partido-Estado.


Ao aprovar a Constituição de 1990, que instituiu formalmente o multipartidarismo, a Frelimo fez da transição democrática um dispositivo para acabar a guerra-civil com a Renamo e reconsolidar o projecto de dominação autoritária e hegemónica (Conrado, 2021), que marcou os primeiros 15 anos da proclamação da independência.

 

Não me parece exagerado afirmar que a Frelimo aceitou, formalmente, a liberalização política para caucionar a sua sobrevivência perante adversidades internas e externas que colocavam em causa a sua continuidade como organização política e, em última instância, o próprio Estado que, até hoje, é considerado, pela Frelimo, como sua própria continuidade – ou seja, para a Frelimo, não há diferença factual entre ela e o Estado.

 

Nessa equação, a Frelimo criou instituições que estruturam as chamadas democracias, que assentam, fundamentalmente, no famoso princípio da separação de poderes, executivo, legislativo e judicial, mas, logo a seguir, o partido capturou essas instituições, passando a usá-las, como o fazia durante o período de partido-único, para enfraquecer o processo de democratização e de liberalização política nacional.


Ao fazer esta comunicação, lembro-me de Ngugi wa Thiong’o, professor e romancista queniano que, num dos seus célebres romances, “Matigari” (Thiong’o, 2018), lembra-nos, da forma mais brutal e realista possível, que a verdadeira libertação de África ainda está por acontecer, pois, tal como Achille Mbembe (1988, 2000 e 2010), para ele, os libertadores tornaram-se tão venais quanto os colonizadores, por vezes piores que estes últimos.

 

De facto, o que, em muitos dos países africanos, chamamos de independências, a rigor não foram independências no sentido mais realista do termo – foi a transição de poder de um regime colonial que era mau, para um regime nacionalista igualmente mau e, em alguns casos, pior.

 

Dito de outra forma, os libertadores, tal como já o dizia Franz Fanon (2004 e 2006), que pegaram em armas para combater o colonialismo, no final, eles tomaram o lugar do colono, de modo que, hoje, mudaram os actores, mas as questões centrais dos povos africanos em geral, e dos moçambicanos, em particular, como a miséria, as desigualdades sociais, as faltas da liberdade, a míngua, o analfabetismo, o esfolamento permanente, a corrupção endémica, a violência extrema, entre outras, prevalecem.

 

O recente escândalo das dívidas ocultas, em que altos funcionários do Governo, incluindo ministros e dirigentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado, formaram uma associação para delinquir, contratando uma dívida pública de mais de USD 2 mil milhões, e dividindo comissões, até pagarem casas para prostitutas, na França, quando a população moçambicana vive abaixo de USD 1/dia, não podia ser mais esclarecedor sobre o tipo de políticos e de Estado que temos. Podemos falar, sem muitas reservas, de um Estado criminalizado (Bayart, 1999, 2006 e 2019) e de um Estado gerido como um potentado ao serviço de interesses privados.


Chegados aqui, a questão que se nos impõe é: como é que a cultura política autoritária moçambicana estrutura e se reflecte no sistema de media, em geral, e no jornalismo, em particular? Se concordarmos que uma das funções centrais do jornalismo, em democracias, é de desempenhar o papel de “contra-poder”, uma espécie de “cão de guarda” que preserva as instituições e defende os cidadãos perante os desvios, as prepotências e os abusos de poder
(Nhanale, 2019), então, é fácil compreender o lugar que seria do verdadeiro jornalismo, em Moçambique.


Quando me refiro ao termo “verdadeiro jornalismo” não pretendo extrapolar os limites que se impõem à qualquer um que tem o cuidado com a aplicação de tais termos. Sem nenhum rigor epistemológico, esses são os termos que me aparecem, no imediato, para distinguir o jornalismo independente das pressões do Governo, do chamado jornalismo do sector público, capturado pelo poder do dia, cujas consequências são acessíveis para quem é atento à linha editorial de todos eles. Ou, como diria Traquina (2007), um jornalismo que é propaganda ao serviço do poder instalado, quão fácil é definir a profissão num regime totalitário.

 

Guerra contra o jornalismo

 

Para ilustrar as afirmações feitas mais acima, tomo como exemplo o caso de Cabo Delgado, uma província que, desde 5 de Outubro de 2017, regista ataques armados de inspiração islâmica. Se é verdade que um grupo jihadista lançou uma guerra contra o Estado, em Cabo Delgado, também é verdade que o Governo lançou uma guerra contra o jornalismo que se interessa em escrutinar, de forma crítica, o conflito do norte do país.


Quando, antes da chegada de forças armadas estrangeiras, estava a perder todas as frentes da guerra para os jihadistas, em parte pela má governação e os escândalos de corrupção que foram tais que até escangalharam sectores nevrálgicos como a defesa e segurança, o Governo acreditou que seria possível ocultar a guerra e as derrotas em Cabo Delgado.

 

Através das Forças de Defesa e Segurança (FDS) lançou uma inglória agenda de perseguição de jornalistas, não fossem as forças armadas moçambicanas mais talhadas na repressão contra opositores, sociedade civil entre outros críticos à governação da Frelimo.

 

O caso de Amade Abubacar, o repórter da Rádio Comunitária de Macomia, detido por militares, a 5 de Janeiro de 2019, foi uma das mais célebres expressões dessa guerra contra o jornalismo. O único crime que Abubacar cometeu foi entrevistar população deslocada, que acabava de chegar à vila de Macomia, fugindo da guerra na parte costeira do distrito, onde as FDS acabavam de falhar, mais uma vez, a sua missão de garantir a segurança do país e proteger o povo contra incursões de grupos armados.


Como Amade Abubacar, tantos outros repórteres foram vítimas dessa guerra contra o jornalismo, sobretudo, o de investigação. Adriano Germano, também repórter da Rádio Comunitária de Macomia, foi preso por militares a 15 de Fevereiro de 2015. Os dois repórteres, mantidos em reclusão por mais de 100 dias, foram acusados de crimes inusitados, como instigação pública com uso de meios informáticos a favor de terroristas, crime contra organização do Estado, instigação ou provocação à desobediência colectiva e, crime contra a ordem e tranquilidade públicas.


Ao fazer esta comunicação, falta apenas um mês para se completarem dois anos depois do desaparecimento, a 7 de Abril de 2020, do repórter da Rádio Comunitária de Palma, Ibrahimo Mbaruco que, no seu último contacto, informou, através de mensagem SMS, que estava a ser cercado por militares.


Mas se o Governo achava que, com as detenções, podia ocultar a guerra, tal como tinha ocultado a dívida de mais de USD 2 mil milhões, não podia estar mais equivocado. A investigação, em jornalismo, existe, para, também, compensar esse cerco ao acesso oficial à informação. Tem sido, pois, com recurso a técnicas de investigação jornalística que tem sido possível a cobertura da guerra de Cabo Delgado, um dos lugares onde o controlo da infirmação é dos mais cerrados em Moçambique.


Quando perdeu essa guerra de “pôr algemas nas palavras”, como diria o saudoso Carlos Cardoso, o jornalista investigativo vítima do crime organizado, em Maputo, o Governo passou a atacar e a desacreditar o trabalho do jornalismo, recorrendo a diferentes meios de propaganda e intimidação.

 

No início de 2020, um dirigente público, no caso o presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia, Julião João Cumbane, chegou a aconselhar, na sua conta pessoal do Facebook, para que o Estado Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), o Comando Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM) e o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) conjugassem “inteligência e acções enérgicas – mesmo as extra-legais! – contra as «notícias» miserabilistas que desmoralizam as Forças de Defesa e Segurança (FDS), que combatem os ataques por procuração nas regiões Norte e Centro de Moçambique”.

 

Eu próprio, que lidero, no Jornal SAVANA, a cobertura sistemática da guerra de Cabo Delgado, tenho sido uma vítima constante nesses ataques, insultos e até apelos para execução sumária, feitos por conhecidos propagandistas do Governo de Moçambique. E por quê nos chamam de terroristas? A única explicação plausível é que nós procuramos dar a conhecer o outro lado da guerra, o que não cabe nas telas e nas páginas da comunicação social do sector público. E qual é esse lado?


Que, antes da chegada das tropas estrangeiras, as FDS estavam a perder o terreno para a insurgência, que militares estavam a ser mortos, que o inimigo até arrancava viaturas, armas e fardamento militar.


Quando grupos armados assaltam e ocupam vilas distritais por cerca de 1 ano, como aconteceu com a estratégica vila da Mocímboa da Praia, uma importante placa giratória dos milionários projectos de gás, no norte de Moçambique, então, não há tanto para dizer sobre a capacidade combativa das FDS. E dizer isso não é ser antipatriota, como habitualmente somos acusados.

 

Dizemo-lo como um sincero reconhecimento do nosso falhanço, como Estado, o que é fundamental para começarmos a pensar nas reformas que devem ser empreendidas para que haja melhor resposta aos desafios que se nos apresentam como Estado. Se, nesta guerra, há antipatriotas, só podem ser aqueles que desmantelaram (e, até certo ponto, deixaram desmantelar), as Forças Armadas, ao ponto de se transformarem numa instituição completamente incapaz de defender a pátria, bem como os que tentaram convencer a sociedade moçambicana, e não só, que estávamos de vitórias em vitórias, quando, afinal, caminhávamos para a derrota final, como se provou quando os jihadistas fizeram o grande assalto ao distrito de Palma, em Março de 2021.

 

O país foi longe demais nessa intolerância ao jornalismo livre


Quando o próprio presidente da República ataca, publicamente, a imprensa independente e seus profissionais, com ordens para as FDS não aceitarem ser “denegridas deliberadamente e, passivamente, estarem a assistir sem responsabilizar esse tipo de compatriotas”, fica claro como o país foi longe demais nessa intolerância ao jornalismo livre.

 

Quando a Repórter Sem Fronteiras e o Misa Moçambique (2019) reportam “Apagão de Informação e Perseguições contra a Imprensa em Cabo Delgado”, em particular, e em Moçambique, no geral, onde “a liberdade de informar está ameaçada”, não podiam ser mais assertivos.


Concentrei-me a falar de Cabo Delgado por ser, hoje, um caso emblemático de como o cerceamento das liberdades e da democracia está no ponto mais baixo da história de Moçambique pós-1990. Porém, se retirasse o nome dessa província martirizada pela guerra e substituísse-o por Moçambique, mantinham-se, na mesma, todas as variáveis que configuram fechamento dos espaços para as liberdades de imprensa, em Moçambique.

 

Um pouco por todo o país, chegam, todos os dias, relatos tenebrosos de cerco contra um dos pilares fundamentais de uma democracia liberal. Se Thomas Jefferson, o 3º presidente dos EUA, achava que “não há democracia sem liberdade de imprensa” (Jefferson, apud Traquina, 2007), a experiência moçambicana mostra que não, pois nunca foi programa das elites da Frelimo tomar a democracia como o quadro referencial para a construção do Estado nacional. Pelo contrário, o caso moçambicano confirma que, sem liberdade, o jornalismo, ou é farsa ou é tragédia, como escrevia Traquina, em 2007.

 

Ora são repórteres que são barrados nas suas actividades, ora são ameaçados ou detidos, ora veem seus instrumentos de trabalho arrancados principalmente por agentes da Polícia, sempre a cumprirem “ordens superiores”, que nunca têm rostos.

 

Para completar as nossas descrições e análises do quão difícil é fazer jornalismo digno desse nome, em Moçambique, o sistema da Justiça, que devia actuar como um freio contra as injustiças, é, também, usado para perseguir o jornalismo, pois o poder judiciário, não sendo independente na sua acção, funciona como um instrumento ao serviço dos interesses do partido que governa Moçambique.

 

Nunca é demais recordar o inditoso caso do Canal de Moçambique, um dos semanários mais críticos do país, levado a Tribunal sob acusação de violar segredo de Estado, simplesmente porque publicou um contrato “oculto” entre o Ministério da Defesa Nacional e a Anadarko, na altura líder do projecto de exploração de gás no norte do país.

 

O contrato pressupunha que o Estado moçambicano fornecia serviços especiais de segurança para proteger a cintura de exploração de gás e, em contrapartida, a Anadarko desembolsava valores que deviam servir para a logística dessas unidades militares, incluindo salários bonificados.

 

Mas, quando o Canal demonstrou que, ao invés de beneficiar os militares no terreno, o dinheiro disponibilizado pela Anadarko ia parar nas contas bancárias do ministro da Defesa, o Ministério Público viu, nisso, uma ameaça contra a segurança do país, o que veio a confirmar que a famosa independência do poder constitucional, decorrente da norma constitucional assim da legislação avulsa que regula este poder, é apenas uma farsa.

 

Poderia ser possível continuar a enumerar tantos casos de violação de liberdade de imprensa, em Moçambique, e da impunidade de que gozam os seus perpetradores. Mas podia, também, apontar outras situações que, fora do jornalismo, confirmam esse padrão autoritário na governação do país.

 

Podemos dizer que a violação desses direitos é o modus operandi e faciendi generalizado, em Moçambique.

 

A título de exemplo, há cerca de 8 anos que, tacitamente, foi levantado o direito à manifestação contra o Governo, em Moçambique. Desde que o presidente Filipe Nyusi chegou ao poder, os únicos moçambicanos que têm direito a marchar são os que estão filiados às organizações sociais do partido Frelimo, a OJM (organização juvenil), OMM (mulheres) e ACLLN (combatentes) que, não raras vezes, vão as ruas para saudar a dita “sábia liderança”, liderança do seu presidente.

 

Quando os moçambicanos que não são do partido Frelimo pretendem exercer o seu direito de manifestar, por exemplo contra os recorrentes ataques a defensores de direitos humanos, contra a carestia da vida, só para citar casos que me veem facilmente à memória, são recebidos por homens armados, carros de guerra, gás lacrimogéneo e cães prontos para o ataque. Não sei se haveria melhor descrição de um Estado autoritário.


Sempre que se for a estudar o autoritarismo moçambicano que, longe de ser introduzido pelo actual presidente, ganhou ímpeto durante o seu consulado, nunca será inoportuno citar o bárbaro assassinato do Professor Gilles Cistac, um dos poucos académicos que honrava o seu estatuto de académico, crivado por balas, em Março de 2015, 2 meses depois da tomada de posse do presidente Nyusi.

 

Quando foi assassinado, à luz do dia, em plena capital do país, o Professor Cistac era a voz autorizada que, com argumentos baseados na ciência jurídica, argumentava a possibilidade da criação de autarquias de nível provincial, principal exigência da Renamo de Afonso Dhlakama para pôr fim ao conflito político-militar que seguiu às eleições de 2014, mais uma vez ensombradas pelo espectro da fraude.


O maior opositor à ideia de partilha de poder tinha um nome: partido Frelimo. Antes do seu assassinato a tiros, o constitucionalista franco-moçambicano foi vilipendiado nas redes sociais, até com ataques de cunho racista, que é uma marca fundamental de intolerância por que passam as sociedades com democracias fracas ou aquelas que as chamamos de democracias “consolidadas”.

 

Como ele, outros académicos e analistas críticos à governação do dia foram raptados, seviciados e depois largados nas matas, com os raptores a lhes dizerem que estavam a “falar demais”. Escusado será mencionar os repugnantes casos do Professor José Jaime Macuane e do jurista Ericino de Salema, ainda mais quando, mais tarde, o próprio presidente da República veio evocar
“problemas sociais”, sem nunca haver esclarecimento.

 

Escusado será, também, mencionar o antigo bispo da Diocese de Pemba, o brasileiro Dom Luiz Fernando Lisboa, que era a voz das vítimas da guerra de Cabo Delgado, criticando a forma como o Governo lidava com o problema. Lisboa acabaria por baixo de um veemente ataque, ainda que velado, do chefe de Estado, contra “aqueles moçambicanos que, bem protegidos, levam, de ânimo leve, o sofrimento dos que os protegem, incluindo alguns estrangeiros que, livremente, preferiram viver em Moçambique, mas que, em nome camuflado dos direitos humanos, não respeitam o sacrifício dos que mantêm erguida esta jovem pátria e garantir a sua estadia em Cabo Delgado e em Moçambique, em geral”.

 

Termino com um caso que investigámos, no Jornal SAVANA. No dia 7 de Outubro de 2019, a 8 dias para as eleições de 15 de Outubro, um esquadrão de elite da Polícia da República de Mocambique assassinou, em plena cidade de Xai-Xai, capital provincial de Gaza, no sul de Moçambique, um observador eleitoral, que se preparava para a maior observação eleitoral de sempre, numa província onde os órgãos eleitorais haviam recenseado mais de 300 mil eleitores fantasmas para beneficiar a Frelimo, ante os receios de uma derrota pela sua impopularidade associada aos escândalos de corrupção, como as dívidas ocultas, numa eleição em que, pela primeira vez na história do país, os partidos políticos iriam fazer eleger seus governadores para as províncias.

 

Ao provarmos, na investigação, que os assassinos de Anastácio Matavele tinham sido agentes da Polícia, acabamos por mostrar, ao país e ao mundo, que os esquadrões de morte, que nasceram na administração Nyusi, sequestrando, seviciando a matando os não alinhados com a sua governação, são planificados, coordenados e executados a partir de dentro do Estado, usando armamento que era suposto proteger o cidadão e cometidos por agentes que são pagos do erário público, ou seja, pelo dinheiro de todos os moçambicanos.

 

Todo este trágico contexto está longe de estar terminado, em Moçambique. Pelo contrário, a situação tende a piorar. Não sei se poderíamos estar pior.

 

* Jornalista do SAVANA e mestrando em Jornalismo e Media Digitais. Comunicação feita no Congresso sobre Jornalismo, Cidadanias e Democracias Sustentáveis nos Países de Língua Portuguesa, que teve lugar na Universidade de Coimbra, Portugal, de 2 a 4 de Março de 2022. O texto foi originalmente publicado numa coletânea sobre o evento, recentemente lançada, em Portugal.

sexta-feira, 27 maio 2022 08:18

O teatro!

NovaOmardino

A população ficou bêbada de felicidade quando um velho conhecido conseguiu chegar a direcção. Todos acreditavam que seria daquela vez que aquele sinalizador televisivo há muito moribundo ganharia vida – passaria a atrair mais telespectadores. E foi assim. As nomeações e movimentações ocorreram, os debates mudaram de figurino. As redes sociais foram povoadas por teias de comentários, todos vociferaram que tudo tinha mudado, mas na verdade tudo era uma peça teatral!

 

Tudo foi devidamente pensado e alinhado como se de uma mesa de jogos de carta se tratasse. A ideia é atrair comentadores independentes para depois fazer com que a sociedade os tome como os apóstolos da mudança. Sabemos que, dentro de meses, virão as eleições.

 

Claro que o povo tomará, todos os dias, chicotadas psicológicas e estalos publicitários do partido no poder. Todos sabemos que o período de eleições é um bom palco para encenações e boas peças. Quem não se recorda do teatro nazi e da ascensão de Hitler? E os enredos de Estaline sobre o Comunismo?

 

A peça teatral ficará evidente no período da campanha, aliás, recentemente se ensaiou com a distorção de uma entrevista de um político; o caso aqueceu a capoeira. As aves bateram-se em público, mas felizmente as cristas baixaram e tudo voltou à normalidade. Mas o acto mostrou a outra face da grande sina que se espera nos próximos tempos.

 

O engraçado é que a nossa amnésia colectiva sempre nos trai e acabamos elogiando o abominável. O aparente. A primeira foto que nos é mostrada. Mas no final a decepção é maior. É só vivenciar o que as marionetas internas vivem, com peças sobre assuntos que mexem com certas estruturas censuradas ou apagadas da caixa negra. Até aqui a farsa está a funcionar. A ordem é deixar passar tudo para que o pacato cidadão e o atento pensem que a escravatura publicitária do governo passou, enquanto na verdade a ideia é inverter a anterior percepção, para depois embrutecer mais a sociedade, no estilo norte-coreano. Assistir a programas gravados e editados, vivermos como actores e em constante encenação. O TEATRO!   

quinta-feira, 26 maio 2022 08:22

Os sinais do caos num Estado!

NobreRassul220322

O que proporciona e oferece uma abertura para penetração no Sistema de Segurança Nacional a qualquer investigador? E de que forma actos de manipulação e sabotagem interna contribuem para instabilidade na Segurança do Estado? Quais os vectores sociais que migram para a problemática do descrédito do Estado?  

 

O tratamento que procuro dar a essas questões é meramente analítico, com base em pesquisas, mais que normativo que siga algum pressuposto ideológico. Não pretendo estipular juízos acerca da “boa” ou “má” qualidade do sistema de segurança moçambicano, mas sim dar a compreender alguns aspectos do funcionamento mais geral do seu esqueleto institucional, à luz de uma certa concepção teórica do que sejam características essenciais de um país constitucionalmente democrático.

 

A Multiplicidade na fraqueza da Segurança do Estado e fragilidades do sistema de governação, desenham abertura para uma carente e progressiva possibilidade de golpe do Estado em países como Moçambique, tal que Guine Conacri, Guine Bissau e Mali, a violência policial, as desigualdades sócias, a ruptura política, os privilégios econômicos, as desigualdades sectórias e o fenômeno de elites urbanas em um meio marginalizado,  alimenta o pressuposto de um iminente golpe de estado.

 

Todavia, é visível o medo dos pesquisadores e jornalistas investigativos de se acorrentarem em abordar temas tão sensíveis como este! Porque Moçambique é um país liberal de acordo com a constituição da república, torna-se importante estudar este fenômeno para a estruturação de uma visão progressiva que visa eliminar males contínuos que podem levar a nação ao precipício hoje e amanhã.   

 

Elaborar uma discussão acerca do funcionamento do sistema político moçambicano na contemporaneidade, seria voltar a alguns países da Europa a 40 anos atrás e submeter a actual realidade ao que foi realidade daquela época. Quero, aqui, resumidamente, revisar os debates sobre a capacidade militar e as instituições de justiça e  de segurança do estado, o seu funcionamento liberal e a transgressão dos princípios democráticos e de gestão regrada da coisa pública. 

 

Desde a sua adesão formal ao sistema democrático, de 1992 a 1994, considerando que Moçambique tem vivenciado períodos de extrema instabilidade, tanto no aspecto social, quanto no político e econômico. 

 

Por tanto, o  percurso por sucessivos conflitos, seja no norte e centro que atingiram diversas camadas sociais, gerando instabilidade, assassinatos a população, jornalistas, empresários  e políticos, deslocamentos da população e caos na população, como consequência, acarretando a degradação do seu tecido social e aprofundando o empobrecimento de várias camadas sociais.

 

 

O quadro é mais complexo do que isso, e o avanço das pesquisas sobre o funcionamento de nossas instituições políticas desde o início dos anos 2005 contribuiu bastante para entendimentos mais sofisticados e, por isso mesmo, menos simplistas. De forma bastante resumida, podemos dizer que nosso sistema político os conflitos arrasta-se no seio da frente de libertação de Moçambique (Frelimo)   no poder desde a independência, onde a antagônica revolta dos generais dissuade quem deve ir ao poder, como, é de que forma, pressupondo-se poder acarinhar os seus interesses!

 

Tais interesses, muitas das vezes  não acarinhados pela anterior governação.  Através disso podemos ter um: (Entendimento aí, sobre como é a conjuntura das instituições de governo e como funciona e amando de quem) isso, é o resultado de uma combinação entre mecanismos mais voltados à facilitação da tomada de decisões, uns, ou ao controle sobre tais decisões, outros. 

 

Devemos também, analisar as causas e consequências da cultura de violência em tempos de abertura econômica e democrática, as perseguições políticas contra Dhlakama, a Insurgência e o surgimento de uma rebelião armada no seio da Renamo e a influência do sistema de segurança para sua manutenção ou ruptura, os raptos, a marginalidade policial e militar, as fraturas internas no seio da Frelimo, a ruptura dos serviços de segurança de estado em pleno Tribunal das Dívidas Ocultas e o fraco raio de segurança interna e externa das instituições de defesa do estado em plena Capital.

 

O que parece um devaneio cômico de acontecimentos, não  é proporcional ao país que se preze por ter uma cultura moral, tradicional e religiosa forte. Estes fenômenos representam um mal comum de avanços e recuos na ordenação do social a partir de elementos tradicionais e modernos da nossa jovem democracia, que é vista como, que, quase e simplesmente ingovernável sendo um barco à deriva, por outra, gerando extremistas internos. 

 

O Código Penal, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro, no âmbito das suas inovações ao introduzir novos tipos legais de crime, alterações na redacção e nas molduras penais e incorporação de matérias que constavam de legislação avulsa, assim, a lei penal moçambicana é aplicável por factos cometidos no território nacional ou fora por moçambicano quando constituírem crimes contra a vida, segurança interior ou exterior do Estado, violação do segredo de Estado ou atentarem contra a soberania nacional.

 

Contudo, as falhas da lei na previsão de acção concretas das instituições de que velam pela justiça criminal, alimentam o gradualismo do surgimento de formações de redes ou grupos dentro das unidades militares, policias, governativas e da secreta que se juntam para combater as alas de governação, e seus apoiantes ou até recorrendo em caminhos que visam afundar o país para o alcance de um certo de "desideratos", político ou econômico. Apegando-se de tal forma aos problemas que afectam a nação e desenhando estratégias que visam conduzir ao poder governativo uma figura do seu entendimento ou agrado.

 

Para este pressuposto, são usadas estratégias de desgaste político e econômico do governo do dia e das instituições estatais com vista a criar revoltas populares ou militares, fora do aproveitamento das graves falhas governativas.  Faço aqui menção dos três problemas que carecem de um diagnóstico no contexto da dimensão da constituição do Estado democrático em Moçambique: a dimensão do desenrolar do jogo político, a dimensão da produção das ações de governo para auto defesa  melhoria de componentes sociais e internas, e por fim a dimensão dos conflitos permeiam o processo de conformação institucional das novas instituições do estado. actual exemplo podemos recorrer ao desequilíbrio propositado na formação da ( Secretarias do Estado verso Governos Províncias eleitos ) .

 

A reflexão dos contornos desta problemática devem levar o estado a analisar quais os elementos ou lógicas operantes na relação civil-militar que condicionam um ambiente tão favorável à recorrência de um conflito na dimensão do golpe de estado em meio a tantos desdéns de natureza conflitual. 

 

Esta falta de zelo relembra, quando em 2010 os Moçambicanos saíram à rua em protesto contra o aumento dos preços dos alimentos. Várias pessoas morrem em confrontos com a polícia, que abriu fogo contra os manifestantes, forçando o governo a assumir um posicionamento a favor dos manifestantes. Este pressuposto acto, voltando a se repetir que fadigas e perigos poderiam ocasionar em meio a revoltas crescente sobre o custo de vida, os desagrados salariais, os conflitos políticos e econômicos? Sobre os conflitos econômicos, há ingerência internacional de países que não prezam pela governação do dia, que modo alimentam um mal-estar para à desestabilidade do país? 

 

Salientar que, do ponto de vista global o que aumenta a probabilidade de um golpe de estado e o estado desmotivacional das forças armadas, que chegam ao poder por via pacífica ou sangrenta, alguns com apoio de civis, diversos aspectos da formação histórica do país são levados em consideração, para o surgimento deste tipo de crises, exigindo o tratamento da formação da identidade política que se adeque a necessidade das comunidades vulneráveis e de interesses militares. 

 

Face às diversidades étnicas, razoes das vicissitudes políticas nacionais dando relevo às suas particularidades, desafios e perspectivas de Moçambique, à que refletir em torno das causas e as consequências de uma eventual desestabilização militar ou civil e sua complexa trama, agravado pela situação de desgaste militar em Cabo Delgado e a articulação entre o Estado, a sociedade civil e o papel de demais atores nacionais e internacionais nas políticas de governação estatal. Todavia, o governo deve habitualmente fazer uma análise sistêmica e dinâmica do processo decisório governamental e das instituições responsáveis por ele. 

 

Defendo, primeiramente, que se deve dar atenção à existência de mudanças importantes que contribuem para destruir ou ocasionam cíclicas crises sociais internas, afectando os sectores sensíveis que velam pela salvaguarda e bem-estar do povo. Romper com as barreiras da corrupção, marginalização e elitização do Estado, enobrece os mais desfavorecidos na classe trabalhadora de serviços essenciais.

 

 

Além disso, embora a Assembleia da república torne-se o desaguadouro ou via de protesto para melhoria de vários sectores do estado, os pretextos de diversos grupos de sociedade civil, empresariado e classe trabalhadora efervescente, que, a anos vem lutando contra um regime repressivo e pouco responsivo.

 

 O povo vem na elaboração das leis a oportunidade de outros fazer valer seus interesses, transformando os seus direitos em mera promiscuidade. Esta disputa de interesses prejudica a soberania do estado.

 

Além que certos debates em plenária, implicam muitas das vezes, o abandono da discussão real dos interesses das forças armadas e de segurança do estado, onde o governo justifica a necessidade de  sigilo e aparente medo de exposição de fragilidade, porém, tais fragilidade  “já conhecidas”.  

 

O que leva à regressão de paramentos de investimento legais e falta de debates claros e produtivos sobre a modernização da segurança do estado e pagamento de salários motivadores aos que defendem a pátria.

 

Por fim, e necessário o enrijecimento dos parâmetros que visam recondicionar as eventuais liberdades e ações reformistas que acabariam inevitavelmente por trazer mudanças que viessem robustecer todos sectores de segurança e defesa do estado, o que chamaria de um entendimento nacional-desenvolvimentista.

 

Porque sonhar não paga imposto, urge a mudança das forças armadas e de segurança do estado dos edifícios colônias que perderam o seu posicionamento estratégico e ágil para edifícios modernos, e que forem concebidos com objectivos de salvaguarda da soberania.

NovaOmardino

Os vídeos vieram comprovar o que muitos já diziam, mas alguns de nós não aceitávamos. Contudo, os pássaros internos contavam quase sempre, que o homem, às vezes, falava como se não fizesse parte do governo provincial, ou seja, era um dirigente preocupado com as atitudes errôneas dos seus colegas de governação. Contavam ainda os pássaros que, em certas reuniões, já chegou a questionar as pessoas a razão pela qual elas sabotavam a sua própria Província: Construindo escolas, hospitais, estradas e outras infra-estruturas sem a qualidade esperada – e se não viam tamanho mal no que faziam, aumentando a pobreza que infernizava tanto a Província quanto o País!

 

No entanto, a abordagem do homem no II Fórum dos Governadores Provinciais da Região Centro para o Desenvolvimento das Comunidades, só veio confirmar isso. Porque antes de regressar à política activa, o homem era visto como carta-fora do baralho pelos seus camaradas e não só, até porque muitos não acreditavam que ele venceria as eleições passadas contra Manuel de Araújo, da Renamo e Luís Boavida, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), visto que nos locais pelos quais passávamos durante a votação – as pessoas diziam: “Vamos votar em Manuel de Araújo para Governador e Filipe Nyusi para Presidente da República; e para a Assembleia da República (AR), distribuímos o voto”.

 

No entanto, e contra todas as previsões, Pio Matos venceu. Assim, desde os primeiros dias da sua governação, ele vem lançando suas zagaias políticas, às vezes acertando, outras vezes gastando as mesmas apenas. Todavia, para quem trabalha com o homem, a recente intervenção, no Fórum, não é novidade, até porque só veio reforçar esta narrativa há muito contada pelos diversos técnicos do Concelho Executivo Provincial da Zambézia, os quais afirmam que, na verdade, o homem quer trabalhar e voltou para a sina política para deixar algum legado, mas actual conjectura não o deixa materializar!

 

No Fórum, que se realizou há dias, a zagaia anzol discursiva de Pio Augusto Matos, Governador da Zambézia, foi certeira. Verdadeira e profunda. Falou o que os outros gostam de fingir que não existe. O que os apaixonados pelas estatísticas destrutivas amam incluir nos seus relatórios, para tocar o coração dos doadores. Somos pobres, mas com tudo que temos, sim, podemos inverter esta realidade – criando condições para os 90% de moçambicanos que vivem em zonas rurais e escondidos em cabanas e palhotas – porém existe alguém interessado no governo que o Governador faz parte, para inverter este cenário?

 

Ou queremos passar os quinquênios todos a contar palhotas que caíram para facilmente ter os fundos das doações dos Parceiros de Cooperação?

 

O outro aspecto é o problema dos produtos agrícolas por aqui semeados, cultivados e colhidos. Embora nas zonas recônditas haja tanta produção, maior parte, senão toda, acaba perdendo propriedades nutritivas nos locais de produção, por falta de comprador, conservação ou transporte!

 

O homem foi certeiro na sua explanação. Espero que não seja visto pelos “donos do martelo” como se fosse capim alto! Temos que mudar. Governar, no seu verdadeiro sentido, significa resolver os problemas dos governados – e ouvir Pio Matos a falar daquele modo, demonstra que o próximo passo deve ser o Federalismo. Deve haver uma descentralização administrativa, económica e política no seu verdadeiro sentido – não adianta andarem a adiar o bem-estar do povo com políticas de faz de contas, enquanto todos sabem os reais problemas – devem encontrar uma forma de deixar que a cabeça de todos que chegaram ao poder eleitos pelo voto popular trabalhem de verdade!

 

E Pio Matos não mentiu. O que se planifica nos luxuosos escritórios da capital, muitas vezes, não vai de acordo com o que se vive no terreno. Até as estatísticas que são apresentadas em certos relatórios são falsas. A teoria não tem enquadramento com a prática. Daí que o camponês de Mulevala, Pebane, Mossurize ou Balama acaba produzindo tanto, mas, no final, não colhe os louros da sua produção.

 

Ouvir a intervenção de Pio Matos, entende-se que embora o navio seja grande, são poucos os bons pescadores que são deixados pescar devidamente para alimentar os seus. Devido a este cenário, alguns acabam por colocar o anzol no bico dos outros!

Tsandzane min

Teve lugar, entre 20-22 de Maio corrente, o II Congresso da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), instituição que aglutina jovens do partido Frelimo[1]. Pelo sim ou pelo não, parece-nos evidente que seja incontornável não falar daquela organização, visto que pertence ao partido que governa Moçambique. Porém, mais do que a dimensão umbílico-histórica, pelo seu acrónimo, a OJM coloca-se enquanto entidade que, hipoteticamente, deve ser entendida como a primeira força associativa e juvenil no País.

 

Em relação ao respectivo Congresso, vários episódios podem ser destacados como centrais, entre discursos relativos ao limite de idade que deve prevalecer no seio daquela organização juvenil, principalmente no que à eleição do seu Secretário-Geral (SG) diz respeito, ou, ainda, em volta de um fictício chamamento para que o actual Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, se apresentasse para um terceiro mandato. Ora, se só estes dois episódios poderiam, por demais, completar inúmeras páginas da nossa opinião, no entanto, desta vez, propomo-nos a analisar aquele que foi o manifesto que ditou a eleição do actual Secretário-Geral da OJM, Silva Livone, recordando que, num passado recente, apresentamos um exercício analítico que antecedia o Congresso (Tsandzana, 2022).

 

Ademais, a nossa análise é meramente textual, não sendo, por isso, nenhuma forma de guia que deva ser considerada pelo candidato eleito. Aliás, em Setembro de 2019, durante as Eleições Gerais daquele ano, realizámos uma tarefa igual, que buscou ter em conta os partidos Frelimo, Renamo[2] e MDM[3], com vista a entender o que estes (partidos) pensavam nos seus manifestos em relação aos jovens. Neste âmbito, o exercício que propomos hoje é revestido de alguma importância, na medida em que entendemos que a única forma de proceder ao escrutínio das ideias políticas é com base no que é escrito, elemento central para que se avalie num tempo curto, médio e longo, as acções dos políticos no País.

 

Antes da análise propriamente dita, importa destacar que temos consciência de que o manifesto não é o único e primeiro instrumento que prevalece na escolha política, concorrendo demais factores que se afiguram centrais no ‘campo político’ (Bourdieu, 2000), sejam eles directos ou não. Além disso, não fazendo parte desta organização, assumimos que a nossa análise pode estar enviesada devido à exiguidade de informação do que realmente sucedeu nos debates que corporizaram o II Congresso da OJM. Dito de outro modo, estamos conscientes das limitações que materializam esta opinião. Aliado a isso, está o facto de existir um programa específico que fora aprovado em sede do Congresso, bem como o programa do mandato, documentos que, no entanto, não tivemos acesso para cruzar com a presente análise.

 

Teoricamente, a questão da ligação entre as promessas colocadas à votação e as medidas que um líder consegue implementar, quando chega ao poder, está no cerne do princípio normativo do “mandato representativo” nos sistemas democráticos: a legitimidade das democracias basear-se-ia na competição entre várias alternativas políticas, agregadas e levadas a cabo pelos partidos políticos e seus candidatos, que se espera que as implementem, se obtiverem o apoio da maioria dos eleitores e formarem, por via disso, um governo (Dahl, 1971).

 

“Por uma juventude engajada rumo ao desenvolvimento” – É com este slogan que foi arquitectado o manifesto de Silva Livone (actual Secretário-Geral da OJM), perfazendo um total de nove (9) páginas. Destas, a palavra ‘juventude’ aparece escrita dezoito (18) vezes (incluído no slogan, que se repete em cada página). Tal é feito para intercalar as diferentes secções que constituem o respectivo manifesto, o que comporta seis (6) prioridades: (i) defesa da pátria; (ii) trabalho e emprego; (iii) desenvolvimento institucional; (iv) mobilização; (v) empreendedorismo juvenil; e (vi) habitação. Para implementar as prioridades supracitadas, Livone irá concentrar-se nas seguintes áreas: (i) educação e formação profissional; (ii) saúde; (iii) desporto, cultura e turismo; (iv) financiamento de projectos e iniciativa da juventude; e (v) cooperação.

 

Numa primeira análise, se entendemos prioridades como acções-chave para a realização de uma acção política, do destacado acima, prevalece alguma ambiguidade entre o que é uma ‘prioridade’ e ‘actividade’. Por exemplo, tomemos em consideração a prioridade sobre a “defesa da pátria”. Nesta, Livone refere que irá “engajar jovens na prevenção (da pandemia) do coronavírus”. Ora, se podemos presumir que estamos diante de uma pandemia que, um dia, se espera passageira, não teria sido justo colocar esta acção na componente das actividades inerentes ao tópico da saúde, em vez de a situar como prioridade de defesa da pátria? Aliás, em que medida o coronavírus é, per si, uma ameaça para a pátria e/ou soberania nacional?

 

Ainda em relação à defesa da pátria, Livone refere que irá (i) “dissuadir comportamentos que geram insegurança no povo Moçambicano”; e (ii) “engajar jovens na luta contra a insurgência e o terrorismo”. Analisadas sob esta perspectiva, não nos parece que exista tamanha diferença entre as duas medidas, pelo que entendemos tratar-se de uma retórica de linguagem que pouco diz, de facto, sobre o que o candidato pretendia transmitir. Ou melhor, não fica claro, pelo menos no texto, como se pode “dissuadir um comportamento”, se tivermos em conta que estamos a lidar com o íntimo do indivíduo, o qual, pela sua essência, difere de demais indivíduos – portanto, não há comportamentos colectivos que devam ser tratados da mesma forma.

 

Por conseguinte, interessante foi notar que na prioridade atinente ao “trabalho e emprego”, Livone recupera o discurso recorrente de todos os partidos políticos, que procuram, sem cessar, incutir a ideia segundo a qual o problema dos jovens, em Moçambique, é o desemprego. No entanto, se assumimos que esta pode ser uma colocação pertinente, não nos parece estratégico insistir nesta equação, dado que os jovens não podem ser vistos como homogéneos nas suas necessidades. Ou seja, há necessidade de realizar promessas que sejam direccionadas para um extracto juvenil localizado (geográfica e socialmente), pois só assim será possível resolver os problemas de acordo com as necessidades previamente identificadas.

 

A título exemplificativo, na página 3, o candidato (eleito) refere que “(...) o meu compromisso, neste novo ciclo de gestão, é com a unidade, (o) progresso, desenvolvimento económico, financeiro e social sustentável da organização...”. Ora, se tivermos em conta o discurso de abertura do Presidente do partido Frelimo, Filipe Nyusi, em torno de a necessidade desta organização buscar o seu próprio sustento, parece-nos que Livone tenta aqui responder, com alguma mestria, ao desafio levantado pelo seu Presidente do partido. Contudo, o que falta, na vontade de Livone, é a explicação detalhada mediante a qual como tal desiderato será alcançado.

 

De igual modo, em relação às outras prioridades, como são os casos de “criar uma política de empreendedorismo juvenil”, não fica claro o que se pretende, de facto, na medida em que a criação de tais políticas são da alçada de uma entidade própria, não se sabendo, neste contexto, qual seja o âmbito da política sobre a qual Livone se refere.

 

Ademais, no que diz respeito à componente da “cooperação”, há dois (2) elementos que merecem o nosso destaque: (i) “fortificar os laços de amizade com as ligas juvenis de outros partidos libertadores”; e (ii) “apoiar a reabilitação, promoção das praças da Juventude em todo País”. Primeiro, ao pretender fortificar a amizade com as ligas juvenis de outros partidos libertadores (africanos), a OJM coloca-se o desafio de cooperar, pelo menos em alguns países da Região Austral, com ligas juvenis e partidárias de formações políticas que já não estão no poder, como são os casos da Zâmbia. De igual forma, ao pretender-se apoiar a reabilitação das praças juvenis, entendemos tratar-se de um ‘desafio milenar’, se recordarmos que nem mesmo a edilidade da capital moçambicana (Conselho Municipal de Maputo) consegue responder, de forma concreta e prática, face ao que a Praça da Juventude se tornou.

 

Outro elemento que nos chama à atenção, neste manifesto, é a ausência de elementos que permitam um real acompanhamento numérico das acções que serão desenvolvidas pelo SG eleito. Se entendemos que qualquer manifesto deve passar pelo crivo dos números (por exemplo, quantas promessas foram realizadas), entende-se que estamos diante de promessas que podem socorrer-se do vazio numérico para realizar acções que em nada foram colocadas ao dispor dos eleitores. Além disso, sublinhe-se que, como parte de tácticas partidárias, os números são um recurso, entre outros, no repertório de acção do profissional político.

 

Para o efeito, o cálculo é realizado nas equipas de campanha que decidem utilizar esta arma de números contra o seu oponente. Assim, os números são utilizados como parte de uma estratégia para se qualificar e desqualificar o outro: o político utiliza os números para mostrar a superioridade da sua candidatura (mais ‘credível’, mais ‘realista’) em comparação com a dos outros candidatos, cujo inevitável desperdício de fundos públicos a que a implementação do seu programa levaria é também denunciado (Lemoine, 2008). Em outras palavras, uma promessa sem quantificação não pode ser tomada como válida.

 

Ainda em relação às ausências, chamou-nos à atenção a não menção de qualquer que seja a linha do manifesto em torno das novas tecnologias de comunicação digital. Ora, se entendemos que, nos dias que correm, é quase impensável se fazer política juvenil sem as referidas redes sociais da Internet, usadas na sua maioria por uma franja da população considerada jovem, que é o grupo que compõe ou deveria compor esta organização, bem como o seu público-alvo, parece-nos que este manifesto perdeu uma oportunidade ímpar de se posicionar perante este fenómeno de “participação política 2.0” (Tsandzana, 2021).

 

Mais ainda, entendemos que este Congresso abriu espaço para o alargar de um debate que se espera longo, com o aproximar do Congresso-mãe do partido Frelimo, que terá lugar em Setembro próximo. Por fim, importa destacar que o exercício analítico que fizemos não se afigura cabal, muito menos consensual, pois, para que assim fosse, seria necessário ter em nossa posse o programa do mandato do candidato (eleito), mediante o qual, ao que entendemos, guiará as acções futuras.

 

 

[1] Frente de Libertação de Moçambique.

 

[2] Resistência Nacional Moçambicana.

 

[3] Movimento Democrático de Moçambique.

 

Referências

 

Bourdieu, P. (2000). Propos sur le champ politique. Lyon. Presses Universitaires de Lyon - PUL.

 

Dahl, R. A. (1971). Polyarchy: Participation and Opposition, New Haven (Conn.), Yale University Press.

 

Lemoine, B. (2008). Chiffrer les programmes politiques lors de la campagne présidentielle 2007: Heurs et malheurs d’un instrument. Revue française de science politique, 58, pp. 403-431.

 

Tsandzana, D. (2021). Jovens e ‘participação política 2.0’ em Moçambique: propostas para discussão. Diálogos de Governação. 4, pp. 1-10.

 

Tsandzana, D. (2022). Sobre juventude(s) e política em Moçambique: propostas para um debate inacabado. Diálogos de Governação. 7, pp. 1-12.

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