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Carta de Opinião

terça-feira, 17 maio 2022 07:23

Com quem fica o espólio da guerra?

NovaOmardino

Certa vez, o filósofo francês Jean-Paul Sartre disse e ficou registado: "quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem". E hoje, eu digo, quando numa guerra os generais ordenam a invasão de uma zona, há sempre o saque de bens alheios e morte dos pobres e inocentes. E foi sempre assim!

 

No caso moçambicano, vivenciou-se estes episódios, durante a guerra dos 16 anos, entre o governo (da Frelimo) e o movimento de guerrilha (RENAMO), em que milhares de moçambicanos viram seus bens saqueados por generais famintos de riqueza e com sangue nos olhos. E hoje a saga continua em Cabo Delgado, Manica e Sofala, onde a pólvora venceu a razão e a lucidez!

 

Se em tempos, o famigerado Imperador de Gaza, Ngungunhane nas suas incursões para expansão do seu reino, aniquilava os pequenos reinos e saqueava tudo que encontrava pelo caminho. Já nos finais da luta de libertação, assistiu-se à expulsão do colono com uma pasta e alcofa nas costas, tendo os novos donos do poder se apoderado de tudo e posteriormente apelidado de nacionalização.

 

Entretanto, nos tempos que correm percebeu-se que afinal quem ficou com as melhores coisas foram os combatentes daquele período. E foi sempre assim, entre vencedores e vencidos, o espólio fica com aqueles que deveriam trazer a harmonia e devolução das coisas às verdadeiras vítimas – o povo!    

 

Da saga dos 16 anos da guerra civil, alguns conseguiram recuperar seu espólio, uma vez que conheciam quem havia cometido o duplo crime – entrar para matar e furtar bens alheios, numa guerra sangrenta que empobreceu mais o povo e destruiu propriedades e bens daqueles que aos poucos procuravam desenvolver suas vidas, depois das tenebrosas políticas socialistas-marxistas que se viviam após a independência – num mundo de blocos opostos e que obrigava as pessoas a escolher um dos lados!

 

Entretanto, muitas famílias perderam tudo e viram sargentos, coronéis, generais e seus parentes desfilarem pelas ruas e avenidas com seus bens espoliados durante a mortífera guerra da alegada democratização de Moçambique.

 

A situação devastou e provocou problemas cardíacos a alguns. Na guerra contra o terrorismo em Cabo Delgado, onde mais de 780 mil pessoas fugiram das suas casas, deixando tudo para trás, os militares em Palma rebentaram com as caixas de depósito e levantamento e em Mocímboa da Praia cavaram no interior das residências, uma vez que, culturalmente, as pessoas não depositam os valores nos bancos, enterram no quarto ou colocam no interior dos colchões e outros bens.  

 

A situação pode ser mais tenebrosa. A título de exemplo, os filhos e vizinhos do falecido casal Hanekom, cidadão sul-africano que morreu em circunstâncias estranhas e sem uma explicação pública e jurídica sobre o que terá acontecido, depararam-se com a visita de uma ilustre família que contabilizava o património e questionava se o mesmo poderia ser vendido!

 

Em situações do género nas guerras que ocorreram na Pérola do Índico, sempre houve quem se apodera do espólio das famílias. Surgem sempre parasitas e oportunistas que, na ausência ou na dor dos inocentes, saqueiam os bens, colocam em camionetes e enviam as suas quintas recônditas e sem visibilidade pública.

 

E quem faz isso são os grandes líderes militares que, curiosamente, mesmo diante de tanto fogo intenso, seus pastores continuam a pastorear seus caprinos, bovinos e ovinos. Continuam a visitar suas fazendas em zonas quentes, enquanto os civis fogem do local com medo do cheiro da morte e da dor da bala.

 

Às vezes, acredita-se que as guerras vieram para eliminar aqueles que não têm força para se defender e cuja única salvação é morrer ou fugir do local e viver traumatizado para sempre, sem apoio e acumulando uma sociedade doentia e de psicopatas que vivem em constante ataque de nervos e de raiva. É importante que as nossas "guerras sejam apenas de palavras", porque as armadas acabam permitindo que os civis sejam espoliados e desgraçados para sempre!           

sexta-feira, 13 maio 2022 06:37

A "pátria dos fantasmas...!"

 NovaOmardino

Não é em vão que todos os dias nos deparamos com insólitos de que filho ou filha de Y ou Z ressuscitou. A verdade é que estamos num país de fantasmas. É fantasma para tudo que é canto, e só constitui surpresa para quem pensa que Moçambique real são redes sociais!

 

Aqui fantasmas recebem salários mensalmente. Engrossam até as listas do exército. Dão aulas sem nunca terem sido vistos em qualquer sala e nem escola – afinal são fantasmas! Engravidam mulheres de um bairro inteiro, sem nunca terem sido vistos – só podemos estar num país de fantasmas! São tantos fantasmas a viverem num só país que já ninguém entende se estamos num mundo real ou num projecto-piloto daquilo que deve ser o inferno!

 

É que já não está fácil conviver com tantos fantasmas. Temos fantasmas a leccionar, fantasmas a tratar doentes, fantasmas a lutarem na guerra, fantasmas a votarem, fantasmas a receberem doações, fantasmas a roubarem relva sintética no Zimpeto, fantasmas a levarem dinheiro da Covid-19, fantasmas a construir e destruir pontes e estradas, fantasmas a poluírem rios, fantasmas a pescarem em pleno período de veda, parteiras fantasmas que deixam gestantes morrerem em pleno serviço de parto, fantasmas que provocam acidentes cavando estradas, fantasmas a dirigirem instituições que todos os dias, na sua secretária, o que se vê é seu casaco, mas nunca o proprietário.

 

Estes fantasmas não são de hoje. Vasculhem os anais da nossa história. Analisem as cabeçadas protagonizada pelos fantasmas que mamaram a massa dos madjermanes, atirando milhares de famílias para a desgraça. Aqui os fantasmas saqueiam cofres da LAM, TDM, MCEL, FDA, Educação, AT, Aeroportos, EDM, Justiça e zarpam deixando todo pessoal hipnotizado e sem forças para exigir. Na Pérola do Índico, os fantasmas chegaram ao ponto de rasgar a página da Constituição da República que versa sobre o direito a manifestação e outras liberdades fundamentais!

 

Os fantasmas são tantos que até extravio documentos do badalado processo de julgamento das dívidas odiosas e apagam nomes de accionistas de empresas usadas para distrair a justiça e seus missionários da verdade. Aqui os fantasmas dão ordem ocultas nas instituições e na hora de responder, todos afirmam que estavam a cumprir ordens superiores – de quem ninguém diz! Talvez seja dos chefes fantasmas…

 

Aqui na Pérola do Índico, até temos esposos e esposas fantasmas. Alunos fantasmas – querem confirmar? Perguntem ao Rosário Fernandes que colocou o cargo à disposição quando viu as estatísticas inflacionadas em Gaza pelos caçadores de fantasmas da Comissão Nacional de Eleições (CNE) – os homens tinham capturado tantos fantasmas que o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) teve de convocar todos os seus especialistas para saber se durante o censo não teriam esquecido de incluir os mortos de Gaza!

 

Quando não existem fantasmas, os semi-deuses que desgovernam o país criam-nos ou eliminam os existentes, é só olharem para a história eleitoral de Nacala-Porto, nas últimas eleições autárquicas – as estatísticas estimam existir mais de 600 mil habitantes, mas os sábios da fantasmaquia subtraíram cerca de 400 mil, ficando apenas mais de 200 mil que garantiram a vitória a actual edilidade, deixando os planificadores das fraudes com os nervos à flor da pele!

 

Temos tantos fantasmas que até quadros importantes do país são mortos ou empurrados em pleno trabalho e perdem a vida, e o crime fica esquecido, os processos que o mesmo seguia queimados. E os fantasmas continuam a circular. Não é em vão que homens são sequestrados, espancados, assassinados e injuriados por fantasmas. É só olharem para o caso Siba Siba, Gilles Cistac, Jeremias Pondeca, Américo Sebastião, Mahamudo Amurane, Marcelino Vilanculos, Dinis Silica, Rosa Chukwa, Ibraimo Mbaruco, entre outros – só podem ter sido fantasmas para não serem achados – também como é que a PRM e SERNIC vão perder um fantasma – uma espécie invisível?    

 

Na pátria dos fantasmas até os números de mortes em desastres naturais são inflacionados, para que os doadores possam alimentar e aumentar os tamanhos dos bolsos do pessoal que monta as tendas para os fantasmas. Vivemos num país cheio de fantasmas, porque já não existem humanos e quando aparece um homem comprometido com alguma causa, o transformamos imediatamente em nosso quadro predilecto, arrumado numa sala climatizada, sem trabalho e gastando internet com filmes pornográficos e ociosidade!

 

De tanto ouvir falar de fantasmas, até o edil das taxas, acabou tentando cobrar uma taxa agressiva para o repouso dos mortos – na casa dos fantasmas – com o recente barulho nas FADM dos 7 mil militares fantasmas, não se admirem, se um dia descobrirmos que, dos mais de 30 milhões de habitantes oficialmente anunciados pelo INE/Estado, afinal parte significativa deles são fantasmas? Não sei, aqui tudo é possível…!   

quinta-feira, 12 maio 2022 07:11

O "mito da selagem de cervejas!"

NovaOmardino

Imaginem vocês a viver num país, onde todos os anos a Autoridade Tributária (AT) ultrapassa as metas anuais de recolha de receitas, mas estranhamente muitos não pagam impostos e as contas públicas têm sempre défice, facto que obriga as lideranças locais a recorrerem a empréstimos que chegam em forma de doações. Imaginem vocês que estas doações acabam não sendo direccionadas para o real objectivo e, como consequência, os funcionários pagos para pensar sobre como aumentar as receitas na AT, que todos os anos ultrapassam as metas previstas, devem procurar inventar novos impostos e formas de arrecadação de mais receitas.

 

E uma das formas encontradas na Pérola do Índico é a selagem das cervejas. Uma prática que em nenhuma parte do mundo é feita. Mas os nossos "grandes cientistas da economia" decidiram avançar, estabelecendo metas e sanções para as empresas que não cumprirem com a ordem. O caricato é que quem pensou nesta medida nunca fez trabalho de campo e nem de produção de cervejas. Talvez quando a pessoa vê a mesma na sua mesa ou no copo pensa que a sua produção é como assinar um documento escrito por outro profissional apenas!

 

A realidade no terreno mostra outra coisa. Imaginem uma fábrica que por hora produz mais de 40 mil garrafas de cerveja, numa velocidade da luz, ter de parar para colocar a rotulagem do selo em cada uma destas garrafas. Quanto tempo levaria e como justificaria o atraso da demanda da mesma no mercado interno? O caso está deixando as empresas cervejeiras nacionais e internacionais nervosos com os cientistas da AT. Aquilo que seria mais uma empresa do estilo Kudumba ou Inspecção Nacional de Viaturas (INAV) parece estar a ser mais um mito – por ser uma prática que nenhum país do mundo já implementou!

 

A ordem da AT é abalada pela crise de sheeps no mercado internacional, pois, devido à Covid-19 e a guerra de Titãs nas velhas repúblicas soviéticas, os miolos dos homens que fabricam este importante dispositivo tecnológico, para que a selagem tenha efeito esperado, esteve centrado na busca de soluções para a pandemia e outros para a nova correria armamentista – brincadeira! Mas o facto é que não há sheeps suficientes para responder à demanda de produção das cervejeiras locais e estrangeiras.

 

Uma outra situação é que as datas antes previstas já venceram todas, porque não existem sheeps e o país virou piada no mercado internacional, devido a uma decisão "infantil" de pessoas que recebem para pensar e defender a bandeira de Moçambique. Esta decisão da AT não passa de um mito. Não passa de uma disfuncionalidade tributária, a não ser que queiram falir todas as fábricas que, ao que tudo indica, respiram saudavelmente nos seus lucros!

 

Avançar com a selagem das cervejas é impedir o desenvolvimento desta indústria. É mutilar um investimento que muito bem representa o país. É afugentar investidores e parcerias comerciais importantes, uma vez que as marcas estrangeiras que vendem “a bessa” e consumidas com pompa e vividez na Perola do Índico não aceitam que sacanagens económicas do género aconteçam e já comunicaram que não vão ceder à pretensão das nossas autoridades, porque tal medida é impraticável para o mercado da cevada.

 

Mesmo as empresas que produzem tais selos não estão em condições de produzir milhares em pouco tempo e o caricato é que quem influenciou na medida não fez uma análise exaustiva do sector para depois decidir com esta medida. Tudo parece ser mesmo um mito. A não ser que a AT queira fechar a vaca leiteira e a menina de olhos azuis da elite frelimista por não cumprir com o desejo de certos gananciosos que vêem oportunidade de comer em tudo!

 

Se querem agravar o preço da cerveja, devem encontrar outras fórmulas, porque esta não foi acertada – como se sai deste imbróglio tributário? Recuasse definitivamente ou avançasse mesmo com todos os prejuízos que isto possa vir a representar? – O facto é que o consultor contratado para desenhar este projecto talvez gostasse de como os mesmos aparecem nos vinhos e quis inventar a roda!

 

- Moçambicanos, temos de parar de brincar de trabalhar e pensar o país racionalmente, porque a época do Asterix e Obelix ficou na mitologia gaulesa! Quem sabe no dia que os homens tiverem seis mãos, esta decisão tenha algum efeito, se pelo menos existisse um projecto-piloto para ver como seria – mas nada! Ou vamos fazer de conta que…  

segunda-feira, 09 maio 2022 09:39

Este homem lembra-me Moisés

Do seio da sarça, Deus rugiu como o verdadeiro Rei dos Céus, abafando todos os sons da planície onde Moisés apascentava o rebanho do seu sogro, Jetro. Era manhã fria e não havia outros pastores por perto, pois toda aquela vastidão de terras pertencia a uma única pessoa, escolhida entre os demais para desfrutar de um manancial sem fim. Foi nesse lugar que a Voz esvaziou-se e troou como o último vulcão e chamou por aquele que seria, afinal, um servo apetrechado de aço filtrado em fogo, para romper as grades do mal.

 

Deus  trovejou como os trovões que, nas montanhas de pedra, na função de megafones Divinos, entram em harmonia com a existência, e chamou pelo pastor solitário imbuído em pensamentos que só o Próprio Jehová podia sondá-los.

 

- Moisés!!!!!!!!!

 

O pastor entrou em pânico ao perceber que a Voz que lhe chamava vinha da sarça ardente, suspensa no espaço  onde o rebanho tinha alimento em porções sem limites.

 

- Quem é você que me chama com essa Voz do fim do mundo?

 

- Sou eu, Deus dos Exércitos.

 

- O quê que você quer de mim?

 

- Quero que vás ao Egipto libertar os filhos de Israel, presos nas masmorras de Faraó.

 

- Mas porquê que  tenho que ser eu a ir ao Egipto, libertar os Teus filhos das masmorras de Faraó.

 

Deus fez uma pausa, permitindo que se ouvisse na plenitude a música dos rios fartos que serpenteam  em todo aquele maná oferecido a Jetro. Era a mesma música que Moisés ouvia todos os dias, mas que agora ressurge retumbante, silenciando todos os outros sons maravilhsos que encontram no cântico dos pássaros, a síntese da maravilha. Depois – ainda do seio da sarça - a Voz voltou e retorquiu: porquê que não tens que ser tu?

 

II

 

Lembro-me desta passagem bíblica, sempre que vejo -  nas ruas da cidade de Inhambane – um homem que usa um cajado que mais parece um elemento de adorno, do que propriamente de suporte. Então, na minha imaginação, este indivíduo enigmático pode ser o próprio Moisés, encarnado numa outra pessoa, que é esta que vagueia sem direcção, aproveitando ao máximo – provavelmente – a paz que reside em toda a urbe.

 

Nunca o tinha abordado até ao dia em que perdi a capacidade de conter-me. Aproveitei o facto - numa manhã de céu nublado - de estarmos lado a lado, na varanda da loja do Matocolo, à espera que a chuva parasse. Não sabia como ele reagiria às minhas palavras, e nem podia saber, por muitos motivos, e um desses motivos é que, para além de nunca ter falado com ele, jamais o vi a conversar com quem quer fosse, apesar de ser uma pessoa bastante conhecida.

 

- O senhor é muito parecido com  Moisés!

 

- Qual Moisés?

 

- Da bíblia!

 

Ele riu-se às gargalhadas, olhando-me profundamente. Acariciou -  com as duas mãos - o  cajado que será, se calhar, um imprecindível talismã da sua vida. Parecia estar a procura das palavras apropriadas para responder à minha ousadia, como no dia em que Deus fez uma pausa, deixando soar levemente a música dos abudantes rios do maná de Jetro, antes de dizer a Moisés: porquê que não tens que ser tu!

 

Mas quando parou de chover, o homem foi-se embora sem dizer nada, até perder-se na zona dos “Quatro candeeiros”, e não olhou uma única vez para trás!

sexta-feira, 06 maio 2022 16:39

La famba bicha!

NelsonSaute

Jeremias Nguenha morreu a 4 de Maio de 2007. Passam hoje 15 anos. Provavelmente ainda sejam ouvidas as suas famosíssimas músicas “Vada Voxe” ou “La Famba Bicha”, que são, quanto a mim, um dos mais inventivos diagnósticos da sociedade moçambicana e das suas patologias inultrapassáveis. Permanecem actuais. Actualíssimas. 

 

Era um artista extremamente irreverente e fazia uma arrojada e acerba crítica política e social. Nascera a 19 de Março de 1972, em Inhambane. Cantava em changana. Cantava enérgica e violentamente em changana. Morreu cedo, subscrevendo o anátema moçambicano, com apenas 35 anos. Deixou, no entanto, o seu génio criativo registado nas músicas que compôs e cantou. 

 

Nguenha foi um artista carismático e popularíssimo. Isso devia-se, a meu ver, à sua música poderosa e às suas mensagens certeiras e veementes, mas também à sua imediata identificação com os mais desfavorecidos: a forma de vestir, a forma de se exprimir, a forma de dançar e as suas coreografias. A sua impetuosa denúncia social, sobretudo quando falava da pobreza ou das injustiças sociais, era uma resposta violenta à violência dos que sofriam e sofrem a exclusão, a pobreza e a marginalidade. 

 

Jeremias Nguenha tinha uma portentosa e magnética energia em palco e vê-lo actuar era um momento fortemente impactante. Vestia uniforme militar e tinha o cabelo sempre rapado. Andava com um exemplar da Bíblia. Era um provocador. As suas composições tinham metáforas e imagens virulentas: "obrigam-nos a pentear as nossas carecas” (tradução livre) é um dos seus versos mais profundos. O grande instigador era, antes de tudo, um grande poeta social e um magistral e intrépido cantor e actor. Ele não cantava apenas. Actuava no estrado. Era a voz dos esquecidos, dos desprezados, dos proscritos. 

 

Teve uma aparição fulgurante. As rádios tocavam-no regular e recorrentemente. Quando foi anunciada a sua morte, o choque foi inevitável. Mas parece que é o destino de grande parte dos artistas moçambicanos. Quantos talentos se perderam precocemente neste país? Quando estes (artistas) desaparecem sucede o silêncio e a escuridão sobre os seus percursos e suas vidas. Não são mais evocados, não são estudados, não existem biografias. Sabemos muito dos artistas estrangeiros e cultuamos o efémero entre nós. Pouco sabemos dos nossos melhores. 

 

Aliás, parece que a Pátria se regozija em ignorar os seus melhores intérpretes. Intérpretes num sentido mais extenso – de tradutores de um tempo e de uma sociedade. Como é este imenso e perseverante artista. Um cantor desassombrado e arrebatador. Jeremias Nguenha foi e é um dos melhores intérpretes do nosso destino individual e colectivo. Foi e é um dos maiores tradutores do devir moçambicano. 

 

La famba bicha!

NovaOmardino

A ideia era passar férias. Fazer fotos nos Shoppings luxuosos. Filmar uma “live” na torre Burj Khalifa e curtir a noitada. Os dias seguiam agradavelmente, afinal haviam feito uma boa poupança para que aqueles 30 dias naquela importante cidade dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Dubai, fossem memoráveis e inesquecíveis, em termos positivos. Até que numa aliciante noite de festas e luzes supersónicas, um grupo de mulheres que estavam hospedadas comigo, no Howard Johnson Plaza by Wyndham Dubai Deira, convidaram-me para o Doors Freestyle Grill – Steakhouse, onde provaríamos deliciosos pratos locais e estrangeiros.

 

O plano seguiu. Vestidas a rigor. Elegantes dos pés à cabeça. Estávamos vestidas para matar. A sensualidade e a elegância atraíam olhares e alimentavam desejos carnais de homens vestidos em malaias e roupa executiva. Lá estava eu, Maya de Almeida, de 26 anos de idade, nascida em Benguela, Angola, e residente em Coimbra, Portugal. Como jovem empreendedora e influenciadora digital, esperava encontrar em Dubai oportunidades de negócios e abrir novas portas comerciais. O que não sabia é que iria vivenciar algo suis generis que abalaria a minha vida para sempre!

 

Sentadas em direcção à porta de entrada do restaurante, as minhas companheiras de mesa iam lançando o charme e olhares para os homens que por ali entravam. Até que horas depois do convívio, os garçons trazem uma bandeja contendo telemóveis e pedindo que atendêssemos. Doutro lado da linha estava uma voz afável que começou por saudar-me e convidou-me para jantar na sua mansão, alegadamente porque havia ouvido falar de mim e que eu era linda de mais e tinha tudo que ele gostava numa mulher. Espantada, perguntei com quem teria ouvido falar de mim, ao que respondeu: do gerente do hotel onde eu estava hospedada!

 

Admirada pelo retrato fiel que o homem fazia de mim, acabei aceitando o convite e saímos todas juntas. Afinal, enquanto me mostrava preocupada, as outras estavam alegres porque sabiam para onde iam. Já na porta de entrada do restaurante, uma limousine nos aguardava. Entramos no veículo, lentamente e com tudo servido no interior, seguimos em direcção à residência do estranho homem. Chegando lá, fomos recebidas por guarda-costas que, cordialmente, nos levaram, cada uma, numa determinada direcção.

 

Finalmente, encontrei-me com o misterioso homem que, carinhosamente, me chamou pelo meu nome. Mostrou-me algumas fotos e convidou-me a fazermos um passeio pela sua mansão. Já no interior dela, colocou no meu pescoço um fio luxuoso e um relógio de diamantes. Sem rodeios, disse-me que pretendia provar o sabor da minha carne, enquanto dizia isso, um garçom trazia uma bandeja com um cocktail e muito dinheiro em Dólar e Euro – disse que tudo era para mim!

 

Confesso que naquele momento fiquei estupefacta. Nunca havia visto tanto dinheiro assim. Acabei aceitando. De imediato trouxeram uma cadeira de diamantes – toda brilhante. Sentei nela e em seguida fui carregada para um quarto. Chegando lá, o homem pediu-me que tirasse a roupa que eu vestia e ficasse de roupa interior, eis que prontamente o fiz!

 

Sem me aperceber, vejo um homem com alguns instrumentos de açoitamento nas mãos. Sem pedir, pegou-me com muita força e colocou-me uma coleira no pescoço e puxou-me pelas costas. Mordeu um mamilo e introduziu-me cinco dedos na vagina. Enquanto eu gritava por nunca ter passado por uma experiência do género, não sabia que aquilo era apenas o aquecimento para o que estava por vir!

 

- De repente, o homem pega num dispositivo e clica. Para a minha surpresa, por detrás da cama, havia uma parede falsa e estavam lá 10 homens, dois adolescentes e três cachorros pretos e enormes. Questionei-lhe o que era aquilo, ao que respondeu que a noite ainda era miúda! Pedi para que me deixasse sair e todos se riram. Algemaram-me os braços e as pernas. Puxaram as correntes a uma altura que combinava com a cintura deles e começaram a “bichar-me”!

 

Enquanto um penetrava agressivamente na vagina, o outro regava-me com champanhe e outros filmavam o acto. Depois de todos gozarem sobre mim de todos os cantos e usando objectos e eu já sem forças, deram-me de beber um cocktail estranho e açoitaram-me. Em seguida, obrigaram-me a ajoelhar, mesmo sem forças para mais, passaram um líquido no ânus e começou a vez dos adolescentes – todos sem camisinha! Depois vieram os cachorros, não aguentei. Caguei-me, levaram as minhas fezes e obrigaram-me a ingerir!

 

Já sem forças. Todos urinaram sobre mim. Desmaiei. Quando acordei estava num Iate, com mulheres, todas nuas e sujas. Do lado de fora, estavam homens abraçados com outras mulheres, como se tudo estivesse bem connosco. A viagem era para um outro local e, naquele momento, pensei em atirar-me pelo mar, mas não tinha como e questionava-me porquê estava a passar por aquilo, se eu não havia pedido!

 

Enquanto chorava e sofria de dor, as outras moças se questionavam quanto havia ganho por tudo que viveram nas mãos daqueles homens. O iate atracou e lá estavam os mesmos homens, se comportando como se nada tivesse acontecido. Tiraram-nos do iate. Veio um homem com uma mangueira e começou a despejar água sobre nós. Terminado o acto, atiraram toalhas e entregaram para cada uma mala com notas em USD e Euro.

 

Retiraram-nos daquele espaço e na mesma limusine levaram-nos ao hotel. Estranhamente, estávamos vestidas com roupas caras que escondiam a humilhação por que passamos. E, embora para algumas, aquilo fosse algo habitual, para mim era um símbolo de auto-negação da minha essência e um grande desrespeito sobre o meu ser!

 

Por tudo que vivi naquela noite, percebi que aquela vida luxuosa que por lá se vive escondia diversas sujidades sociais e síndromes de psicopatia que homens ricos de países como os EAU vivem, o que a roupa supostamente religiosa ou cultural esconde. Percebi o tamanho da falsidade que as pessoas vivem. Jurei naquele momento nunca mais pisar Dubai ou qualquer outro país com características idênticas.

 

Ultimamente, quando vejo este escândalo a ser bastante referenciado nas redes sociais e televisões, fico rezando para que minha imagem não apareça nos vídeos, pois afectaria bastante a minha autoestima e a reputação da minha família. 

 

Acreditem que, desde que voltei daquelas férias em Dubai em 2018, nunca mais consegui envolver-me com qualquer homem, até mesmo com o meu então namorado. Passei a ver todos os homens como porcos e demónios. Percebi que o mundo está cheio de doentes, mas no meio desta minha solidão tento acordar deste pesadelo que hoje se chama Dubai Porta Potty e espero que algo seja feito para que outras mulheres não passem pelo que vivi em Dubai, porque as cicatrizes ainda são visíveis no meu corpo!

 

PS: Nome fictício. Texto de imaginação e escrito com base nos episódios do escândalo Dubai Porta Potty.       

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