Há bastante tempo que a moda Nova Iorquina ganhou forma e se instalou em muitos países. Eles faziam isso por carência de notícias no fim do ano. Por aqui, faz-se em função das lentes dezembrinas de cada um e para esconder verdades e salvar imagens de políticos embriagados pelo poder.
De tanta falta de critérios de eleição/nomeação/atribuição/
Esta atribuição é usada ultimamente para oprimir o povo, uma vez que se atribui grandes feitos para alguém que simplesmente desenvolveu actividades que são da sua obrigação constitucional – figura do ano! Num Estado sério, um presidente construir escolas, hospitais, estradas, pontes, incentivar e estimular a economia e garantir a segurança dos cidadãos, não pode ser visto como algo extraordinário e levarmos estas obrigações normais e transformar isso em grandes feitos – só mesmo na Pérola do Índico.
Atribuições do gênero devem ser a qualquer um que, diante das suas capacidades, oportunidades e circunstâncias tenha feito algo extraordinário e de grande relevância social. Tenha demonstrado a via segura para fugir do fogo do inferno. Tenha sido um Leónidas, o grande herói de Esparta. Agora, dar estes feitos a individualidades cujo papel apenas é assinar documentos que outros fazem e inaugurar infra-estrutura feitas com dinheiro "doado" já é demais! Até a nossa segurança fala-se por aí que também é "doação" – isto já é demais!
Quando voltamos ao modelo Nova Iorquino, para a atribuição da figura do ano, eles procuravam a história de um cidadão de lá das bandas de Brooklyn. Pessoas locais, mas com actos globais. É verdade que os tempos são outros e cada um tenta pescar nas águas lhe são fáceis, mas o povo precisa de ser educado na diversidade inclusiva. Não podemos construir pólos de convivência social, vivendo nos extremos – é vital que tudo seja feito com base no meio termo!
Num contexto de bravura e de busca pelo sustento diária e maus-tratos como se assiste por aqui é importante que não aumentemos a nossa psicopatologia conjunta e continuarmos a nos alegrar pelo pouco, enquanto é visível que estamos a ser penetrados a sangue frio e sem direito a gel ou sabão. As nossas figuras do ano devem ser pessoas de que no futuro não nos iremos arrepender. Que a sua luta tenha impactado a vida do seu próximo, da sua comunidade e da sua sociedade.
Deste modo, quando oiço sobre figuras do ano, questiono-me sobre os prós e contras para a indicação de uma figura em detrimento das outras. Procuro verificar se o activista que tanto falou e promoveu as suas actividades estava a fazer mesmo de coração, ou era tudo faz de conta, assim como, quem estará a pagar por aquele "grande feito público". Se elejo um Juiz ou Procurador, a pergunta que vem a seguir é: quem o colocou naquele posto e porquê ele e não os outros?
Se escolho um polícia de trânsito que num dia chuvoso decidiu continuar a exercer o seu trabalho e combinado ou não, alguém o filma e coloca isso a circular nas redes sociais – a questão que vem, porque aquele acto é extraordinário, se ele simplesmente estava a desempenhar a sua profissão e cumprindo as obrigações que jurou defender. Acontece com o médico que fez o juramento de Hipócrates, o professor que sana dificuldades, etc.
No fundo, percebemos na Pérola do Índico estamos carentes de heróis pelo tipo de sociedade que estamos a construir – onde nos preocupamos em ler um livro de um escritor nacional quando ouvimos que venceu um prémio internacional – e o engraçado é que nem lêem, apenas compram e procuram o autor para fazer fotos e publicar – tudo faz de conta. Devido a este tipo de atitude, transformamos o normal em extraordinário. O habitual em coisa doutro mundo!
É tempo de passarmos para um outro nível de convivência social e política. Em que todos os heróis são bem vistos e ninguém é hostilizado simplesmente porque faz o devido uso dos seus direitos constitucionais. É tempo de vermos em letras garrafais em Jornais, televisões, rádios, revistas e em páginas de pessoas influentes a indicação de pessoas não politicamente expostas como figuras do ano, seja na sua área de actividade ou de uma forma global.
E esperando estar a contribuir para o debate, a minha figura do ano para 2021 é todo o moçambicano de BEM que mesmo diante do cenário somaliano em que vive, consegue aguentar tudo que lhe é imposto. Consegue fugir das balas perdidas e directas nas matas de Cabo Delgado e Niassa. Consegue lutar com sequestradores para evitar que um seu parente seja levado. Consegue suportar a injustiça e crueldade policial/estatal. Consegue escrever um livro sem patrocínio e convidar um político influente para prefaciar e apresentar o mesmo (…)!
Já agora, que tal uma Comissão Nacional da Imprensa que, em coordenação com as organizações de defesa dos direitos dos jornalistas nacionais, elege uma figura do ano do ramo e da arena política, social, cultural e económica (…) que tal!
Parece que é inútil tomar um autocarro e dizer o nosso destino, parece que são as ultrapassagens, a vontade dos travões e as fintas dos motoristas que determinam o nosso destino. Trinta e quatro pessoas viram o seu destino desviado em Maluana, se ao menos tivessem tido uns segundos para levar um quilo das suas bagagens, um terço do seu corpo e seus documentos para, pelo menos, chegarem ao céu dignos e bem identificados.
De que adianta dizer o destino nos nossos autocarros? Em Maluana uns queriam ver suas famílias, abraçar seus filhos e talvez tomar uma cerveja, mas foram todos desviados: uns empacotados nas gavetas das morgues somente com toalhas de sangue ao corpo, outros divertem-se ao som da dor enquanto bebem um soro bem gelado nos berços do hospital e há outros que chegaram às suas casas com uma parte do corpo abandonada em Maluana. De que adianta dizer o destino nos nossos autocarros?
Façam a estatística certa, contem as vidas que já foram desviadas nas nossas estradas, contem os mármores nos cemitérios com o verso “vítima de acidente de viação”, contem os acidentes que a cada dia obrigam-nos a abrir o álbum de fotografias e a colocar uma cruz na testa dos nossos, contem as famílias que brotam debaixo dos lençóis e acabam sempre debaixo do alcatrão.
E depois surgem as indemnizações para que os mortos tenham um troféu de mármore com o “vítima de acidente de viação”, surgem as condolências, os resultados da perícia, surgem apelos e depois, como bons atletas, voltamos à pista e os motoristas decidem o nosso destino.
Trinta e quatro pessoas viram o seu destino desviado em Maluana. E como estarão hoje as suas mulheres que se dilatam como lulas para preencher a cama vazia, os seus filhos que hoje engolem as palavras mãe-pai, porque não mais farão sentido no seu vocabulário?
Talvez no futuro, se isso não mudar, teremos autocarros sinceros que adoptarão vias e destinos sinceros: “Maputo – Cemitério, via Hospital Central de Maputo”.
Levanta-te e erga a bandeira da moçambicanidade
Parta para a acção!
É tempo de reversão
De transformação
Do abandono ao ego e viver no filantropismo
Levanta-te!
E corra para a sua lavoura
Para a escola
Para a machamba
Levanta-te, homem!
Moçambique e África chamam por ti!
Quando na madrugada escutas:
O canto do galo!
O som alto da buzina do comboio!
A voz do cobrador do chapa!
Os passos da mulher com o cabo de enxada nas costas!
Levanta-te, porque chamam por ti!
Levanta-te e erga-te!
É tempo de produção!
Tempo de reversão
Da mudança ou da negação!
Levanta-te, soldado bravo!
Pega nesta bazuca
e expulsa estes terroristas
da nossa pátria amada!
devolva a paz a esta terra de heróis
que o seu chão tanto sangue inocente
absorveu!
Levanta-te, mulher!
O ser genial que a divindade criou!
Olha que hoje já não és a mesma
que outrora eras simples instrumento
do homem e da sua família!
Hoje, tu és a mentora da transformação
O símbolo da emancipação
A comandante da revolução!
Levanta-te e enxuga estas lágrimas meu jovem!
O tempo hoje é outro!
Não precisas dos holofotes para mostrar o seu talento!
Usa o poder da caneta,
da ciência
e da sua inteligência!
Para expulsar este mal que atormenta
Que te subjuga!
Que te humilha
Levanta-te e vença…
a pobreza
o desemprego
a mendicidade
a exclusão social e o temporismo profissional
Levanta-te, homem!
E grita bem alto!
Eu sou capaz!
Levanta-te, meu país!
Por Omardine Omar, Maputo, Dezembro de 2021
Contextualização
De acordo com o artigo 35 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que estabelece o Princípio da Universalidade e Igualdade: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.” Nesta disposição constitucional, para além do princípio da igualdade, está plasmado o princípio da não-discriminação, o que é corroborado pelas normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é parte, cujos princípios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Carta Africana sobre os Valores e Princípios da Função, Administração Pública, etc.
Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos. Em bom rigor, esta Carta Africana é muito mais ousada e inequívoca ao proibir, no seu artigo 2, a discriminação baseada nos critérios definidos pela CRM, conforme acima descrito, como também baseada em qualquer outra situação.
Ora, na comunicação do Presidente da República dirigida à nação no dia 20 de Dezembro corrente, na sequência da declaração da situação de Calamidade Pública em virtude da pandemia da COVID-19, S.Exa. disse, em jeito de ameaça para a massificação das vacinações, que poderá, nos próximos tempos, pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra aqueles que não tenham vacinado contra a COVID-19. O que significa que o exercício e gozo de determinados direitos e liberdades fundamentais e com destaque para a dignidade humana podem ser limitados em função da efectivação ou não da vacinação em questão, mediante apresentação do correspondente comprovativo, cartão ou certificado de vacinação, uma espécie de Green Card para acesso a direitos e/ou serviços públicos básicos.
O Problema
À semelhança de vários países afectadados pela pandemia da COVID-19, corre também em Moçambique o processo de vacinação da população contra a COVID-19 de modo que o maior número da população esteja imunizado quanto à mesma.
No entanto, ainda não existem vacinas em número suficiente para todos os elegíveis para o efeito. Relativamente às vacinas adquiridas, Moçambique não realizou os devidos testes de qualidade; não há qualquer garantia ou certeza de que as pessoas já vacinadas estão de facto imunizadas no sentido de que não contraem a COVID-19 e nem transmitem para os outros; também, não há qualquer estudo que certifique que aqueles cidadãos que não vacinaram são os que representam o risco de contaminação ou infecção por COVID-19, bem como de transmissão para os demais, colocando em perigo toda uma sociedade. Outrossim, até ao presente momento, não se sabe quantas dozes de vacina são necessárias tomar para fazer face a todas as variantes e/ou vagas da COVID-19 até agora existentes, tendo em conta os tipos e marcas de vacina que Moçambique adquiriu, incluindo a eficácia dos mesmos.
Com efeito, a possibilidade de pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra os cidadãos que vacinaram quais sejam: acesso à escola, aos hospitais, ao trabalho, aos transportes públicos, aos serviços de segurança social, aos diferentes serviços públicos para tratar e levantar documentos como bilhete de identidade e carta de condução; consubstancia um acto de discriminação contra os cidadãos não vacinados para a prevenção e controlo da COVID-19, o que viola o artigo 35 da CRM e os instrumentos internacionais de direitos humanos supra referidos no que à proibição da discriminação diz respeito.
Em bom rigor, caso se materialize a referida ameaça, tratar-se-á de uma atitude que se vai traduzir na limitação arbitrária dos direitos e liberdades fundamentais, atendendo que, da interpretação do n.º 2 do artigo 56 da CRM, o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição, o que não é o caso em apreço, pois, discriminar os cidadãos não vacinados contra a COVID-19 não garante a salvaguarda da saúde pública e da vida. A limitação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na CRM. (Vide n.º 3 do artigo 56 da CRM).
Mais do que isso, é que a ameaça feita por S.Exa. Presidente da República aqui em análise representa uma ditadura da vacinação, o estabelecimento de um processo de vacinação compulsivo em violação da liberdade de escolha de tratamento contra a COVID-19, quando os mesmos cidadãos sequer têm certeza de que o Presidente da República vacinou e se vacinou, que tipo de vacina tomou, se é a mesma que pretende obrigar o povo a tomar e qual medida de certeza existente de que S.Exa. está completamente imune e não constitui risco para os outros!
Concluindo
A não-discriminação e a igualdade são princípios fundamentais aplicáveis ao direito à saúde. Considerando que o Presidente da República é o garante da CRM, entanto que Chefe de Estado, resulta não só perigoso e grave o pronunciamento que fez sobre a possibilidade de imposição de restrições no acesso aos serviços sociais básicos para aqueles que não vacinaram contra a COVID-19, como também resulta algo preocupante e assustador relativamente à garantia da salvaguarda do respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, da liberdade de escolha e dos direitos humanos que se mostram ameaçados com essa pretensão um tanto quanto inconsequente e arbitrária, sobretudo quando há vários elementos de incerteza quanto ao tipo de prevenção (vacina) contra a COVID-19 que se pretende aplicar aos cidadãos de forma coerciva e abusiva.
O que dizer das outras doenças contagiosas ou perigosas para a saúde pública cujas vacinas o Estado moçambicano não garante? Com que fundamento legal e ético o Presidente da República poderá mandar vacinar coercivamente os cidadãos e sancionar quem não vacinar? O Presidente da República deve melhor comunicar com os cidadãos e nas suas decisões respeitar sempre os direitos humanos ou a dignidade humana.
Portanto, nada demonstra qualquer eficácia para salvaguarda da saúde pública e da vida com a ideia de vacinação compulsiva e restrições a quem não aderir.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Tive um professor corcunda de Geografia que a primeira grande lição que nos deu, no primeiro dia de aulas, foi sobre a localização da biblioteca nacional na baixa da cidade. Não me esqueço desse professor subindo as escadas da escola e a sombra da sua corcunda, anexada ao corpo, rastejando sobre as escadas como um acidente geográfico qualquer.
Até hoje não sei porque o professor maçava-se em trazer-nos o mapa de África, ele podia muito bem tirar a sua corcunda, pendurá-la no prego do quadro e mostrar-nos a partir dela as fronteiras de África. Além da corcunda, recordo-me do seu pescoço empenhado uns graus como que acenasse sem parar ao hemisfério sul.
Uma vez fui à biblioteca nacional para finalizar um trabalho do professor corcunda. Fui com um colega. À nossa frente, na biblioteca nacional, estava um velho em balalaica que mergulhava no subsolo de um longo arquivo de documentos amarelados. Não me esqueço da bibliotecária, uma senhora lindíssima, que sem querer exibia-nos os catálogos das suas pernas lisas e cheias de carne. Claro que tive vontade de perguntá-la: “essas pernas são de consulta pública? Posso levá-las para folheá-las em meu quarto?”.
E eu sem querer, no largo da nuca do velho em balalaica, disparei: “nunca vi tanta bibliografia em uma saia”. E o velho sentindo a sua suca bombardeada virou-se para mim, posicionou todo o armamento que usara na luta de libertação e começou a fuzilar-me: “as pernas são importantes na construção do país?”. O velho era Sérgio Vieira. Foi um fuzilamento de mais de vinte minutos. E eu tinha certeza de que dali não saía vivo com o trabalho feito do professor corcunda.
Hoje apetece-me responder a Sérgio. Claro que as pernas são importantes na construção do país, camarada Sérgio. Onde pode ir um país sem pernas? Se mesmo uma biblioteca precisa de pernas, imagina um país? É pena que partiste Sérgio e ainda não sabias que as pernas são importantes. As pernas, a tua nuca naufragando em documentos amarelos e a corcunda do professor são importantes, Sérgio.