Contextualização
De acordo com o artigo 35 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que estabelece o Princípio da Universalidade e Igualdade: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.” Nesta disposição constitucional, para além do princípio da igualdade, está plasmado o princípio da não-discriminação, o que é corroborado pelas normas do direito internacional sobre os direitos humanos de que o Estado moçambicano é parte, cujos princípios orientadores inspiraram a elaboração da CRM, como se pode aferir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Carta Africana sobre os Valores e Princípios da Função, Administração Pública, etc.
Aliás, determina o artigo 43 da CRM que: “Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos. Em bom rigor, esta Carta Africana é muito mais ousada e inequívoca ao proibir, no seu artigo 2, a discriminação baseada nos critérios definidos pela CRM, conforme acima descrito, como também baseada em qualquer outra situação.
Ora, na comunicação do Presidente da República dirigida à nação no dia 20 de Dezembro corrente, na sequência da declaração da situação de Calamidade Pública em virtude da pandemia da COVID-19, S.Exa. disse, em jeito de ameaça para a massificação das vacinações, que poderá, nos próximos tempos, pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra aqueles que não tenham vacinado contra a COVID-19. O que significa que o exercício e gozo de determinados direitos e liberdades fundamentais e com destaque para a dignidade humana podem ser limitados em função da efectivação ou não da vacinação em questão, mediante apresentação do correspondente comprovativo, cartão ou certificado de vacinação, uma espécie de Green Card para acesso a direitos e/ou serviços públicos básicos.
O Problema
À semelhança de vários países afectadados pela pandemia da COVID-19, corre também em Moçambique o processo de vacinação da população contra a COVID-19 de modo que o maior número da população esteja imunizado quanto à mesma.
No entanto, ainda não existem vacinas em número suficiente para todos os elegíveis para o efeito. Relativamente às vacinas adquiridas, Moçambique não realizou os devidos testes de qualidade; não há qualquer garantia ou certeza de que as pessoas já vacinadas estão de facto imunizadas no sentido de que não contraem a COVID-19 e nem transmitem para os outros; também, não há qualquer estudo que certifique que aqueles cidadãos que não vacinaram são os que representam o risco de contaminação ou infecção por COVID-19, bem como de transmissão para os demais, colocando em perigo toda uma sociedade. Outrossim, até ao presente momento, não se sabe quantas dozes de vacina são necessárias tomar para fazer face a todas as variantes e/ou vagas da COVID-19 até agora existentes, tendo em conta os tipos e marcas de vacina que Moçambique adquiriu, incluindo a eficácia dos mesmos.
Com efeito, a possibilidade de pôr em prática medidas restritivas no acesso a serviços essenciais básicos contra os cidadãos que vacinaram quais sejam: acesso à escola, aos hospitais, ao trabalho, aos transportes públicos, aos serviços de segurança social, aos diferentes serviços públicos para tratar e levantar documentos como bilhete de identidade e carta de condução; consubstancia um acto de discriminação contra os cidadãos não vacinados para a prevenção e controlo da COVID-19, o que viola o artigo 35 da CRM e os instrumentos internacionais de direitos humanos supra referidos no que à proibição da discriminação diz respeito.
Em bom rigor, caso se materialize a referida ameaça, tratar-se-á de uma atitude que se vai traduzir na limitação arbitrária dos direitos e liberdades fundamentais, atendendo que, da interpretação do n.º 2 do artigo 56 da CRM, o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição, o que não é o caso em apreço, pois, discriminar os cidadãos não vacinados contra a COVID-19 não garante a salvaguarda da saúde pública e da vida. A limitação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na CRM. (Vide n.º 3 do artigo 56 da CRM).
Mais do que isso, é que a ameaça feita por S.Exa. Presidente da República aqui em análise representa uma ditadura da vacinação, o estabelecimento de um processo de vacinação compulsivo em violação da liberdade de escolha de tratamento contra a COVID-19, quando os mesmos cidadãos sequer têm certeza de que o Presidente da República vacinou e se vacinou, que tipo de vacina tomou, se é a mesma que pretende obrigar o povo a tomar e qual medida de certeza existente de que S.Exa. está completamente imune e não constitui risco para os outros!
Concluindo
A não-discriminação e a igualdade são princípios fundamentais aplicáveis ao direito à saúde. Considerando que o Presidente da República é o garante da CRM, entanto que Chefe de Estado, resulta não só perigoso e grave o pronunciamento que fez sobre a possibilidade de imposição de restrições no acesso aos serviços sociais básicos para aqueles que não vacinaram contra a COVID-19, como também resulta algo preocupante e assustador relativamente à garantia da salvaguarda do respeito pelos princípios da igualdade e da não discriminação, da liberdade de escolha e dos direitos humanos que se mostram ameaçados com essa pretensão um tanto quanto inconsequente e arbitrária, sobretudo quando há vários elementos de incerteza quanto ao tipo de prevenção (vacina) contra a COVID-19 que se pretende aplicar aos cidadãos de forma coerciva e abusiva.
O que dizer das outras doenças contagiosas ou perigosas para a saúde pública cujas vacinas o Estado moçambicano não garante? Com que fundamento legal e ético o Presidente da República poderá mandar vacinar coercivamente os cidadãos e sancionar quem não vacinar? O Presidente da República deve melhor comunicar com os cidadãos e nas suas decisões respeitar sempre os direitos humanos ou a dignidade humana.
Portanto, nada demonstra qualquer eficácia para salvaguarda da saúde pública e da vida com a ideia de vacinação compulsiva e restrições a quem não aderir.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Tive um professor corcunda de Geografia que a primeira grande lição que nos deu, no primeiro dia de aulas, foi sobre a localização da biblioteca nacional na baixa da cidade. Não me esqueço desse professor subindo as escadas da escola e a sombra da sua corcunda, anexada ao corpo, rastejando sobre as escadas como um acidente geográfico qualquer.
Até hoje não sei porque o professor maçava-se em trazer-nos o mapa de África, ele podia muito bem tirar a sua corcunda, pendurá-la no prego do quadro e mostrar-nos a partir dela as fronteiras de África. Além da corcunda, recordo-me do seu pescoço empenhado uns graus como que acenasse sem parar ao hemisfério sul.
Uma vez fui à biblioteca nacional para finalizar um trabalho do professor corcunda. Fui com um colega. À nossa frente, na biblioteca nacional, estava um velho em balalaica que mergulhava no subsolo de um longo arquivo de documentos amarelados. Não me esqueço da bibliotecária, uma senhora lindíssima, que sem querer exibia-nos os catálogos das suas pernas lisas e cheias de carne. Claro que tive vontade de perguntá-la: “essas pernas são de consulta pública? Posso levá-las para folheá-las em meu quarto?”.
E eu sem querer, no largo da nuca do velho em balalaica, disparei: “nunca vi tanta bibliografia em uma saia”. E o velho sentindo a sua suca bombardeada virou-se para mim, posicionou todo o armamento que usara na luta de libertação e começou a fuzilar-me: “as pernas são importantes na construção do país?”. O velho era Sérgio Vieira. Foi um fuzilamento de mais de vinte minutos. E eu tinha certeza de que dali não saía vivo com o trabalho feito do professor corcunda.
Hoje apetece-me responder a Sérgio. Claro que as pernas são importantes na construção do país, camarada Sérgio. Onde pode ir um país sem pernas? Se mesmo uma biblioteca precisa de pernas, imagina um país? É pena que partiste Sérgio e ainda não sabias que as pernas são importantes. As pernas, a tua nuca naufragando em documentos amarelos e a corcunda do professor são importantes, Sérgio.
Eu tinha fé de que este dia chegaria. É o matar de uma sede antiga, na longa espera pela conclusão da ponte que ora me leva à Oeiras, porém sem nada nas mãos, a não ser a ansiedade de sobreavoar o Tejo antes de aterrar e sentir os cheiros jamais inalados. Aliás, trago comigo às costas, no bornal, palavras de verdade e de imaginação, na esperança de ver fortalecido o nó dos nossos anseios.
De Inhambane à Oeiras é um sonho, mas a ponte está pronta, transborda beleza. Até porque todo o valor da nossa amizade está sintetizado no suor do nosso abraço. E eis-me aqui, caminhando por sobre o tabuleiro deitado amorosomente entre o Índico e o Atlântico, com o único propósito de partilhar as minhas emoções com os oirenseses. Talvez não só. Quem sabe!
Nasci numa cidade pequena, em Moçambique, como bem o sabes. Um lugar extraordinário. Único. À primeira vista, quando você chega aqui, sobretudo ao final da tarde, a sensão será de que as pessoas fugiram. As poucas que vai encontrar, também estarão a recolher para as suas casas, deixando as ruas sozinhas. Sem gente nem carros. Nem nada. Quer dizer, o poeta não mentiu: para cá da porta, nada! Para lá da porta, também nada!
Aqui ninguém acorda antes de o sol raiar. Para quê, se tudo está perto, ao alcance da mão! São os pássaros que nos despertam, cantando canções regidas pelo próprio Deus, porque foi Deus quem aspergiu o sossego nesta terra onde eu nasci. Um sossego que alguém, mesmo assim, teima em vitupera-lo.
Inhambane é uma cidade linda, com histórias muitas vezes perturbantes, que eu gostaria de contar aos oeirenses. Aos oeirenses porque Oeiras é cidade gêmea de Inhambane. De onde tentei sair algumas vezes à busca de outro oxigénio, mas logo a seguir percebia que o meu oxigénio estava aqui. Por isso sempre voltei.
Andou por aqui um homem chamado Matangalane Boby, cujas origens podiam estar ligadas à São Tomé, ou Cabo Verde, não sei bem, mas que o tempo levou-o a ser uma espécie de nosso mascote. Morreu como um cão vadio, sem família sem nada. Todavia, nas tertúlias, até hoje, quando o seu nome é evocado, nasce imediatamente um turbilhão de histórias à ele ligadas. Umas verdadeiras, outras inventadas pelo povo.
Tenho falado muito sobre esta figura estranha, e cada vez que isso acontece, fica sempre qualquer coisa por acrescentar. Mas hoje só vim dar um abraço à Oeiras, desejando boas festas de natal e um bom final de ano. E dizer que sinto-me muito feliz por celebrar a vida desta forma, convosco.
Pois é: na verdade não tenho nada para vos dizer. Só queria transmitir os meus cumprimentos à cidade gêmea da minha cidade.
Um abraço profundo, com cheiro à água de côco.
Digam-me quem não sabe que o político é ouvido por uma excelentíssima juíza e o ladrão é interrogado por um chefe de operações com chaves da cela na mão, o político desvia dinheiro público e o ladrão rouba dinheiro em público. Os ladrões do bairro varrem roupa lavada nos estendais e o político não é ladrão, faz lavagem de dinheiro.
Penas são para o ladrão que evacua galinhas nas capoeiras, o político tem as suas penas convertidas em multas. Há algemas para o ladrão e há escolta da polícia para o político, há testemunhas para o ladrão e há escritórios de advogados para o político, há antenas de chambocos para o ladrão e há tempo de antena para o político, há caução para o político e há suborno para o ladrão.
O político comete homicídio e o ladrão mata pessoas, o político é membro de um partido e o ladrão é elemento de uma quadrilha, o político é investigado e o ladrão é acusado, o político mete-se em esquemas de corrupção e o ladrão mergulha-se em planos de assaltos, o político é do povo e o ladrão é da população.
Quem não sabe que o político arrepende-se e o ladrão esquece-se, o político é encarcerado e o ladrão é trancado, o político falsifica documentos e o ladrão usa documentos dos outros, o político tem esposa e filhos e o ladrão tem uma mulher e crianças.
O político tem guarda-costas e o ladrão tem um cúmplice às costas, o político começa na urna e o ladrão termina na urna, o político tem discurso e o ladrão tem coisas para dizer, o político tem fatos e muitos factos e o ladrão tem factos mesmo sem fatos, o político tem escritório de trabalho e o ladrão tem uma esquina de caça. O político antes de ser detido desvia fundos das embaixadas e o ladrão antes de ser preso desvia-se no fundo da embaixada da Colômbia cheio de fumo.
O político é reprimido pela corporação e o ladrão é baleado, o político é perseguido pela justiça e o ladrão é corrido pela polícia, o político refugia-se em países estrangeiros e o ladrão esconde-se em casa do vizinho, o político tem antecedentes criminais e o ladrão tem crimes não esclarecidos.
O político é manchado pela imprensa e o ladrão é lixado por quem não tem imprensa, o político tem processos em tribunais e o ladrão tem ocorrências em esquadras, o político é arguido e o ladrão é recluso. O político é político e o ladrão é ladrão.
Na tarde da última quarta-feira, um vídeo amador “viralizou” nas redes sociais em Moçambique. As imagens horripilantes e humilhantes denunciavam mais uma barbaridade das várias protagonizadas por dois agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Mocuba, província da Zambézia. Rapidamente começou uma campanha online de busca e localização dos referidos agentes. Em pouco tempo, os tipos foram localizados e detidos! A vítima era uma mulher residente no bairro de Marmanelo, naquela urbe.
Entretanto, o caso não era de 15 de Dezembro, dia em que o vídeo “viralizou” e os agentes foram detidos, mas sim do dia 04 de Dezembro! – e a jovem mulher, ao que tudo indica, pode ter ficado nos calabouços por 11 dias, suportando aquele calor intenso e cruel de Mocuba e seu bebé sem acesso ao peito da mãe para se alimentar!
Engraçado, os tais agentes não estavam em serviço no dia em que humilharam a pobre mulher, maltrataram o seu bebé, que tanto chorava e a família que assistiu sua filha a ser tratada como uma quadrúpede feroz e que devorou vários residentes daquela região – ou mesmo, poderia ser um meliante cadastrado e muito procurado – talvez fosse uma insurgente de Cabo Delgado em fuga que os tais agentes tiveram informação e foram capturá-la para serem condecorados. Mas não era. É uma cidadã que, na busca por sustento para o seu filho, enveredou por um caminho errado, colocou-se a jogar – o famoso jogo de azar/batota – localmente conhecido por Mugundhu!
Imagine, caro cidadão moçambicano, se por uma simples infracção és tratado como um Saddam Hussein, por malfeitores credenciados como agentes! Outro aspecto é que o vídeo que “viralizou” tem 02:48´, a pergunta é: o que terá acontecido com a referida cidadã do local onde foi algemada no pé até à esquadra onde foi mantida em cárcere? Outras questões: "como se pode manter uma cidadã detida supostamente por 11 dias sem acusação? E se existiu quem assinou o processo? Foi ouvida por um magistrado do Ministério Público e o que este alegou, para mantê-la presa? E hoje está solta e dizem que pode ir para casa simplesmente?
Caríssimos, não precisamos de reintroduzir a Lei de Hamurabi para perceber que mais do que prender e condenar os referidos agentes, legalmente o Estado deve responsabilizar-se pelos actos cometidos pelos seus agentes, pelo menos é isso que os números 1 e 2 do Artigo 58 da Constituição da República de Moçambique (CRM) sobre "Direito à indemnização e responsabilidade do Estado", apregoam:
1."A todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais."
Uma vez que o Comandante provincial da PRM na Zambézia já veio dar as caras, haverá alguém disponível nas bandas de Mocuba para exigir que estes direitos sejam respeitados? Porque, no meu entender, a coisa não pode terminar em conferências de imprensa, telefonemas e um aperto de mão, e pronto! É preciso respeitar o cidadão. E respeitar o cidadão é valorizar os seus direitos fundamentais. É resgatar a sua dignidade, honra e bom nome que foram colocados em causa pelos agentes em questão!
E se alguém não filmasse e colocasse o vídeo a circular nas redes sociais, que nos últimos tempos é arma, o tribunal, o espaço de salvação dos injustiçados! A rede social tem demonstrado ser uma importante plataforma de denúncia de casos de género, em que diferentes cidadãos em todo o país são tratados desumanamente por agentes da Lei e Ordem! E parece estar na moda no seio da polícia de segurança pública, criminal e municipal maltratar cidadãos.
Felizmente, o caso de Mocuba e Chimoio tiveram um outro desfecho e sequenciamento, mas para as mamanas de Xipamanine e outras artérias da ex-cidade das Acácias não sei quem coloca os freios naquilo, poxa! Parece que os homens têm tido muita sorte ou protecção e até parece que os dirigentes destes locais gostam das irregularidades que seus subordinados praticam!
Em Moçambique, as algemas ancoradas no pé daquela jovem mulher e com um bebé nos braços por alegadamente ter cometido uma infracção criminal trouxe a nu uma situação de imoralidade que surge no cérebro de muitos homens e mulheres logo que vestem a farda. Sentem-se presidentes das ruas, avenidas, bairros e cidades onde foram afectos para garantir a Lei e Ordem, e segurança pública aos cidadãos.
As acções de certos agentes policiais da Pérola do Índico são extremamente preocupantes, às vezes, até penso que estamos a viver num contexto de "apartheid não institucionalizado" e com novos conceitos que só as autoridades policiais e governamentais nos podem explicar. É que não é normal o que vivenciamos actualmente.
Ora vejamos, em Moçambique, o cidadão pacato e sem filiação política aos que governam esta cena só servem para alimentar as estatísticas, para encher forçosamente os comícios, mas quando tentam reclamar ou exigir um direito ou cometem uma infracção que pode terminar com uma repreensão pública ou sensibilização, é tratado com desdém, é horrorizado, gumulado, rebentado, acorrentado e, na maior parte das vezes, lançado para as masmorras!!!
Aqui, até alguns opositores dos donos disto tudo são barrados de pedalar na companhia de amigos ocidentais e colocam cash anualmente no País, pela polícia que, no dia seguinte, vem a público e diz que nada daquilo aconteceu, que as imagens que circularam da tal vergonha não representam impedimento, mas sim controlo e garantia de segurança pública – sinceramente, precisamos de adivinhos nos exames de admissão para a PRM para vermos algumas coisas antes do ingresso dos mesmos!!! – porque assim já não dá, algemar pé mesmo, chefe?
O mês de Dezembro lembra-me a época das mangas em plenas férias escolares. Lembra-me o deixar anoitecer para “tirar sem permissão” as mangas do quintal da inexpugnável, à luz do dia, casa do Senhor Ibrahimo. Eram mangas formosas que se cochichava serem descendentes de Homoíne (Inhambane), talvez por força da origem do dono do mangal.
Certas vezes o Senhor Ibrahimo montava emboscadas que se mostraram improdutivas por conta da acção de um companheiro de armas, por sinal seu rebento, que antecipadamente alertava da presença dissimulada do pai.
Tem graça que não tenho memória do sabor das mangas (de Dezembro) do quintal do Senhor Ibrahimo. Na verdade, o sabor nem estava nas mangas, mas sim nos esforços empreendidos para tê-las como companheiras em mais uma noite de papo no muro da esquina, que a malta da zona apelidara de “Muro da Vergonha”.
Não faço ideia quem terá sido o compositor da denominação deste mítico muro, mas seguramente uma justa homenagem, cujos históricos frequentadores ainda devem-na uma homenagem. O muro até amparara alguns compatriotas de regresso da Alemanha do Leste quando da queda do seu homónimo em Berlim e de outros, sacudidos pela mão dura do Apartheid.
Numas dessas memoráveis noites de mangas – as de (suposta) ascendência em terras de Homoíne - um transeunte, que se aproximara curioso da camaradagem do grupo, pedira, no final da sua longa intervenção, que os seus companheiros ocasionais gravassem para a memória que “As fartas mangas de Dezembro não preenchem os meses de mágoas”.
Estas lembranças, e para fechar, vêm desinteressadamente a propósito do discurso sobre o Estado da Nação, a ser hoje proferido pelo mais alto magistrado do Estado moçambicano. Ou seja: que o discurso sobre o Estado da Nação não seja apenas uma farta manga de Dezembro.
E dito à moda da malta da zona, na esquina dos tempos do “Muro da Vergonha”: mais do que o sabor das mangas do quintal do Senhor Ibrahimo, interessava, e sabe melhor, a magia do sabor pela forma como as mangas foram conquistadas.