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Política

O jornalista Amade Abubucar (da Rádio Comunitária Nacedje, de Macomia, e corresponde de Carta de Moçambique em Cabo Delgado), preso na penitenciária de Mieze, localizada a 20 km de Pemba, queixa-se de fortes dores de coração e de cabeça. “Carta” apurou que Abubucar, detido no passado dia 5 de Janeiro, em Macomia (quando fotografava refugiados da insurgência que chegavam àquela vila) apresenta sintomas de “trauma e stress” e “uma pequena perturbação mental" em consequência de “maus tratos” dentro da prisão e durante o percurso Macomia-Mueda-Pemba.

 

Uma fonte de “Carta” no terreno disse que a precária situação clínica do jornalista já havia sido denunciada a uma comissão dos direitos humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, cujos membros visitaram-no em Mieze. Na altura, disse a fonte, Abubacar não hesitou em denunciar do que padecia, na esperança de ser levado a um médico, o que não aconteceu até hoje. O jornalista foi preso acusado de violar o “segredos de Estado”. Ele era o principal responsável pelo nosso noticiário sobre a insurgência em Cabo Delgado. (Carta)

Quatro anos após o assassinato do constitucionalista moçambicano de origem francesa, Gilles Cistac, dois juristas entrevistados em Maputo pela “Carta” estranham o ainda “absoluto silêncio” tanto das autoridades moçambicanas como francesas em torno do caso. Para o jurista Benedito Cossa, é “preocupante” que órgãos de justiça não tenham até agora identificado os autores morais e materiais do assassinato de Cistac. Acrescentou que as autoridades moçambicanas deveriam explicar exactamente o que aconteceu no fatídico dia 3 de Março de 2015 quando, ao sair do Café Guanabara na Polana, Gilles Cistac foi cobardemente atingido por vários tiros atirados por indivíduos desconhecidos do interior de uma viatura que o aguardava. Ainda que tenha sido socorrido e transportado para o Hospital Central de Maputo, Cistac não resistiu aos graves ferimentos. Cossa crê que o constitucionalista foi morto por exercer o seu direito à opinião, e não como foi alegado pelo então Comandante-Geral da PRM, Jorge Khalau, que insinuou que “aquele tipo de assassinato acontece a pessoas ligadas ao submundo do crime organizado”.

 

Benedito Cossa, antigo estudante de Gilles Cistac, argumenta que o tempo já serviu para provar aos moçambicanos e ao mundo que o constitucionalista morreu por motivações políticas e não por outras razões, como se tentou fazer crer na opinião pública. O jurista afirmou ter ficado claro que o Professor Cistac tinha razão quando demonstrou que havia cobertura constitucional para o aprofundamento da descentralização em Moçambique, tal como na altura.

 

Outro jurista, João Nhampossa, é da opinião de que o homicídio de Cistac já está relegado ao esquecimento. “É estranho que, durante estes quatro anos, as autoridades francesas e moçambicanas não tenham ainda apresentado nem ao público, nem à família do próprio Cistac, os contornos da sua morte e os passos que foram dados no processo. Nhampossa recorda que, volvidos quatro anos após o assassinato, não viu nem o Presidente da República nem o Tribunal Supremo, nem mesmo a Procuradoria-Geral da Republica (PGR), e muito menos o Comando-Geral da PRM, a darem alguma informação sobre um crime que vitimou alguém que deu um grande contributo na formação e organização do sistema jurídico moçambicano.

 

Mais um caso em “banho-maria”?

 

Para João Nhampossa, face ao silêncio das autoridades à volta do assassinato de Gilles Cistac, ficou claro que se está perante mais um caso em “banho-maria”, não se vislumbrando qualquer sinal de que o processo esteja ainda aberto. Estranho é também o silêncio das autoridades francesas (Gilles Cistac era de origem francesa), que nunca mais se pronunciaram sobre o assunto. Segundo Nhampossa, mesmo na Assembleia da República, “quando os deputados da oposição questionam, o governo nada diz”.

 

O caso do "memorial" retirado na UEM

 

O jurista Benedito Cossa disse ser lamentável e repugnante o gesto tomado pela direcção da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) de retirar um "memorial" erguido em homenagem a Gilles Cistas, num gesto de não reconhecimento de alguém que, durante 30 anos, transmitiu o seu conhecimento na formação de vários filhos deste país em matérias de administração judicial. Para Cossa, não se pode misturar assuntos políticos e académicos como aconteceu quando a direção da UEM decidiu remover a placa com o nome de Gilles Cistac, que a Biblioteca da Faculdade de Direito da UEM ostentava. Isso aconteceu volvidos sensivelmente três meses após a atribuição do nome daquele constitucionalista à Biblioteca em causa, no dia 15 de Março de 2016. Na mesma ocasião, até a pedra que tinha sido deixada debaixo de uma árvore, no jardim, foi retirada.

 

Gilles Cistac foi sepultado em Toulouse, na França, a 12 de Março de 2015. Antes realizou-se um velório em sua homenagem no Centro Cultural da UEM, em Maputo, a 10 de Março do mesmo ano, a que assistiram diversas personalidades, incluindo académicos e políticos, com excepção de membros do partido Frelimo. Sobre a gazeta destes últimos, alguns analistas chegaram a colocar a hipótese de ser uma demonstração clara da sua cumplicidade no assassinato do Prof. A insinuação foi negada por Damião José, na altura porta-voz da Frelimo. (Omardine Omar)

A permanência em liberdade do antigo conselheiro político de Armando Guebuza na Presidência da República, Renato Matusse, um dos arguidos das "dívidas ocultas", que recebeu subornos directamente da Privinvest, começa a levantar suspeitas de que ele esteja a ser “protegido”, diferentemente dos que já foram detidos, nomeadamente da sua ex-colega Inês Moiane.  

 

Matusse é um dos 11 arguidos sobre quem o Ministério Público não aplicou medidas de coação (9 estão em prisão preventiva e 1 em liberdade mediante caução). Os investigadores do processo 1/PGR/2015 juntaram evidências segundo as quais Matusse recebeu valores transferidos directamente da Privinvest, tendo “lavado” parte deles na compra de um apartamento na “Julius Nyerere”, já apreendido pela PGR. Uma das razões evocadas no seio da investigação para a sua permanência em liberdade é ele estar a "colaborar".

 

Mas...contesta parte dos arguidos em privado, houve quem também colaborou mas que acabou sendo detido preventivamente. De que protecção goza Renato Matusse?, questiona-se. E levanta-se a suspeita de que ele possa estar a ser protegido politicamente. Um facto recente é mostrado para sustentar essa alegação: no passado dia 15 de Fevereiro, quando os cinco arguidos mais famosos do caso acordavam da sua primeira noite nas celas, Renato Matusse viajava para Tete, onde seria uma das figuras de destaque na homenagem póstuma ao Monsenhor Domingos Gonçalo Ferrão, sacerdote da diocese da cidade, falecido em 2001. 

 

Ferrão é tio da primeira-dama, Isaura Ferrão Nyusi. O homenageado distinguiu-se por ser a voz dos sem voz no tempo colonial, pagando com cadeia e tortura o amor ao seu povo. A ele deveu-se a divulgação do massacre de Wiriamu. O Presidente Nyusi marcou presença no evento, que também serviu para o lançamento de um livro sobre a luta armada de libertação nacional, intitulado “Frente de Tete”, onde também constam relatos sobre os feitos de Domingos Ferrão. E quem escreveu o livro? Renato Matusse, o autor da famosa biografia de Armando Guebuza, que lhe catapultou para o lugar de conselheiro do ex-presidente. Na cadeia, Inês Moiane, contam as nossas fontes, não se cansa de se interrogar sobre se o facto de Matusse ter escrito uma obra onde são exaltados os feitos do tio da primeira-dama vale alguma protecção, mencionando também o facto de um filho de Renato Matusse ser afilhado de casamento do actual casal presidencial. 

 

Nos últimos dias, Inês tem exibido face de revoltada. No princípio, não resistiu à prisão, embora, devido às suas ausências constantes na Austrália (onde terá investido alguma fortuna), não foi ouvida antes de ser detida no dia 14, numa manhã negra em que o seu escritório na Avenida do Zimbabwe foi completamente revirado por investigadores à busca de evidências documentais. Sua revolta decorre também disso: da percepção de que ela podia também estar em liberdade “colaborando”, não compreendendo como é que, na sua qualidade de ex-secretária presidencial, foi-lhe dada ordem de prisão, ela que guarda muitos “segredos do Estado”. (M.M.)

A subida de Ossufo Momade à liderança da Renamo trouxe novos actores políticos no seio do maior partido da oposição. Alguns são militantes de há longa data na ‘perdiz, outros nem por isso. Entre as figuras que vieram ‘à ribalta’ com a eleição de Ossufo Momade está Muhamad Yassine, deputado do partido na AR  que passou a ser o porta-voz da sua bancada

 

Formado em Relações Internacionais, Yassine é um dos proeminentes jovens políticos que, antes de abraçar a política, era um “assertivo crítico” da governação do antigo Presidente da República, Armando Guebuza. Muhamad Yassine foi eleito deputado da Renamo em 2014 pelo círculo de Nampula, onde era o 6º da lista em que o actual líder (Ossufo Momad) ocupava a primeira posição. Uma vez na AR em 2015, Yassine assumiu o cargo de vice-presidente da Comissão das Relações Internacionais, Cooperação e Comunidades.

 

Segundo fontes de “Carta”, Muhamad Yassine é hoje um dos principais assessores de Ossufo Momade, o que não foi confirmado nem desmentido pelo visado na entrevista que concedeu ao nosso Jornal. Yassine limitou-se a dizer que era apenas mais um membro da Renamo, sempre disposto a trabalhar para o seu partido em tudo que lhe for confiado. Afirmou que quando é chamado a dar o seu contributo fá-lo sem qualquer hesitação. Destacou o facto de ser formado em Relações Internacionais e Diplomacia, e também por pertencer a algumas organizações internacionais, como uma vantagem porque, segundo ele, em certos momentos isso enquadra-se na estratégia do partido.

 

A ascensão de Yassine como uma das figuras mais próximas de Ossufo Momade decorre, de acordo com as nossas fontes, não por ele ser originário de Nampula, tal  como Momade, mas por ter fortes ligações com vários Estados, entre africanos, ocidentais islâmicos, onde a Renamo pode buscar apoio. Yassine tem sobretudo muita inserção em Estados do mundo islâmico, sobretudo porque ele é fluente em árabe. (Omardine Omar)  

sexta-feira, 01 março 2019 16:28

O que a PGR pede ao tribunal londrino de Queens

Na sua acção de responsabilização civil intentada no Supremo Tribunal de Justiça de Londres (Divisão de Queen's Bench, Tribunal Comercial) contra o Credit Suisse, seus três antigos funcionários (Surjan Singh, Andrew Pearse e Detelina Subeva) e as empresas fornecedores dos serviços contratados no quadro do endividamento oculto (Privinvest Shipbuilding SAL, Abu Dhabi Mar LLC e Privinvest Shipbuilding Investment LLC), a Procuradoria Geral da Republica (PGR), em representação do Estado moçambicano, requere o seguinte:

 

  • ·A declaração de que a garantia dada a ProIndicus não constitui uma obrigação válida, legal ou exequível;
  • ·Rescisão da garantia e a sua entrega à Credit Suisse para o seu cancelamento imediato;
  • ·Danos de direito comum e compensação equitativa pela fraude incluindo, em razão do suborno, conspiração por actuar por meios ilícitos, deturpação e engano, incluindo todas as perdas sob as garantias, pela fraude praticada dos arguidos;
  • ·Indemnização e contribuição dos arguidos em relação a todas as obrigações incorridas como resultado das garantias, incluindo todos os passivos decorrentes da garantia da empresa MAM;
  • ·Um relato dos lucros, incluindo todas as comissões recebidas pelos arguidos e um relato e restituição com base em enriquecimento sem causa ou outra forma, de todos os subornos pagos, incluindo a liquidação patrimonial; e
  • ·Ressarcimento contra todos os arguidos, juros compostos sob o capital próprio, alternativamente juros legais em todas as quantias recebidas. (Carta)

O Estado moçambicano está a processar judicialmente, através da Procuradoria Geral da República (PGR), as seguintes entidades: o Credit Suisse International, o Credit Suisse AG,  a Privinvest Shipbuilding S.A.L. Abu Dhabi (Branch), a Abu Dhabi Mar LLC,  a Privinvest Shipbuilding Investments LLC, a Logistics International SAL (Offshore) e a Logistics International Investments. 

 

Os cidadãos Surjan Singh, Andrew James Pearse e Detelina Subeva também são réus no mesmo processo. Uma fonte da PGR confirmou o facto à “Carta de Moçambique”, esta tarde. Trata-se de uma acção de responsabilidade civil.

 

A acção foi intentada junto do High Court of Justice/Queens Bench Division, tendo dado entrada ontem, dia 27 de Fevereiro. Singh, Detelina e Pearse eram funcionários do Credit Suisse quando o calote dos mais de 2 bilhões de USD começou a ser montado. Os três estão acusados como réus processo americanos em que o libanês Jean Bostani e o deputado Manuel Chang são os principais réus detidos. Singh, Detelina e Pearse estão sob liberdade provisória. Na acção do Estado moçambicano ficou de fora Jean Bostani e o VTB (banco russo que também, por enquanto, não foi acusado pelos EUA).

 

Mas, e pela primeira vez desde que este caso estoirou em Dezembro, a Privinvest e todo o conglomerado à volta do empresário franco-libanês, Iskander Safa, está a ser processado. “Carta” confirmou junto de suas fontes que se trata de uma acção de responsabilidade civil. Ou seja, o Estado moçambicano pretende receber uma indemnização de cada um dos acusados por seu papel no calote. A opção por uma acção cível, e não criminal, está a ser comentada como comportando riscos, nomeadamente o risco do insucesso. Há quem considere que o ideal seria a PGR ter intentado primeiro uma acção criminal, e através dela exigir uma indemnização, uma vez que já está praticamente provado que houve fraude, negligência e incumprimento de regras de prudência por parte do banco suíço. Por essa via, seria mais prático os visados serem responsabilizados criminalmente primeiro e, depois e como consequência, civilmente. (Carta)