Ao Carlos Beirão, o eterno “Rei Momo” dos beireinses
Amiga, escrevo-te esta carta sem lágrimas nos olhos. Secaram. Acabaram. Comecei a chorar quando o pai do João ainda estava vivo. Doente. O meu rosto não parava de ser uma albufeira. Hoje é o coração que escorre e molha-me a alma toda. Já não sinto nada, senão a dor de viver sem o meu marido. Sem o meu filho, João. Que também morreu como o pai, sentado na borda da cama. Eram eles que davam luz à minha vida. Levantava-me da cama cedo por eles. A comida que eu cozinhava todos os dias era para eles. Quando fossem ao trabalho e à escola, eu ficava em casa alagada de demora. Queria que eles voltassem depressa para me abraçarem.
É isso, amiga, agora tudo isto é um vazio. Já não está aqui o meu marido para me dizer que as minhas mãos são leves como pluma. Ele lisonjeava-me. Tudo o que eu fazia merecia da parte dele elogios que me davam felicidade. Se eu cometesse um erro, reconfortava-me com palavras lindas. Dizia assim: amor, as próprias estrelas por vezes são ofuscadas pelas nuvens, mas não deixam de ser estrelas, tu és a minha estrela. Falava enquanto afagava-me. Passava a mão dele por sobre o meu cabelo curto e puxava levemente a minha cabeça para o seu peito.
Nhenhezi, amiga, o coração dele quando batia, tinha um compasso que parecia de mapiko. E quem dançava era a minha cabeça. Mas tudo isso passou como o orvalho que seca depois de molhar alegremente o capim. É isso! O João copiava o pai. Ele também fazia-me feliz, de outra forma. Chegava perto de mim, abraçava-me e dizia assim: mãe, tá tudo bem? Eu sorria. Transformava-me em criança perante o meu o meu filhote.
E hoje quando oiço a música do Carlos Beirão: Wassaíka João (João morreu), é como se o meu filho estivesse aqui ao meu lado. Este bairro de Muchatazina que tu conheceste já não é o mesmo, amiga. Mudou. Aliás toda a cidade da Beira está a mudar. Até o meu rosto mudou, já não é banhado pelas lágrimas. Mas lá dentro o coração continua a chorar. Batendo como batia o coração do meu marido, tipo batuque de mapiko. Houve um tempo que passei a ter a casa um pouco negligenciada, porém achei que isso não faria bem à alma dos meus dois amores. Voltei a dedicar-me à ela. Continua a brilhar como eles gostavam de a ver. Assim como sempre a conheceste. As fotos deles mantêm-se nos mesmos lugares. Representando aqueles que serão para sempre os meus ídolos. Isso reconforta-me.
Nhenhezi, minha amiga, como vai esse Portugal? Tens te dado bem com esses tugas? As cenas de racismo que volta e meia têm-se relatado por aí ainda não te afectaram directamente? E tu como és reguila, imagino! Mas eu também não “bato cem”. Existe porventura um ndau que não seja reguila? Kkkkkkkkkkk! Pronto, minha irmã, esta carta já vai longa. Chega, antes que eu meta os pés pelas mãos, se bem que ainda não meti. Beijo, beijo.
Da tua amiga Dzuwa, com muita saudade.
No último mês assistimos à atabalhoadas manobras institucionais, da parte do Estado moçambicano, com vista a munir-se de ferramentas para disputar, com o Estado americano, a custódia de um dos mais preciosos arguidos (na perspectiva interna) no puzzle das falcatruas financeiras que embandeiraram o país nos mais baixos rácios de atratividade económica e para investimentos.
A competição pela “língua” do deputado detido na República da África do Sul obrigou as nossas instituições a revelaram “todo” o seu potencial e deu para entender com que linhas se coze o nosso “sistema” de (in)justiça. Instituições historicamente dormentes e apáticas, salvo por empreitadas marginais, emergiram da hibernação e encetaram démarches com celeridade de matar de inveja os mais rápidos dos super-heróis das revistas em quadrinhos.
A tão clamada “celeridade processual” foi exibida com grosseria e atropelos (datas futuristas, potenciais conflitos de interesse, atropelos aos dispositivos normativos) no afã de assegurar o resgate, digo, “transferência”, ou melhor, “extradição”, deixemos... pode ser devolução mesmo, do detido para a “pérola do índico”. A depender da vontade do nosso “sistema”, “Tio Sam” não apanha nada! Se bem que, por vezes, pela quantidade de gafes de processo e de estratégias, fica parecendo que o essencial é erguer uma cortina de fumaça para não deixar transparecer que o arguido esteja a ser sacrificado para prestar-se ao simbolismo do insipidamente necessário ritual de purificação de fileiras. Pretensa moeda de troca para a recuperação da minguante credibilidade do “partidão”, em vésperas de mais uma competição eleitoral.
Seja como for, fica evidente que as nossas instituições são relativamente mais fortes do que os cidadãos (infelizmente, por um tiquinho, somente). Uma pena que assim seja. Sendo uma sociedade em construção (ainda que mais pareça em autodestruição), como cidadãos, sempre que julgarmos oportuno, devemos desafiar as instituições. O objectivo não é, necessariamente, romper com elas ou criar cisões (isso é demasiado convulsivo e de resultados imprevisíveis), mas re-articular as formas de “sociação”, refundar (ou consolidar) os parâmetros através dos quais nos governamos, nas mais variadas dimensões (económica, política, cultural), com ética e parâmetros partilhados de previsibilidade das acções, em quadros normativos explícitos e implícitos, relativamente consensuados.
Ainda que haja quem diga que não há revoluções às meias, senão meras rebeliões, na actual conjuntura, não carecemos nem de “primaveras” e nem de rebeliões senão de efectiva contribuição cidadã, das organizações político-partidárias (inclusive do partido mais chamuscado com este imbróglio), organizações da sociedade civil, para a transformação e aprimoramento das instituições.
Em termos de formas e normas há ajustes menores que podem ser feitos com o intuído de consolidar as instituições. No que concerne à performance e desempenho há muito a ser feito. Nestes nossos tempos, há toda uma batalha atitudinal a ser feita e vencida para que se faça jus à padrões de moralidade e de justiça, para um “re-encantamento” da nossa sociedade para enfrentar os desafios económicos, sociopolíticos que actualmente assumem contornos fraturantes.
O imbróglio das dívidas não deve ser visto como o “princípio” e ou “fim” do nosso mundo. Mas é também verdade que o assunto tem potencial de instigar rupturas em termos de atitudes de indivíduos, instituições e partidos face a coisa pública. No mínimo, tem o potencial de contribuir para a elevação da consciência colectiva sobre a importância da observância das normas e roteiros institucionalmente estabelecimentos e não tomar, ao desbarato, as “ordens” presumivelmente “superiores”, como padrão normal, incondicionalmente aceitável e ditame de actuação do provedor público.
Como bem disse a outra, “precisamos de parar com o autoflagelo”. Penso que é possível e, o Conselho Constitucional, o Parlamento e demais instituições privilegiadas para a lide com a matéria em questão, continuam sendo as instâncias com potencial repor a legalidade e contribuir no restaurar da incipiente confiança nas nossas fragilizadas instituições. Como na (des)crença sobre feitiçaria, o sistema tem potencial auto-reparador, de protecção e de reprodução de si. No limite, a competição eleitoral subsiste como um dos mais radicais mecanismos de reparação, se não quisermos incluir as guerrinhas que são ainda mais devastadoras.
Sim, não tenho dúvidas sobre as mais completas teses sobre a “captura do Estado”. Parece até contraproducente recorrer a essas mesmas instâncias, em princípio, “capturdas” em busca de reparação. As instituições, como edifício social, são suscetíveis a erosão e, não se vislumbrando uma “távola redonda”, a curta prazo, resta-nos explorar, ao limite, as janelas e frestas que subsistem e através delas procurar penetrar na estrutura do edifício e pavimentar os trilhos da reparação.
Metáforas à parte, na prática, há várias formas e possibilidades de consolidação das instituições. Entre elas, o recurso aos parâmetros institucionalmente estabelecidos para reivindicar ajustes e correções de medidas tomadas fora do quadro normativo. Esta abordagem tem também a função pedagógica de realçar a importância das instituições e as possibilidades institucionalmente estabelecidas para dirimir potenciais incongruências emanadas da operacionalização do aparato institucional. Incluindo a responsabilização individual de actores políticos eleitos para administrarem certas dimensões institucionais da vida em coletividade. Pois, não estão isentos do escrutínio público, ou da obrigação de “prestar contas” para as constituências que representam.
Já que, no nosso caso, a instituição não tem a cultura de pressionar-se mutuamente de forma complementar e menos ainda de forma competitiva para a materialização do desiderato que lhes define, a actuação do cidadão, por mais inconveniente que pareça aos olhos dos que usufruem dos benefícios que as instituições também oferecem, tem potencial transformativo. Quando os três poderes compactuam com desvios normativos óbvios e, em conluio, secundam-se nos esforços para sustentar e institucionalizar suas (im)posturas é caso de dizer-se que os actores sociais abrangidos (no caso, vitimados) por essa postura devem reservar-se o direito e articular todos os dispositivos legalmente estabelecidos para sinalizar para a gravidade do desvio institucionalmente incorrido e o potencial desestruturante de persistir-se nessa senda. Não obstante a aspiração de perenidade e de longevidade de muitos dos acordos assumidos, pactos sociais são suscetíveis à radicais alterações de vontades (e humores) dos pactuantes e podem demandar rearticulações e ajustes para manterem-se relevantes e funcionais. A capitalização das ferramentas de governação dos pactos talvez seja a maior expressão de compromisso com os princípios que norteiam o pacto e a salvaguarda da integridade dos pactuantes. Neste sentido, a petição que os cidadãos assinam, deve ser lida como expressão maior de compromisso com o todo, com o interesse colectivo e com o bem comum.
Formalmente, exige-se duas mil assinaturas para que eventuais peticionários sejam acolhidos pelo Conselho Constitucional de modo a que o objecto da petição seja considerado. A deliberação do CC é soberana, irrecorrível e irrevogável. O CC é a instância mãe, de reposição das nossas mais sublimes aspirações. Os Senhores e Senhoras que habitam aquela instância, são (ou deveriam ser) os guardiões da constitucionalidade, do interesse colectivo, acima de eventuais disputas de facções e das constituências (grupos de interesse) que povoam este espaço comum que chamamos Moçambique. Na cadeia hierárquica de instituições a que se pode recorrer o CC é a última nos termos da legalidade estabelecida. Depois disso, nirvana ou, pela nossa índole histórica, sem querer ser determinista, o caos! Ora, mas também existem as instâncias internacionais multilaterais, algumas das quais se afirmam pela defesa de direitos humanos e outros. Ainda que sejam negativamente conotadas como “mão-externa”, essas entidades também tem o potencial de pressionar e influenciar o curso de políticas e decisões internas. No presente caso, tratando-se de fraude de proporções multinacionais, o recurso a tais entidades não deve ser descartado.
Em 2016, a Sociedade Civil submeteu uma petição requerendo a ilegalização das dívidas contraídas pela ou em nome da EMATUM, posteriormente inscritas no orçamento do Estado. Na altura, o argumento apresentado centrava-se na não observância da lei orçamental, que preconiza que os avales atribuídos à EMATUM só poderiam ter sido atribuídos mediante aprovação da Assembleia da República. Faz hoje 581 dias sem resposta! O fragilidade e lentidão do CC, não deve desestimular os peticionários. Pelo contrario, devem persistir na pressão e inventivo ao CC para assumir as suas funções e dar resposta estruturada e fundamentada sobre o sue parecer /decisão.
Mais recentemente, as novas revelações sobre os contornos do endividamento e as detenções realizadas mundo a fora, começam a lançar luz à inquietantes zonas de penumbra encobertas por actos deliberados de sonegação de informação, por parte de actores e instituições implicadas, concorrendo para o esvaziamento da auditoria mandatada pelo nosso próprio governo, mas arquitetada para não encontrar matérias a auditar, na vã expectativa de dissipar o diferendo e voltarmos a cair, nas graças dos “parceiros de cooperação” doadores” e outras chamadas “mãos-externas”, a que historicamente recorremos para peditórios, negócios ou negociatas”.
Uma vez mais, as instituições da sociedade civil, recolheram cerca de duas mil e quatrocentas assinaturas para secundar a petição pela revogação das dívidas da PROINDICUS e MAM, empresas atreladas ao imbróglio atuneiro, cada vez mais associados a aventuras ilícitas, salvo por melhor apuramento das entidades internas e externas de investigação.
Nosso desafio, como cidadão, é contribuir para o fortalecimento das instituições, um jargão amplamente propalado, mas raramente evidenciado e ou experimentado nos nossos debates ou troca de farpas públicas. As instituições não se fortalecem por si só, pela vontade dos detentores do poder, alguns dos quais tem se mostrado renitentes subvertores das frágeis instituições de que dispomos.
Assim como já houve contribuições consideradas produtivas da parte do cidadão ou das organizações da sociedade civil, como aquando do desenvolvimento da lei da família, lei de imprensa e outros, o acto de os cidadãos demandarem um posicionamento por parte de instituições que deveriam ser relevantes, evidencia o ampliar da consciência sobre a importância da utilização dos espaços de diálogo entre os cidadãos, seus constituintes e as instituições.
O fortalecimento das instituições passa por um diálogo permanente entre os cidadãos organizados, nos moldes institucionalmente estabelecidos, como este de agregar 2000 assinaturas e a reação dos órgãos estabelecidos para funcionarem como interlocutores. Independente da reação das instituições, o importante é que não se quebre e nem violem os espaços constitucionalmente inscritos para interlocução e que as instituições se posicionem como actores capazes de satisfazer as demandas dos cidadãos ou interlocutores, se quisermos usar expressões ainda mais conciliatórias.
Como se pode depreender, com o engajamento (organizado) na mobilização e recolha das mais de 2000 assinaturas requeridas, da parte dos cidadãos, não há fraqueza em observar os trilhos institucionalmente legalizados. Neste caso, cabe às instituições demonstrarem que existem e que são suficientemente competentes para cumprirem, com a autonomia que lhes deveria ser devida, com o seu mandato. Infelizmente, até aqui, a instituição tem insistido em permanecer em ensurdecedor mutismo, defraudando seu próprio mandato e propósito. Enquanto isso, a consciência e a capacidade organizativa e dialógica do cidadão vai se consolidando, deixando a nú o deficit operacional que caracteriza o nome das instituições que indivíduos vestem em prossecução de interesses que a olhos de muitos cidadãos não são defensáveis no quadro de promoção e proteção do interesse colectivo.
Não sou dos que acreditam que todo e qualquer cidadão vive competindo pela governação das instituições do Estado e que qualquer mobilização social seja uma forma de escamotear o desejo de poder e não necessariamente advogar por acções que complementem as funções do Estado e aprimorem o capital institucional e, consequentemente, consolidem-se paramentos que concorram para a melhoria da qualidade da governação. É preciso descansar as azagaias dos que acreditam que todos os que questionam eventuais desmandos no quadro institucional estão sedentos por desfrutar das benesses do Estado. Nos seus modestos e imodestos postos, a maioria dos cidadãos batalha pelo seu pão, aspira apenas pela estabilidade e transparência nas regras do jogo, igualdade de oportunidades, ética na política e na gestão da coisa pública. Nada mais!
Cristiano Matsinhe
5 de Janeiro de 2019
Passam 44 anos desde que jovens de ontem libertaram o povo e a terra deste meu país da humilhação e desprezo do colonialismo. Depois disso ninguém esperaria que esses mesmos libertadores pudessem vender este país a um preço de banana! Os libertadores de ontem “esqueceram-se” que apesar de a meta que se pretendia com a luta armada fosse a independência política, o principal objectivo era económico. Acreditava-se que a riqueza natural de Moçambique mudaria a realidade e serviria para nos libertar economicamente da dependência dos países Ocidentais e outros. Acreditava-se que a força e mística do povo trariam o desenvolvimento de Moçambique. Acreditava-se que a independência nos faria esquecer a escravidão e desgraça da colonização. Os jovens libertadores de ontem desejavam um futuro melhor para todos, mas a ambição excessiva e amor exacerbado pelo dinheiro que foram ganhando com o tempo condenou o povo que ontem libertaram.
Os políticos venderam a minha pátria! Levaram os nossos sonhos e trocaram-nos pelos deles. Confundiram os interesses de todos com os deles. Sacrificaram crianças, jovens e velhos, porque queriam casas em Miami ou/em Dubai. Transformaram os nossos hospitais em locais de morte, escolas em centros onde muitas vezes os bons valores, a ciência como instrumento de competência, são preteridos. Os políticos condenaram o meu povo à desgraça, fome e doenças, priorizando o que só beneficia a eles e seus parentes. Aprovam leis alheias aos interesses do povo, implementaram a votocracia que não respeita a vontade da maioria.
Os políticos venderam a minha pátria! Quando viram que poderiam enriquecer com o suor do povo. Quando perceberam que polícias e militares podem trabalhar em seu benefício,intimidando o povo e disparando indiscriminadamente contra os que pretendam enfrentâ-los. Os políticos enganaram o povo quando descobriram que “o cabrito come onde está amarrado”!
Afinal quem são os políticos que venderam a minha pátria?
Os políticos que venderam a minha pátria são aqueles que nos governam desde a independência. Enquadram-se naqueles que ontem usurparam as propriedades dos outros, apoiando-se na lei das nacionalizações ou recorrendo a outras artimanhas.São os mesmos que se apoderaram das pensões dos “madjermanes”,deixando-os na miséria a que até hoje estão votados. São os que extorquiram as riquezas do povo em benefício próprio, que nos governam desde há cinco décadas à custa do roubo de votos nos processos eleitorais.
Os políticos que venderam a minha pátria são aqueles que contraíram dívidas ilegais acreditando que conseguiriam enganar o povo e os investidores. Criaram o G40 e esquadrões da morte para sequestrar, agredir e até matar. São os que venderam a minha pátria aqueles que hoje respondem pelo maior escândalo de que há memória na história recente de Moçambique e da África! (Omardine Omar)
O debate sobre a extradição do até aqui deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, continua a alimentar muitos comentários e prognósticos sobre o seu futuro. Essencialmente, as posições que mais vingam são duas: extraditar Chang para os Estados Unidos da América ou para Moçambique. A manutenção de Chang na África do Sul seria uma terceira, mas não tem sido muito considerada, pois é generalizada a ideia de que África do Sul tem pouco ou nenhum interesse na sua prisão. Os que advogam que Manuel Chang deve ser devolvido para Moçambique o fazem partindo do princípio de que é em Moçambique onde estariam localizados os bens de Chang e que a recuperação desses seria melhor conseguida se o processo correr aqui; que foram instituições Moçambicanas que foram prejudicadas, que ele é moçambicano, e que toda a trama fora realizada em Moçambique, e tantas outros argumentos que, quanto a mim, fazem pouco sentido, se não apenas as últimas tentativas de segurar o vento pelas mãos.
Para começo de conversa, qual é a instituição moçambicana que foi burlada? Quem são os tais bondholders? A favor de que moçambicano se pretende recuperar os bens que Chang e os seus camaradas adquiriram com o dinheiro das dívidas? Até onde eu percebo este processo, Chang e os seus amigos não roubaram dinheiro de Moçambique e nem transferiram valores ou coisa alguma para o exterior que se possa pretender recuperar. O que se sabe é que ele e os amigos montaram um esquema fraudulento, protegidos pelo regime de então, e enganaram algumas instituições e indivíduos lá do hemisfério norte, dizendo que estavam a fazer negócio em nome dos moçambicanos.
Portanto, aqui não há que se falar de recuperação dos bens de Chang que estão em Moçambique para pagar aos moçambicanos. O que os moçambicanos revindicam é que o seu nome seja retirado desta tramoia ou maracutaia (como diria Lula da Silva, quando também era do povo) e não aceitarem pagar uma dívida da qual não viram se quer de que cor era o tal dinheiro. Se há alguém que tem direito a revindicar que os bens sejam recuperados e lhes sejam pagos os dinheiros roubados, são as instituições e indivíduos que compraram esta dívida montada na calada da noite em algum lugar que só eles podem explicar. Das dívidas ocultas, Manuel Chang não deve dinheiro aos moçambicanos, deve sim aos gringos e é por isso que estão a trás dele para cobrar o lhes deve.
O dinheiro que Chang, e outros que governaram nos tempos da outra senhora, nos deve é do Tesouro, do Banco Austral, do BCM e outros dinheiros dos quais ainda não nos esquecemos. Sobre esse os moçambicanos ainda vão cobrar. Em relação às dívidas ocultas, os moçambicanos não pretendem receber dinheiro nenhum, apenas não querem ser obrigados a pagar nenhuma dívida ilegal e inconstitucional que em nada contribuiu para as suas vidas e, por isso, dizem EU NÃO PAGO!
Parece estar claro que os maiores interessados em que Chang seja de facto julgado, e bem julgado, são aqueles de quem ele e os seus camaradas roubaram dinheiro, aqueles que compraram a dívida oculta. Os moçambicanos querem apenas tirar o nome do país deste imbróglio e ficarem longe destas dívidas, e assegurarem-se que não haverá nenhuma possibilidade de serem obrigados a pagar o que não devem. O esforço titânico de trazer Chang para Moçambique, que conta com o apoio incondicional do seu partido, da PGR e do Tribunal Supremo, não mais é que uma tentativa de evitar que Chang e os outros enfrentem a justiça Americana e, de facto, paguem o que devem a quem é devido.
É sintomático que, depois de vários comentários indicando que o TS citou leis revogadas, que o pedido formulado à Assembleia da República não é o mais adequado para o caso; que a anuência da AR para que Chang seja preso sem que lhe tenha sido retirada a sua imunidade viola a lei e a Constituição da República, nenhum destes órgãos tenha reagido a estes comentários nem se mostrado pronto a corrigir tais erros. Esta indiferença pode revelar uma desorganização desorganizada para favorecer Manuel Chang e, por via dele, os restantes camaradas na lista. É muito estranho que o Juiz Conselheiro do TS, Dr. Sebastião Rafael, conhecedor profundo das leis, em particular as criminais, com larga experiência em vários sectores da administração da justiça do nosso país, formador, docente universitário e estudioso do Direito, não tenha visto estas incongruências que, como diria o saudoso presidente Afonso Dhlakama, “até os passarinhos viram”. Se Manuel Chang for, por uma eventual hipótese, extraditado para Moçambique (como alguns já vaticinam) poderá se considerar um homem livre. O mesmo tribunal que pediu a anuência da AR para permitir que Chang fosse preso, será o mesmo tribunal que vai mandar o cidadão e Deputado Manuel Chang ir em paz e em liberdade, por a sua prisão se mostrar ilegal e inconstitucional. Para a defesa de Chang bastará citar o Estatuto do Deputado e a Constituição para dizer que, como Deputado Manuel Chang não pode ser detido, salvo em caso de flagrante delito, e indicar que as leis que fundamentam a sua prisão foram revogadas. Mantendo-se o status quo Manuel Chang regressaria a Moçambique com a sua im(p)unidade ainda intacta.
Se a nossa justiça quiser recuperar alguma dignidade, é chegada a altura de parar com as manobras para inviabilizar a extradição de Chang para os Estados Unidos da América; se a AR, ou melhor a bancada que apoia a extradição de Chang para Moçambique, quiser se reconciliar com o povo, é melhor fazer o que é de lei, retirar-lhe primeiro a imunidade parlamentar para vermos a seriedade com que pretender lidar com este assunto. Por enquanto, o meu parecer é de que Chang deve ser julgado nos EUA e o povo moçambicano deve ser liberto de qualquer responsabilidade em relação às dívidas.
Se não fosse a Polícia, muita gente não saberia que o CIP estava a promover uma campanha denominada "Eu Não Pago Dívidas Ocultas" com direito a uma camisete mahala e um vídeo de bacela no "Feicibuki". Muito provavelmente, se o regime tivesse visto aquela campanha como um exercício de liberdade de expressão qualquer, consagrado na Constituição da República, a campanha nem teria a repercussão que teve. Se tivesse considerado como uma campanha de combate ao Aga-I-Vê, num primeiro de Dezembro qualquer, ou como uma campanha "lixo no chão, não" na praia da Costa do Sol, num desses domingos quentes, o CIP não estaria a granjear essa simpatia toda. É verdade isso! Muitas pessoas não conheceriam a Fátima Mimbire nem o Borges Nhamirre, que são nada mais do que pacatos cidadãos que estão a travar com jantes como milhares de moçambicanos, tirando aqueles da lista dos dezoito-apóstolos-da-Pé-Gê-Ere. Essa campanha nem teria ganho o estatuto de "manifestação" como ficou conhecida. A estas alturas já nem estaríamos a falar mais dela. Mas não, o governo quis escrever em parangonas transformando o assunto numa autêntica epopéia e colocando os seus protagonistas no standard honorífico nacional.
Por exemplo, eu não sabia que o Parlamento Juvenil estava a organizar um "Combate Cultural dos Excluídos" sobre o julgamento do Chang e a sua esperada e merecida viagem para os É-U-Â. Mas, a nossa Polícia, boazinha que é, correu para me dizer que havia um sarau muito importante no quintal daquela agremiação, promovida por jovens audazes. Foi a Polícia que me informou, em primeira mão, que haviam heróis no Parlamento Juvenil. Graças a Pé-Ere-Eme, todo mundo ficou a saber dessa iniciativa e aqueles jovens protagonistas transformaram-se, em fração de segundos, em heróis e a autoridade repressiva do Estado, em vilã.
O regime está a criar heróis sem se aperceber transformando anões em gigantes e magumbas em atuns. Quem era Amade Abubacar? Um jornalista "invisível" que, graças ao regime, virou herói. Quer queiramos quer não, os Salemas, os Macuanes, os Nhamirres, os Matiases, os Castel-Brancos, os Nuvungas, os Cortêses, as Fátimas, etecetera, desta vida - simples cidadãos usufruindo das suas liberdades constitucionais - hoje estão legitimamente nas "criptas" da opinião pública como os melhores filhos desta pátria. Não mataram nenhum colonialista, nem escreveram nenhum poema de combate, mas são mais heróis do povo do que certos "erróis" ainda viventes amigos de Mondlane. Até a senhora Elivera Dreyer, uma procuradora distrital desconhecida lá das bandas de Joannesburg, que, por causa do nosso aparelho de justiça lerdo, virou a nossa heroína-revelação.
Na realidade, a acção do regime hodierno é um fermento de heróis anónimos. De cagada em cagada, a nossa Polícia e o nosso judiciário vão lapidando heróis. Produção de heróis em série, diria Henry Ford. O regime virou uma máquina de fazer heróis, assim como uma pipoqueira. Hoje para ser herói não custa: é só dizer que não vai pagar as dívidas ocultas ou que prefere que Chang seja extraditado para os "Estaites" ou que as decapitações em Cabo Delgado devem acabar, que prontos, num instante, a Polícia chega para te espancar e o povo te aclama herói. Para ser herói basta exercer o seu direito de cidadania. E, no fim das contas, os heróis de hoje em dia somos todos nós e homenageamo-nos todos os dias.
A heroicidade da nossa Pátria A(r)mada está sendo mecanicamente vulgarizada e as criptas, massificadas. Essas criptas do povo são as mais legítimas do que aquelas das praças. Arrisco dizer que somos o país com mais heróis por metro quadrado da actualidade. A tentativa de hostilizar os actos e as pessoas, acaba-se promovendo involuntariamente. Infelizmente, é este o efeito perverso da repressão: a publicidade e a revelação de destemidos. Tradicionalmente, isso sucede quando o Estado não conhece os seus termos de referência: começa a ver fantasmas onde não tem; paranoia institucionalizada.
- Co'licença!
Confesso que já estou a ficar preocupado com os gastos que o Manuel Chang está a fazer. Já começo a me perguntar se vai sobrar alguma coisa na conta quando o homem estiver a bazar para os "Esteites". Não sei quanto custa malta Rude Krause, mas os gastos desses trinta dias de prisão já começam a me preocupar. Fora os Krauses, que de certeza não são para bolsos humildes, existe uma casa alugada em Malelane, Mpumalanga, que também não deve ser barata. Numa pesquisa rápida que fiz pela net, a compra de uma casa do tipo que foi mencionada em tribunal, numa quinta naquelas bandas, pode variar entre 300 à 500 mil dólares. Estamos a falar de 20 à 30 bis. Arrendar também não é para qualquer vivente. Aquela zona é uma das mais caras do continente africano.
Então, isso já começa a me preocupar. Me preocupa porque, até prova em contrário, as coisas do Chang são nossas. Ou seja, por enquanto, aquilo que Chang adquiriu nos últimos quinze anos é do povo. É preciso recordar que Chang foi Ministro das Finanças por dez anos e que além do calote das dívidas ocultas, existe também a burla da Odebrecht no aeroporto de Nacala. E pode ainda existir muito mais dinheiro do povo nas balalaicas daquele "chinês" que precisa ser devolvido aos legítimos donos. Mas enquanto ele continuar a gastar desta maneira, não vai sobrar um tostão de metical para contar o filme.
Parece paulada, mas não é. É preocupação mesmo. O descaso do Chang com os gastos pode ser uma sabotagem também. Não vejo a racionalidade dele querer aguardar pelo esperado e merecido embarque numa casa com jacuzzi, sauna, piscina, campo de golfe, vista para os riachos e montanhas, canto de passarinhos, etecetera. É que essa é vida de ricos, e ele acabou de dizer, na semana, em tribunal, que é um "Indivíduo" de saldos modestos. Por que é que ele quer gozar da boa vida sabendo que será ou extraditado ou resgatado daqui a pouco?
Se, na primeira audição, o Chang tivesse começado logo com "olha, bradas, eu não quero vos dar muito job... nós levamos essa mola... malta indivíduo-G e companhia estão lá em Maputo... eu posso vos acompanhar para pegarem os gajos... desculpa lá, pessoal!...", as coisas estariam bem facilitadas. Hoje não estaríamos a falar de malta Krause, nem de diabetes, nem de vivendas arrendadas. Sei que Chang tem seus bens, mas atenção, deixemos que seja o tribunal a decidir o que é verdadeiramente dele e o que é nosso. E até lá, haja moderação, camarada prisioneiro ainda imune.
- Co'licença!