O assassinato do advogado Elvino Dias (mandatário da CAD) e de Paulo Guambe (mandatário do PODEMOS), na madrugada de hoje na zona da COOP em Maputo, é a derradeira tinta indelével do horror que está a marcar o presente acto eleitoral e, por incrível que pareça, simbolizando os últimos dias do regime de Filipe Nyusi, a figura mais autocrática e errática que a Frelimo colocou no poder desde a independência deste país em 1975.
Depois que a CAD, a primeira plataforma de apoio à candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, foi barrada de participar do acto eleitoral, Elvino Dias permaneceu como assessor jurídico do VM7, que, entretanto, acabou viabilizando sua candidatura através do Partido Podemos. Elvino era um perspicaz advogado, intrépido, com fibra rija de combatentes. Ele fez furor o ano passado, nas tenebrosas eleições autárquicas, litigando como um gladiador solitário numa arena de justiça eleitoral moldada para favorecer o regime de Filipe Nyusi e não a vontade do eleitor.
Apesar desse cenário de campo eleitoral desnivelado a favor da Frelimo, Elvino Dias mostrou que era capaz de esgrimir argumentos contra a batota eleitoral vigente, sempre munido de evidências inabaláveis, desafiando até o Conselho Constitucional. Ele foi assassinado quando justamente se preparava para levar as evidências da reivindicação de vitória de Venâncio Mondlane e do Podemos ao Conselho Constitucional.
Elvino sabia que ele era um alvo, tal como VM7. Nos últimos dias, ele postou o seguinte na sua página do Facebook:
“Quando soube, através de um amigo que me quer bem, que havia um plano milimetricamente desenhado pelos Esquadrões da Morte para tirar a vida do Engo Venâncio Mondlane e a minha, pensei em fugir por alguns dias da cidade de Maputo. Mas antes, liguei ao Engo para lhe contar em primeira mão dessa pretensão e também lhe sugerir a sua fuga por alguns dias. Ele, apesar de também mostrar preocupação, disse-me que não era necessário fugir; pois, eles sabem perfeitamente onde nos encontrar; foi a opção da vida que escolhemos; estar do lado da verdade e justiça. (...) Na verdade, num país ao avesso como o nosso, a verdade e a justiça têm o seu preço; e o maior preço é a morte de quem a diz. Desde que os esquadrões se reuniram para nos tirar a vida, não tenho dúvidas (...)”.
Pois...de forma macabra, ele pagou o preço, com a morte, de lutar pela verdade e justiça eleitoral. Ele era apenas um advogado que lutava politicamente em sede do Direito. Inofensivo, tal como Giles Cistac, que nos iluminava politicamente sobre Direito em sede da Academia. Cistac foi barbaramente assassinado nos primeiros meses da vigência do Nyusismo, em Março de 2015. Era um sinal do que viria a ser este caótico consulado. Elvino Dias e Paulo Guambe são os últimos mártires da nossa democracia recente. Eles foram mortos por uma única razão: fazer oposição política, usando legalmente o aparato institucional da nossa democracia incipiente.
E agora? Agora ficou claro que o assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe foi também uma ameaça aberta a Venâncio Mondlane. Sua vida pode estar em perigo. Ele desafiou de forma arrojada o regime e mostrou que é possível propor ao seu eleitorado jovem uma nova forma de governação, com uma verdadeira abordagem distributiva da riqueza do país, agora apenas acessível a uma restrita elite da Frelimo. Sem Elvino Dias, Mondlane fica limitado à sua acção legal de disputa dos resultados eleitorais junto do CC. Mas é esperado que surjam imediatamente voluntários para levarem a cabo esse desiderato em regime “pro bono”.
A grande questão que agora se coloca é: até onde o regime da Frelimo pode barricar-se para manter-se inamovível no poder, não querendo abrir uma pequena mão desse poder perante os resultados contestados destas eleições? Será mesmo preciso, num futuro não muito distante, que a juventude saia para as matas e promova uma nova revolução armada, como apregoava Carlos Cardoso, quando na redacção gritava suas premonições acertadas em face da escalada galopante da corrupção e do roubo ao Estado.
O futuro depende de a Frelimo vestir as roupas da humildade e chapéu do bom senso. O problema agora parece não ser Daniel Chapo. Com Nyusi ainda no comando, mergulhado em seu nervosismo indisfarçável, seu modelo autocrático vai marcando o compasso do processo político nacional. Na passada terça-feira, a Comissão Política da Frelimo determinou uma coisa: tolerância zero para VM7. Era a tirania sendo decretada, diante de um silêncio ensurdecedor da linha chamada reserva moral e dos que, consta, são favoráveis a reconhecer que uma partilha, mesmo que limitada, do poder (por exemplo, concedendo maior representação parlamentar ao Podemos) pode ser crucial para o futuro do partido. Definitivamente, a Frelimo não está a perceber os sinais dos tempos.
Mas...matar para quê!?
Em Moçambique não se tem falado, ultimamente, de beleza, fala-se pouco. Até nos próprios quadros de arte, o belo é retratado pelas feridas. Não há alegria, nem esperança na juventude. E assim, com este anoitecer violento, avulta um verso da Elis Regina, que se ouve nas ruas e que diz assim: eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens!
Há um medo que paira nas avenidas, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. As ameaças são aspergidas todos os dias pelo rosnar dos cães. A terra treme. Mas estes tempos jamais foram vistos antes, vivemos no fio da navalha. As cascatas deixaram de despejar água cá para baixo. As albufeiras estão baixando de nível, então pode ser que haja o risco de pararem as turbinas da luz que vai enfraquecendo dentro de nós. Pois, se os rios secam, seca o país também. E os rios somos todos nós.
Pedro Langa já dizia: esta bela árvore já não tem folhas, caíram/o que significa que aqui em casa reina o pranto.
Há latidos profundos em todo o lado, então somos iguais aos cães, talvez piores que os cães, é assim como somos tratados! Mas o que é isto? É preciso repetir que a morte agora é fabricada. É servida em garrafinhas com rótulos dos demónios, como por exemplo “dinamite”. Na verdade há um rastilho aceso no nosso chão inteiro, e não poderemos nos esconder nas grutas. Que serão estilhaçadas.
Já não se fala de beleza nos whatsap e no facebook e noutras plataformas digitais. Passamos a vida total a escarnecermo-nos uns aos outros. A despejar todo o nosso fel por cima de nós mesmos. Tudo que se escreve agora nesses sítios tem tendência de nos conduzir à caminhos íngremes, ao pricipício. As coisas lindas que se lêem e se vem nos whatsap e nos facebook, são as mulheres, que também estão vituperadas. Não têm receio de nos mostrarem a parte mais macia do seu corpo. E isso é sinónimo de desespero na juventude. Frustração.
O belo atrai o belo, mas em Moçambique o belo feneceu. Nos subúrbios das cidades é que se nota com maior ênfase o privilégio de ser cão, e nem é necessário o uso da lupa para que toda a nossa nudez se torne clara. Aliás, o músico moçambicano já cantava: vada voxe (comem sozinhos). E se comem sozinhos, então não nos resta mais nada senão ser cão, e andarmos por aí, na gandaia, revirando as latas dos ricos, até que todo o castigo e sofrimento termine. Não sabemos como, se de forma trágica, ou de outra forma.
A noite já vai longa demais, e não se vislumbra a aurora. Diz-se que não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas é preciso mudar esse paradigma, pelo paradigma da juventude. “Vamos madrugar muito, para que o sol nasça mais depressa”. Não precisamos de armas de fogo. A nossa pólvora são as mãos nuas que se abrem e se apertam a outras mãos. As nossas balas são as canções que vamos cantar de dia e de noite até que amanheça. Vamos dançar também, no palco dos becos e das ruas e da avenidas, com as matchatchulani (bailarinas chopes) à frente, esvoaçando as saiotas. São estas as nossas armas. Entregaremos, sem medo, o peito às verdadeiras balas que já começaram a chover como granizo de morte.
9 de Outubro – a “recrucificação” da democracia moçambicana
I. Enquanto o furacão MILTON destrói a Flórida nos Estados Unidos da América de KAMALA e deixa mais de um milhão de desalojados e uma dezena de mortos, leio – a partir das regiões de Pretória, vizinha África do Sul de Nelson Mandela – que 9 de Outubro acaba de crucificar uma vez mais a democracia constitucional moçambicana; que a Frelimo de Chapo (através das suas armas eleitorais, a CNE, o STAE e “PRM”) tenta dar um tiro certeiro na democracia de Venâncio Mondlane legitimamente eleita pelo Povo segundo a contagem paralela da administração VM7; dá outro tiro certeiro na Renamo de Ossufo Momade, o teimoso, e passa a ferro quente as restantes forças políticas que concorreram as eleições gerais de 2024.
II. Escrevi, para discussão em provas públicas (uma década atrás), e mandei publicar em livro dois volumes sobre a democracia. O primeiro, sobre a democracia internacional e; o segundo, sobre a democracia moçambicana em especial… na democracia moçambicana, uma análise que perpassou pela constitucionalização e pela prática democrática desde a fundação da Iª República em 1975 às primeiras eleições gerais pluripartidárias de 1994, sempre deixando evidente – na análise sobre a qualidade da democracia eleitoral – as principais reformas eleitorais que, subentendi, o País devia seguir… sempre ciente que não somos os únicos a fazê-lo, os únicos com preocupação tamanha. Mas, como sempre: costuma ser de praxe, entre nós, afirmar que: “estamos a tocar os tambores africanos ao mais alto som, mas ninguém nos ouve…” se nos ouvem, não querem saber… fingem não ouvir, fazem-se de doentes com ‘surdez-mudez.’ Aliás, lembro-me de um amigo e renomado Jornalista moçambicano que me dizia: “a Frelimo só ouve, só negoceia, com uma pistola apontada nos cornos.” Infelizmente, parece-me evidente…
III. Será, pois, por isso que o saudoso líder da Renamo, DHLAKAMA, tinha sempre as negociações ganhas e as garantias transformadas em Lei por conta “destas táticas”? A diplomacia, forma tentada (ou não) por Ossufo, não funciona com a Frelimo que para além de nazista/fascista se transformou num Partido-Estado narcisista que se vai instalando como um demónio do Leviatã de Hobbes desde as terras de Mondlane (Império de Gaza) pelo Moçambique adentro. De facto, a Frelimo corrupta não ouve a ninguém… só a si mesma, a sua ideologia: interesseira, calculista e desumana. A democracia empregada pela Frelimo, diferente dos princípios constitucionais democráticos, é – desde os Acordos Geral de Paz assinado em Roma (em 1992) – uma democracia seletiva. A história do ‘Cartão Vermelho’ do ‘Partido-Estado Frelimo’ continua na moda. Chapo, apesar de parecer um ‘bom Samaritano’, não me parece que tenha o perfil político ideal para Presidente de uma República pelo menos sob ponto de vista internacional. Vai aprender a ser Presidente… certamente dizem muitos! Mas até lá, serão enormes os danos/estragos e a fatura a ser paga pelo contribuinte honesto. Sob ponto de vista constitucional, o Estatuto do Presidente da República determina que o Presidente representa o Estado/Povo no domínio externo, isto é, nas relações internacionais que o Estado estabelece com outros Estados. Ora, não consigo ver o povo representado por Chapo neste domínio. Pareceu-me de difícil adaptação as ideias do liberalismo económico, de cosmopolitismo e multilateralismo. Antes de ser Presidente, é preciso que o candidato seja um cidadão politicamente internacionalizado. Chapo, cai de paraquedas para assumir um cargo de soberania na democracia moçambicana. Temos de acabar com essa estória de andarmos a pegar num simples «machambeiro» e fazê-lo acordar Presidente de uma República no dia seguinte a todo o custo. Nem todo o «machambeiro», pedreiro, até mesmo professor, etc., tem vocação para Presidente da República. O exercício da vida política, exige virtú. Todo o homem é por natureza ‘Zoom Politikon’, isto é, um animal político (Aristóteles), mas nem todos podemos exercer a política com mestria de Mandela – nem mesmo os cientistas políticos. A política exige ARTE/DOM… só os virtuosos, os eleitos por Deus, a detém… Uma vez mais: a mania de querer enfiar o nariz de Pinóquio em tudo dá nisso… castigamos gerações, culturas e povos inteiros sem peso de consciência algum! Temos de saber ter a humildade de encontrar e aceitar os nossos limites…
IV. Estamos numa era de acelerada ‘globalização multinível’, de concorrência internacional. Precisamos de cérebros capazes de dirigir os destinos de um Povo soberano, de um Estado-Nação a este nível de exigência internacional mais ainda num sistema de governo como o nosso onde o Presidente da República não é um gentleman, um corta fitas. Tem poderes presidenciais até excessivos. Mas nós continuámos a investir neste bando de corta-fitas que não sabem negociar como deve de ser uns simples contratos sobre megaprojetos atinentes ao carbono moçambicano. Moçambique, vive uma “democracia de protocolos.” Uma democracia não é guiada por meros protocolos, onde os nossos empregados dirigem o País, fazem até discursos para um Chefe de Estado e os representantes do Povo quando têm de apresentar contas na Assembleia da República apresentam relatórios copiados de anos anteriores. O cúmulo da estupidez há que chegamos! São “«gajos»” - porque «indivíduos» nem mesmo «tipos» não merecem ser chamados – que se metem a Presidente que não conseguem sequer pensar de per si; não têm visão longo alcance como a de Immanuel KANT que sem precisar de sair da sua terra natal era um mestre, um visionário em si mesmo! São os seus sipaios – vestidos de facto azul e gravata preta – que decidem sobre a vida de mais de 17 milhões de eleitores e mais de 33 milhões de moçambicanos.
V. Este velho discurso de ‘A Luta contínua’ nos moldes a que estamos a construir o ‘Estado de Direito democrático e de Justiça social’ é falacioso, tendencioso e já cheira a bolo fecal da Frelimo… Facto, é que a Frelimo nunca aceitou a alternância democrática em Moçambique ao mais alto nível de dirigismo constitucional… ora, pergunto: como saberá se ao longo dos perto de 50 anos de governança democrática governou bem…??? é preciso saber dar oportunidade aos outros para medir a sua capacidade de governança democrática… os verdadeiros democratas fazem isso… Em Portugal, nos EUA, etc., a democracia é rotativista… porque não podemos abandonar esses velhos hábitos de reprimir a democracia??? não tenham medo da democracia; ela tem a sua beleza… está sempre pronta para “mandar ao tiro” quem pisa no povo soberano… é para isso que servem os seus princípios constitucionais, o da contensão do poder que limita os mandatos constitucionais! Não precisamos roubar votos ou ter de comprar votos, de fraudes eleitorais escancaradas para legitimar o poder e impor a autoridade vitalícia das guengues frelimista que visam o carbono: gás, carvão, petróleo, impostos e ajudas financeiras internacionais… Quem tem integridade como VM7 por exemplo – a quem parabenizo pela astúcia/sagacidade democrática e sentido de Estado – faz a diferença por si só… não podemos permitir que Moçambique continue em desconserto! Haja um pouco de bom senso democrático… de respeito pela ciência – compromisso aed aeternum com a verdade – pela meritocracia e pela vida humana!
VII. Continuo cético quanto a qualidade da nossa ‘Good Governance’… Não creio que Chapo consiga romper com essa surdez-mudez que corporiza a Frelimo… Não creio que Chapo seja a pomba branca, o mensageiro da Paz, o profeta Daniel. Apesar de jurista, temo que não consiga resistir a ser: farinha do mesmo saco! Afinal, há muitos juristas/Técnicos jurídicos nos Tribunais que de deontológico e ética não têm nada enquanto mais um jurista político… Em democracias autoritárias e/ou ditatoriais (como tende a ser a nossa) para fazer a diferença teria de optar: a vida ou a morte! O Problema da Frelimo são os seus radicais. E são uma esmagadora maioria. A velha guarda que vai deixando de herança a sua OJM o seu veneno. Virar as costas aos radicais da Frelimo é como tentar virar as costas a um leão faminto. Você não sobrevive! Como Nyusi, Chapo sabe disso. Não é louco… ou é??? Vamos lá entregar o poder por bem a quem de direito. Vamos comparar os editais, vamos ser justos. Vamos lá ser exemplo de democracia e dignidade. Vamos lá deixar Moçambique ser uma Nação civilizada. Vamos lá acabar com esses resquícios do império de Gaza. Vamos lá fazer de Gaza e Inhambane mais democrática assim como têm sido Beira, Nampula, etc., e está a ser Maputo. Vamos lá corrigir os erros do passado, do presente e construir um Estado Novo para todos. Vamos lá realizar o sonho moçambicano. Vamos lá ser gente, tentar diminuir ao máximo as gritantes desigualdades entre as classes sociais. Vamos lá incutir verdadeira paridade regional no País. Vamos lá mostrar ao mundo que Moçambique tem coração. Vamos lá…!!! Vamos ver se 21 de Outubro responde como um tiro certeiro aos “resultados viciados” a serem conhecidos no dia 24 de Outubro. Nós, PODEMOS!
Hamilton S. S. de Carvalho – PhD em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Professor Visitante em Angola. Colunista do Jornal Impresso, Semanário Canal de Moçambique, e do Jornal Digital ‘Carta de Moçambique.’
“O voto em branco significa que o eleitor opta por não votar em nenhum candidato. Para fazer isso, ele aperta a tecla “branco” na urna electrónica e depois confirma. Na época da votação em papel, esse tipo de voto era contado quando o eleitor não preenchia a opção na cédula”
“Sou um cidadão moçambicano, não sou membro da Renamo, mas vejo na Renamo um actor relevante na política nacional, não somente porque está no parlamento, mas sobretudo pelo seu histórico. A Renamo tem e deve continuar a ter um papel preponderante na vida social, económica, política e cultural de Moçambique. O Acordo Geral de Paz de 1992 trouxe para a sociedade moçambicana um novo actor político, que conseguia equilibrar a balança política nacional, não pela retórica, mas pelo conhecimento real da nossa sociedade, por isso, presidente Ossufo Momade, face aos resultados eleitorais, ainda que provisórios, convoque um Congresso Extraordinário para reflectir sobre a vida do partido ou coloque seu lugar à disposição”.
AB
A presente carta aberta ao Presidente do Partido Renamo não pretende, de forma alguma, criar cisões internas no seio do partido. Ela é escrita por alguém que se considera patriota e, por isso, pretende ver Moçambique a trilhar por caminhos de Paz e Concórdia, caminhos da Democracia Multipartidária que a própria Renamo ajudou a criar, com a alteração da Constituição em 1990. Por isso, a passagem hipotética deste partido para um terceiro lugar, ainda que não aconteça, mostra que algo deve ser revisto internamente. A questão é: estará em condições Ossufo Momade de promover um debate interno franco e aberto com vista a essa mudança?
Desde já, é preciso ressalvar que a Renamo é criada logo a seguir a independência nacional. Existem muitos argumentos sobre a sua criação e motivações, contudo, vamos nos cingir naquilo que é publicamente sabido e recorrentemente escrito dentro e fora do país. Fazendo fé à documentação que encontrei sobre a sua criação, diz-se que a Renamo foi criada em Novembro de 1976, num dos Quarteis da Capital, por camaradas das Forças Populares de Libertação de Moçambique, insatisfeitos com a Direcção do Presidente Samora Moisés Machel. Isto consta do Primeiro Estatuto da Renamo publicado em Abril de 1979.
Quem cria e sustenta a RNM – Resistência Nacional Moçambicana e com que objectivos?
“O engajamento dos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia na disputa sobre os destinos de Moçambique, criando e sustentando a Renamo, era parte da estratégia de inviabilizar um possível êxito das experiências de autogoverno negro, o que teria reflexos subjectivos e objectivos em toda a região. As acções de sabotagem contra o governo da Frelimo foram parte desta guerra de baixa intensidade que buscava manter o desgaste provocado pelo estado de conflito permanente. Não se tratava de vencer, mas de impedir o outro de governar”.
In: Juvenal de Carvalho Conceição Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Como se sabe, a primeira liderança operacional foi de André Matade Matsangaissa. Consta ter sido militar das Forças de Luta de Libertação de Moçambique (por confirmar) que, com apoio dos colonos Portugueses, Rodésia do Sul de Ian Smith e do Regime do Apartheid de Peter Botha, organizou, treinou, equipou e definiu alvos em Moçambique. Os primeiros combates de Matsangaissa tiveram lugar na província central de Manica e sabe-se que a sua base central era na Serra da Gorongosa e denominava-se “Casa Banana”. Este primeiro Chefe e Comandante da Renamo viria a morrer em combate, a 17 de Outubro de 1979, na Gorongosa.
Para a sucessão no comando da Renamo, na altura, segundo literatura compulsada, pontificavam um militar de nome Charles e Dhlakama, tendo saído vitorioso Afonso Dhlakama, que teve apoio da ala externa, liderada pelo Regime do Apartheid. Este homem comandou a Renamo da Guerrilha de 1979 a 1992, altura em que, por força do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, Itália, a Renamo se torna num partido político. Lembre-se, o acordo foi assinado pelo Presidente Joaquim Alberto Chissano e o Líder da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, colocando fim aos 16 anos de guerra entre moçambicanos no território nacional.
Ora, Ossufo Momade não entrou para a Renamo por livre e espontânea vontade. Terá sido sequestrado por homens da RNM e, em seguida, forçado a integrar a Renamo, para o que terá sido confiado o comando de Manica e Sofala na Guerrilha. Ossufo Momade desempenhou alguns cargos de relevo antes da morte de Afonso Dhlakama, como seja Secretário-geral da Renamo entre 2007 a 2013, Chefe de Defesa e Segurança da Renamo. Entretanto, com a morte de Afonso Dhlakama, a 03 de Maio de 2018, Ossufo Momade torna-se Presidente Interino da Renamo e, em 2019, Presidente eleito no Congresso.
Sucede que Ossufo Momade não foi feliz na sucessão a Afonso Dhlakama, quer interinamente, quer depois do Congresso. O resultado disso foi o surgimento da Junta Militar da Renamo.
A Junta Militar da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), conhecida pela sigla JMR, é um grupo militar desintegrado do maior partido da oposição de Moçambique, a RENAMO. O grupo foi criado durante o mês de Junho de 2019, no decurso do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos homens armados da RENAMO, na sociedade. É presidido pelo Tenente-General Mariano Nhongo, eleito no dia 19 de Agosto de 2019 numa conferência nacional extraordinária de três dias, em Piro, nas imediações da Serra da Gorongosa, Sofala, Moçambique. in Wilkipedia.
Mas não só, militares de relevo, no tempo da liderança de Afonso Dhlakama, que não concordaram com os métodos de Ossufo Momade, foram de alguma forma colocados na “prateleira” e ou forçados à desmobilização sem eira nem beira, como sói dizer-se. Isto por um lado, e, por outro, a ala política, que tornou a Renamo um partido relevante no debate dos assuntos nacionais, foi colocada igualmente de lado e, no seu lugar, surgiram novos actores políticos. Infelizmente, esses actores não conseguiram ocupar, de forma efectiva, o lugar dos anteriores políticos e a Renamo foi se deteriorando.
Nas eleições de 09 de Outubro de 2024, por razões não públicas, Ossufo Momade não se fez presente na abertura da campanha eleitoral. Não sei se se tratava de uma imitação a Afonso Dhlakama, nas últimas eleições em que participou, mas é preciso ter em conta que Dhlakama era o tipo de animal político dos raros!
Ossufo Momade não conseguiu aglutinar diferentes sensibilidades internas e a cisão foi confirmada no Congresso da Renamo e na forma como o mesmo foi convocado. O número de aspirantes a Presidente da Renamo era a expressão de diferenças internas insanáveis e, depois da eleição, Ossufo Momade não teve arte bastante para juntar as alas internas em torno de um objectivo comum.
Para finalizar, realçar que, com esta Carta Aberta, dirigida a si Senhor Presidente da Renamo, General Ossufo Momade, pretendo convida-lo a duas coisas”:
1) A convocar um congresso extraordinário, respeitando as etapas estatutárias, para debater, de forma franca e aberta, a vida interna da Renamo, de forma a aproximar as partes desavindas. Isto é fundamental, não somente para a vida da Renamo, mas para o país;
2) Caso contrário, coloque seu lugar à disposição!
Adelino Buque
O caso do Banco Austral teve agora um “volte face” na justiça, com a pronúncia de três arguidos, que sentar-se-ão no banco dos réus dentro em breve. A decisão do Tribunal Superior de Recurso de Maputo, que revoga um despacho de não pronúncia exarado em 2009 pelo juiz Cinco Reis, é tomada quase 15 anos depois do recurso do Ministério Público e do assistente contra aquele despacho.
Quinze anos depois? Afinal, o que andam a fazer os juízes do TSR? Este caso devia ter a devida celeridade, tratando-se de um caso que teve contornos de delapidação dos cofres do Estado, que foi obrigado a recapitalizar o banco para privatizá-lo novamente, da última vez para o ABSA.
Quinze anos, e um dos arguidos atingiu a velhice da vida, anda doente. Com 84 anos de idade, a justiça ainda acredita que ele pode pagar pelo alegado crime cometido em 2001, esquecendo-se que o direito do homem a que se faça justiça em tempo útil e razoável é um dos princípios fundamentais de um Estado de Direito.
Este arrastamento do caso sugere nuances de denegação da justiça ou, o que é pior, de justiça tardia.
Já alguém escreveu: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no património, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir ao delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.”
Se é para embarcamos na justiça tardia, então que ela seja feita em toda a extensão do caso. Não basta fazê-la apenas no caso do assassinato, para responsabilizar apenas os autores do homicídio. É também preciso responsabilizar os autores da gestão danosa do banco.
Para quem não sabe. O caso Banco Austral tem duas vertentes. A vertente do assassinato e a vertente da gestão danosa. As duas têm uma relação intrínseca, de vasos comunicantes.
A gestão danosa foi a principal causa do assassinato. Logo após o assassinato de Siba Siba Macuácua, o Estado começou a investigar apenas este crime. Sobre o assassinato, o Ministério Público acusou alguns indivíduos em 2009, mas o Tribunal da cidade de Maputo rejeitou as acusações, soltando os suspeitos que haviam sido detidos (Parente Júnior, entre outros, nomeadamente dois guardas do antigo banco que se suspeita tenham sido os autores materiais do crime).
O Ministério Público (MP) recorreu ao Tribunal Supremo, havendo ainda a esperança/possibilidade do Tribunal Supremo dar razão ao MP e vir a pronunciar os acusados. O recurso foi aceite, agora pelo TSR.
Parte dos antigos administradores, nomeadamente Octávio Muthemba e Jamu Hassan, haviam sido constituídos arguidos como autores morais, mas o Ministério Público se absteve de acusar, também por alegada falta de indícios. Espera-se que, se o Supremo der razão aos argumentos do Ministério Público e o caso for a julgamento, possa haver clareza em relação à identidade dos autores morais.
A investigação da gestão ruinosa do Banco Austral nunca foi preocupação de primeira hora por parte das autoridades. As investigações sobre a gestão danosa só começaram depois da pressão dos doadores e da sociedade civil, tendo culminado com a realização de uma auditoria forense, por uma firma estrangeira. A realização da auditoria, sob pressão dos doadores, enquadrou-se, como se sabe, no contexto dessa recapitalização que teve como pano de fundo a cobertura dos prejuízos acumulados do Banco Austral – na ordem dos 400 milhões de USD – e no qual foram envolvidos dinheiros dos contribuintes moçambicanos e estrangeiros, nomeadamente daqueles países que prestam o apoio directo ao Orçamento do Estado. A auditoria forense encontrou sinais evidentes de gestão danosa.
A Procuradoria Geral da República (PGR) sempre disse que estava a investigar a gestão ruinosa, mas nunca revelou em que direcção as investigações seguiam. Aparentemente, só no ano passado é que foi instaurado um processo (53/A/PRC/2009) contra antigos administradores e gestores do Banco Austral, entre os quais Octávio Muthemba e Jamu Hassan. Em Abril de 2009, o Ministério Público decidiu abster-se de acusar os antigos gestores alegadamente envolvidos na gestão danosa. O argumento é de que a lei aplicável começou a ter efeitos posteriormente aos actos de gestão danosa.
Aparentemente, e em contraste com o que aconteceu no caso Cambaza (Aeroportos), o Ministério Público parece não ter feito muito esforço para ir rebuscar leis anteriores à Lei 15/99. No caso Cambaza, quando se viu que a Lei Anti-Corrupção (Lei 6/2004) era ineficaz para condenar os arguidos, o Ministério Público e o Tribunal recorreram à Lei 1/79 (Lei sobre Desvio de Fundos), uma lei elaborada num contexto de repressão estatal.
Temos indicação de que outras leis podiam ser usadas para se ir avante com a responsabilização criminal da gestão danosa, no mesmo espírito que se usou a Lei de Desvio de Fundos no caso dos Aeroportos. Uma delas é a Lei de Defesa da Economia (Lei 5/82, de 9 de Junho, posteriormente alterada pela Lei 9/87, de 19 de Setembro), que criminaliza actos de gestão danosa, negligência, violação de regras de gestão, abuso de cargo ou função, fraude, pagamento de remunerações indevidas, etc., quando estes actos atentem contra o bem-estar do povo. Não consta que esta lei tivesse sido usada exaustivamente para responsabilizar os gestores em causa.
Esta lei (9/87) foi apenas usada para se abrir um processo autónomo contra os gestores malaios do Banco Austral, nomeadamente Koonjambum Mugathan, Marcus Young e Leong Yit Ket, que representavam o accionista SBB (um banco da Malásia). Mas não foi usada para responsabilizar os administradores moçambicanos, alegadamente porque eles não participavam da gestão diária do banco.
O caso Banco Austral é um caso político sério que envolveu a delapidação dos cofres do Estado (cerca de 400 milhões de USD). O saneamento do banco, para poder ser privatizado definitivamente, foi à custa de dinheiros dos contribuintes nacionais e estrangeiros (através do dinheiro da ajuda externa). Por outro lado, a gestão danosa foi o principal motivo do assassinato de Siba Siba Macuácua. O comportamento do Ministério Público neste caso sempre foi dúbio e aparentemente denotando estar a agir sob instruções do poder político.
Por isso é que, mesmo tendo sido chamado a atenção para o facto, o Ministério Público nada fez para viabilizar a responsabilização civil dos antigos administradores do banco. Em 2001, na altura em que o Banco de Moçambique interveio no “Austral”, o Ministério Público, como defensor dos interesses do Estado (e sendo o Estado sócio do Banco Austral e sendo o accionamento da responsabilidade civil uma competência dos sócios) devia ter usado o Decreto-Lei 49381, de 1969, para accionar um processo de responsabilização civil. Hoje, passados todos estes anos, esta acção de responsabilidade civil já prescreveu.
A justiça moçambicana está perante um desafio enorme de credibilidade. Para vencer esse desafio, o MP deve esgotar todas as possibilidades de accionar a responsabilização criminal da gestão danosa sem receios de qualquer insucesso. O Banco Austral (e o assassinato de Siba Siba) deviam ser investigados em todas as suas vertentes.