Director: Marcelo Mosse

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Ninguém se despede do mundo a 25 de Dezembro. Essa é data de chegadas; recomeços. Nem as consciências humanas aceitam concorrências desavindas com o Redentor. Os humanos evitam as disputas com os celestiais. Procuram e seleccionam suas próprias datas, espaços e tempos. Assim, podem eternizar os seus feitos e glórias.

 

Nampula, essa capital de tantas conexões e emoções, se vestiu de lilás e xadrez, bandeiras quadriculadas, para apagar as últimas velas da consoada. Desconcertaram os abraços de alegria, para cruzarem com as lágrimas da compaixão.

 

O final de um ciclo, de um pujante e proeminente editor e jornalista, Pai e Mentor, que já exausto, decidiu ir escrever novas matérias nas alturas, num desporto sem trapaça e nem dribles ousados. Tudo no dia da maior festa da humanidade.

 

Irreverente e perspicaz, Vasco Fenita, regressou, pois, às origens, ao espaço das estrelas, de um espaço onde nunca soube sair. O ser humano descende dos céus. Aqueles que vivem 90 anos, então, regressam de forma triunfal como lendas. Reencontram a razão de terem passado pela terra.

 

Vasco Fenita, natural de Tete, nasceu estrela, porém, soube estruturar motivos para viver como constelação. Mais de 20 anos de futebol activo e privou com o Pai do Carlos Queiroz e o próprio Queiroz. Foram 60 anos dedicados ao jornalismo e 90 oferecidos para o mundo, seus amigos e familiares. Ele foi o mais antigo e activo jornalista que este país alguma vez conheceu.

 

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Exímio na arte do drible, no futebol, com os seus pés encantou estádios, emocionou adeptos e levou a loucura os simpatizantes do verde e branco, suas cores predilectas. As cores de um leão que rugiu em Quelimane, Nampula, Lourenço Marques e, lá para a metrópole, que ofereceu seus palcos aos nossos mais finos e nobres artistas da bola. Do furor dos estádios para o jornalismo desportivo foi consequência. A arte de costurar redes e bolas de futebol traduzidas para Os Lusíadas, através de nomes sonantes como José Craveirinha e Fernando Pessoa. Estes eram os seus predilectos. Ele próprio um Vasco da Gama da palavra e dos descobrimentos. Coleccionou vários escritores, porém, estes eram os poetas e cronistas que mais o enfeitiçaram.

 

Assim, como os deuses sempre foram alfaiates, Vasco Fenita interpretou e costurou os cânones do esmero e aprumo da escrita nos seus requintados textos. Criou uma ligação afectuosa, testemunhada e assertiva, com seus leitores, servindo das suas matérias para enviar recados, de toda ordem e natureza, palavras de desacordo, opiniões enviesadas e os elogios e apreço para quem estrelava.

 

Lutou por um país digno, honesto e ordenado; uma república. Sabia que nem todos os fins são legítimos, e que nem todos os métodos são apropriados. É necessário guiar a escolha respeitando as escolhas de cada um.

 

Me confessou, uma vez, que não imaginava que estivesse seguro para colocar suas crónicas a disposição dos leitores. Por essas alturas, já levava mais de 40 anos de carreira. Humildade exagerada. Mas, ele sabia que era detentor de uma combinação harmónica impressionante, de linguagem ajustada, identidade própria e ideias muito peculiares. Suas palavras suavizavam derrotas e faziam parecer que vitórias e derrotas eram, apenas, desporto. Relativizava o sofrimento e evitava disputas extra campos e muros.

 

Era um dos jornalistas mais discretos que, mesmo assinando seus textos, eles permaneciam impecáveis, cheios de pudor, mistérios, uma espécie de quem estende a mão, mas tem medo que lhe roubem os dedos. Com este carácter, formou dezenas de novos jornalistas e transmitiu os segredos e a arte de bem comunicar.

 

Nos recordaremos dele como essa bússola que apenas indicava o Norte, com total precisão, porém, sem nunca mencionar os obstáculos até ao destino final. Um homem que viveu unindo margens, sem, necessariamente, mostrar as pontes.

 

Foi homenageado algumas vezes, porém, muito poucas, para a sua dimensão e grandiosidade. Merecia outro reconhecimento e essas medalhas nacionais que, muitas vezes, se escapam, aos cidadãos de mérito e servidores de causas.

 

Passou por diversas redacções, incluindo o Notícias, Revista Tempo, Diário de Moçambique, A Bola, e muitos outros, porém, ter criado o primeiro jornal independente no Norte de Moçambique, o deixou lisonjeado e glorificou seu nome na eternidade da história do jornalismo do nacional. Seu jornal virou uma grata referência ao jornalismo moçambicano e lusófono, como bandeira fundamental no enriquecimento da língua, convenhamos, na defesa da verdade, rigor e integridade, bem como dos valores da cultura moçambicana. Foi um cultor de uma crónica rabiscada e um editor atento, de luxo e mérito.

 

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Neste Natal, de sentido invertido, pouco celebrado, com doses de gás lacrimogéneo, balas e saques desproporcionais, quando as nossas cidades se vestiram de cadáveres e irracionalidade, também quisemos pensar no Velho Vasco Fenita. Uma espécie de exercício de remissão e indulto desse iconoclasta do jornalismo desportivo moçambicano.

 

Minha sentida homenagem à sua família, mais próxima e distante, aos amigos e admiradores, que se prostram diante desse decanato jornalístico, exemplo de longevidade, dos chutes na bola que geraram genialidade nos seus textos, e das frases enigmáticas que só ele conhecia o sentido e a profundidade.

 

Ao Eleutério, a Florbela, ao Aurélio, ao Arsénio, ao Sérgio e Flora Fenita, um abraço condoído de amizade e compaixão.

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Venâncio Mondlane devia pregar para seus seguidores… ou, pelo menos, deixar bem vincado nas suas preces de mobilização das “manifs” que a destruição da propriedade privada e estatal é um tremendo recuo para o Estado que queremos construir e ele quer dirigir. 

 

 Nesta tarde, VM7 fez uma “live” cujo objectivo era justificar a violência em curso contra o Estado e a sociedade no país. Ele justificou a arruaça alegando que os jovens estão a vingar-se da “violência estrutural, formal” de que tem sido vítimas ao longo dos anos… criticou os que rejeitam o vandalismo, alegando que “já houve muitas mortes e ninguém reclama; só reclamam quando um vidro é quebrado”. 

 

 Não creio que ele tenha a noção do que está a acontecer em Moçambique. Ele devia procurar um inventário da destruição em curso. É terrorismo sem paralelo. 

 

VM7 prega para que as sedes da Frelimo estejam fechadas; seus seguidores interpretam que “fechar” é o mesmo que destruir e ateiam logo fogo; e como a maioria são rapazes com escolarização precária assumem, e porque assim sempre foi praticado e cultivado pelo regime, que tudo o que é Frelimo é o Estado. Lost in translation.

 

 E vai daí, desatam a incendiar viaturas do Estado, edifícios da administração municipal, representações locais do Governo Central, Tribunais, postos de polícia, infra-estruturas de fornecimento de água e luz, o muro do aeroporto de Mavalane, e ainda não falei da imensa pilhagem e saque de que estão a ser vítimas estabelecimentos comerciais, estações de serviço.

 

 Esta violência é legítima porque é uma reacção à “violência estrutural” de que franjas marginalizadas da sociedade foram vítimas “ao longo de 50 anos”? Justifica-se? 

 

 Para além de fazer inveja a Maquiavel em termos de imaginação demoníaca, VM7 faz apelos sem consequências. 

 

Já disse uma vez que a violência e a arruaça são subproduto de “manifs” pretensamente pacíficas, mas objectivamente violentas. 

 

O que estamos a assistir é a elevação do grau da violência, fazendo jus ao desígnio do Turbo V8. 

 

Aliás, os apelos à não violência nos seus discursos são para inglês ver. VM7 assumiu que sua luta pelo poder devia ir por esse diapasão. E nos últimos dias, ele recebeu incentivos do Prof. André Thomashausen que, numa “live” no dia 22 (em que VM7 fez vênias intermináveis a essa figura controversa do Partido Chega de Portugal, o Gabriel Mitha Ribeiro, para quem o colonialismo nunca existiu), o Thomashausen, dizia, apoia com veemência a táctica da paralisação da economia, apertando o cerco às elites, através do bloqueio das cadeias de abastecimento dos produtos do seu consumismo torpe. Era urgente desmontar as elites da Frelimo, dizia mais ou menos assim o Prof., de resto conhecido por sua aversão figadal ao regime.

 

De modo que vivemos um conflito latente entre uma elite predadora, rendeira, suportado por um partido que capturou o Estado e a economia para fins de acumulação corruptiva de capital, dum lado, e, doutro, um novo líder opositor, que retroalimenta no populismo, pretende reformar o Estado melhorando a governação mas  incentiva o assalto popular à propriedade privada, incluindo a destruição de infra-estruturas públicas, numa contradição ética sem precedentes.x

 

 Marcelo Mosse é Jornalista, formado em Ciências Sociais e Estudos de Desenvolvimento; fundador da organização Centro de Integridade Pública (CIP) e dos Jornais Cartamz.com e Carta da Semana. Tem estado no activismo da anti-corrupção desde 2003. Subscreve muitas das reformas programáticas propostas por Venâncio Mondlane mas não concorda com o formato da sua luta. Para que conste!

segunda-feira, 23 dezembro 2024 18:34

Moçambique, uma revolução sem revolucionários

 RevoProt

segunda-feira, 23 dezembro 2024 09:29

Já não há marisco em Miludzi

Chegamos à ponta de Guilaleni, no arquipélago de Mucucune onde o feitiço ressurgia em todas as noites de corujas, e a indescritível beleza da paisagem desabrochou por completo enchendo-nos os olhos e o espírito. Era como se tivéssemos acabado de chegar ao próprio paraíso, com barcos à vela estendidos pelo mar desde Linga-Linga, passando por Móngwè até Chicuque e Maxixe, terminando no fim do horizonte que será Nhapossa, cuja expressão máxima está numa zona marítima que se ensoberbece chamada Potani. Então todo este maná não pode ser real. É um sonho.

 

O nosso  destino é a península de Miludzi, lugar onde o silêncio remete-nos aos pensamentos mais profundos, sobretudo nas noites e nas madrugadas quando as mulheres, voltando da pesca de arrasto de camarão, tagarelam balelas e riem-se a bandeiras despregadas sem que nenhum outro som, a não ser o dos últimos pirilampos em recolha,  interrompa a melodia sincera do riso.

 

Viajamos num barco à vela baptizado “Nhalégwè”, conduzido por um marinheiro conhecedor dos ventos que sopram de várias direcções e de outros ventos que não se saberá onde nascem. Na verdade ele é um barómetro que vai rivalizar com os cientistas formados em grandes universidades, e a escola dele é o próprio mar. É por isso que nos avisou com segurança, inesperadamente, enquanto contemplávamos a exuberância de toda esta plenitude, wunguta ronga (vem aí o vento norte)!

 

Saímos da ponte de Inhambane – um património inestimável da cidade – por volta das sete da manhã e, quarenta minutos depois, já estávamos em Guilaleni, um lugar há muito  sonhado, e que agora quase o beijo de perto.

 

Sinto um impulso dentro de mim que me impele a dizer alguma coisa ao marinheiro, a começar talvez por uma pergunta, nem que seja estúpida.

 

- Você é marinheiro de que zona?

 

- Sou irmão de Mangoba, teu amigo, você não se lembra de mim?

 

Compenetrei-me nele, na sua fisionomia, no timbre da voz, e na  capacidade de abstração que tem demonstrado desde que começamos a nossa viagem antes inacreditável. Ele tem de facto o sangue de Mangoba, o seu estilo cambaio.

 

- Já estou a lembrar-me de você!

 

- Então!

 

Agora estamos entre Linga-Linga e Móngwè, daqui a pouco chegaremos a Miludzi, onde ninguém me aguarda, onde ninguém, provavelmente, me conhece, mas eu vou! Da mesma forma que já fui a muitos lugares sem que ninguém me aguardasse. É o nome da terra que me move, e as suas histórias de fartura de marisco!

 

Mas os tempos mudaram. Muito. Lembrei-me, quando cheguei, das perfurantes palavras de Momad Wa Simbo, “Deus diminuíu as bençãos em Mucucune”.

 

Em Miludzi também, já não há peixe como antigamente, nem lula, nem camarão, nem  nada!

Em tempos, algures pelo mundo, conheci um sindicalista e parte, na altura, da oposição em seu país. Pouco tempo depois o seu partido e candidato presidencial ganham as eleições e ele participa na nova estrutura governativa. Em visita ao seu país, passo alguns dias na sua casa protocolar na capital. Um luxo e em bairro nobre.

 

No final da estadia, o meu anfitrião fez questão de sublinhar de que aquelas condições de vida não correspondiam à realidade dele, apelidando-as de seus ''anos da fantasia''. Contou ainda de que a realidade dele estava em outro local, por acaso longínquo, geograficamente e socialmente, e de que as condições reais da sua vida seriam as que retomaria e com a ajuda da sua nova experiência procuraria contribuir para o progresso da sua cidadezinha.

 

Ontem lembrei-me deste meu amigo sindicalista, enquanto acompanhava, na TV, a apoteose da recepção no aeroporto à equipe sénior feminina de basquetebol do Clube Ferroviário de Maputo que há dias, em Dakar, Senegal, conquistou pela terceira vez o campeonato africano (de clubes) da modalidade.

 

Aliás, não é a primeira vez. É sempre assim quando uma equipe nacional, incluindo a selecção, sobretudo da modalidade de basquetebol, ganhe troféus ou faça brilharete além-fronteiras e que me levam a questionar se não seriam essas proezas semelhantes aos ''anos da fantasia'' do meu amigo sindicalista?

 

Infelizmente, e conforme o combinado, ainda não consegui visitar a terra deste amigo o que me permitiria aferir, ''in loco'', a autenticidade das suas palavras. Mas tenho tido notícias, incluindo as de que a cidadezinha onde voltou a morar, depois que o seu partido e candidato presidencial não conseguiram renovar mais um mandato, está a progredir.

 

''In loco'', (in)felizmente, conheço a realidade do clube campeão, sobretudo a das condições em que se encontram as suas instalações desportivas na baixa da capital. Por aqui, uma dúvida: terá o Ferroviário dito às suas congéneres, estruturas de gestão regional e mundial da modalidade ou a singulares com quem se tenha cruzado, de que os seus troféus eram apenas os seus ''anos da fantasia'' e em seguida as convidasse a visitar a sua realidade?

 

Enquanto espera-se que a dúvida desvaneça, e face aos dados, nomeadamente o percurso histórico de conquistas africanas do Ferroviário de Maputo vis-à-vis o percurso histórico da progressiva deterioração e abandono das suas instalações desportivas da baixa da capital, incluindo onde as campeãs treinam, fica a ideia de que o campeão esteja apenas confortável com os seus (já) eternos ῎anos da fantasia῎. 

 

PS: Em jeito de parêntesis: foi recentemente inaugurado um estádio municipal de raiz na autarquia do Ibo, Cabo Delgado, construído com fundos dos Caminhos de Ferro de Moçambique, patrono/proprietário do Ferroviário. Salvo erro, foram perto de 2 milhões de dólares desembolsados. Não sei se estão inclusos os custos com a cerimónia presidencial de inauguração...

Há muito que a Administração do Estado moçambicano investe numa espécie de instituto prático de produção forçada de marginais, pessoas sem pudor, sem respeito pelo Estado e pela sociedade por mecanismos que visam a degradação do desenvolvimento humano, do exercício da cidadania e do espírito do patriotismo em várias dimensões, incluindo no sector da justiça, educação e saúde.

 

Um desses mecanismos é o notável investimento na cultura de “lambebotismo” e de exaltação incondicional do Partido no poder e da figura do Presidente da República. Através deste mecanismo, transforma-se até significativos quadros da República e académicos de grande relevo em marginais do sistema de governação do dia. Os “lambebotas” mais agressivos chegam a ser os promotores do discurso de ódio e assassinato de carácter de pessoas de bem e críticos da má governação e das injustiças.

 

Mais grave ainda é que há sinais de que praticam actos preparatórios para a efectiva eliminação física de cidadãos que se acredita estarem a incomodar o sistema de governação. Muitos desses “lambebotas” aceitam a transformação nesse tipo marginais na promessa de ganhar uma posição de revelo nos órgãos ou instituições do Estado, incluindo empresas públicas sob a protecção do Partido no Poder.

 

Trata-se, pois, de uma “imposição” de meio de sobrevivência humilhante para ter acesso às fontes de riqueza, ou seja, dinheiro e outros bens, entanto que sinais de bem-estar individual.  

 

A criação dos famigerados “esquadrões da morte” é outro mecanismo de produção de marginais, particularmente pela destruição da boa conduta dos agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) e das Forças de Defesa e Segurança (FDS), que se tende a consolidar como uma forma de actuação do Estado para execuções sumárias, torturas e agressão à integridade física dos cidadãos. Tornou-se normal conotarem os agentes da PRM e das FDS como marginais devido à prática frequente de abuso de autoridade e brutalidade policial. Uma verdadeira conduta de marginais por parte de agentes investidos de autoridade estadual.

 

Outrossim, o recorrente processo sistemático e quase que generalizado da denegação do direito à educação é dos mais praticáveis mecanismos de produção de marginais no País, seja pela destruição ou marginalização do ensino público em benefício das escolas privadas e particulares por serem altamente lucrativas para os seus donos e/ou acionistas do ponto de vista monetário; seja por não pagamento de salários condignos aos professores e garantias de condições apropriadas ou condignas para o processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas; seja por não investimento num sistema de educação de qualidade com material escolar e escolas em quantidade e qualidade necessárias.

 

Com efeito, actualmente, há muitas crianças e jovens, os chamados vândalos, cujo direito à educação foi-lhes denegado e, consequentemente, relegados à marginalidade, sobretudo, por falta de oportunidades de emprego, condições de vida familiar condigna e devido à fome que lhes foi imposta por essa institucionalização da prática de produção de marginais no País.

 

A dificuldade no acesso ao emprego, a propositada criação de espaço para o desemprego e não pagamento regular dos salários e subsídios dos funcionários públicos, com destaque para os médicos, enfermeiros, outros  profissionais da saúde e professores, são outros mecanismos eficazes de produção de marginais em grande escala que afecta directa e negativamente várias famílias que ficam, por sua vez, marginalizadas e sem oportunidades de fontes de rendimento, do direito ao desenvolvimento e acesso à justiça social. Os funcionários públicos são, assim, remetidos a uma vida de biscates e, na pior das situações, lançados em esquemas de corrupção para a própria sobrevivência.

 

Em bom rigor, as lideranças do Estado tendem, em várias, situações, a empurrar os funcionários públicos para a prática da corrupção como modo de actuação da Administração Pública, criando várias barreiras, incluindo a excessiva burocracia na tramitação de processos, como forma de fomentar a corrupção e tornar os funcionários públicos em autênticos fora da lei. Isto é, em marginais.

 

Relativamente ao judiciário, enquanto último reduto dos cidadãos para a materialização da almejada justiça, nota-se, em certas situações, para não generalizar, que os magistrados, tanto judiciais como do Ministério Público, não respeitam o Estado de Direito que se traduz na correcta aplicação da lei, nem respeitam a função jurisdicional que consiste, fundamentalmente, em realizar a justiça e assegurar o respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos.

 

Os magistrados, mesmo os do topo que deviam ser exemplo de integridade, como os da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Constitucional, do Tribunal Administrativo e do Tribunal Supremo, em significativas vezes, comportam-se como marginais, ainda que de elite, na medida em que na tramitação dos chamados “processos quentes” violam o Estado de Direito e os seus deveres profissionais com vista a beneficiar o Poder Político ou interesses da elite política e económica, em detrimento do interesse público, dos direitos humanos e da justiça.

 

No contexto do actual conflito pós-eleitoral que se vive em Moçambique, é fácil perceber que o mesmo conflito resulta da prática de produção de marginais de elite nos órgãos de justiça eleitoral, no Governo do dia, na PRM e FDS que pela conduta marginal, praticam a fraude eleitoral, brutalizam os cidadãos, na maioria os manifestantes, vítimas da marginalização no acesso ao bem-estar e serviços sociais básicos pela prática recorrente e sistemática da má governação. A profunda fraude eleitoral que se contesta foi originada por marginais, de vários níveis e de diversificados sectores, criados pelo sistema de governação do dia.

 

Portanto, não é possível a construção do Estado de Direito Democrático e de Justiça Social pelos marginais que não respeitam a integridade e a lei do Estado, de tal maneira que a reconstrução e/ou reforma do Estado moçambicano para a efectiva paz, estabilidade social, económica, política e cultural também depende de um combate sério e eficaz contra o processo da institucionalização da prática de produção de marginais, os fora da lei, que fomentam pobreza, injustiça e que comprometem o futuro das gerações vindouras.

 

João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

 

Jurisconsulto em Litigância de Interesse Público

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