Boa tarde a todos
Sinto-me bastante honrado em estar aqui neste lugar que hoje nos acolhe, e dar-vos as boas vindas. Na verdade estamos todos em igualdade de circunstância, não exactamente para um almoço de confraternização, mas para uma viagem no tempo, em busca de algo que nos faça ressurgir como geração, ou como testemunhas da geração constituída por uma panóplia de homens e mulheres nascidos para brilhar, cada um com a sua luz, porém do mesmo maná. E eles luziram enquanto vagueavam por aqui, como manhambanas típicos de uma cidade que se recusa a mudar, para além dos seus limites demarcados pela pacatez.
Estamos aqui para uma conversa espontânea, sem alinhamento. Sem compromisso. Se calhar com o propósito de homenagear pessoas que se tornaram personagens vivas, e sentir os cheiros guardados na memória e recordarmo-nos de lugares como por exemplo, Bángwè, onde jogávamos a bola em liberdade, com muita amizade, sem almejar absolutamente nada para além da alegria de viver.
Bángwè tornou-se um centro de festas futebolísticas inolvidáveis, com jogadores que mostravam, ainda imberbes, ser talhados para grandes estádios, mas como a vida não é linear, pode ser que não tenham tido a sorte de receber os aplausos do reconheciomento. E da admiração. Noutras terras. Mas foram ovacionados aqui.
Não vou mencioná-los a todos, seria impossível, mas há dois que terão desfraldado de forma particular, a sua evolução no Bángwè: Nando Guihoto e Chumbo Lipato, para quem peço uma salva de palmas. Aliás há quem dizia que os mortos não morrem, então esta ovação é para estas duas vedetas que vão viver dentro de nós de forma indelével.
Pode ser que estejamos a fazer isso, a exaltar aqueles que fazem parte da tecelagem da nossa cidade, e não precisamos de ir às tumbas onde não há vida para render a nossa homenagem a eles. Então, Fernando Guipatwane não morreu. Repito o que alguém dizia: os mortos não morrem! Fernando Guipatwane era um actor alegre, predisposto a uma gargalhada estranha, porém doce. Vinda de de dentro de um homem que não tinha espaço para feridas dentro de si. Ele, certamente, vai nos ouvir a recordá-lo neste espaço que ficará assinalado na nossa caminhada colectiva: então, uma salva de palmas para Fernando Guipatwane!
A jornalista e escritora portuguesa, Agustina Bessa Luís já dizia: a história é uma ficção controlada! E nós aqui, ao evocarmos essas figuras, se calhar estamos entre a história e a ficção. Digo isso porque Matangalane Boby era ao mesmo tempo ficção e realidade.
Uma pessoa que se senta no encosto dos bancos de bentão que existiam na ponte cais de Inhambane, sem se importar com o perigo que isso representa, só pode ser actor de um filme de ficção. E Matangalane fez isso numa das suas façanhas. Deixou-se embalar pela briza, o sono tomou com conta dele, e caíu na água em maré cheia. A sorte dele, é que estava por perto o Adério França, nadador puro, que não pestanejou duas vezes. Mergulhou e salvou Matangalane Boby, já com água por demais engolida.
Mas, por ironia, Matangalane ainda dizia: Nhi digue, nhi digue... FidA PUTA (Deixe-me, deixe-me, filho da p..
Não importa de onde ele vem, se daqui ou de outras terras e outros mares. O que nós sabemos é que Matangalane Boby é património da nossa cidade. Um homem com olhar de felino, pronto a apedrejar-te se o provocasses. E a dor que deviamos sentir todos neste momento, é que depois morreu sem amparo, como quem não tem a quem chorar. E ninguém chorou no dia do seu funeral. E hoje estamos aqui para homenagea-lo. Por isso, vai uma salva de palmas para Matangalane Boby!
Pois é, a cidade de Inhambane tem um estendal sagrado de figuras relevantes em todas as áreas. E as consagrações não existem somente para os políticos e as elites. Os viventes da periferia também merecem que nos lembremos deles, como nos lembramos agora de Bernabé e de Bernardo Wonane e de Helena Maluca, Laura Maluca, Chura Boy, Abdul Nha Mbafa, Micaela, Hamad Guikolomane, Guibochane! Viventes das bermas da vida em todos os momentos de sol e de chuva e de frio e de calor. Mas são esses que fazem a sétima nota da escala diátónica da nossa urbe, então merecem uma salva de palmas! Assim como vai uma ovação para estrondosa para Otto Glória (o nosso Otto Glória e Guegué.
Senhoras e senhoras, eu sei que a lista das nossas estrelas é interminável, e não pretendemos ser exaustivos, e nesse aspecto estamos todos de acordo, não é verdade? O importante é que estamos aqui, de forma desinteressada para celebrar a vida, e a vida, em memória, daqueles que orbitam no cosmos da luz definitiva. Então, ocorre-me formar uma selecção de ouro composta por, Lóngwè, Babarriba, Berehemo Guifototo, Manwelito do Inhambane 70, Daniel Mosse, Tsungu Maciel, Tsungu Abílio, Guihoto, Tsungu Max, Manuel da Luz, Nuno Gobo, Siya Libendzi, Bata, Tsungu Thsoni, Guimesseryane, Madobolo, Naniá, Dogologo, Vangyane, Tsotsi, TAP, Tsungu Arouca, e demais estrelas.
Não evocaremos os nomes de todos os nossos ídolos, obviamente! Há informações que a memória vai protelando, fechando a hipófeses, então ficamos limitados. Mas o própósito do nosso encontro aqui está claro: confraternizarmos e içarmos as bandeiras daqueles que viverão para sempre na nossa história colectiva. Os mortos não morrem!
* Texto de apresentação no almoço de confraternizaão dos manhambanas, havido no dia 5 de Outubro corrente na cidade de Inhambane
AS MÃOS DE DEUS
Para a Mayisha Imara
Mr. Abdullah Ibrahim acena-me
no saguão do aeroporto de Joanesburgo
como se eu fosse um velho conhecido
do District Six na Cidade do Cabo.
Ou se o acaso nos tivesse interposto
numa dessas cidades do seu exílio
com aquele inexpugnável piano
desde que os verdugos do apartheid
fizeram-no proscrito da África do Sul.
Digo à minha filha Mayisha
que estamos diante de um soberbo pianista de jazz
e viro-me para o velho Mestre:
- Mr. Ibrahim
sou moçambicano
e antigo admirador seu.
O pretérito Dollar Brand anui
com aquele seu olhar translúcido
melancólico
e, curvado ao peso dos anos,
inclina-se em generosa mesura
e cumprimentamo-nos de punho cerrado
como comparsas de uma mesma progênie.
Mayisha faz-nos uma fotografia
e Mr. Ibrahim enlaça-me
num benevolente amplexo.
Faço-lhe uma vênia compungido
levo adiante a minha filha pela mão
enquanto o velho pianista se extravia
no azafamado átrio do aeroporto.
Explico à Mayisha
que aquele belo homem
de cabelo grisalho
alto
hierático
é um pródigo músico da Cidade do Cabo
que ela traz por domicílio.
Falo-lhe de Mannenberg
e a luta pela liberdade.
Conto-lhe a história do District Six.
Não me ocorre aludir ao pungente sax tenor
de Basil Coetzee também proscrito.
Ou citar o sopro metropolitano de Kippie Moeketsi.
Falo-lhe de Duke Ellington, pianista.
John Coltrane, saxofonista. Ornette Coleman, também saxofonista.
Todos eles cúmplices de Dollar Brand.
Ou o velho Thelonious no seu trôpego piano.
Ela sabe da minha insânia por Sibongile Khumalo
o meu desvario por Hugh Masekela ou Sipho Gumede.
Falo-lhe destes músicos intrépidos.
Não me atardo no jazz sul-africano.
Poderia falar do precoce Moses Molelekwa
ou do vetusto Jonas Gwangwa.
Retorno ao meu velho amigo
Adolph Johannes Brand
Dollar Brand
Abdullah Ibrahim
e ponho-me a pensar
na mandiga dos seus dedos
ubérrimos
sobre um piano melancólico
quando ele
compassivo prestidigitador
toca com as mãos de Deus.
Nelson Saúte
Joanesburgo, 29/06/2016
Óscar Monteiro, jurista, histórico membro do partido Frelimo, e ῎Caçador de Elefantes Brancos῎, veio a terreiro afirmar que era já tempo de o Estado ser emancipado. O pronunciamento foi no quadro do debate sobre o comando constitucional que veda ao Presidente da Republica (PR) o exercício de quaisquer funções privadas.
Para Óscar Monteiro é altura para o cumprimento imediato quer a montante, conformando o partido com a constituição, quer a jusante, imperando a obrigação constitucional.
Em debate semelhante sobre a acumulação dos dois cargos, quando foi da sucessão do ex-presidente Armando Guebuza, prevaleceram argumentos estatutários e a prática da Frelimo que obrigaram Guebuza a renunciar o cargo de presidente do partido e o então novo e actual PR, Filipe Nyusi, a assumir também, cumulativamente, a presidência do partido.
Decorridos dez anos, o apelo é para que Nyusi e Daniel Chapo, o actual candidato da Frelimo, este em caso de vitória nas eleições do dia 9 de Outubro, não devem acumular as funções. Por outras palavras, Nyusi deve imediatamente deixar a presidência do partido e Chapo, uma vez PR, não deve assumir a presidência do partido.
Este enredo aviva-me um meu comentário de há duas décadas em vésperas de eleições. Na altura defendi que a prioridade central do Governo que saísse das eleições devia ser a de ῎Organizar o Estado῎. Na réplica, um dos interlocutores disse de que antes a prioridade deveria ser a de ῎Organizar as pessoas῎, tendo até citado algumas personalidades da vida política nacional que seriam os primeiros da fila.
Hoje, e do pronunciamento de Óscar Monteiro, concluo que a sua tese de ῎Emancipação do Estado῎ passa pelas duas abordagens acima, ou seja: a ῎Emancipação do Estado῎ requer que se liberte antes as mentes para depois organizar o Estado. Talvez por aqui esteja o segredo para os próximo 50 anos de independência, e que justifica uma campanha de emancipação de mentes tendo como ponto de partida os militantes do partido do batuque e da maçaroca.
PS: Veio também a terreiro o sociólogo Elísio Macamo a defender que não via nenhuma ilegalidade/incompatibilidade entre os cargos por entender que o comando constitucional não especifica as funções privadas vedadas ao PR/Chefe de Estado. Diz este comando que ῎o Presidente da República não pode, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, exercer qualquer outra função pública e, em caso algum, desempenhar quaisquer funções privadas῎. Se atendermos que o PR não pode ῎desempenhar quaisquer funções privadas῎, e por isso vedá-lo a presidência do seu partido, leva-me a concluir que o impedimento deve também abarcar outras funções privadas como, por exemplo, as de Chefe de Família. Se não, não vejo nenhum impedimento, salvo melhor entendimento, para que o argumento de Elísio Macamo proceda.
Quando há sete anos, num dia 5 de Outubro, uma esquadra Policial da República de Moçambique foi assaltada em Macomia, Cabo Delgado, os moçambicanos nunca imaginaram o horror que marcaria a vida dos seus conterrâneos nos distritos mais nortenhos da província do gás do Rovuma. O Governo de Filipe Nyusi desqualificou o ataque, memorizando seu significado simbólico e descartando a consequência nefasta para a segurança do Estado. Era um caso de Polícia!
Nas semanas seguintes, o horror implantou-se, a tragédia engravidou o horizonte. Os monstros haviam iniciado uma onda abjecta de decapitações. A tragédia horripilante se instalara em Cabo Delgado, qual guernica dos nossos tempos. Com o tempo, um cenário apocalíptico pintando os quadros do horizonte e as paredes do nosso quotidiano. A hedionda táctica do terror se implantara. Decapitações em massa, crianças esfaqueadas, mulheres esventradas, inclusive grávidas. Aldeias inteiras incendiadas.
Carta de Moçambique nascera em Novembro de 2018. Na altura, a generalidade da imprensa local cavalgava as ondas da auto-censura, expondo seu silêncio ostentado sobre a tragédia. Com recurso a um jovem repórter louco, Amade Aboobacar, nossa linha editorial dedicou atenção sobre a matança em Cabo Delgado. A carnificina era todos os dias exposta. E “cunhamos” a ideia de que estávamos perante uma "insurgência", com os vestígios marcantes do "jihadismo" tal como é conhecido.
Mas à medida que a carnificina se sedimentava, do aparato castrense se aplicava o silêncio negacionista. Basílio Monteiro e Bernardino Rafael seguravam as rédeas de uma narrativa governamental que minimizava da forma mais cruel a vida dos moçambicanos.
A ladainha do caso policial mantinha-se incólume. E, na "média", todos os que ousássemos expor o terror em Cabo Delgado éramos visados pelos "mahindras digitais" do nyusismo, com toda a petulância que se lhe conhece. O regime activou “mahindras digitais” para expelirem seus uivos tenebrosos contras nós. Éramos os maus da fita, uns contra-natura. Amade Aboobacar foi detido em Macomia e levado para Pemba (mais tarde o jornalista Ibraimo Mbaruco foi silenciado em Palma).
Mas o recrudescimento do terrorismo fez parangonas cujo impacto levantou dúvidas sobre a perversa coexistência entre o terrorismo e a exploração do gás no Rovuma. Mesmo assim, a reacção governamental contra a insurgência – mais tarde cunhada de "terrorismo" pelo Governo – esteve centrada na acção policial, com protagonismo notório do Ministério do Interior, que controlava todo o procurement inerente, com os gastos militares subindo exponencialmente. Fontes seguras relataram a presença de uma festança corruptiva sem precedentes na cadeia dos gastos com o esforço de contenção do terrorismo.
Em Setembro de 2019, quando a coisa já estava demasiado preta, chegaram os mercenários da Wagner, naquilo que foi o primeiro envolvimento de forças exteriores em Cabo Delgado, e apenas depois de se considerar que o assunto era militar e ter sido desencadeado o envolvimento mais directo das nossas forças armadas, que se revelaram não preparadas para além de uma gritante pobreza logística.
A táctica dos mercenários da Wagner era a da “terra queimada”. Eles queriam incendiar o mato onde havia focos de terror, varrendo tudo o que fosse elemento vivo. Essa táctica foi recusada pelo regime de Nyusi e as incursões no terreno fracassaram, surgindo Lione Dyck, o falecido patrão dos mercenários africanos da Dyck, fazendo troça dos russos para conseguir o negócio moçambicano, sempre bem pago. O grupo Dyck chegou em 2021, em pleno Covid-19, para prestar apoio aéreo. E quando estava a obter algum sucesso, com violação dos direitos humanos à mistura, o General Eugénio Mussa, sua principal contraparte no Exército, foi “morto” pela Covid-19.
Depois da Dyck seguir-se-ia na fileira de apoio ao Governo a tropa de Kagame, do Ruanda, e a SAMIN (Missão Militar da SADC-Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral) e também da Tanzânia. Estranhamente, todo esse envolvimento estrangeiro em Moçambique foi feito à revelia das entidades representativas da soberania nacional.
Bertolino Capetine diz sem papas na língua que, na reacção contra o terrorismo em Cabo Delgado, nunca houve declaração de guerra. Tudo que foi feito não obedeceu aos comandos obrigatórios, incluindo a falta de consulta ao Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS). Sua palestra na semana passada, em parte vertida nesta edição de Carta da Semana, foi um autentico libelo acusatório contra uma conduta errática e ilegal da guerra em Cabo Delgado.
Durante estes anos todos, o esforço de guerra foi tremendo, com os gastos orçamentais. Só entre 2017 e 2020, nosso país tinha gasto mais de 1 bilião de USD por causa da guerra (de acordo com um relatório do CIP). Ou seja, o nosso Governo embarcou para um ostensivo despesismo de guerra sem ter declarado guerra, sem ter envolvido o CNDS e a Assembleia da República (AR) quando teve que abrir as fronteiras a países estrangeiros, incluindo a entrada e pagamentos milionários a mercenários.
Ou seja, estamos perante um novo calote que deve ser investigado, primeiramente em sede da Comissão Parlamentar de Inquérito. Para que isso possa vir a acontecer na próxima legislatura é do interesse nacional que a configuração da próxima Assembleia da República seja de tal modo equilibrada que a Frelimo não possa protelar o derradeiro inquérito ao nyusismo. A demissão de Bertolino na semana passada foi um indicador do seu nervosismo culposo. A guerra de Cabo Delgado foi uma maquinação ilegal e isso deve ser investigado e responsabilizado.
Marcelo Mosse
Diz-se, entre políticos ilusórios, que as eleições são momento de festa da democracia, entretanto, verdades podem ser reveladas por controvérsias entre partidos e candidatos. É raro que os partidos políticos, candidatos presidenciais ou candidatos independentes tenham pilares e agendas similares. O comum na competição eleitoral é a diferença nas perspectivas, agenda e avaliação do regime do dia. Da tradição política, os candidatos à sucessão tendem a trazer discurso de continuidade e melhoria, porém, é incomum o que ocorre na competição para as eleições presidenciais e legislativas de 2024 em Moçambique. Nestes casos, a competição pode tornar-se momento de desabafo, fúria e falsidades.
O atípico da agenda pós-Nyusi e, porventura, da Frelimo como um colectivo, é de resgate, revolução e prosseguimento. A Frelimo tenciona resgatar os valores que o partido destruiu e seguir sempre em frente. A Renamo pretende usar das suas vassouras para limpar o estado moçambicano que se encontra infestado desde 1975. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) pretende trazer ao Povo moçambicano o desenvolvimento que a Frelimo não conseguiu desde 1975. Finalmente, Venâncio Mondlane pretende escangalhar a actual perspectiva de governação e desenvolver um estado livre da corrupção, do amiguismo e da partidarização. Parecendo agendas diferentes pelos termos usados, na essência, os candidatos estão em uníssono pela necessidade de resgate do que foi perdido ao longo do tempo e preservar o que pode ser de bom uso. Entretanto, um aspecto particular, é da incongruência entre o resgate, o curso e o futuro no seio da Frelimo.
Ora, Frelimo pretende resgatar os valores perdidos no seio do partido. Nas palavras de líderes do topo e influentes da Frelimo, Daniel Chapo “sabe ouvir”. A análise de resgate dos valores do partido é complexa pela falta de objectividade, o que pode resvalar em dissonância na análise. No entanto, os discursos de Graça Machel, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, que são figuras proeminentes da primeira geração de governação da Frelimo, desde o monopartidarismo – entre 1977 e 1990, bem como do multipartidarismo, desde então, são contraditórios. Ora, do resgate dos valores da Frelimo, é implícito que em algum momento da sua governação e liderança, o partido Frelimo descarrilou e se estagnou. Identificar a altura em que o partido perdeu valores é de debate complexo no ambiente extra-partidário, porém, óbvio é que as três figuras estiveram nos mais altos órgãos do partido e do Estado moçambicano. Qual será então o marco da perca de valores na liderança de Chissano e Guebuza, bem como da proeminência de Graça Machel?
Assumir a actual liderança, encabeçada por Filipe Nyusi, como marco do desvio de valores é especulação. Não se sabe, do ambiente extra-partidário, qual tem sido a gestão do poder e dos valores “daquela Frelimo que pretendia servir o povo”. Se é da presidência de Chissano, de Guebuza ou também da proeminência de Graça Machel, o explícito é que eles desviaram e desrespeitaram o rumo do seu partido, daí que seu mérito na campanha eleitoral é duvidoso. Das poucas tentativas de argumento de desvio, seria da candidatura de Samora Machel Jr sem anuência da Frelimo para as eleições autárquicas na Cidade Maputo em 2018. Seria legítimo concluir que Machel Jr tivesse se apercebido da perca de valores do partido e, assim, tomar tal decisão de candidatura fora da Frelimo, em defesa dos valores “perdidos” do partido. De qualquer forma, talvez seja legítimo que a liderança do partido explicasse ao eleitorado, o momento da perca de valores. Chissano, Guebuza e Graça Machel, figuras activas no partido e na campanha eleitoral, devem explicação ao povo moçambicano.
A Frelimo e seu candidato, Daniel Chapo, apresentam dois lemas: “vamos trabalhar” e “Moçambique para Frente.” Ademais, em forma de apêndice, figuras proeminentes do partido, como os presidentes honorários, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, bem como ex-ministra da educação e cultura Graça Machel, afirmam em uníssono que Chapo “sabe ouvir” e este é momento crucial para resgatar os valores perdidos no seio da Frelimo. Encontra-se uma dissonância entre “Moçambique para frente” e “resgate dos valores perdidos” no seio do partido, mesmo havendo necessidade do “vamos trabalhar.” Ora, do resgate, avanço e trabalho, está explicito que, em algum momento, o partido não trabalhou e ficou estático. Não seria desarmónico Chapo “sabendo ouvir”, o que ser-lhe-á dito por seus antecessores? Dos discursos, tanto de Chapo, como dos seus antecessores, procura-se simultaneamente recuar para o resgate e avançar. Para alcançar qualquer dos fins, “vamos trabalhar”, significa que Chissano, Guebuza, Graça Machel e seus camaradas, foram preguiçosos e inertes.
Apartando-se o lado individual das três figuras, com o apoio de Samora Machel Júnior, a Frelimo sempre obteve maioria na Assembleia da República. Aliás na legislatura que está a findar, o partido teve maioria absoluta que permitiu que o partido optasse pela alteração do dispositivo constitucional que previa eleições distritais, adiando-as sine die. Nas anteriores legislaturas, a Frelimo obteve maioria que, sem dificuldades, aprovou legislação, planos e definiu políticas. Um questionamento, mais uma vez, é sobre o momento em que a Frelimo teria descarrilado, aprovando legislação ou políticas que fossem contra seus valores. Se Chapo “sabe ouvir”, talvez fosse justo e harmónico que seus camaradas optassem pelo silêncio, visto serem de legitimidade duvidosa para serem ouvidos pelo candidato que pretende um Moçambique seguindo em frente através do trabalho.
Moçambique sempre foi estado de regime presidencialista, com ou sem exageros de visibilidade do presidente e seu colectivo partidário. Se assim sempre foi, em que momento terá o partido perdido seus valores sem anuência tanto individual como colectiva. Se “saber ouvir” é valor do partido, resta a Daniel Chapo filtrar do que é dito, principalmente de Graça Machel e dos honorários presidentes Chissano e Guebuza, sob pena de manter o partido fora dos valores do mesmo. Aliás, Daniel Chapo talvez tenha que parar de ouvir para evitar prometer acções fora das suas competências. Chapo pretende combater erosão nos municípios, prover água nos municípios, construir estradas e outras infraestruturas municipais. Qual foi, então, a necessidade de criação de edilidades? Talvez seja por apetência ao poder, mas se for por resultado do “saber ouvir”, seria justo não os ouvir.
Os eleitores são geralmente emocionados nas jornadas eleitorais e podem deixar passar mensagens com as quais não concordam. Mas estes eleitores não são tolos, muito menos os edis que podem estar somente acompanhando a onda da campanha do seu partido. Será que concordam com a eliminação das suas competências nos municípios a favor das pretensões de Chapo? Se for o caso, com que tipo de democracia Chapo fará nos municípios governados por outros partidos? Quem promete deve, mas como político em campanha, é permissível mentir, desde que não burle sobre matéria que não é da sua competência e nem depende de si. Chapo está a prometer violar a Constituição da República, mas enquanto os eleitores aplaudem discursos de tal conteúdo, a tolice é duvidosa.
Tal como outros candidatos, Chapo promete transferir ou criar capitais. Mocuba irá hospedar a Assembleia da República de Moçambique; Vilankulo tornar-se-á capital turística; Pemba tornar-se-á capital turística; Niassa capital da agricultura, Nampula será capital económica. Com excepções, a história revela que as capitais de órgãos políticos são definidas por ditadores ou fenómenos políticos atípicos. Não é por acaso o exemplo de Brasília, no Brasil, aprovado no regime de Juscelino Kubischek. A Alemanha do pós-segunda Guerra Mundial ficou dividida e, em resultado, Berlim e Bona como capitais, o que se dissolveu com o fim da Guerra Fria. A Tanzânia tem Dodoma como capital administrativa resultante de um longo processo de transição e discussão sobre a fusão da parte continental com Zanzibar. Mesmo assim, a transferência da capital política de Dar-es-Salaam, mantém o estatuto de capital económica por força da economia, e não da política. Outra complexidade sucede com Nova Iorque, que é capital económica do mesmo Estado, dos Estados Unidos, e do mundo, mas Syracuse é a capital política do Estado de Nova Iorque, enquanto Washington, DC, território cedido por Maryland e Virginia, é a capital política dos Estados Unidos.
Em democracias, contrariamente ao que Chapo promete da transferência do Parlamento para Mocuba, tal decisão é definida primariamente pela elite político-económica. Se apostar pelos princípios democráticos, estará preparado para debate nacional para tal tomada de decisão e implementá-la em cinco anos? Terá o candidato Chapo feito negociação com a elite da Frelimo, habituada ao luxo dos centros urbanos, com centros comerciais para transferirem suas actividades ao “mato” de Mocuba? Garantir tal promessa é burla política que não está no manifesto da Frelimo. Aventando a possibilidade de ditadura, como sugere da retirada do poder dos edis, terá capacidade para fazê-lo em cinco anos? Entre emoções eleitorais, não haverá aqui burlas e ilusões? E a todos os candidatos, para onde vai a capital económica senhores políticos?
Uma capital económica não é transferida, mas sim construída em resultado do ritmo da economia para o desenvolvimento. Investimento não resulta de discurso político e o mesmo país não pode ter mais do que uma capital do mesmo bem ou serviço. É incongruente o discurso de Vilankulo e Cabo Delgado serem ambas capitais turísticas, nem Niassa e Manica, ambas se tornarem capitais da agricultura. Que investimentos tornarão esses locais capitais de tudo? Não serão ideias para ludibriar os eleitores num discurso de resgate, sempre em frente, mesmo com o “vamos trabalhar”? A ideia de capitais para quase tudo, na verdade, revela discursos inconsistentes.
Na unanimidade que os candidatos comportam. Daí que vós candidatos, podem mentir, mas as ondas de capitais para tudo na campanha eleitoral, parecem exposição de sevícias, burlas e ilusões no chamado “momento de festa da democracia.” Promessas sem premissas fundamentadas, nem avaliação de exequibilidade, não tornam a campanha eleitoral momento de festa. Incongruências no discurso de resgate, estagnação ou prosseguimento, são problemáticos e seus promotores, em particular, os presidentes Chissano e Guebuza, bem como a ex-ministra da educação e cultura, Graça Machel, devem explicação ao povo moçambicano, antes que Chapo os oiça. Aos demais candidatos, talvez não precisem de tais conselhos a serem ouvidos.