Por Dick Gulela*
O engenheiro, o outro engenheiro, anunciou-se como empregado do povo. O senhor age como se fosse dono do povo. Fala dos moçambicanos como o “seu” povo. Fala do país como sendo “seu”. É assim que fazem os pastores nas suas igrejas perante o rebanho dos crentes. Mas um país não é uma igreja. Moçambique não é a “sua” igreja. E os moçambicanos não são um rebanho.
A multidão que hoje enche as ruas em protestos responde a um apelo que resulta, sem dúvida, da sua indiscutível popularidade. Mas o mérito não é apenas seu. O senhor engenheiro devia agradecer em primeiro lugar à FRELIMO. Foi a má governação de uma elite predadora que encheu de frustração e descontentamento os milhares de jovens que agora desfilam a gritar pelo seu nome. A FRELIMO criou e alimentou a sua própria oposição. O senhor ganhou de bandeja esse presente.
Contudo, não basta um discurso inflamado e cheio de iluminadas promessas e obscuras ameaças. Dar o exemplo é a primeira exigência de um verdadeiro líder. O senhor engenheiro VM7 devia marchar com esses jovens. Aliás, devia marchar à frente deles. Outros assim fizeram: Martin Luther King, Mao Tsé Tung, Malcom X, Gandhi, só para lembrar alguns. Também esses estavam sob a ameaça de prisão. Mas tiveram coragem e, assim, revelaram a sua grandeza humana.
O senhor prometeu ao país inteiro que estaria à frente daquilo que chamou de “Grande Marcha”. Seriam, nas suas contas, quatro milhões caminhando de todas as províncias para “ocupar” Maputo. O senhor sabia que era impossível. Qualquer pessoa de bom senso percebia que esse apelo não passava de propaganda. De qualquer modo, o senhor prometeu que marcharia à frente desses imaginários quatro milhões. Caminharia de peito aberto, sem usar coletes à prova de balas. São palavras suas, caro engenheiro. São promessas feitas perante as televisões. O senhor não cumpriu. Não esteve à frente das manifestações. Esteve atrás. E mantém-se num lugar invisível, salvo dos perigos a que sujeita o “seu povo”. Está numa casa oculta propagandeando inflamadas “lives”. A sua mensagem é virtual. Mas o incêndio e o sangue nas ruas da cidade são bem reais.
Os que precisam de trabalhar, os doentes que ficam por atender, as crianças que ficam por estudar, um país inteiro paralisado: todo esse sofrimento é para si o preço que devemos pagar pela “salvação” que virá da sua pessoa. Mas o seu “programa de salvação” (que vai chegando como receitas avulso e em capítulos) não passa de uma lista de ameaças, de anúncio de mais “sofrimentos” (é esta a expressão que o senhor usa), sem que se entenda exactamente o que se deve fazer senão marchar. O povo marcha, concentra-se à frente da Presidência. E depois? Depois, meus amigos, depois é o caos. Depois, é a guerra. Depois, é uma nação partida pelo ódio, pelo medo e pelo desejo de vingança. O senhor engenheiro que não compareceu agora, continuará algures, em parte incerta, enquanto os moçambicanos inocentes serão condenados a um novo ciclo de miséria.
Por isso, senhor engenheiro VM7, pare de nos enviar mensagens de ódio e de violência. É um crime esperar que as concentrações de pessoas não sejam aproveitadas por gente que apenas quer tirar proveito pessoal e criminoso. Os actos de vandalismo e a reacção desproporcionada da polícia são, assim, um peso que deve recair também na sua consciência. Não se fazem revoluções online, com um único líder sentado comodamente fazendo incendiárias “lives” à distância.
O senhor já se chama a si mesmo de “Presidente”. Já organizou em sua casa a cerimónia de tomada de posse. Mas o desafio é simples: ganhou realmente o pleito eleitoral? Então, mostre as provas. Mostre as actas e editais. Não quer mostrar à CNE? Mostre à comunidade internacional. Não quer mostrar ao Conselho Constitucional? Mostre à Ordem dos Advogados. Deve haver alguém, neste mundo, que queira receber as “irrefutáveis” provas que você diz estarem em seu poder. Se não o fizer, ficaremos com a suspeita de que, você também, tenha medo da verdade, o mesmo medo que atribui aos seus adversários políticos.
Lembra-se das anteriores eleições a Presidente do Município? O senhor prometeu, frente às câmaras de televisão, que publicaria nos órgãos de comunicação e nas redes sociais as actas “verdadeiras” que estavam em seu poder. O que aconteceu? Estamos ainda à espera dessa prova.
Nessa outra campanha, o senhor anunciou que haveria uma marcha dos diplomatas para apoiarem a “verdade” da sua eleição. Sabia que era mentira. Sabia que nenhum diplomata estrangeiro se meteria a marchar nas ruas de Maputo. Mesmo assim, mais forte o impeliu a escolher a mentira. Peça a Deus que o ajude a entender essa pressa em chegar ao Poder, mesmo atropelando a verdade
Todos os partidos da oposição, igualmente lesados pelas fraudes, adoptaram uma mesma atitude. Aguardam serenamente pelo fim do processo. Todos esses partidos têm as mesmas suspeitas sobre a seriedade desse desfecho. Mas nenhum deles deixou de agir em conformidade com a lei. A sua pressa, caro VM7, em provocar caos nestes dias pode ser vista como uma prova do seu medo. Do seu medo em seguir os passos que você também, enquanto candidato, deve trilhar: não basta ter uma sala secreta em que fez a sua contagem paralela. O senhor tem o mesmo dever de todos os outros candidatos: apresente essas provas perante uma entidade credível que comprove a validade dos resultados. Quem não tem medo da verdade não vai pegar fogo à casa e, assim, apagar as provas do crime que alegadamente foi cometido pelos outros.
Na sua mais recente alocução, o senhor misturou medidas imediatas (a habitual lista de ameaças) com a promessa de construir 3 milhões de casas. Talvez o senhor não tenha reparado: a campanha eleitoral já terminou! E depois, senhor engenheiro, o senhor não está perante um povo de analfabetos. Peça a uma criança da nossa escola para fazer as contas. Para cumprir essa meta teriam de ser erguidas 1643 casas por dia durante o seu mandato. Nem a China consegue tal feito. O senhor pode ser profeta. Mas não é Deus. Se quer que os outros respeitem a verdade, comece o senhor mesmo a mostrar-se como um homem de palavra.
E, sobretudo, seja corajoso. Demonstre a mesma coragem dos jovens a quem o senhor manda para a frente de batalha. Quer ser um líder? Dê o exemplo. E faça com que as suas manifestações sejam ordeiras, condene publicamente os excessos, deixe de incendiar ainda mais o que já está a arder. Colegas seus, que se opõem a este mesmo governo, organizaram manifestações que sucederam e sucedem sem desacatos. O caso de Quelimane é bem elucidativo. Ou se não quiser escutar ninguém, escute os conselhos divinos de um Deus que não confunde justiça com vingança. O vandalismo que leva ao assalto e destruição de bens públicos não são simples danos colaterais. Tudo isso, senhor engenheiro, é também da sua responsabilidade pessoal.
Um candidato a presidente da República deve mostrar um comportamento de um homem de Estado. Pode e deve desobedecer ao governo. Mas não pode agir contra a constituição perante a qual, se tudo lhe correr bem, um dia terá de prestar juramento. E a constituição, caro engenheiro, tem leis que o senhor, queira ou não, deve respeitar. As manifestações e as greves são feitas com regras e procedimentos. Tudo isso está escrito na Constituição da República. Mas o senhor diz: este país é nosso. Fazemos o que “nós” queremos. E quando diz “nós”, você quer dizer “eu”. Não conhecemos ninguém da sua equipe, não se vê que estrutura organizativa você construiu à sua volta. Talvez o senhor ache que não precisa de uma equipa. Mas o povo não está a assistir a uma pregação propalada de um púlpito. E gostaria de conhecer a sua equipa e as soluções concretas que o senhor traz para sairmos desta profunda crise. Porque esse povo está cansado de milagres. Cansado de milagreiros que se esquecem de falsas e fáceis promessas. Um dia, esse mesmo “seu” povo marchará exigindo que o senhor cumpra aquilo que prometeu. O senhor que, tão bem conhece o texto bíblico, sabe do provérbio: quem semeia ventos, colhe tempestades.
O hino nacional que todos cantamos diz: nenhum tirano nos irá escravizar. Muitos dos que ganharam eleições noutros países traziam uma sacola cheia de promessas. Alguns deles tornaram-se tiranos. Ou melhor, já eram antes de chegarem ao poder. Aconteceu, por exemplo, com Adolfo Hitler. Não queremos que aconteça no nosso país. Queremos mudança. E mudança radical. Mas não queremos saltar da frigideira para cair no fogo.
Seja um homem à altura da sua palavra. Seja humano. Deixe de mandar os nossos filhos e irmãos para a frente de uma batalha em que o comandante está ausente. O seu paradeiro é incerto, mas o sofrimento dos que lutam em seu nome é mais do que certo.
Um moçambicano cansado de guerra.
*Pseudónimo.
A circulação de pessoas e bens ficou temporariamente paralisada na tarde da última quarta-feira (06) ao longo da estrada Nangade-Mueda, na sequência da movimentação de terroristas em aldeias ao longo daquela rodovia.
À "Carta", residentes de Nangade-sede relataram que os terroristas estão a circular em algumas comunidades daquele distrito há duas semanas, após a sua passagem pelas aldeias vizinhas de Mumu e Mitope, no distrito de Mocímboa da Praia.
"De manhã, alguns carros e até camiões transportando castanha [porque estamos ainda na época de comercialização] conseguiram sair da vila e outros chegaram de Mueda, mas esta tarde, por volta das 15h00, não se passava. Algumas pessoas notaram a presença dos insurgentes em Litingina", narrou Teodósio Teodoro, morador da vila de Nangade.
"Estava aqui um carro da Direcção Provincial de Educação a fazer monitoria sobre horas extras, e conseguiu chegar a Mueda, mas pouco depois ouvimos que aqui no meio havia uma situação, porque os terroristas estão perto", disse um funcionário do Serviço Distrital de Educação e Juventude e Tecnologia sob condição de anonimato.
No entanto, no princípio da noite, a trânsito de viaturas ao longo da referida estrada voltou a fluir depois da intervenção das Forças de Defesa e Segurança. Refira-se que, nos últimos dias, a circulação de viaturas ao nível do distrito de Nangade intensificou-se não só devido à movimentação da população para Mueda para acesso aos serviços bancários e ao comércio informal, mas também à campanha de comercialização de castanha de caju, que movimenta muitos agentes económicos de origem asiática. (Carta)
Vários bairros da Autarquia da Matola amanheceram ontem relativamente calmos, enquanto na cidade de Maputo reinava um ambiente de violência sem precedentes, caracterizado por uma guerra sem quartel entre a Polícia e os manifestantes, que protestavam contra a mega-fraude eleitoral e a má-governação.
Tumultos, fumaça, tiroteios, vandalismo, saques e atropelamentos foi o cenário vivido ontem em Maputo. Vídeos amadores mostram a Polícia da República de Moçambique também envolvida no saque e pilhagem de estabelecimentos comerciais em plena luz do dia.
Durante as primeiras horas desta quinta-feira, o movimento de viaturas era quase inexistente em diversos pontos da cidade e havia também pouca movimentação de pessoas caminhando a pé, vindas de diferentes partes da Matola, devido à falta de transporte público.
No bairro da Matola Gare, no município da Matola, para além de incêndios, vários contentores foram saqueados em diversos pontos. Os transportadores e os motoristas que circulavam pela Estrada Circular de Maputo, concretamente entre a rotunda da Nova Coca-Cola e a rotunda de Matlemele, também no município da Matola, para além da portagem da REVIMO, também eram obrigados a pagar nas duas portagens improvisadas pelos manifestantes.
Na “portagem” instalada na ponte da Matola-Gare, os manifestantes cobravam entre 50 e 200 Meticais, um valor que era exigido também na “portagem” instalada poucos metros depois da Portagem da REVIMO em direcção ao Zimpeto. Quem se recusasse a pagar o valor, via os vidros do seu carro quebrados por pedras que eram arremessadas pelos supostos manifestantes.
Nos bairros de Tsalala e Machava, por exemplo, todos os estabelecimentos estavam fechados, incluindo instituições de ensino e bombas de combustível. Nessas áreas, era possível ver um grupo de jovens tentando organizar algumas marchas de forma pacífica, mas em todos os cantos era visível o movimento da Polícia e diversos carros blindados.
Já no início da tarde, um grupo de jovens vindos de diferentes bairros da Matola começou a criar alguma agitação, alegando querer chegar à cidade de Maputo para se juntar à “grande marcha”. Entretanto, enquanto tentavam entrar na cidade, eram atingidos com gás lacrimogéneo lançado pelos agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), posicionados juntos à Portagem de Maputo.
Entretanto, mesmo com um forte contingente militar circulando ao longo da Estrada Nacional Número 4, no fim da tarde, o cenário mudou quando um grupo de manifestantes decidiu invadir várias lojas localizadas no supermercado Malhampswene. Naquele ponto, várias lojas ficaram sem vidros e os manifestantes roubaram quase tudo, sob olhar impávido de alguns proprietários, com destaque para caixas de bebidas alcoólicas, electrodomésticos, vestuários, entre outros produtos. (Carta)
O Movimento de Educação para Todos (MEPT) pede a suspensão das avaliações finais de todos os níveis do Sistema Nacional de Educação, até que a situação de ordem e segurança públicas seja devidamente restabelecida, para salvaguardar a integridade física dos estudantes.
O apelo foi lançado depois dos incidentes ocorridos na segunda-feira (04), na cidade de Maputo, em que um aluno de uma escola primária, no bairro de Magoanine B, foi atingido por gás lacrimogéneo, enquanto regressava à casa, vindo da escola.
Situação similar foi registada na província de Tete, onde um grupo de alunos fugiu em debandada perante um cenário de manifestações violentas, o que evidencia a vulnerabilidade das crianças face à situação vivida no país.
Neste contexto, o MEPT pede ainda a imediata implementação de medidas que garantam a segurança de todos os estudantes e professores, tanto dentro como fora dos estabelecimentos de ensino. “A salvaguarda do direito à vida deve ser prioridade em relação ao direito à educação”.
Aquela organização e outros grupos da Sociedade Civil pedem também para que os alunos que, devido à insegurança, não puderam comparecer às escolas e realizar os primeiros testes finais, não sejam penalizados e que tenham a oportunidade de realizar os exames em data posterior, sem prejuízo para seu percurso escolar.
O Movimento de Educação para Todos reitera o anseio de que nenhuma criança ou jovem deve ser prejudicado no processo de ensino-aprendizagem em decorrência da actual situação de violência, uma vez que a educação é um direito inalienável e deve ser exercido num ambiente seguro, pacífico e propício ao aprendizado. (Carta)
As manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane para repudiar os resultados fraudulentos pós-eleitorais podem levar o Banco de Moçambique a suspender o corte que tem vindo a fazer na Taxa de Juro de Política Monetária (Taxa MIMO), que em Setembro passado caiu de 14,25% para os actuais 13,50%, devido à contínua consolidação das perspectivas da inflação em um dígito, no médio prazo.
O posicionamento é do Economista-chefe do Standard Bank Moçambique, Fáusio Mussá, expresso no relatório do inquérito mensal às empresas do sector privado sobre a actividade económica, designado Purchasing Managers’ Index (PMI), referente ao mês de Outubro. “O ambiente tenso pós-eleitoral poderá levar o Banco de Moçambique a adoptar uma abordagem mais prudente relativamente à normalização da política monetária. Portanto, não descartamos uma pausa nos cortes da taxa de juro de referência”, diz o economista no PMI.
Mussá calculou que, desde Janeiro a esta parte, a taxa de juro de referência MIMO foi reduzida num total de 375 pontos base (3,75%), para o nível actual de 13,5%, mas as taxas de juro reais mantiveram-se elevadas, uma vez que a inflação tem diminuído a um ritmo mais rápido, com o valor mais recente de 2,5% em Setembro, em termos homólogos. “Este cenário, aliado ao facto de as reservas mínimas obrigatórias se manterem inalteradas e altas, reprime o crescimento do crédito”, defendeu o economista.
Sobre os resultados do último relatório do PMI que diminuiu para um nível corrigido de sazonalidade de 50,2 em Outubro, em relação ao valor de 50,3 registado em Setembro, Mussá entende que esta evolução reflecte sobretudo um crescimento mais brando das novas encomendas e do emprego, em comparação com o mês anterior.
Os registos do PMI acima do valor de referência de 50 sugerem um crescimento mensal consecutivo na actividade económica. “Os atrasos recorrentes dos projectos de gás natural liquefeito (GNL) apontam para que o investimento directo estrangeiro (IDE) provavelmente permaneça reduzido, o que implica um apoio limitado à oferta de divisas e ao orçamento do Estado e um crescimento mais brando do Produto Interno Bruto (PIB)”, acrescentou o bancário.
O Standard Bank Moçambique mantém a sua perspectiva de que, este ano, o crescimento do PIB irá desacelerar para 3,6% em termos homólogos, em relação aos 5,4% do ano passado, visto que os efeitos de base favoráveis, decorrentes do aumento da produção de GNL na plataforma Coral Sul, irão provavelmente diminuir. Além disso, a instituição entende que a economia se depara com uma oferta intermitente de divisas, pressões fiscais persistentes, condições de financiamento restritivas e baixo investimento. (Carta)
Várias dezenas de pessoas manifestaram-se ontem em Lisboa em defesa de justiça para Moçambique, face à instabilidade que se vive desde as eleições de outubro, com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana a anunciar a vitória da Frelimo.
Perto do centro do Terreiro do Paço, mais de meia centena de manifestantes entoaram cânticos e gritaram “liberdade ou morte”, enquanto se agitavam cartazes de protestos e bandeiras moçambicanas. “Não queremos um governo mentiroso”, “Chega de mortes”, “Fim da ditadura” ou “Queremos Frelimo fora do poder” eram algumas das mensagens que se liam nos cartazes, entre a curiosidade de alguns turistas que passavam à volta do protesto e tiravam fotografias.
Um dos manifestantes tomou o megafone em punho e anunciou que o protesto não era em nome do candidato presidencial Venâncio Mondlane ou do partido PODEMOS (Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique), que apoiou a sua candidatura, mas, sim, pelo povo.
Contudo, Hércio Chiziane contou à Lusa que os moçambicanos estão com o candidato e rejeitou que Venâncio Mondlane esteja a causar os tumultos no país. “O povo moçambicano já estava ansioso por um líder, nós só precisávamos que alguém nos desse um impulso. Este Governo, que governa há mais de 49 anos, oprimiu o povo durante todo esse tempo… o povo já estava cansado e está farto. Só foi preciso alguém com mais coragem aparecer para o povo despertar. O Venâncio [Mondlane] é o impulso que nos faltava”, afirmou, acusando de seguida a Frelimo de estar por detrás do atual clima de tensão.
A viver em Portugal há oito anos, Hércio Chiziane, de 33 anos, considerou que os resultados anunciados pela CNE moçambicana “são falsos”, contestando a vitória do candidato Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975), na eleição para Presidente da República de 09 de outubro, com 70,67% dos votos, enquanto Venâncio Mondlane ficou em segundo, com 20,32%.
“A Frelimo não perdeu as eleições de hoje, já tem perdido há mais de 30 anos”, atirou o manifestante, lembrando que os jovens representam 66% da população e que “nenhum jovem hoje em dia iria votar na Frelimo”, face ao que disse ser o sentimento de insatisfação generalizado com as políticas do Governo moçambicano.
Entre os jovens estava Sílvia Henriques, de 26 anos, que trocou Moçambique por Portugal há cerca de dois anos. Antes de começar a falar, secou as lágrimas pela situação no país, confortada com o abraço de outro dos manifestantes.
“Não são as cores partidárias que fazem um povo. É por isso que estamos aqui, na diáspora e distantes do nosso país, a fazer a nossa luta, a contribuir de forma positiva para que a nossa nação seja de paz e não de guerra ou corrupção, que é o que está a acontecer. O nosso Governo está à frente de todas estas mortes”, denunciou.
As mortes já registadas, os tumultos e a repressão policial de manifestantes representam, para Sílvia Henriques, que Moçambique já está “numa guerra civil” por causa do que considera ser uma “fraude eleitoral” nestas eleições, cujos resultados ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
“O povo está a clamar por justiça… Não é só em Maputo, é todo o país, são todas as províncias que clamam. Conseguimos ver as ruas de todas as cidades lotadas, as pessoas querendo que a justiça eleitoral seja reposta”, sustentou, continuando: “Estamos aqui na Praça do Comércio para dizer chega e que não queremos mais que o povo moçambicano esteja em apuros”.
Com uma bandeira moçambicana nas mãos, Smart Mucache, de 46 anos, revelou à Lusa que deixou Moçambique há apenas um ano por razões económicas e sociais decorrentes das decisões políticas, sublinhando que isso “vai acontecer com muito mais gente”, se a situação do país não se alterar entretanto. Ao contrário de Sílvia Henriques, não vê o país num clima de pré-guerra civil, mas apenas por uma razão: a falta de armas.
“Se tivesse armas, já estaríamos numa guerra civil. O que o povo tem é sede de justiça social. Fomos a eleições, as pessoas votaram no candidato que acharam que tem a capacidade e o interesse de governar o país com justiça e essa vontade do povo não foi respeitada. E eles querem simplesmente usurpar o poder, porque têm armas. O povo não tem como lutar contra eles, mas, se fosse possível, o povo iria fazer uma guerra civil”, defendeu.
Considerando que os resultados eleitorais anunciados “vão muito além de uma fraude” e que constituem “um insulto ao direito de escolha de um povo”, este manifestante referiu que Venâncio Mondlane corre risco de vida. “A Frelimo é um partido sanguinário, está habituado a matar. Não teria vergonha nenhuma em tirar-lhe a vida”, resumiu.
Em comum, os três manifestantes expressaram à Lusa o desejo de ver Portugal adotar uma posição diferente e mais assertiva sobre a tensão e os resultados das eleições no país. “É uma vergonha o Governo português não se manifestar e não condenar. Eles têm de entender qual é a vontade do povo”, realçou Hércio Chiziane, secundado por Sílvia Henriques, que manifestou “esperança de que o povo português também zele por Moçambique”, enquanto Smart Mucache duvida que os governantes tomem “a posição correta perante esta situação”, por considerar que “estão mais preocupados com os seus interesses económicos”.
Hoje cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em Moçambique, com a generalidade dos protestos a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados. Refira-se que esta foi a segunda marcha de protesto a ter lugar em Lisboa em menos de uma semana. A primeira aconteceu no último sábado. (Lusa)
Só na terça-feira, foram baleados mortalmente nove cidadãos, sendo três em Mocuba, na Zambézia, cinco nas cidades de Maputo e Matola e um em Tete. Mas, os números podem ser bem maiores porque há mortos por baleamento que não são declarados pelos Serviços de Saúde e outros que estão em estado grave e que poderão perder, ou já ter perdido, a vida dias depois dos baleamentos.
Contas feitas mostram que em cinco dias foram assassinados pela Polícia da República de Moçambique mais de 20 cidadãos. Mas, vamos às contas dos assassinados confirmados pelos nossos correspondentes em todos os distritos. No primeiro dos oito dias de manifestações, foram registados quatro manifestantes assassinados, dois em Maputo e dois em Pebane, na Zambézia. Em Pebane, os assassinados foram dois adolescentes de 14 e 17 anos de idade.
Entre o segundo e o terceiro dia, foram mortos por balas da Polícia seis manifestantes: dois na cidade de Nampula, dois em Namialo, no distrito de Meconta, um na vila de Mecubúri e outro em Nametil, sede distrital de Mogovolas.
Entre o quarto e o quinto dia, foram assassinados 10 cidadãos pela Polícia: três em Mocuba, na Zambézia, três na cidade de Maputo, três na Matola e um na cidade de Tete. E há desaparecidos. Um dos assassinatos na Matola ocorreu, ontem, no bairro da Matola-Gare, quando a polícia baleou um jovem na sua residência. O jovem foi levado para o hospital pelo cunhado, porque a esposa tinha desmaiado quando soube do seu baleamento. A sua morte foi confirmado no Centro de Saúde de Matola Gare. (CIP Eleições)
O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro em Moçambique, anunciou ontem que as manifestações de protesto são para manter até que seja reposta a verdade eleitoral.
“Se não houver reposição da verdade eleitoral, estas manifestações não vão parar. Vamos ocupar a cidade de Maputo até se devolver a vontade do povo. Caso contrário, a cidade de Maputo vai ficar ocupada de uma forma indefinida. Sem prazo. Até à devolução dos resultados eleitorais. É isso que queremos”, afirmou.
Mondlane, que fez o anúncio numa ‘live’ na rede social Facebook, acusou a Polícia de estar a saquear estabelecimentos comerciais e, no bairro de Maxaquene, de ter matado duas pessoas. “O povo está disponível para tomar o poder e vai tomar o poder. A hora já chegou e o povo já tomou o poder”, frisou, referindo-se aos populares que estão nas ruas da capital moçambicana.
Dirigindo-se às forças de segurança e aos militares, Mondlane instou-os a colocarem-se ao lado do povo. “Temos muitos militares que estão neste momento a ter uma ação exemplar, de patriotas. Não temos nenhum registo de um militar que tenha disparado contra o povo. Alguns polícias, nalgumas ruas, estão a colaborar com o povo. Continuem assim e passem a mensagem para outros polícias”, sublinhou.
O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, em 24 de outubro, dos resultados das eleições de 09 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para esta quinta-feira.
Ontem cumpriu-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.
Sem dizer onde se encontra, Venâncio Mondlane disse que não está a participar nas marchas porque o povo lhe pediu. “Não estou aí nas marchas porque o povo pediu. O povo ordenou: ‘Venâncio não sai de onde você está’. Estou a cumprir o que o povo me está a obrigar a fazer”, justificou. (Lusa)
Várias pessoas foram hoje detidas no centro de Maputo na sequência de pilhagens a lojas num centro comercial no centro de Maputo, palco de manifestações a contestar os resultados das eleições gerais.
Segundo um segurança do centro comercial localizado na Avenida Acordos de Lusaka, no centro de Maputo, "mais de 100 invadiram e vandalizaram duas lojas".
A polícia tentou depois recuperar material roubado, como televisores, telemóveis ou frigoríficos.
Na capital moçambicana veem-se grandes colunas de fumo, sobretudo devido a pneus a arder em várias ruas, e ouvem-se constantemente disparos de balas reais e explosões de granadas.
A polícia começou esta manhã a dispersar, com gás lacrimogéneo, os manifestantes que tentavam chegar ao centro de Maputo a partir dos subúrbios e, por sua vez, estes responderam arremessando pedras e garrafas contra a polícia.
Nas principais ruas de Maputo e nos bairros suburbanos há uma forte presença da polícia e militares, com viaturas blindadas e elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
Tal como acontece há uma semana, hoje registam-se novamente fortes condicionalismos no acesso à Internet, nomeadamente redes sociais.
O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique a 24 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados por Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para hoje.
A Ordem dos Advogados de Moçambique alertou que "existem todos os condimentos” para que haja “um banho de sangue", apelando a "um diálogo genuíno" para que isso não aconteça.
Hoje cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.(Lusa)
Está em chamas e tomada de militares e atiradores de elite, desde a manhã desta quinta-feira, a cidade de Maputo, o maior e mais importante centro urbano de Moçambique. Tal como estava agendado, milhares de manifestantes deslocaram-se na manhã de hoje ao centro da capital moçambicana, no âmbito da realização da “grande marcha”, convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em protesto aos resultados eleitorais de 09 de Outubro.
Empunhando dísticos e a bandeira nacional e entoando cânticos de apoio ao “candidato do povo”, incluindo o hino nacional, os manifestantes ocuparam as Avenidas Vladimir Lenine, Joaquim Chissano, Julius Nyerere, Acordos de Lusaka e de Moçambique, num cenário jamais visto no país. Todas ruas e avenidas da capital ficaram cortadas para o trânsito que, aliás, já se mostrava tímido logo de manhã.
Logo cedo, refira-se, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique posicionaram militares do ramo do Exército nas ruas, avenidas e praças da capital, devidamente armados e equipados com coletes à prova de bala. Igualmente, a Polícia da República de Moçambique colocou dezenas de blindados e agentes da Unidade de Intervenção Rápida (Polícia antimotim), Unidade Canina e do Grupo de Operações Especiais (atiradores de elite) nas principais entradas da Cidade de Maputo para impedir a entrada dos manifestantes na capital do país.
Mas, debalde! Milhares de manifestantes irromperam pelas principais avenidas da capital do país, com destaque para a Avenida Eduardo Mondlane, uma das maiores e principais da Cidade de Maputo. Nesta via, os manifestantes, desarmados e indefesos, caminhavam lentamente em direcção ao Hospital Central de Maputo, até que um contingente militar impediu a sua passagem a menos de 3 Km da Presidência da República, assim como do Palácio da Ponta Vermelha, a residência oficial do Chefe de Estado.
Neste ponto de paragem, a interação entre os militares e manifestantes era cordial. Porém, o cenário mudou com a chegada da Polícia antimotim que, como sempre, começou a lançar gás lacrimogénio e a disparar balas verdadeiras contra os manifestantes. Da dispersão dos manifestantes, começaram os tumultos, caracterizados por queima de pneus e colocação de barricadas em plena Eduardo Mondlane.
Cenário idêntico verificou-se nas Avenidas Joaquim Chissano, Acordos de Lusaka e Vladimir Lenine, onde a Polícia antimotim voltou a ser protagonista das cenas de guerra, lançando gás lacrimogénio e disparando balas de borracha contra os manifestantes. Aliás, logo cedo, a Unidade de Intervenção Rápida foi lançar gás lacrimogénio nas residências no bairro Luís Cabral, o que causou repulsa aos moradores, que saíram em massa para pedir explicações.
À margem das manifestações populares, um grupo de supostos manifestantes, residente no histórico bairro da Mafalala, ao longo da Avenida Acordos de Lusaka, invadiu um centro comercial e vandalizou uma loja de venda de eletrodomésticos e mobiliários, de onde retirou, entre vários bens, televisores, geleiras, congeladores e colchões. O mesmo cenário ocorreu num contentor frigorífico, no bairro de Luís Cabral, onde populares levaram caixas de carne de frango.
Até ao momento, não há dados oficiais sobre o número de detidos das manifestações de hoje, mas vídeos amadores mostram dezenas de feridos por balas verdadeiras, de borracha e por cartuchos de gás lacrimogénio, o principal parto servido pela Polícia aos civis desde o dia 21 de Outubro.
Lembre-se que hoje é o oitavo e último dia das manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, naquela que designou como sendo a terceira fase da paralisação da actividade económica no país.
Desde o início das manifestações, a 21 de Outubro último, o país já esteve paralisado 11 dias, com o registo de pelo menos 16 mortos, em 108 baleados pela Polícia, de acordo com os dados da Associação Médica de Moçambique. (Carta)