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Carta de Opinião

sexta-feira, 13 outubro 2023 08:53

CNE-STAE: uma inacção problemática

Em evento ontem realizado, que se convencionou chamar de conferência de imprensa, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) disse, respondendo às perguntas de jornalistas, que nada podia fazer face às notícias postas a circular sobre as alegadas violações às regras do jogo democrático-eleitoral, supostamente porque não havia nenhuma queixa a propósito.

 

As sobreditas violações tiveram como figuras de cartaz cidadãos filiados ou associados aos três principais partidos políticos do país, nomeadamente Frelimo, Renamo e MDM, em doses desiguais. 

 

O que o STAE disse na “conferência de imprensa” de ontem é por demais grave, dadas as responsabilidades dos órgãos de gestão eleitoral em situações tais. 

 

O STAE é, como se sabe, braço operacional da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que, igualmente, parece não ter “movido palha”. 

 

O acórdão do Conselho Constitucional (CC) atinente à validação das eleições autárquicas se 2013, as quartas, fixou, de forma clara e cristalina, um comando que deveria ser apanágio da actuação dos órgãos eleitorais naquele tipo de situação:

 

“A CNE é um autêntico órgão de administração eleitoral activa, com amplos poderes legais de intervenção em todas as fases e actos do processo eleitoral, com vista a garantir que os mesmos decorram em condições de liberdade, justiça e transferência. Isto significa que a CNE pode e deve, ex-officio (NA: oficiosamente, ou seja, sem queixa nenhuma, a partir do momento que toma conhecimento), proceder à fiscalização de quaisquer actos, quer do recenseamento, quer do processo eleitoral, adoptar, pontualmente, as diligências que julgar mais adequadas à reposição da legalidade eleitoral, sempre e quando esta se mostre violada, seja por órgãos subalternos de administração eleitoral, seja por quaisquer outros actores dos processos eleitorais” (Acórdão número 4/CC/2014).

 

O que será, então, fiscalização (que incide sobre o controlo da legalidade dos actos dos órgãos subalternos) e supervisão (que visa o controlo da legalidade e eficiência da acção administrativa, qual poder vinculado de controlo da legalidade) eleitorais, prerrogativa dos órgãos eleitorais que consta da Constituição  (artigo 135) e de todas as leis eleitorais, se estes órgãos públicos só podem agir havendo queixa? 

 

Em boa verdade, o forte da supervisão é o poder jurídico de revogar, substituir ou anular os actos objecto de controlo de legalidade. É o que esses órgãos não estão a fazer. Isto não precisa de queixa alguma. A inacção dos órgãos eleitorais configura, pois, uma renúncia às suas competências, o que viola o poder de decisão. 

 

Estamos, do mesmo modo, perante uma clara violação do princípio da legalidade da competência,  segundo o qual esta não se presume, muito menos se renuncia! 

 

Não se tendo agido pontualmente, o processo eleitoral em curso já se acha infestado de um insanável vício de ausência de credibilidade, o que, no limite, até pode afectar o projecto de pacificação ora em fase avançada. 

 

Não valesse o princípio da tipicidade, associado à proibição da extensividade interpretativa, em sede do Direito Penal, este tipo de inacção deveria ser equiparada ao tipo legal de crime de traição à pátria. 

 

Um ‘non facere’ problemático esta acção por omissão da CNE-STAE!!! 

quinta-feira, 12 outubro 2023 18:00

Frelimo deve fazer uma introspecção!

Adelino Buqueeeee min

“Meu irmão Gustavo Mavie! O Povo não é ingrato com a Frelimo, o Povo sabe e agradece pela acção de libertação, por isso todos os dias celebra Samora Moisés Machel. Os jovens, que não viveram a euforia da independência nacional, celebram Samora Moisés Machel. Então, o que estará errado na vida política nacional? Certamente, não são os jovens desempregados que pululam nas ruas das capitais provinciais, não são eles que estão errados. Provavelmente, o errado é estarem nessa condição de desempregados e, muitas vezes, sem perspectivas do futuro. A questão é: que solução a governação da Frelimo traz para estes jovens? Diz o Slogan da TV Miramar que “o Futuro é agora” e eles querem saber hoje que futuro lhes espera, na perspectiva de que não deve ser a médio e longo prazo. A Frelimo obriga-se a uma introspecção urgente!”

AB

“Só com base nesta história é que já dá para compreender os que agora detestam a FRELIMO, não obstante tenha liderado a libertação do nosso país e proclamado a nossa independência assim como criado o Estado que temos desde 1975, e morram de amores por aquelas formações políticas que nunca fizeram nada de bom e prestadio para este país, senão o ter destruído durante 16 anos, contados entre 1977 a 1992 e entre 2013 a 2016. Mais do que o terem destruído, tais partidos por quem agora morrem de amores, matavam-nos cruelmente e impediam-nos de circular pelo nosso país.”

In Gustavo Mavie, SE OS PARTIDOS FOSSEM COMO PESSOAS, ENTÃO A MAIORIA DOS POVOS OCIDENTAIS ERAM POLÍGAMOS E NÓS MOÇAMBICANOS PODEREMOS VIR A SER TAMBÉM UM DIA POLITICAMENTE POLÍGAMOS, 10 de Outubro de 2023.

As eleições Autárquicas de 11 de Outubro de 2023 foram realizadas e, ao que tudo indica, foram livres, ordeiras e transparentes, pese embora, se reportem casos de violação da Lei em algumas Autarquias. No cômputo geral, estas eleições devem orgulhar-nos como sociedade e como País que entra para a consolidação da sua democracia multipartidária. Dizer que as eleições foram livres, ordeiras e transparentes não significa que não tenha havido, aqui e acolá, problemas por resolver, nada disso.

Faco esta reflexão, reiterando que, hoje, existem valores de grande utilidade, mas que não devem contar para uma campanha eleitoral. Escrevi e publiquei noutra reflexão, mas, devido à persistência do meu irmão Gustavo Mavie, volto ao assunto e, na minha opinião, o que não deve ser assunto para a campanha eleitoral de hora em diante é:

 

1)    O atraso no desenvolvimento nacional atribuído ao Colonialismo Português;

2)    O atraso atribuído à Guerra dos 16 anos entre a Renamo e o Governo de Moçambique;

3)    Baixo nível de escolaridade e de saúde atribuído à falta de recursos.

Quando o meu irmão Gustavo Mavie evoca a libertação de Moçambique, certamente, não deve perder de vista que muitos concidadãos, que participaram na Luta de Libertação Nacional, ainda não têm pensões fixadas hoje, passados 48 anos de independência. Sabe o que isso poderá significar a esses combatentes? Creio que sequer imagina, mas esses mesmos combatentes cruzam ou vêem, através dos órgãos de comunicação social, seus antigos colegas a esbanjarem felicidade e bem-estar publicamente, em nome desse passado colectivo. Mas o mais grave é não saber ou não entender que o votante de hoje não é aquele cidadão grato pela independência nacional. O votante de hoje é outro.

 

O votante de hoje é o jovem que, devido à independência, conseguiu estudar e formou-se, quer seja ao nível da Universidade ou no ensino médio, mas vive na rua vendendo crédito das telefonias móveis como a TMcel, Vodacom e outras, vende energia ou roupa de segunda mão ou outras quinquilharias que encontra no mercado e anda quilómetros a pé vendendo isso. Esse é o votante de hoje e é esse que determina quem irá governar hoje e amanhã, por isso, na minha opinião, não vale a pena agarrar-se ao passado libertário para exigir o reconhecimento por alguém que sequer viu o colono em Moçambique.

 

Falar da guerra dos 16 anos é bom para o conhecimento da História, no entanto, não é bastante para convencer um eleitorado que anda pelos 18 a 30 anos, porque, pura e simplesmente, não conheceu essa Guerra. Para muitos, essa guerra é fruto da “Frelimo querer governar sozinha e do Monopartidarismo em Moçambique”, pese embora haja muito que se diga sobre a mesma. No entanto, teria de juntar muita juventude e durante muito tempo para explicar e colher alguma compreensão sobre o assunto, o que não me parece tarefa fácil num sistema como o nosso, pois os outros também têm a sua versão sobre o mesmo assunto.

 

Definitivamente, na minha opinião, a Frelimo deve fazer uma introspecção, deve reflectir profundamente sobre o que não fez para que a sociedade esteja de costas viradas com ela. É importante que pessoas isentas e sem complexos, capazes de ouvir coisas que até podem não gostar, intervenham, de modo a pensar na estratégia para a mudança, uma mudança efectiva da sociedade rumo à prosperidade. Como diz o Slogan da TV Miramar: “o Futuro é agora”. Então, não vale pensar que poderá prometer a uma pessoa com fome a refeição de amanhã. Ela quer hoje, agora, para já! A Frelimo precisa de mudar a qualidade de promessas que faz, as suas promessas devem materializar-se e apresentar provas disso, de contrário, continuará a falar-se mal de uma juventude com carência de tudo e que vê na oposição a solução para os seus problemas.

 

As eleições Autárquicas de 11 de Outubro passaram para a história, mas vêm aí outras eleições para breve e devo recordar que é para o ano. Ora, estamos a dois meses de chegar para esse ano eleitoral e, mais do que chorar sob o leite derramado, a Frelimo deve reflectir, colocar os seus “MADODAS” a pensarem Moçambique e suas gentes e, sobretudo, como sair desta impopularidade em que se encontra. Definitivamente, deixemos de chamar o povo de ingrato!

Adelino Buque

terça-feira, 10 outubro 2023 08:28

Quem conta os votos?

Tenho acompanhado a recomendação da oposição ao poder dominante para que os seus potenciais eleitores votem e que fiquem, no local, de vigia no momento da contagem dos votos. Uma recomendação que encontra eco numa fala que é atribuída a Joseph Stalin, líder soviético, a saber: "Quem vota e como vota não conta nada; o que conta os votos é que realmente importa".

 

Será a melhor estratégia? Não sei. Lembrar que na sala de aulas, em dia de teste ou exame, existem também vigias e nem por isso um impedimento para a ocorrência de fraude académica.

 

E tomando o exemplo da vigia em dia de teste ou exame, recordo-me de um meu professor que depois de ficar meia hora na sala, optava por sair e avisava antes que seria por apenas quinze minutos. De regresso a maioria já estava por finalizar as respostas, mesmo os que não tinham ainda respondido a nenhuma pergunta antes da sua saída. Com este professor era sempre assim.

 

Há uma semana cruzei-me com o dito professor - há década e meia que não o via - e soube dele que a saída por quinze minutos era a metodologia que encontrara para que os seus alunos estudassem e que ele tivesse bons resultados.

 

Segundo o admirável professor, o acto de o estudante preparar a cábula e a certeza de que terá uma oportunidade para usá-la durante o teste/exame produzia efeitos tremendos na melhoria da performance dos alunos e a dele. Desta experiência, uma outra máxima: “A vitória prepara-se, a vitória organiza -se”.

 

Não foi Stalin quem disse esta máxima, mas acredito que tenha sido da combinação desta máxima com a do Stalin em que o meu professor, por acaso formado na então União Soviética, tivera a divina inspiração metodológica para os seus bons resultados. Dito isto: quem conta os votos? “É quem prepara e organiza a vitória”, responderia o meu professor.       

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

terça-feira, 10 outubro 2023 07:19

Defunto sem rosto

I

 

A vontade de urinar era tão grande que o motorista da camioneta foi freando o seu veículo até esta imobilizar-se completamente a berma da estrada.

 

Saiu e correu para a mata, largou um jato de urina para a moita, já aliviado, quando fechava a braguilha eis que se depara com alguém que o mirava com olhos esbugalhados.

 

Assustou-se, deu um recuo com dois passos, mais movido pela curiosidade voltou a posição inicial, trocaram olhares até que mais uma vez o temor tomar conta de si.

 

O ser desconhecido tinha a cara muito ressequida, com certeza de muitos dias ao relento, o  cabelo crespo estava completamente desgrenhado e pousavam moscas que zuniam imparavelmente, aparentava ter uns vinte e poucos anos. Tinha o rosto oval,  pálpebras descaídas, o  olhar vítreo desarmava quem o mirasse.

 

O olhar estranho continuava impávido a foca-lo, decidiu então, abalar logo dali, voltou a assumir o comando da sua camioneta de quatro toneladas, e afastou-se rapidamente do local.

 

Só voltou a parar na esquadra policial do bairro “floresta” na periferia da cidade para relatar o estranho caso do homem com olhar ameaçador que o espreitava.

 

A policia intrigada com o relato acorreu de imediato para o local explicado pelo motorista, depois da devida perícia recolheram-no e trataram logo de o levar para o hospital central de Quelimane para ter os devidos cuidados que este merecia.

 

O médico de serviço recebeu o estranho trazido pela polícia e orientou os seus colegas no sentido de o proverem de melhores condições que se adequavam ao seu tratamento.

 

Os técnicos da FRIZA Lda, empresa que ganhara o concurso público depois de  evidentemente enluvarem os funcionários do UGEA, apareceram na manhã de segunda-feira no sector de manutenção do hospital para procederem a reparação do sistema de frio da morgue.

 

O pessoal de sector de manutenção haviam garantido aos técnicos da “friza” que as condições estavam criadas para que estes laborassem tranquilamente. Três frigoríficos faziam parte de sistema de conservação de cadáveres dos seres que desencarnavam na cidade e arredores.

 

Compressores, termóstatos foram trocados nos primeiros dois frigoríficos  e os técnicos avançaram para trabalhar no terceiro. O técnico chefe fazia as devidas afinações aos aparelhos reparados, para flexibilizar o trabalho pediu que os seus dois colegas iniciassem com o desmontagem das peças que iriam ser substituídas no terceiro.

 

- Ahhhh! – uma dupla gritaria, bastante estridente foi disparada pelos técnicos quando se depararam com algo bizarro dentro da câmara frigorifica.

 

Os funcionários da morgue que se encontravam nas redondezas a tomar o pequeno almoço acudiram prontamente aos alaridos, chegaram manuseando seus pães e badjias e encontram os técnicos aterrorizados.

 

II

 

Quando a noite adentrava os moradores dos bairros circunvizinhos do cemitério da cidade eram abalados por um ser, que diziam os visados ser um anómalo desprovido de cabeça, que andava acompanhado pelo seu ajudante de campo, este servia de interlocutor entre as reivindicações do homem sem cabeça e os moradores visitados.

 

“Ele quer a cabeça dele” – dizia o seu ajudante de campo.

 

O anómalo falava por gestos furibundos deixando os visados mortos de susto.

 

A empreitado nocturna do estranho ser e o seu ajudante acontecia amiúde logo que escurecesse, o primeiro acto do evento era um assobio emanado em decibéis hipnotizadores, depois ouvia-se um bater na porta do morador que iria receber a visita.

 

O pânico já havia capturado a cidade, e para o cúmulo havia uma crise na rede de distribuição eléctrica da cidade.

 

A recessão económica agredia as contas dos comerciantes da cidade e arredores, os mais prejudicados eram os “barraqueiros”, os seus clientes recolhiam cedo para as suas casas, por conta do terror protagonizado pelo homem sem cabeça e seu ajudante.

 

Uma assembleia geral dos anciãos dos bairros atacados foi realizada numa sala disponibilizada pela autarquia da cidade, um “nyanga” vindo de Inhassunge auxilio-os para averiguações inerentes a solução para o questão que os assombrava.

 

Um decreto para afastamento das incursões malignas do estranho ser foi aprovado por unanimidade, sob comando do “nyanga” devia-se sacrificar uma galinha cafreal e colocar a cabeça do animal na parte interna da porta principal e no chão do principal acesso a casa devia-se fazer um círculo com um “X” no interior.

 

III

 

Depois de recuperam o fôlego os técnicos iam tendo focos de lucidez que lhes permitia usufruir da sua racionalidade. Os funcionários da morgue depois de gargalharem até não puderem mais, recobram a serenidade.

 

Então um dos técnicos que vivia no bairro da periferia do cemitério afirmou:

 

- O dono dessa cabeça esta a sua procura! – afirmou aliviado.

 

Nos dias que se seguiram foram de procedimentos para encerrar o inédito caso que engolia a periferia e já se arrastava para a cidade.

 

A burocracia para exumação  foi prontamente atendida, a vereação dos cemitérios da autarquia, sabia da porção de terra que guardava o corpo.

 

Numa tarde lúgubre de sábado, procedeu-se a reconstituição do corpo e o reenterro.

segunda-feira, 09 outubro 2023 12:52

Textáfrica: o mito de Chimoio

O desmoronamento do Textáfrica de Chimoio jamais será um caso isolado, está inserido num contexto em que todo o futebol moçambicano perdeu o entusiasmo dos tempos. Ou seja, nos primórdios da independência nacional, o nosso país era um imenso alfobre futebolístico, com tendência a inesgotável, mas é reduntante dizer isso. Era um transbordante estendal com jogadores de topo, talhados naturalmente para grandes exibições em qualquer parte do mundo, e eles mostravam esse talento nos campos sempre abarrotados, e assim, todos nós acreditávamos que na senda de Eusébio, Coluna, Matateu, Vicente, Matine e outros tantos, seriam estes a embarcar em outros voos. Enganamo-nos!

 

Jogadores como Orlando Conde, Ângelo Jerónimo, Chababe, Luís Siquice, Terezo, Chinguia, Guiló, Cifrónio, Babarriba, Lóngwè, Marcos I, Marcos II, para citar apenas alguns exemplos dentro de um manancial vibrante sem fim que Moçambique já teve, terão sido injustiçados pela história, impedidos de brilhar noutras galáxias. Fecharam-lhes as portas da luz, então não tiveram outra saída que não fosse a resignação, mesmo assim sem perder a dignidade. Levantaram, em ocasiões infinitas, o Estádio da Machava e muitos outros campos espalhados pelo país, até que as pernas sossobraram. Deixando para trás o seu labor indelével, que será recordado para sempre.

 

Porém, o que nós não sabíamos e nem esperávamos, era que esses “craques”  seriam a última carrada, pois, depois deles os dias de sol começaram a fenecer, até hoje que não temos certeza do futuro, a não ser que Reinildo Mandava reacenda a chama da nossa esperança e fazer-nos acreditar, novamente, que Moçambique é um país de grandes jogadores de futebol.

 

Nesse tempo de ouro nem sequer precisávamos de televisão, não tinhamos. Bastavam-nos os relatos de João de Sousa, Anuar Mussagy,  Saíde Omar e o Domingos Naene para que, na impossibilidade de estar no terreno, acompanhassemos tudo em grupos de amigos, gritando em delírio como se também estivéssemos lá. Eram tempos de glória, corporizados por finas coqueluches. Conheciámos a todos pelos nomes e acreditávamos nas suas capacidades de tornar as partidas em poesia que será declamada do Rovuma ao Maputo. Para gáudio do próprio futebol.

 

Não haverá nenhum jogo no Estádio da Machava que não seja precedido de romaria. As pessoas, na falta de transporte, iam a pé, ocupando literalmente as bermas das estradas que vão dar ao vale do Infulene. A festa era exalada antes de o jogo começar, numa postura de pátria nunca vista. A Federação Moçambicana de Futebol tinha os seus “sócios” com “bancada-sol” reservada para que o remoínho ressurgisse. Outros, que não terão acesso ao recinto, vão se pendurar nos postes de electricidade lá fora. Mas esse é o resultado da força que o futebol tinha nesse tempo.

 

Depois, provavelmente a partir dos finais de oitenta e princípios de noventa, a euforia que dava sentido à nossa vida começou a esboroar-se. Fomos ficando sem  a quem seguir como ídolo. Os campos foram perdendo o chamaris. Mesmo com a construção do Estádio Nacional do Zimpeto, não haverá motivo para lá ir, salvo em pouquíssimas ocasiões, mais por aliciamento da publicidade, do que propriamente pela crença de que teremos os nossos jogadores a cintilarem. Não é o “Zimpeto” que joga, são os jogadores. Que entretanto já não nos fazem acreditar no futuro.

quarta-feira, 04 outubro 2023 13:02

De 1992 até cá, quem já se humildou?

Assinaram-se os acordos gerais de paz, em 1992, e até hoje nunca ouvi uma mínima voz humildando-se e pedindo desculpas pelos horrores dessa estúpida guerra. Ninguém, até hoje, já procurou mediadores para preparem os acordos de pedido de desculpas às milhares de famílias destruídas e fuziladas em nome do desenvolvimento, democracia e marxismo. Ninguém!

 

Quem já pediu desculpas ao Rogério Dimande, meu antigo professor, que foi higienizado as duas mãos por uma catana, enquanto assistia aos seus pais sendo deslocados vivos por uma corda para as profundezas de uma latrina? Quem já pediu desculpas a mim, pelos setenta e tal familiares meus fuzilados no Massacre de Homoíne?

 

Não falo da Frelimo, da Renamo, do Governo, falo do pedido de desculpas que nunca ouvi, falo das acusações que todos trocam sem se dar um minuto para arrancar a dentadura do silêncio e colocar entre as gengivas uma simples frase: “pedimos desculpas a todos pelas mortes”.

 

De 1992 até cá, quem já se humildou, quem já condecorou com um pedido de desculpas a milhares de crianças, que hoje são pais, que cresceram sem saber o peso, a doçura das palavras pai, mãe na boca? Como alguém que nunca teve um pai pode ser um pai?

 

Em outros feriados, assistimos condecorações, distribuição de medalhas de mérito e coragem, graduação infantil de heróis. E hoje, 04 de Outubro, quem merece tudo isso? Haverá coragem de chamar todas as vítimas dessa guerra, sacudi-las o peso da morte e enchê-las de condecorações, medalhas e certificados? Haverá coragem de reconhecer que são heróis as crianças que cresceram sem pais, as viúvas que envelhecem sem saber dos corpos dos maridos e as famílias que até hoje tentam ter paz?

 

Haverá coragem de pedir desculpas a milhares de crianças que foram armadas e obrigadas a matar, aos massacrados e queimados vivos que nem em Roma foram chamados para pelo menos dizer: “vamos pensar no vosso pedido de desculpas”. Podia falar dos massacres, das mulheres estupradas e assassinadas, das mulheres que hoje criam filhos que fizeram nas matas em troca de um naco de segurança, mas falo de um simples pedido de desculpas.

 

A guerra civil acabou, mas quem já confessou que matou e pede desculpas? Quem, dos fazedores da guerra civil, já parou um minuto para confessar um pecado, um crime e apontar uma vala comum qualquer que ajudou a cavar? Quem desses chefes já parou um instante para orar, não pela democracia, não pelo desenvolvimento, não pelo marxismo, mas pelas pessoas que matou. Quem, embezerrado de arrependimento, pediu desculpas pelas minas que serraram pernas e transformaram em pó a vida de muitos moçambicanos? Quem já se humildou?

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