Em jeito de homenagem ao Comandante Abel Chambal (1962-2023)
Em 1992, quando da assinatura do acordo de paz, uma outra paz – a paz da alma – já habitava nos corações de familiares e amigos, em festas e casas de pasto da cidade, e não só, com o singelo contributo de Abel da Conceição Chambal, El Comandante.
No cockpit do DC-10 ou de um Boeing da companhia de bandeira, no regresso de mais uma jornada no exterior, cada uma das suas aterragens, as “manteigadas” conforme, carinhosamente, as tratava, eram também aterragens de paz. Uma paz que vinha com uma chique estampa de uma loja de música, algures pelo mundo fora.
Há dias, uma manhã de domingo, as notícias do seu estado de saúde não eram as melhores, a prece fora como ele ensinara: ouvindo música. Foram perto de três horas intensas de “Sons do Cockpit” culminadas num repentino silêncio, por conta de uma possível reclamação da vizinhança.
Não tardara. A porta bate. Era a vizinha, totalmente tomada e com a alma preenchida de saudades de boa música. “Toca outra vez, vizinho”. Do som do pedido, a confissão de que se rendera aos sons que, no fundo, vinham do cockpit sob as rédeas do Comandante Abel Chambal.
Ainda há dias, um grupo de amigos, com génese fraterna nos “Sons do Cockpit”, combinara arranjar um momento com o Abel Chambal. Na verdade, um pretexto para reconhecer quem trouxera a única, a efectiva e definitiva paz - a “ Paz da Alma” – simbolizada na eterna assinatura das capas dos seus CD’s: a indelével Benta&Abel.
Das últimas lembranças, fora as do quotidiano de proximidade, a da sua preocupação com a mãe pátria, de que tanto amava e dera por ela, incluindo intervenções críticas sobre o seu rumo, ora turbulento, quanto fora, também, os seus últimos dias em leito hospitalar.
No corpo da mensagem de que “Perdemos o Abel” na noite do dia 29 de Outubro, uma ténue marca de água da decolagem de um vôo com destino ao reino dos céus e com a inscrição de baptismo: “Paz da Alma”.
Hoje, na cadência de “Sons do Cockpit”, o aceno derradeiro para a aeronave “Paz da Alma”, que parte para o além, sob as rédeas do seu eterno Comandante, Abel da Conceição Chambal, o piloto-mor do bom ouvido musical de muitos, dentre próximos, distantes e anónimos, que, seguramente, perdurará na descendência de cada um.
Saravá, Abel Chambal!
Nando Menete
Maputo, 02 de Novembro de 2023
Nota: Abel da Conceição Chambal (1962-2023), Piloto, fora um Comandante por excelência e cumpriu com 12.300 horas de vôo e cerca de 6500 aterragens.
Nos recentes acórdãos do Conselho Constitucional (CC) relativamente ao contencioso eleitoral atinente às sextas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023, este órgão de soberania diz, de forma expressa e equívoca, ter competência exclusiva para invalidar os resultados das eleições em Moçambique, entanto que Instância Contenciosa Eleitoral Suprema.
Em bom rigor, trata-se de alegada competência exclusiva do CC em razão da matéria e da hierarquia, excluindo-se assim, nessa competência, os tribunais judiciais eleitorais, conforme se depreende, a título de exemplo, do Acórdão n.º 15/CC/2023 de 23 de Outubro referente ao Processo n.º 26/CC/2023 – Recurso Eleitoral, em que é Recorrente a Comissão Distrital de Eleições de Chókwè e Recorrido – o Tribunal Judicial Distrital de Chókwè.
O CC alicerça a sua posição nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 243 da Constituição da República de Moçambique (CRM), a qual determina que cabe ao Conselho Constitucional: “apreciar, em última instância, os recursos e reclamações eleitorais, validar e proclamar os resultados eleitorais nos termos da lei.” (O sublinhado é nosso).
Da supracitada norma constitucional não resulta claro e inequívoco que o CC tenha competência exclusiva para validar ou invalidar os resultados eleitorais em Moçambique, senão em última instância. O que significa que há possibilidade legal de apreciação de casos de ilegalidades que relevam para a nulidade ou invalidação dos resultados eleitorais pelos tribunais judiciais, em primeira instância. Aliás, parece que essa alegada competência exclusiva do CC tampouco resulta de qualquer norma em legislação eleitoral ordinária em vigor.
O CC teria competência exclusiva se, por exemplo, a norma constitucional supra mencionada estipulasse que cabe ao CC apreciar como instância única ou primeira e última instância a validação/invalidação dos resultados eleitorais nos termos da lei.
As competências do CC não se presumem, resultam, expressa e inequivocamente, da lei. Neste contexto, vale a pena notar que, da norma constitucional supra mencionada, não é possível perceber, senão por presunção forçada, essa competência exclusiva de validar ou invalidar as eleições que o CC alega ter nos seus acórdãos relativamente aos recursos eleitorais das decisões dos tribunais judiciais de distrito, como é o caso do acórdão acima indicado do Tribunal Judicial Distrital de Chókwè.
No mesmo sentido de não se atribuir qualquer competência exclusiva ao CC para validar ou invalidar os resultados de uma eleição em Moçambique nos termos na alínea d) do n.º 2 do artigo 243 da CRM; a norma contida no n.º 1 do artigo 144 da Lei n.º 14/2018 de 18 de Novembro, que altera e republica a Lei n.º 7/2018, de 3 de Agosto (Lei Eleitoral), não confere competência exclusiva em razão da matéria e da hierarquia ao CC sobre a validação ou invalidação dos processos eleitorais no ordenamento jurídico moçambicana.
Ora, o n.º 1 do artigo 144 da Lei Eleitoral estabelece o seguinte:
“A votação em qualquer mesa da assembleia de voto e a votação em toda a área da autarquia local só são julgadas nulas, desde que se haja verificado ilegalidades que possam influir substancialmente no resultado geral da eleição.” Como é fácil compreender, também desta norma não resulta que o CC é órgão que tem a competência exclusiva para a declaração da invalidade das eleições por nulidade.
Pelo contrário, a competência para julgar nulo o processo de votação, em sede do contencioso eleitoral, é dos tribunais judiciais de distrito em primeira instância e do CC em última instância nos termos da lei. Igualmente, não resulta do n.º 1 do artigo 144 da Lei Eleitoral que somente o CC tem a competência de verificar que as ilegalidades praticadas possam influir substancialmente no resultado geral da eleição.
Nenhuma norma da legislação eleitoral em vigor veda a possibilidade de recursos aos tribunais de primeira instância relativamente às irregularidades eleitorais assacadas durante a eleição. Se assim é, os tribunais judiciais exercem completamente a função jurisdicional sobre os casos que lhes são apresentados, penalizando as violações da legalidade, garantindo o respeito pelas leis, assegurando os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal, conforme dispõem os n.º 1 e 2 do artigo 211 da CRM.
A função jurisdicional dos tribunais eleitorais de primeira instância sobre as irregularidades, ilegalidades ou fraudes eleitorais não se limita a uma função de correio no sentido de apenas remeter o caso à apreciação do CC. Mas com a obrigação do processo ser interposto, primeiramente, em sede dos tribunais judiciais, como primeira instância.
Essa pretensão mostra-se juridicamente incoerente de tal maneira que se estivesse consagrada a referida competência exclusiva não haveria necessidade de se recorrer aos tribunais de primeira instância para se chegar ao CC e nem é de se chamar à colação a questão de impugnação prévia, considerando, por hipótese, verdadeira a alegada competência exclusiva do CC. Os recursos seriam directamente interpostos no CC sem passar por qualquer órgão eleitoral a nível gracioso ou judicial, o que não é o caso.
Mais do que isso, é que as decisões dos tribunais judiciais em matéria do contencioso eleitoral jamais transitariam em julgado mesmo que não fossem objecto de recurso para o CC. O que representa uma contradição ao princípio do caso julgado na teoria geral do Direito Processual ou do Direito do Contencioso, quando verificados os requisitos para o efeito, como é o caso de caducidade do direito de recurso da decisão judicial.
Do acima exposto, a primeira conclusão é que não se percebe onde o CC foi buscar fundamento para a sua alegada competência exclusiva, em detrimento dos tribunais judiciais de primeira instância, em matéria de invalidação dos resultados dos processos eleitorais se tal competência não resulta da CRM e nem da Lei Eleitoral. O CC procura, erroneamente, dar a entender que essa competência exclusiva resulta do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 243 da CRM, o que não é verdade, até porque a única forma de chegar a essa conclusão é por uma forçada presunção, mas as competências do CC não se presumem.
A segunda conclusão é que o Acórdão n.º 15/CC/2023 de 23 de Outubro referente ao Processo n.º 26/CC/2023 – Recurso Eleitoral e outros de conteúdo similar, no que concerne à referida competência exclusiva do CC, violam o princípio constitucional da função jurisdicional dos tribunais prevista no artigo 211 da CRM.
A terceira conclusão é que os acórdãos do CC em referência sobre a invalidade ou nulidades dos resultados das eleições banalizam a função dos tribunais judiciais eleitorais e não esclarecem em que situação e como se pode recorrer ao CC para apreciar e declarar a invalidade das eleições por prática de ilegalidades ou fraudes eleitorais se de qualquer modo o CC vai se pronunciar em processo próprio independentemente de qualquer recurso para o CC.
Por João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Por Catarina de Albuquerque, CEO da parceria Global Sanitation and Water for All, sediada na UNICEF, e primeira Relatora Especial das Nações Unidas para o Direito Humano à Água Potável e Saneamento Seguro.
Para alcançar água limpa e saneamento para todos até 2030, África precisará quase triplicar os seus investimentos actuais e mobilizar um adicional de 30 mil milhões de dólares anualmente. Pode parecer uma quantia considerável, mas corresponde a menos de dois por cento do Produto Interno Bruto (PIB) actual do continente. Além disso, é muito menos do que os estimados 170 mil milhões de dólares perdidos anualmente devido à escassez de água, saneamento precário e doenças na África Subsaariana.
Historicamente, os ministros das Finanças têm sido apáticos na alocação de fundos para água e saneamento, porque esses serviços são vistos como um fardo para os orçamentos públicos. Já se ouviu dizer que proporcionar acesso é "muito caro" e "menos urgente do que enfrentar as mudanças climáticas, uma pandemia ou uma emergência humanitária."
Infelizmente, muitos decisores são frequentemente tentados a perseguir um objectivo à exclusão de outros. Não podemos alcançar metas climáticas se os países enfrentam escassez de água. Não podemos melhorar a saúde quando mais crianças com menos de cinco anos morrem de água contaminada do que de balas na guerra.
Mas existem maneiras de pagar pela água e saneamento que podem ajudar os líderes a alcançar os seus objectivos de desenvolvimento. Então, como triplicamos o investimento?
Primeiro, precisamos começar com a priorização política. Quem aumenta ou diminui os orçamentos? Quem decide metas ambiciosas para aumentar o acesso à água e saneamento? São decisões políticas, e acredito que, quando a vontade política é mobilizada para priorizar a água e saneamento, o financiamento segue.
Por exemplo, no início deste ano, nove governos africanos anunciaram que estão a trabalhar em Pactos Presidenciais sobre Água e Saneamento. Essas iniciativas incluem aumentos nas alocações orçamentárias, fontes inovadoras de financiamento e planos para construir novas infraestruturas. Esperamos que outros países do continente - e além - sigam o exemplo.
Em segundo lugar, precisamos convencer os ministros das Finanças de que a água e saneamento geram altos retornos económicos e financeiros. Cada dólar investido em água e saneamento resilientes às mudanças climáticas em África retorna pelo menos 7 dólares.
A seguir, os governos e os seus parceiros podem utilizar de forma mais eficaz os recursos financeiros que já têm, incluindo tarifas de água doméstica, impostos e empréstimos micro e macro.
Por exemplo, os funcionários do governo podem pensar que estão a tornar a água e saneamento mais acessíveis para os agregados familiares mais pobres ao instituir tarifas baixas para todos os clientes. No entanto, isso frequentemente cria uma falta de receita para cobrir os custos operacionais básicos das empresas de água, que então precisam de apoio financeiro adicional do governo para sobreviver. Isso também pode subsidiar involuntariamente agregados familiares e empresas mais ricos que podem pagar mais.
Alternativamente, Burkina Faso instituiu tarifas mais altas para o comércio e a indústria para compensar os custos de fornecer conexões domésticas e fontes públicas dentro de comunidades mais pobres.
O dinheiro de impostos destinados é mais uma maneira de pagar pela água e saneamento. A Europa e a América do Norte historicamente usaram impostos sobre propriedades para financiar investimentos de capital nesses serviços, enquanto a Coreia do Sul usou o dinheiro de impostos sobre a venda de álcool.
A base de um clima de investimento saudável também exige uma regulamentação mais forte do sector: padrões bem documentados com metas de desempenho, linhas claras de responsabilidade, incentivos e penalidades. Por exemplo, o Quénia uniu forças com o Banco Mundial para avaliar a solvência das suas empresas de água a fim de atrair financiamento doméstico e internacional.
Por fim, a comunidade internacional precisa construir relacionamentos com ministros das Finanças, trazendo os exemplos certos de políticas que podem alcançar objectivos de desenvolvimento. Esse é o objectivo da nossa próxima Reunião dos Ministros das Finanças de África, que será realizada em 31 de outubro de 2023, organizada pelo Sanitation and Water for All, UNICEF e pelo Conselho de Ministros Africanos para a Água.
Esta é uma oportunidade única para o nosso sector se posicionar não como um dreno de recursos nacionais, mas sim como um investimento no desenvolvimento humano e económico. Além disso, muitos ministros das Finanças já estão a tomar medidas positivas para financiar a água e saneamento nos seus países, e estamos empolgados para partilharem a sua experiência.
Existem poucas oportunidades em que um único investimento pode melhorar a saúde pública e a qualidade de vida, estimular o crescimento económico e reduzir as desigualdades, mas investir em água faz tudo isso e mais.
É hora de colher os benefícios.
“Fale agora ou cale-se para sempre!”. Depois que o conservador lera esta frase, o fotógrafo da cerimónia nupcial decidira fazer umas fotos do lado oposto e frontal para os convidados. E enquanto caminhava, o que parecia apenas o som da batida dos seus sapatos era também o da batida cardíaca do noivo, que para se manter com algum aprumo tivera que segurar, com as duas mãos, a mesa do conservador.
No dia da leitura dos resultados eleitorais de 11 de Outubro esperava que o presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que por ser religioso e da igreja em que esta frase fora cunhada, introduzisse a mesma na leitura dos resultados, perguntando: “Alguém dos presentes, que nos assiste ou que nos ouve, terá alguma razão contra os resultados anunciados, fale agora ou cale-se para sempre!”
Assim não foi. E se assim tivesse sido? Certamente que o vice-presidente da CNE teria sido o primeiro a levantar a mão, avaliando o seu pronunciamento à imprensa logo após a leitura dos resultados oficiais. E qual teria sido o acolhimento caso ele tivesse tido tal oportunidade?
Na cerimónia do casamento acima, a pergunta também fora feita amiúde pelos presentes e ninguém sabia que procedimentos seriam tomados caso tivesse aparecido um protestante, pois, até então, ninguém tivera presenciado. Por hipótese aventara-se a possibilidade de que todas as questões eram ultrapassadas antes da cerimónia, mantendo-se a pergunta por mero costume e sem consequências, incluindo as de ordem legal.
No contexto da divulgação dos resultados oficiais a possibilidade de que todas as questões seriam ultrapassadas antes da cerimónia de divulgação não cola e nem decola, e tal decorre, ao que parece, da promiscuidade entre os nubentes/jogadores e o conservador/árbitro da peleja.
Ainda assim, ou talvez por isso, a sociedade está a responder ao “Fale agora ou cale-se para sempre!” como atestam os protestos dos protagonistas directos, sobretudo dos que se sentem lesados, e também de diferentes figuras públicas, organizações sociais e de diferentes instituições que se posicionam sobre os acontecimentos em torno destas eleições.
Por outro lado, e na senda da mesma pergunta, a sociedade questiona o profundo silêncio ensurdecedor de determinadas personalidades e de instituições de relevo que a luz das suas responsabilidades com a ética e a moral públicas, e independentemente das respectivas posições ou filiações partidárias, já deviam ter vindo a público
Por ora, e do ponto de vista formal, a sociedade aguarda pelo punho do Conselho Constitucional em sede da deliberação sobre a validação dos resultados anunciados pela CNE. Até lá, e tal como o momento de suspense ao som da batida dos passos do fotógrafo nupcial, soam alto o da batida do coração de toda a nação moçambicana que firme segura a mesa do conservador face a um potencial AVC.
Ainda por ora, lembrar Fidel Castro, o falecido líder revolucionário cubano, que no decurso de um seu julgamento, na sequência da sua participação numa tentativa de insurreição, culmina a sua própria defesa com a frase “A História me absolverá”.
E para fechar: o que fará a História aos que no país, em contramão com as suas responsabilidades no espaço público, se calam diante dos preocupantes acontecimentos em torno das eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023.
Nando Menete publica às segundas-feiras
“Moçambique realizou as VI eleições Autárquicas a 11 de Outubro de 2023. São eleições contestadas, em particular, pelo partido Renamo, que diz ter provas materiais de as ter ganho, em alguns Municípios. Ora, a recontagem desses votos não me parece que seja tão problemática, seria de todo justo, fazer-se a recontagem, com a participação dos interessados, os concorrentes da Renamo, da Frelimo ou de outro partido qualquer. São todos elegíveis a dirigirem as autarquias, somos todos moçambicanos, por isso julgo pertinente que a posição do Conselho Constitucional, para além de observar os aspectos estritamente jurídicos, deve ter em consciência que a sua decisão pode salvar ou precipitar o País ao abismo. Tudo está nas vossas mãos, senhores Juízes do Conselho Constitucional. A alínea d) do nr. 1 do artigo 244 da Constituição da República outorga-vos esse poder.”
AB
“O Conselho Constitucional Moçambicano é materialmente um órgão jurisdicional, desempenhando as funções de um TC. É titular da jurisdição constitucional, embora não tenha sido formalmente qualificado como um TC ou como um órgão jurisdicional, pois: - É um órgão constitucional de soberania que exerce uma função jurisdicional que consiste em aplicar a lei geral para julgar casos concretos da esfera da sua competência e no quadro da jurisdição constitucional; - É o órgão de administração da justiça titular da jurisdição constitucional, isto é, que aprecia e declara a inconstitucionalidade das leis e ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado; - É o órgão de recurso das decisões dos tribunais _630________RJLB, Ano 7 (2021), nº 3 em sede do controlo concreto da constitucionalidade; - É um órgão deliberativo, as suas decisões não são passíveis de recurso, são de cumprimento obrigatório e prevalecem sobre as dos tribunais e demais autoridades; - Os titulares do CC são juízes; - Os Juízes-conselheiros do CC gozam de garantia de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade; - Exerce a fiscalização concreta, sucessiva, abstracta e preventiva da constitucionalidade; - Fixa jurisprudência com força obrigatória geral; - Julga os processos contenciosos relativos aos conflitos de competências entre os órgãos de soberania e relativos aos processos eleitorais, ao mandato dos deputados, deliberações dos órgãos dos partidos políticos e as incompatibilidades previstas na Constituição e na lei; - Fiscaliza a legalidade dos processos eleitorais; -Verifica previamente a constitucionalidade dos referendos; - Tem iniciativa processual passiva; - O critério que serve de base para as suas decisões é o da legalidade”.
In: NATUREZA JURÍDICA DO CONSELHO CONSTITUCIONAL MOÇAMBICANO. Edson da Graça Francisco Macuácua*
Competências do Conselho Constitucional
“d) Apreciar, em última instância, os recursos e as reclamações eleitorais, validar e proclamar os resultados eleitorais nos termos da lei;
g) Julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberação dos órgãos dos partidos políticos;”
In Artigo nº 244 da Constituição da República de Moçambique
Depois de fazer o exercício de consulta legislativa face aos acontecimentos resultantes da comunicação da CNE – Comissão Nacional de Eleições, sobre os resultados das eleições Autárquicas de 11 de Outubro de 2023, notei com satisfação que ainda temos uma janela de esperança para que Moçambique não resvale num Estado desgovernado. A nossa última esperança, neste momento, está depositada no Conselho Constitucional que exerce, simultaneamente, as funções de um Tribunal Eleitoral.
Compete ao Conselho Constitucional – segundo a alínea d) do nº 1 do artigo 244, da CR, apreciar, em última instância, os recursos e as reclamações eleitorais, validar e proclamar os resultados eleitorais nos termos da Lei, competindo, também, a este órgão de soberania “julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberação dos órgãos políticos”, sendo que: É um órgão deliberativo, as suas decisões não são passíveis de recurso, são de cumprimento obrigatório e prevalecem sobre as dos tribunais e demais autoridade.
A esperança neste órgão deve-se ao facto de os partidos políticos terem interposto recursos junto dos Tribunais de Distrito, local onde ocorreram os “ilícitos” eleitorais e estes Tribunais, em alguns casos, terem indeferido esses recursos e, noutros, apesar de haver recursos em curso, a CNE ter já apresentado aquilo que designou de resultados das eleições de 2023 e atribuído mandatos aos concorrentes, quando, na verdade, existem recursos correndo os trâmites legais, pois, há casos em que os Tribunais decidiram pela recontagem de votos e outros ainda pela anulação de todos os actos, por divergências graves entre os editais de uns e outros.
A instabilidade que se criou com o anúncio dos resultados eleitorais, fazendo fé à liderança do maior partido da oposição e sua liderança, vai continuar, por via de manifestações e o meu receio é que estas manifestações degenerem em caos, devido à “fúria” popular, como se viu na manifestação de 26 de Outubro de 2023. Alguns cidadãos recorreram a arrombamento de estabelecimentos comerciais, vandalização de bens públicos e privados, de cujos danos, certamente, não serão ressarcidos.
Há o princípio, segundo o qual, os juízes decidem com base na Lei e sua consciência, independentemente daquilo que a Lei determina, sem violar as normas. Nesta senda, os juízes do Conselho Constitucional devem chamar a sua consciência para a tomada de decisão destes casos, tendo em conta que as suas decisões não são recorríveis. O Conselho Constitucional deve, na minha opinião, trabalhar para evitar que o pior aconteça em solo pátrio. Aqui, não é somente a legalidade que está em causa, é também a justiça, o que parece contraditório, mas não é. A Lei pode determinar uma coisa, mas aquilo que é justo de se fazer ser outra.
Adelino Buque
Os resultados preliminares das sextas eleições autárquicas de 2023 têm sido objecto de acesos debates públicos, de contestação de vária natureza, incluído a judicial, fundamentalmente, por via do contencioso eleitoral. Curiosamente, a legislação eleitoral é pouco conhecida e dominada até pelos magistrados e advogados que tratam desta matéria, para além de apresentar normas obscuras, ambíguas e que dão largo espaço para a prática da fraude eleitoral e de interpretações dúbias, senão atabalhoadas até por parte do órgão de soberania que se intitula de Instância Contenciosa Eleitoral Suprema.
As decisões judiciais sobre recursos com fundamento na prática de irregularidades e fraude eleitoral em determinadas autarquias como são os casos da Cidade de Maputo, da Cidade da Matola, da Cidade de Quelimane, Cidade de Nampula, Chókwè, Chiure, Gurué, Vilankulo, têm dividido a opinião pública, que questiona a justeza e integridade destas eleições, bem como a independência do judiciário, sobretudo face ao Partido no poder.
Ora, embora tenha havido sinais de alguma revolução judicial relativamente ao contencioso eleitoral, importa reflectir sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos na realização da justiça eleitoral, bem como sobre casos de aplicação do exacerbado formalismo processual, mesmo em violação da Constituição da República de Moçambique (CRM).
A decisão judicial de improcedência ou não provimento de determinados recursos em primeira instância judicial eleitoral seja com o fundamento da não observância da regra ou requisito da impugnação prévia dos actos eleitorais, seja por falta de apresentação de documentos autênticos ou autenticados, merecem alguma análise atenciosa, considerando a vontade, predisposição e a liberdade do tribunal em proferir decisões justas, conscienciosas e no quadro da CRM. Embora aqui mencionado, a questão da denegação de apreciação do mérito da causa no contencioso eleitoral por falta de apresentação de documentos autenticados será objecto de reflexão específica em artigo autónomo e devidamente exaustivo, por mexer com o princípio da realização de julgamento justo (“Fair Trail”), fragilidades de investigação judicial e por apresentar sinais de um julgamento altamente parcial, em prejuízo da justiça eleitoral.
No que toca à exigência da observância do requisito da impugnação prévia vale a pena lembrar que a jurisprudência do Conselho Constitucional é clara e inequívoca ao considerar o mesmo requisito como inconstitucional por violação do direito de acesso à justiça e aos tribunais, bem como por ser contrária ao princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos. Neste caso, a impugnação prévia para efeitos do contencioso eleitoral põe em causa a própria justiça eleitoral e o acesso aos tribunais eleitorais, contrariando, deste modo, o artigo 70, conjugado com a primeira parte do n.º 1 do artigo 62, os n.ºs 2 e 3 do artigos 56 e os n.ºs 1 e 2 do artigo 211, todos da CRM.
Artigo 62
1. O Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguidos o direito de defesa e o direito à assistência jurídica e patrocínio judiciário.
2. (...)
Artigo 69
(Direito de impugnação)
O cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na Constituição e nas leis.
Artigo 70
(Direito de recorrer aos tribunais)
O cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei.
Artigo 211
(Função jurisdicional)
Não existe fundamento constitucional que condiciona o recurso aos tribunais, no contexto do contencioso eleitoral, à observação de uma impugnação prévia nos órgãos da administração eleitoral ou qualquer outro órgão da Administração Pública. Aliás, essa norma sobre impugnação prévia representa o esforço desnecessário do legislador ordinário – Assembleia da República, em não garantir o acesso aos tribunais, neste caso a jurisdição eleitoral, nos termos da primeira parte do nº 1 do artigo 62 da Constituição, sob a epígrafe “Acesso aos Tribunais.”
Dúvidas não restam de que sobre a questão do requisito da impugnação prévia definida em legislação ordinária eleitoral, o Conselho Constitucional, em jurisprudência consolidada e fixa, entende que esse requisito não constitui fundamento bastante para denegação de acesso aos tribunais e à justiça.
Veja-se a título de exemplo, o Acórdão nº 06/CC/2016, de 23 de Novembro, através do qual o Conselho Constitucional declarou a inconstitucionalidade material da norma contida no nº 1 do artigo 33 da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro que regula os procedimentos atinentes ao processo administrativo Contencioso (Lei do Contencioso Administrativo), a qual determinava o seguinte: “Só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios.”
Era uma espécie de impugnação prévia que pressupunha que um acto administrativo apenas fosse passível de impugnação contenciosa - recurso aos tribunais - se tivesse a característica ou natureza de acto administrativo definitivo e executório. Ou seja, no caso em que o acto administrativo já não fosse passível de recurso hierárquico, seja por ter sido praticado pelo último órgão na estrutura administrativa ou por ter sido praticado dentro da competência exclusiva do órgão administrativo. A Lei do Contencioso Administrativo exigia a exaustão dos meios administrativos graciosos, como requisito para o acto administrativo ser definitivo e executório e de modo a ser contenciosamente recorrível em sede dos tribunais.
Assim, o Conselho Constitucional declarou a inconstitucionalidade da regra de impugnação prévia expressa na supra mencionada norma da Lei do Contencioso Administrativo por entender que viola não só o direito de acesso aos tribunais e acesso à justiça constitucionalmente consagrados, mas também por limitar direitos, liberdades e garantias fundamentais nos termos não previstos na CRM.
No mesmo sentido, sobre a regra da impugnação prévia em processos laborais, veja-se o Acórdão nº 3/CC/2011, de 7 de Outubro referente ao Processo 02/CC/2011 em que o Conselho Constitucional declara a inconstitucionalidade concreta do artigo 184 da Lei nº 23/2007, de 1 de Agosto (Lei do Trabalho), por contrariar o artigo 70 da CRM sobre o acesso dos cidadãos aos tribunais proferida.
Mais ainda, veja-se o Acórdão n.º 8/CC/2015, de 24 de Setembro referente ao Processo n.º 05/CC/2014, através do qual o Conselho Constitucional declara a inconstitucionalidade material das normas contidas no artigo 7 (Princípio de exaustão dos meios graciosos) da Lei n.º 2/2004, de 21 de Janeiro e no artigo 52 ( Exaustão) da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março, por contrariarem a norma do artigo 70, conjugada com a norma inscrita na primeira parte do n.º 1 do artigo 62, e ainda as normas contidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 56, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 212, e n.º 3 do artigo 253, todos da Constituição da República de Moçambique.
Da jurisprudência supra mencionada do Conselho Constitucional, é fácil notar que o requisito da impugnação prévia como condição para se colocar mão ao contencioso eleitoral não é praticável no Direito Moçambicano. Aliás, resulta do disposto no artigo 213 da CRM que: “Nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a Constituição.” Com efeito, caso essas normas ou princípios legais que ofendam à CRM sejam chamados à colação em determinado processo judicial eleitoral, o tribunal tem a prerrogativa de recusar a aplicação das mesmas, em respeito ao referido artigo 213 da CRM e remeter os autos ao Conselho Constitucional por força do estatuído na alínea a) d o n. º 1 d o a r t i g o 2 4 6 da CRM.
Importa lembrar que o instrumento jurídico primordial dos tribunais nos julgamentos dos casos é a CRM, de tal sorte que o n.º 4 do artigo 2 da mesma CRM determina que: “As normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico.” o que significa que nenhuma norma ordinária se sobrepõe à CRM e, como consequência, quaisquer limitações aos direitos e liberdades fundamentais, como é o caso do direito de recurso aos tribunais, do direito de impugnação e direito de acesso à justiça, devem estar em conformidade com o disposto no artigo 56 da Constituição.
Nesse prisma, é, pois, estranho, preocupante e assustador quando o tribunal judicial eleitoral oficiosamente, ou por livre iniciativa, aplica a regra da impugnação prévia que é contrária à CRM para se furtar ao julgamento do mérito da causa e violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos constitucionalmente consagrada. A função jurisdicional prevista no artigo 211 obriga o tribunal a assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal.
No caso do contencioso eleitoral em curso, a prática da regra da impugnação prévia revela não só a falta de activismo judicial, mas, sobretudo, a intenção maléfica do juiz ou juíza em denegar o acesso à justiça eleitoral, bem como revela manifesto desprezo pela efectivação do princípio da função jurisdicional consagrada no artigo 211 da CRM.
O Conselho Constitucional ao ter firmado jurisprudência contra a regra da impugnação prévia como condição essencial para o acesso aos tribunais e à justiça, conforme supra demonstrado, não tem outra solução no caso vertente do contencioso eleitoral senão ser coerente à referida jurisprudência que é aqui de aplicação analógica.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos