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Carta de Opinião

terça-feira, 26 setembro 2023 17:06

Beira: 20 anos depois e sem Daviz! Como será?

“Fico com a percepção de que a Frelimo, através da cabeça-de-lista, Stela Pinto, poderá recuperar a cidade da Beira, 20 anos depois. Recorde que Albano Carige não foi o eleito dos munícipes da Beira em 2018 e o meu amigo Carvalho, cabeça-de-lista da Renamo nestas eleições, há menos de dois anos, era do MDM. Isto, na minha opinião, poderá criar muitos indecisos que preferirão endossar o seu voto à Frelimo, para além de que este partido, pelo seu estado de homogeneidade, manterá o seu tradicional eleitorado. Relativamente a Nampula, tenho sérias dúvidas do sucesso do MDM, pois a Frelimo, os amigos de Amurane e Vahanle me parecem em “pedra e cal”.

 

Em Quelimane, tanto a Frelimo quanto o MDM me parece fazerem pouco para ganharem aquela Autarquia e Manuel de Araújo poderá, na minha opinião, manter-se, tal como se manteve Daviz na Beira. São apenas reflexões e, caso levem a peito e trabalharem sobre os pontos fracos e evidenciar os fortes, naturalmente, a tendência poderá mudar”.

 

AB

 

A campanha eleitoral, rumo às VI eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023, teve início às 0:00 horas de hoje, 26 de Setembro de 2023, um dia depois da comemoração do dia das Forças de Defesa de Moçambique, simbolizando o início da Luta Armada de Libertação de Moçambique. Diria mesmo que, para os partidos políticos, a data veio a calhar, pois, tiveram à disposição os seus quadros para os trabalhos preparatórios.

 

Segundo escreve o Jornal electrónico “Carta de Moçambique”, tudo indica que o epicentro da campanha será a cidade da Beira, Província de Sofala, com os principais líderes políticos a usar aquele palco para a abertura de campanha eleitoral, o que torna a cidade da Beira um espaço privilegiado para a análise política. Se estamos recordados, a cidade da Beira está nas mãos da oposição há, sensivelmente, 20 anos, primeiro com a Renamo através do Edil Daviz Simango que, na altura, derrotou Lourenço Bulha, da Frelimo.

 

No pleito seguinte, voltou a ganhar o candidato Daviz Simango, afastando, pela Frelimo, Jaime Neto, desta vez, pelo Partido MDM, resultante da cisão com o partido Renamo. Recorde-se que nesse ano Daviz Simango derrotou, de forma copiosa, a Renamo, cujo candidato foi o homem das cancelas no Save. Lembram-se dele? Em 2018, Daviz Simango voltou a carimbar mais uma vitória e, pela Frelimo, concorreu Domingas Maita, uma senhora que, em pouco tempo, se popularizou naquela Urbe. Infelizmente, não é concorrente de 2023, pois a Frelimo optou por outra mulher, Stela Pinto Novo, diga-se, bem conhecida na cidade da Beira.

 

Albano Carige, actual Edil da Beira, o é fruto da nova modalidade de eleições, através do cabeça-de-lista, porque o titular, Daviz Simango, perdeu a vida em Fevereiro de 2021, pelo que subiu a pessoa imediatamente a seguir. Contudo, parece-me um candidato a levar a sério, mas não haja dúvida que os motivos que levaram à eleição de Daviz na Beira não cobrem Albano Carige, a saber, Daviz é filho de um líder de primeira fila na Frelimo, Uria Simango, foi negado por Afonso Dhlakama, numa altura em que a sua popularidade era muito alta e, por conseguinte, a Renamo perdeu a cidade da Beira.

 

No caso da Beira, com a devida ressalva, comparo com a saída de Pio Matos de Quelimane que, depois disso, a Frelimo nunca mais ganhou a Cidade e, curiosamente, o actual Edil de Quelimane tanto esteve no MDM como na Renamo, permanecendo, neste momento, na Renamo. É por este partido que governa aquela cidade, mas Beira tem a particularidade de ser considerada a segunda cidade de Moçambique, com um corredor importante para os países do interior que não possuem costa, dois dados interessantes que tornam a Beira epicentro político nas eleições de 11 de Outubro.

 

A Frelimo pode recuperar a cidade da Beira nas VI eleições Autárquicas!

 

O partido Frelimo pode recuperar a cidade da Beira, nas VI eleições Autárquicas e digo os porquês deste raciocínio: Primeiro, é preciso notar que estas eleições se realizam sem o filho querido daquela Urbe, o saudoso Daviz Simango. Albano Carige não é Simango e tão pouco se pode considerar carismático, tanto quanto foi o seu antecessor, por isso é uma oportunidade política para a Frelimo “Assaltar” a Cidade da Beira. Segundo, o candidato do partido Renamo, como cabeça-de-lista, é co-fundador do MDM e eu diria mesmo que é fundador do MDM em termos morais e, por razões não muito claras, abandonou o MDM retornando para a Renamo. Este partido recebe-o e coloca-o como cabeça-de-lista para estas eleições. Ora, isto pode dividir opiniões, do ponto de vista dos munícipes.

 

Esta divisão de opiniões tenderá a colocar a Renamo e o MDM numa posição de partilha de eleitores, em que a Frelimo tenderá a manter o seu eleitorado tradicional, irá captar novos eleitores e beneficiar-se-á dos indecisos entre a Renamo e MDM. Bom, isto não é trigo limpo, pois, a Frelimo vai ter de suar muito para conseguir a vitória, mas é possível e trata-se de uma oportunidade rara que a Frelimo tem para reconquistar aquela cidade.

 

Relativamente à cidade de Nampula, parece-me que os correligionários de Amurane estão a sentir-se cada vez mais órfãos do seu patrono e, nas condições em que a Frelimo realizou as suas internas, com a renúncia do actual Governador de Nampula, Manuel Rodrigues, parece-me difícil para a Frelimo ganhar a cidade. Acredito que o fenómeno Lil Wayne poderá ajudar, mas não o suficiente para lograr vitória, por isso fica-se na dúvida.

 

Já na cidade de Quelimane, desde que a Frelimo optou por outro candidato em detrimento do popular Pio Matos, parece-me impossível a recuperação daquela urbe. Manuel de Araújo é um fenómeno por estudar em termos políticos. Muitos reclamam sua ausência na Cidade, mas, quando aparece publicamente, abafa tudo quanto se disse dele, ou seja, nem o MDM, nem a Frelimo, me parecem com “argumentos” bastantes para convencer o eleitorado Quelimanense de que o actual Edil deve ir descansar. Bem, estas são minhas reflexões, espero, sinceramente, estar equivocado e irei recuperar esta reflexão depois das eleições e proclamação dos resultados eleitorais de 11 de Outubro. Abraço!

 

Adelino Buque

“A ausência do cabeça-de-lista da Frelimo nos debates com outros candidatos pode ser a estratégia que a Frelimo encontrou para não promover candidatos por outros partidos. Só o facto de Razaque Manhique ser o Primeiro Secretário da Frelimo na Cidade de Maputo confere-lhe um capital político que os outros candidatos não possuem e não terão, se calhar, pelo resto da sua militância política, ou seja, estar ao lado de uma pessoa como Manhique consubstancia a promoção de quem o acompanha. Não será este motivo bastante para se recusar a promover candidatos sem qualquer capital político!? Fica a interrogação”.

 

AB

 

Razaque Manhique é, actualmente, Primeiro Secretário do Partido Frelimo, o Partido que governa Moçambique desde 1975, ano da independência nacional, a esta parte e governa, igualmente, a Cidade de Maputo. Segundo escreve o Jornal electrónico “Carta de Moçambique”, Razaque Manhique faltou a dois debates sobre eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2023. O primeiro foi a convite da Plataforma Jovens Líderes de Moçambique e o segundo convite foi do Grupo SOICO, um grupo de mídia líder de audiência em Televisão em Moçambique (minha percepção)!

 

Em parágrafo segundo, “Carta de Moçambique” escreve: “segundo seus adversários, a ausência de Razaque Manhique, neste tipo de debate, revela a fraqueza do candidato, pelo que entendem não haver condições para que os eleitores votem em concorrentes que se furtam deste tipo de eventos”. Ora, parece-me demasiada presunção desses candidatos acharem que, pelo facto de não ter participado de dois debates, é motivo bastante para que os eleitores não votem nele.

 

Aliás, esta reflexão é mesmo produto deste parágrafo, parágrafo terceiro. Primeiro, deve-se dizer claramente que o convite não obriga, o convite é diferente da convocatória, em que o convocado deve apresentar-se no local previamente definido, sem o que poderá incorrer em penalizações diversas, dependendo da instituição que o convoca, ou seja, se alguém me convida, deve esperar que eu aceite ou negue o convite, dependendo da minha prévia disposição. Mas não consta, das obrigações dos cabeças-de-lista, qualquer debate televisivo, logo, não podem ser peremptórios em concluir que Razaque Manhique não pode ser votado.

 

Mais ainda, dos cabeças-de-lista que concorrem à Cidade de Maputo, salvo melhor opinião, nenhum deles tem um cargo político próximo ao de Razaque Manhique. Como escrevo acima, ele é Primeiro Secretário do Partido Frelimo para a Cidade de Maputo e cabeça-de-lista para as eleições Autárquicas de 11 de Outubro. Logo, a sua exposição deve merecer abundantes análises e, por via disso, merecer aprovação ou não. Não creio que a ausência de Razaque Manhique seja fruto da sua livre e espontânea vontade, acredito que terá sido aconselhado a não se expor antes do momento consagrado para o efeito e quem assim decide terá, certamente, motivos ponderados.

 

Por outro lado, Razaque Manhique é um cidadão público, sobejamente conhecido pelos Munícipes de Maputo, não somente pelas suas funções de hoje. Devo recordar que, antes de ser o Primeiro Secretário da Frelimo para a Cidade de Maputo, foi membro da Assembleia Municipal e vice-Presidente deste órgão, por isso Razaque Manhique não precisa dessa exposição para se fazer conhecer. Dito de outra forma, Manhique não precisa desses debates para se fazer conhecer, tão pouco divulgar as linhas do seu pensamento, que é, no fundo, o pensamento do Partido Frelimo, Partido pelo qual assume a candidatura.

 

Eu comentei sobre o debate desta semana e, nos meus comentários, não falei da ausência de Razaque Manhique, pura e simplesmente, porque no debate as suas ideias não foram colocadas, exactamente, porque esteve ausente. Ora, não se pode debater ideias que não foram expostas, mas, mais do que isso, existem, não haja dúvidas, candidatos que, por estarem ao lado de Razaque Manhique, podem se sentir honrados e a sua visibilidade aumentar, porque não lhes dar esse prazer!

 

Adelino Buque

quarta-feira, 20 setembro 2023 09:28

Zubeida

(inspirado numa velha lenda urbana da minha cidade)

 

A regularização de sua conta bancaria era o último empecilho para que a direcção de finanças do seu emprego desembolsasse o seu primeiro e muito aguardado salário.

 

Para dar conta da resolução do estorvo para o seu recebimento salarial, Lucas Chitato pediu dispensa ao departamento dos recursos humanos para tratar do assunto.

 

Ficou, aguardou espetado na fila desde das primeiras horas da manhã no balcão de uma das maiores instituições bancarias do país, sucursal localizada na cidade de Quelimane.

 

Posicionou-se em diversas poses que a sua mente concebia, cansou-se, sentou-se, levantou-se, acedeu as diversas plataformas das redes sociais até o telemóvel ficar sem carga, antes de ser atendido, nas vésperas do fechamento, finalmente atenderam-no.

 

Na manhã seguinte, quinta-feira, apresentou o comprovativo da regularização da conta, e esperou que o salário caísse, os colegas já desfrutavam das benesses providas pelos niqueis do ordenado.

 

Lucas, jovem recém licenciado em economia, teve que pagar, aliás pagou-o o pai para conseguir obter uma vaga numa instituição pública da cidade. E nos dias que se sucederam ao pagamento da vaga o remanescente salarial do pai só deu para o básico, as iguarias mensais a que estavam habituados a degustar desaguou num riacho de saudades.

 

A ânsia pelo recebimento do seu primeiro vencimento governava as suas emoções, queria ter a sua desejada independência financeira, os pais haviam feito todo o sacrifício para que ele tivesse uma boa educação, e ele estava deveras grato, queria também constituir sua própria prole.

 

Sexta feira ao meio da tarde o seu telemóvel dançou sob o tampo da sua secretária, olhou para tela descobriu a mensagem de texto enviado pelo banco com alerta de creditação na sua conta com o valor do salário.

 

Dançou na cadeira animado pelo ritmo vibratório que  a mensagem produziu na sua mente, tamborilou o tampo da sua mesa, sem se aperceber que perturbava os colegas, quando percebeu da anomalia que protagonizava, desculpou-se. 

 

Olhava obcecado o relógio, o tempo parecia ter parado, colegas veteranos já se preparavam para sair, eram 14:50h.

 

Não queria precipitar-se para a saída como faziam muitos dos seus colegas, precisava ser um trabalhador exemplar, aliás a educação que recebera conspirava para tal.

 

Finalmente chegou a hora, saiu para a rua, foi logo engolido pelo alvoroço, parou um táxi bicicleta, correu para o balcão do banco que ainda estaria aberto.

 

Levantou todo o seu salário, usando o mesmo táxi bicicleta, pediu que o conduzisse para casa.

 

O crepúsculo vespertino ia engolindo a cidade, as pessoas regressavam as suas casas, um trafego de táxi-bicicletas impunha-se desafiando os automobilistas que tinham que finta-los para não se colidirem.

 

Candeeiros espetados nas ruas e avenidas derramavam seu de feixe emprestando um brilho artificial a cidade e periferia.

 

Chegou a casa, encontrou os pais abrigados no velho sofá, embriagando-se com notícias destiladas por uma estação de TV local.

 

Instantes depois Lucas juntou-se aos pais, quebrou o vínculo que vinham tendo com a TV, ganhou completa atenção deles e de seguida entregou o envelope que continha o seu primeiro salário.

 

O pai pegou no valor e sem conferir dividiu de forma aleatória, entregou uma parte do valor a Lucas enquanto fazia um discurso retórico e a sua mãe meneava a cabeça em gesto de concordância.

 

Sentiu-se impelido a celebrar aquele momento impar da sua vida, aperaltou-se, passou uma loção na sua tez de tom de jambire e fez o pente desbravar o cabelo encarapinhado, viu-se no espelho, sentiu que ultrapassava os seus 1.79m, largou um sorriso correspondido prontamente pelo seu duplo.

 

Tomou emprestada a motorizada de seu pai, emitiu uma mensagem de texto e enviou para o seu melhor amigo.

 

A rua pavimentada do bairro continuava movimentada, principalmente pelos táxis bicicletas, as barracas clonadas onde se salientava as cores vermelho, amarelo e verde, hospedavam clientes que vociferavam competindo com o som dos alto-falantes cantantes.  

 

Lucas encontrou o amigo já na companhia de uma garrafa de cerveja, conversaram animados pelos novos rumos de suas vidas, o tempo ia sendo confiscado pela noite. A dona da barraca anunciou que a qualquer momento fecharia, pois as autoridades reguladoras estavam atentas aos das normas.

 

Etilicamente energizado Lucas depois de se despedir do amigo dirigiu-se para a discoteca mais propalada da cidade.

 

Os únicos dançarinos que ocupavam a pista era a luz cromática, alguns clientes apeados no balcão que bebericavam e trocavam conversa, a medida que o tempo passava os fregueses multiplicavam-se.

 

Quando Lucas segurou o seu copo para dar um gole, um feixe de luz atingiu o rosto maquiado de uma rapariga que se sentava num canto da sala e emanava uma áurea arrebatadora.

 

Olhou, enlaçado no seu charme, estabeleceu-se um canal encriptado onde os dois falavam uma língua que o ruído da sala não perturbava. Caminhou sereno na direcção dela, e sem nada dizer pediu para dançar, aliás estendeu a sua mão e logo rodopiaram na pista.

 

Ao compasso rítmico, dançavam, entraram para um redoma isolando-se dos demais, Lucas acariciava-a estimulado pela coragem que o álcool produzia na sua pessoa.

 

A mudança rítmica protagonizada pelo “disco Joker” rompeu abruptamente o elo que se  estabelecera, o casal soltou-se, trocaram sorrisos, e foram acomodar-se em pequenas poltronas na esplanada da discoteca.

 

Conversaram informalmente como um velho casal de namorados, falava mais Lucas e ela limitava-se a responder ao seu inquérito.

 

A luz eléctrica da cidade continuava intensa mas não desarmava a noite que se adensava.

 

- Nunca te vi por aqui? – afirmou Lucas.

 

- Raramente apareço – confessou serena.

 

Continuaram a conversar por mais duas horas, até finalmente decidirem ir-se embora, era já madrugada de sábado.

 

Levo-a na garupa da sua motorizada, o motor roncou, engrenou e partiram, a brisa fina da madrugada fê-la estremecer, largou um calafrio, abraçou-o mais intensamente, Lucas parou a motorizada, tirou o casaco que usava e entrego-a, reiniciaram a partida. 

 

Deixou-a na porta de casa.

 

- Quando posso voltar a ver-te?

 

-Quando quiseres. – respondeu ela com um sorriso.

 

- Ligo-te amanhã. – disse Lucas.

 

- Estou sem telefone.

 

- Como faço então para te contactar? – questionou ele.

 

- Vem ter comigo a minha casa. – disse ela.

 

- Os teus pais?

 

- Eles são muito compreensivos. – afirmou ela convicta.

 

- Certo, então até amanhã, aliás até logo.

 

Na despedida, beijaram-se, ele ainda a viu entrar e instantes depois foi-se embora.

 

Lucas só despertou quando eram 9:30h da manhã de sábado, com uma desagradável “babalaza”.

 

Depois de um banho fresco, correu para a barraca da dona “mimi” onde tudo começou, socorreu-se de um petisco e bebeu umas duas cervejas bem geladas, recuperou o episódio da noite passada com ênfase na moça que conhecera e se apaixonara. Precisava, logo revê-la.

 

Abandonou a barraca, parou um táxi bicicleta e embarcou.

 

- Para onde patrão? – questionou o taxista.

 

- Torrone velho. – asseverou Lucas.

 

A pedalada iniciou, a velocidade aumentou e a distancia encurtou-se, chegou ao destino.

Ensaiou a abordagem correcta que devia praticar consoante a pessoa que lhe atenderia, pensou em desistir, um ímpeto encorajou-o, bateu a porta, esperou um bom tempo, ninguém atendia, quando pensava em desistir assomou a porta uma adolescente com parecença irrefutável com a moça que conhecera e se apaixonara na noite passada.

 

Trocaram olhares antes de Lucas pronunciar-se.

 

- Sim! – disse a menina.

 

- Posso falar com Zubeida? – articulou por fim Lucas.

 

Ela ficou petrificada sem saber o que dizer, dilatou as pupilas de seus olhos grandes, suspirou, mudou de posição dos pés para se reequilibrar, dos olhos nasceram lágrimas que transitavam pelo rosto, deixando-a completamente pálida, carpiu estrondosamente.

 

- O que se passa filha? – questionou a mãe com voz profunda.

 

A mãe juntou-se a filha, soube das pretensões de Lucas. Conteve-se antes de responder e corajosamente disse:

 

- Minha filha faleceu, faz exactamente hoje um ano. - conferiu a senhora para depois soltar lágrimas que logo inundaram-lhe o rosto.

 

“ Só podia estar a haver algum equívoco” - cogitou Lucas, arrependido, por bater a porta naquela moradia.

 

- Lamento imenso minha senhora, talvez enganei-me na casa. – disse.

 

Lucas lembrou-se de algo que podia dissipar qualquer equívoco. Socorreu-se do seu telefone, acedeu a galaria e exibiu a foto que tirara com Zubeida.

 

- É, é minha filha. – afirmou a senhora com a voz entrecortada. -  Quando a conheceu? – questionou serena.

 

- Estava com ela ontem à noite.

 

Mãe e filha prantearam copiosamente.

 

O senhor Matias chegou, foi adentrando quando deu-se conta do celeuma que decorria na sua casa, procurou inteirar-se do que estava a acontecer.

 

Convidou Lucas a entrar e sentar-se e então tratou de explicar que não era possível que a pessoa que estivera com ele fosse Zubeida pois ela falecera, e ele vinha buscar a mulher e a filha para irem visitar a campa da falecida em celebração de um ano desde que ela partira.

 

Lucas manteve-se incrédulo, e então o senhor Matias decidiu convida-lo a acompanha-los ao cemitério.

 

Não demoraram para alcançar o cemitério que ficava na periferia da cidade, foram adentrando em direcção a ala leste, depois seguiram por uma vereda entre campas até alcançarem a sepulcro que buscavam.

 

Incrustada na lápide vertical estava inscrito palavras de ternura, mas a que mais saltou a vista de Lucas foi o nome “Zubeida António Chipenda” e a foto da falecida. Um baque sacudiu-lhe o peito e o medo tomou conta de si. “Estaria a enlouquecer?”

 

Quando dona Marta mãe da falecida, agachou-se para iniciar a limpeza da campa, eis que se depara com algo aveludado sobre a laje. Tomou em suas mãos o estranho objecto.

 

Todos olharam para o casaco mas foi Lucas quem ficou completamente petrificado com a descoberta.

 

- Esse é o casaco que emprestei para a Zubeida esta madrugada.

quarta-feira, 20 setembro 2023 06:39

Em casa onde há pouco pão...

Os Estados Unidos da América investem forte no basquetebol. O bio-tipo dos seus cidadãos, a tradição da bola-ao-cesto, enraizada nos bairros e escolas, garantem-lhes superioridade no Mundo da modalidade. Em África, um bom exemplo é o da Etiópia, que graças à altitude, clima e hábitos centenários, domina as provas de meio-fundo e fundo. Situações análogas permitem ao Japão brilhar no ténis de mesa, Austrália no râguebi, Rússia nos saltos e lançamentos.

 

O futebol, actualmente, não entra na lista das opções, uma vez que o pontapé-na-bola já “contagiou” o mundo inteiro. Por exemplo: a qualificação a um CAN, mexe mais com os moçambicanos, do que um quarto lugar no Mundial de hóquei em patins!

 

Estamos a falar de competição, pois desporto de lazer para distrair e melhorar a saúde, está inteiramente ao critério de cada grupo ou cidadão.

 

Refira-se que o talento dos moçambicanos no desporto, não veio com a declaração da Independência. Antes, éramos o primeiro mercado dos grandes clubes da então metrópole, em várias modalidades. Nomes como Eusébio, Coluna, Matateu, Hilário e muitos outros, figuram nos anais da FIFA, como dos melhores futebolistas mundiais de sempre. Mas não nos ficávamos por aí. No atletismo, tínhamos José Magalhães, que chegou a ser o maior velocista hibérico (Portugal e Espanha), mais os campeões mundiais de hóquei em patins, estrelas lusas em basquetebol e noutras modalidades.

 

TALENTOS DIVINOS

NÃO NOS DEVEM DISTRAIR

 

Dos principais erros no pós-Independência, claramente se destacam três: venda da maioria dos recintos desportivos, ocupação dos espaços livres pelos “dumba-nengues” e proibição dos craques poderem demonstrar as suas qualidades além-fronteiras.

 

Importa salientar que o surgimento de “talentos-divinos”, de geração espontânea como Mutola, Reinildo ou as meninas do boxe, devem ser acarinhados. Porém, isso não nos deve distrair daquele que deverá ser o foco principal: a definição das apostas pelo Estado, no que toca ao investimento nas modalidades prioritárias.

 

Pois a realidade é esta: se os mais ricos definem apostas e prioridades, após estudos científicos e concretos de algumas realidades atrás citadas, porque é que nós não apontamos – após estudos realistas – em desportos e actividades que nos permitam ser campeões regularmente, ao invés de estarmos à espera dos “talentos-divinos”, que aparecem por geração espontânea?

terça-feira, 19 setembro 2023 19:45

Matangalane Boby: como um felino exausto

AlexandreChauqueNova 1

No último dia que vi Matangalane Boby, personagem de proveniência cabo-verdiana, segundo se dizia por aqui, senti algo que me levou a pensar na iminência do fim de um homem. Parecia um leão exausto pela velhice, incapaz das proezas do tempo em que vibrava na cidade de Inhambane como um verdadeiro felino sem medo de nada, pronto a dormir ao relento nas noites à mercê do frio e dos mosquitos. Poucos podem se gabar de alguma vez o terem ouvido vocalizar seja o que for, e naquelas condições, no fim da jornada, suportando o corpo sobre o braço direito e cabeça pendente, deitado no passeio do lado de trás do mercado central, era mais improvável ainda que o ouvíssemos falar.

 

Matangalane parece um defunto que entretanto não pode ser sepultado porque os olhos ainda são vitais, brilham como nas noites de caçadas em que os animais ficam paralizados no mato perante o foco das gambiarras. Mais do que isso, ele parece sensurar com o silêncio aos que por ali passam precrutando-o de soslaio. A sua altivez mantem-se, mesmo assim, como se ainda pudesse arrastar-se por uma cidade que jamais lhe deu valor, porém Matangalane está no fim, não pode fazer nada a não ser esperar pelo último suspiro.

 

Lembro-me perfeitamente do último dia em que vi uma figura que não será propriamente de um demente, ele estava noutras órbitas. Até porque chegou a engravidar uma mulher que vivia também na rua, e as autoridades da saúde tiveram que interromper a gravidez para prevenir algo imprevisível. Então impediram ao Matangalane o direito de ser pai, o sangue dele pode ter desaparecido para sempre.

 

Mas é o último dia que me vai ficar profundamente na parede da memória. Uma força puxou-me àquele lugar sem saber que seria para me despedir de alguém com quem nunca falara antes, jamais ouvira sua voz. Na verdade durante o escasso tempo que deu para nos olharmos olhos nos olhos, senti uma convulção no espírito, apesar disso tornei-me incapaz de arvorar palavra, dizer algo. Parecia um leão velho. Derrotado pelo tempo.

 

Matangalane Boby ressurge-me na memória em novos tempos de uma cidade completamente descaracterizada, cada vez com menos pessoas de proa, Matangalane esteve sempre na proa sem que se importasse com o lugar que ocupava. Foi sepultado sem flores no túmulo, sem canções da bíblia como se não fosse filho do Altíssimo. Mas  estou aqui hoje para lembrar um homem cuja dignidade foi vituperada pelos humanos. Se calhar serão essas as palavras que lhe quis dizer naquele último encontro e não consegui. Por incompetência.

terça-feira, 19 setembro 2023 09:21

Debate Eleitoral na STV

“Sem muito rigor técnico, o “Debate Eleitoral” promovido pelo Grupo SOICO, através da STV, STV Notícias e STV Play, a ter de se classificar os seus intervenientes, em primeiro lugar estaria Augusto Banzo do MDM, seguido de Eunice Andrade da ND, em terceiro lugar Armindo Chembane da ASTIMO e, no último lugar, Venâncio Mondlane da Renamo. Note que Venâncio Mondlane não conseguiu, nos dois momentos, esgotar o seu raciocínio e, na minha opinião, o cronómetro e a natureza das perguntas não lhe foram favoráveis. Para todos, há muito TPC por fazer”

 

AB

 

A televisão privada do grupo SOICO organizou e difundiu para o mundo o que se chama de “Debate Eleitoral”. Na minha opinião, foi uma oportunidade para os cabeças-de-lista fazerem-se conhecer ao grande público e à Cidade de Maputo, em particular. Com este programa, o grupo SOICO mostrou, claramente, estar atento à agenda nacional e, mais do que isso, mostrou que é possível trazer, de forma atempada, as ideias dos partidos políticos sobre a governação autárquica.

 

O moderador esteve à altura, o sistema de contagem de tempo mostrou, de forma objectiva, que é possível fazer-se um trabalho sério sem recurso à “batota”, embora alguns dos representantes dos partidos políticos se tenham mostrado um pouco desconfortados com o sistema, habituados a falar de forma interminável. Mais uma vez, o grupo SOICO mostrou que, para o debate público, com vários intervenientes, é importante o controlo do tempo de forma a não praticar “injustiça” contra alguns e “favorecer” outros. Neste particular, devo manifestar a minha gratidão ao grupo SOICO e seus colaboradores que estão atentos à vida nacional.

 

Eu acompanhei o programa através da STV Generalista e quando passou para a STV Notícias e STV Play não mais acompanhei, devido à necessidade que tenho de descansar um pouco mais cedo. Contudo, até onde assisti, notei o à-vontade do cabeça-de-Lista do MDM, Augusto Banzo. Na sua primeira intervenção, facilitou o moderador, elencando exclusivamente as três grandes prioridades que nortearão a sua governação, caso ganhe as Autárquicas. Já não se pode dizer o mesmo em relação ao cabeça-de-lista da Renamo, Venâncio Mondlane, que, mostrando o domínio de alguns problemas de Maputo, não estava preparado para o tipo de perguntas do jornalista. Na sua primeira intervenção, divagou sobre a actual Gestão Municipal e, diga-se, não era a pergunta do jornalista.

 

A representante da ND, Eunice Andrade, também se mostrou à altura das perguntas e respondeu em tempo útil, tendo poupado alguns segundos que não chegou a usá-los. Já Armindo Chembane, cabeça-de-lista da ASTIMO, mostrou que a actividade informal tem futuro e o futuro reside na evolução do comércio informal na perspectiva de formalização, contudo, a formalização que se pretende nada tem que ver com a governação actual. Foi interessante ouvir este membro da Sociedade Civil, vindo do negócio informal, a falar com a eloquência com que o fez, mostrando, de forma clara e objectiva que se pode buscar a solução do mercado informal nos seus actores.

 

Na abordagem feita pelos cabeças-de-lista do MDM, Renamo, ND e ASTIMO, se fosse a avaliar, daria como nota mais alta ao representante do MDM, de seguida à representante da ND e da ASTIMO e, finalmente, com o valor mais baixo o representante da Renamo. Devo ressalvar aqui e agora que o representante da Renamo pode ter sido traído por dois aspectos essenciais: primeiro, excesso de confiança e, segundo, a natureza das perguntas e o tempo cronometrado. Entretanto, de acordo com o grupo SOICO, haverá muito mais!

 

Adelino Buque

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