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Carta de Opinião

terça-feira, 29 agosto 2023 07:59

Nos coisou o coiso

Edna Juga

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Esplêndido!

 

Erramos conscientes do nosso erro,

erguendo uma estátua na hora,

encaminhamos os descoisados ao nosso aterro,

aonde lhes confundiremos a honra,

guiados pelo som do cincerro,

chegarão sem demora.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Rápido!

 

Coloquemos armadilhas no chão,

deixemos que escorregue o peão,

enamore a sua face com o alcatrão,

destruindo um futuro campeão,

transformemos-lhe em ladrão,

dos sonhos alheios prometidos pelo panteão.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Maravilha!

 

Coisamos os descoisos,

envenenamos a sua visão na meta,

impelindo-os a viver de improvisos,

perdidos na verdade obsoleta,

sem compreenderem os avisos,

prestados pelo descoisado asceta.

 

Nos coisou o coiso,

Porque coisamos o coiso.

Orgulhemo-nos!

 

Aos recém coisados ergamos uma taça,

eles defenderão a nossa carapaça,

mutilarão a quem representar ameaça,

mesmo que por engano o faça,

desaparecerão como fumaça,

ou como estrume para labaça.

NandoMeneteNovo

Tenho ainda presente o dia em que a malta da zona, isto em tempos infanto-juvenil, decidiu estudar em grupo na casa de um dos membros que, na altura, era o único que já frequentava a universidade. Uma escolha (a da casa), determinada, presumo, pelo factor universidade e, quiçá, para efeitos de inspiração dos que ainda estavam a caminho.

 

No meio da jornada do estudo em grupo - que era composto por estudantes do secundário, pré-universitário e universitário – um do secundário, que depois de apreciar um teste de um dos finalistas do pré-universitário, em que este tirara uma negativa (3/20), disse que ele teria tirado melhor nota fixando-a até em oito valores (8/20). Em seguida o estudo quase que transitava para o quintal.

 

“Chumbavas na mesma”. Com esta intervenção, o único estudante universitário do grupo cortou a fanfarronice do puto do secundário que procurava humilhar o amigo finalista. 

 

Conto este episódio a propósito de uma intervenção do mesmo efeito – fecho de papo - numa recente conversa entre um grupo de amigos em que se debatia os ânimos de regozijo pelos sinais do rumo de África com a diminuição ou queda da influência e poder do Ocidente, recentemente exaltados no contexto dos golpes militares na África Ocidental e a expansão dos BRICS.     

 

"Lacaios na Mesma”. Disse o tal amigo em resposta crítica aos que se regozijam pelo rumo das mudanças em curso, sobretudo o comportamento ou posicionamento de parte da liderança africana que, segundo ele, não passava de uma mera troca de patrão ou, dito cruamente, uma troca de exploradores.

 

Para este amigo, a África tinha que aproveitar e melhor articular ganhos no contexto das mudanças em curso, sobretudo face aos interesses dos que se digladiam pela influência e poder global.

 

Sobre isto, e para terminar, veem-me a memória um então ministro da Defesa do Irão que nos anos 1996\97, em visita oficial a Moçambique, dera uma palestra a oficias das forças armadas moçambicanas e estudantes do então Instituo Superior de Relações Internacionais (ISRI).

 

O dito ministro, que respondendo a um estudante que o perguntara o que achava da amizade ou posição pró-iraquiana de Moçambique nas querelas entre o Irão e o Iraque, disse que se admirava que tenha sido um estudante de relações internacionais a fazer tal pergunta, pois este já devia saber que o que move o mundo são interesses e até recordou de que era isso que justificava a sua presença em Moçambique.

 

Nando Menete publica às segundas-feiras.

segunda-feira, 28 agosto 2023 06:39

A decadência dos bitongas

AlexandreChauqueNova

Toda a plataforma dos bitongas está a diluir-se, não me canso de repetir isso e não tenho muitas dúvidas de que a água mole seja incapaz de furar a pedra. Dói, mas essa é a verdade subjacente no estendal da cidade de Inhambane, onde até o marisco já não nos chega à mesa em abundância como antigamente, quando era o próprio Deus a báscula das bençãos, agora diminuídas provavelmente por ira do Provedor. Até os barcos à vela, elementos essenciais no brilho da baía, já não sulcam as águas do mar com velas cheias de vento, dando regalo à vista e ao espírito. No seu lugar vieram embarcações com motor fora de bordo, roncando contra o silêncio.

 

Já ninguém nos aborda em bitonga por aqui, as vendedeiras do mercado estão alienadas até nos gestos. O pior é que as memórias estão sendo enterradas em valas abertas por pás escavadoras do desinteresse pela preservação, mas isso é incultura. Ninguém busca o alimento do passado, tão importante e necessário, para que a juventude conheça o valor do solo que pisa, não há sede nesta canícula. Não se fala, nas ruas e nos pátios das escolas e nos “chapas” onde somos apinhados como mercadoria, de figuras patrimoniais que se tornaram fundamentos da urbe, como se não tivessemos história.

 

Os bitongas são dominados pelos vathwa e chopis, e a medida que o tempo passa, a situação vai-se tornando irreversível como o vento que devasta e volta a devastar para não sobrar nada. Você pergunta aos alunos da escola se já ouviram falar de zorre ou guibavane, eles meneam a cabeça para dizer que não. Os professores nunca falaram dessas danças nas aulas, eles próprios não as conhecem. Mas a timbila, sim, todos sabem dessa expressão cultural, mas a timbila não é dos bitongas, é dos chopes.

 

Os bitongas sempre foram apreciadores de dzithsota (milho pilado e moído sem atingir a farinação), para acompanhar o caril de coco, mas hoje não se fala de dzithsota. Havia ainda um peixe chamado makhulu, que era arrastado juntamente com o camarão por redes artesanais, e esse peixe já não sai do mar para nos dar a delícia que nos fazia lamber os dedos e os beiços. Quer dizer, esse é um dos sinais de que a nossa essência está em vaporização.

 

A última geração dos bitongas pode ser daqueles  que nasceram até finais da década de cinquenta e princípios de sessenta. Porém, eles também perderam a clareza da luz, apesar de que ainda têm o suporte não só da língua, como dos hábitos e costumes que mesmo assim, estão se sublimando. Depois deles é o que se pode constatar a partir do seio familiar, não falam bitonga com os seus filhos. Eles próprios, os madalas, já não comunicam entre si na sua língua materna, estão absolutamente alienados.

 

Apesar de todo este desmoronamento cultural, há quem ainda acredite no resgate, introduzindo as nossas línguas nas escolas. Mas há ainda outros que não acreditam muito que isso seja viável. Pensam que será um retrocesso, chegamos a um estágio em que se tornará tarde demais tentar empreender a luta que já perdemos.

quinta-feira, 24 agosto 2023 06:26

Madagáscar, tão próxima e tão distante...

JorgeFerraoNova

As culpas devem ser imputadas ao Gondwana. Essa épica separação dos continentes. Roubou de todos nós a idílica Madagáscar. Esse supercontinente que existiu ao sul da linha do Equador, por volta de 200 milhões de anos atrás, nunca deveria ter permitido tamanha aberração.

 

Perdemos a terra. Jamais a identidade. Muito menos a coragem e a postura. Esperança por outros horizontes se mantém intacta. Estes dois extensos países, terras que se perdem de vista, mantém o M inicial de grandeza e soberania. Abraçam-se na alegria e na tristeza. Pacto aprimorado e abençoado pela natureza.   

     

Estamos, neste acordo de cavalheiros, condenados a contemplação de fronteiras desmarcadas. Não nos abraçamos nunca. Ilustres e desconhecidos vizinhos. Madagáscar configurou-se como escudo protector natural dos ventos fortes. Nenhum ciclone alcança o nosso litoral, sem que, antes, refine a sua potência e espírito maligno na muralha gigante. Deveríamos indemnizá-lo com uma taxa anticiclónica. Prevenção de serviços meteorológicos catastróficos. 

 

Madagáscar não é, apenas, a terceira maior ilha do mundo. A exuberante natureza impressiona até ao Criador. Incomparável endemismo. Mistérios ancestrais de espíritos naufragados. Castelos imperiais que ardem no mesmo dia, em colinas diferentes. Aqui rodam os filmes que fazem sucesso nas bilheteiras americanas. Grande escapada. Madagáscar 1-2. O mundo se rende às relíquias e evidências. Uma eterna e impressionante longa metragem.

 

Madagáscar privou-se desses mamíferos de grande porte, como elefantes, zebras, girafas, leões, hienas, rinocerontes, antílopes ou búfalos, deliberadamente esquecidos em Moçambique. Em compensação, ganhou outros e exclusivos. Roedores, lémures, espécie de esquilos gigantes com listas circulares na cauda, morcegos e aves de todos os tamanhos e cores. E, esta ilha que já foi nossa, é o habitat de espécies únicas, de tartarugas gigantes, e de colinas que os colocam próximos de Deus.

 

Qualquer ser humano adoraria conhecer esta ilha. Testemunhar o animismo, o secretismo, o convívio e a tolerância dos budistas, a comunhão católica e a emergência islâmica. Os palácios monumentais, as plantações de baunilha, as barragens, o crioulo linguístico, e a mestiçagem que já refaz uma nova e híbrida raça humana.

 

Essa seria a oportunidade para reencontrar a tribo Mikea, antigos macuas, que atravessaram Niassa e Nampula, para emprestar o seu DNA a dezenas de povos nos diferentes continentes. Aqui aprenderíamos a conviver com as cerimónias de circuncisão, tão comuns e tão populares. Mergulharíamos nestes lagos artificiais, nas ruas apertadas. Conhecer Madagáscar, para que as crianças nos ensinem que estas são as ilhas descobertas por Diogo Dias, irmão de Bartolomeu Dias, ambos célebres navegadores da Tuga. Todas as homenagens lhe são feitas nos manuais escolares. Sem erros e nem omissões.

 

Reza a história que a sua caravela ancorou, por estas paragens, a 10 de Agosto de 1500. Como todos os descobridores, incluindo Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Fernão Magalhães, equivocados no caminho marítimo para a Índia e o oriente. Vítimas das monções do Índico que só os Gujarati dominam.

 

A cobiça francesa, no século XIX, fez das ilhas do Índico, a nova fronteira francesa em África. Madagáscar converteu-se, diante das cumplicidades e de acordos secretos, numa colónia francesa, como tantas ilhas vizinhas. Uma história de cumplicidades, colonização, culturas e neoliberalismo. A soberania e liberdade se impuseram.

 

A língua malagasy próspera. As restantes definham. São oposição. Por aqui coabitam 20 grupos étnicos, de onde se destacam os Merina, descendentes dos indonésios; os Sakalava, oriundos de África; e os Antaimoro, originários da península Arábica.

 

Madagáscar luta pelo bem-estar das suas gentes. Os modelos do progresso descarrilam. O desenvolvimento tarda. A felicidade tarda e não desabrocha. As crianças vivem perplexas. Os jovens anseiam por oportunidades, no escasso emprego. O fatalismo a que, nós próprios, nos votamos no continente. Bandeiras brancas e pretas de liberdades e dependências flutuando, sem ventos, nos mastros da incredulidade. 

 

O futuro nos reserva um outro Gondwana. Moçambique vai dividir uma vez mais! Está escrito nas estrelas. Já vivemos divididos entre cores e vontades. A nova Madagáscar ficará com o parque da Gorongosa e os mamíferos. Os macuas usarão barcos, mais sofisticados, para a próxima colonização. Os Gujarati regressarão. China imperará. Por enquanto, ficaremos com a imagem monumental, e o semblante real daquilo que nos pertence e dele não beneficiamos. Aprenderemos cortesias e formas mais corteses de comunicar. Insulares detestam descaso e destrato. Está sublinhando nas ondas serenas, muitas vezes, gigantes. Este oceano Índico nos ensina a viver sem pressa e nem ressentimentos. Atónitos com as democracias e descentralizações.(x)

segunda-feira, 21 agosto 2023 09:45

Eleições à vista,” Xiquento” à disposição

NandoMeneteNovo

Esta manhã, enquanto procedia a démarches de uma transferência electrónica numa das esquinas da cidade, interessou-me um debate que decorria entre um grupo de vendedores informais.

 

O mote da conversa era a nossa política, e pelo que deu para entender a conversa era na sequência das escaramuças deste fim-de-semana, na cidade da Beira, entre militantes de dois partidos da praça nacional, em vésperas das eleições autárquicas de Outubro próximo.   

 

O meu interesse pela conversa obrigou-me a alongar as démarches da transferência, fingindo que não me lembrava do código. A amnésia durou por aí um quarto de hora, o que foi suficiente para entender o teor da conversa.  

 

Um dos vendedores, e que me pareceu o mais informado, disse, e com visível inconformismo, que a política e os políticos de Moçambique são iguais a “Xiquento”, uma expressão do sul de Moçambique que é empregue para designar o matabicho feito com uma mistura de restos ou sobras de comida, alguma tocada, do(s) dia(s) anterior(es) que são aglutinados e aquecidos numa frigideira.

 

“Fernando…”? Respondo “Afirmativo”. Em seguida, pego o dinheiro e continuo a caminhada, ora pensativo por conta da alusão ao “Xiquento” que é, na verdade, salvo melhor entendimento, uma solução em resposta à impossibilidade de uma refeição melhor.

 

Já no destino, conto o episódio e o meu interlocutor conclui: assim nas eleições autárquicas e nacionais, que se avizinham, seremos obsequiados com um mega regabofe de “Xiquento”.

 

Nando Menete publica às segundas-feiras.

segunda-feira, 21 agosto 2023 08:15

Sou tua mulher: teu lago insano

AlexandreChauqueNova

As tuas forças estão se esvaindo, noto isso na escassez das palavras. Persistes em chamar meu nome em todos os momentos, porém não dizes mais nada depois disso, mesmo que eu te pergunte, o que foi, amor! Tudo em ti está em derrocada, o teu corpo perdeu o calor de sempre, está frio. O teu coração também, que será o centro de toda a tua existência, já não escorre, hesita nos batimentos. Sinto que queres falar, dizer-me alguma coisa, mas a caixa vocal está fechada, aliás todos os teus sinais estão fechados.

 

Sinto que sou a tua derradeira fasquia, que entretanto jamais transporás, chegaste ao fim da linha. Tens um desejo profundo de deitar tua cabeça no meu peito feito almofada em toda a tua vida, e sentires o doçura dos meus seios, e os meus seios estão flácidos, já não prestam para nada, dissiparam-se, como o teu espírito que nem sequer se lembra do passado. Agora não te resta absolutamente nada, meu amor, a não ser a longa espera pelos últimos sinos que já começaram a tocar.

 

Meu amor, eu não quero que os nossos filhos estejam aqui assistindo ao teu sofrimento, à tua incapacidade de aceitar a dor que te morde como os ratos silenciosos alagando teu corpo inteiro em todas as noites. O que me dói é ter chegado à conclusão de que estás na descida íngreme sem poderes fazer nada, nem eu. Então o que me resta é ficar aqui assistindo a celebração que fazes das tuas últimas derrotas, enquanto as minhas lágrimas sulcam-me o rosto em catadupa.

 

Só agora, meu amor, nas últimas jardas, é que percebo o valor do amor que sempre cultivaste e me deste sem pedires nada de mim, em troca, só querias que eu fosse feliz. Só agora! Nunca dei valor ao celeiro que és, a fonte inesgotável da paz que sempre quiseste que reinasse entre nós e os nossos filhos. Só agora, meu bem, só agora! E todo esse sentimento revolve-me o interior, estou na falésia construída por mim mesmo, e eis que daqui a pouco vou cair até lá abaixo onde as espigas de aço me aguardam.

 

Não vou te pedir perdão, meu amor, não mereço que me perdoes. Passei a vida toda pisando-te, aviltando-te, mas mesmo assim nunca deixaste de me amar, a mim e aos nossos filhos. Ainda me amas na tua tolerância sem fim, é por isso que não páras de pronunciar meu nome, não deixas de me olhar com afago.

 

Oh, meu amor! Obrigada por estes anos todos de felicidade e compreensão. E o teu corpo está cada vez mais frio, amor! Obrigado por levares o meu nome nessa viagem que já começaste a empreender. Deus te acolha!

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