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Carta de Opinião

quinta-feira, 10 junho 2021 09:35

Luísa Diogo: o contratorpedeiro de Nhabulebule

O meu interesse por Luísa Diogo não será movido propriamente por uma obsessão, mas por um sentimento de que ela é um farol de outra luz, é isso que eu sinto. A minha relação com esta mulher não passa de um amor platónico, é por isso que mantenho a expectativa encandescente de vê-la no cume. Na verdade ela está lá, mas há quem a quer fazer passar por uma simples lamparina colocada por debaixo da mesa, Luísa nasceu para luzir, e muitos têm medo desse foco intenso de luz.

 

Em 2010, à caminho de Cabora-Bassa, passei por um lugarejo chamado Nhabulebule, e disseram-me que é ali onde nasceu essa manhúngwè, sem que os seus pais soubessem que estavam dando à luz um astro que brilharia na turbulência das nuvens. Luísa significa “guerreira gloriosa”, “combatente famosa” ou “célebre nas batalhas”. Então, com este nome, o bebé que nascia não tinha outro caminho que não fosse o das montanhas de pedra, onde vai cintilar com um cajado invisível, mas que existe. Nas nas suas mãos.

 

Os algozes da Luísa Diogo têm em mente que é preciso barrá-la antes que faça estragos. Também sabem que a uma “guerreira gloriosa” não se demove, não há qualquer possibilidade nesse sentido, é por isso que não dormem quando pensam nela. O pior é que Luísa está pronta a sorrir em todos os momentos, mesmo estando no cadafalso, é isso que lhes atemoriza. Nunca veio cá fora pedir seja o que for, “combatente famosa” não pede, pois sabe que ainda não chegou o tempo da última passada. A passada crucial!

 

Em Nhabulebule não há nyau (dança contestatária dos povos shewa), Luísa Diogo não contesta, usa as asas de águia que trás por dentro para se manter nas alturas onde os pequenos jamais chegarão. Ela será para sempre o paradigma dos nyúngwès e de todos os povos de Tete e de todos os moçambicanos que defendem essa utopia de um novo amanhecer. No coração da Luísa, todas as dores vão esbater-se.

 

Mas eu falo de tudo isto pelo amor platónico que nos liga, a mim e a Luísa, e ela nem sabe que a amo. Nunca me importei que ela saiba ou não, o que conta é que neste meu devaneio, veja essa mulher com sorriso escancarado, planando como a própria águia de Nhabulebule. É essa a minha imaginação.

quarta-feira, 09 junho 2021 07:34

Çinçeramente

(P)Ora, (p)ora, a PRM apreendeu cerca de 1400 sacos de "Mbangui" proveniente do Malawi, tendo a África do Sul como destino  [Aqui sempre é assim, a droga nunca nos pertence, mas ela cá está, e de forma abundante]. É muita alegria, dizia, muita suruma! E o debate tem sido em torno da legalização, ou não, devemos legalizar ou continuar a desperdiçar uma erva que movimenta biliões, mundialmente,  anualmente?  E parece que a erva será incinerada, para ser esquecida, como os dois fugitivos que transportavam os pulmões do Bob Marley e The Wailers, rumo a terra do Ramaphosa. Deviam convocar a população para presenciar esse “Mbang-mento”, para  ver e sentir o fumo de modo a  saber se será ,de facto, "Mbangui", ou se não estarão a queimar folhas de mandioqueira. Çinçeramente

 

MISAU, parabéns por colocarem ordem na casa. Finalmente ninguém poderá proibir a um jovem de se fazer ao hospital, de calções, chinelos e interior... Aquilo era um tremendo  absurdo!

 

-  Sr. Doutor, perdi uma perna, por favor, estou a perder sangue!

 

-  Primeiro vá para casa pôr calças, depois volte para vermos esse problema".

 

- E se eu morrer pelo caminho?

 

- Pelo menos estará bem vestido!

 

Çinçeramente.

 

"Moçambique entre os cinco países com maior índice de novas infecções em HIV/SIDA". Covid-19 veio com tudo e acabamos nos esquecendo que um exterminador já cá estava.  Nem com aquele encerramento de pensões, onde se pensava, até a cabeça doer de tanto pensar,  quando as coisas apertaram, houve  redução. Estar nesse Top 5 é mau, tão mau quanto o nosso sistema de transporte.  O teu rodízio de “My Love” é seguro? Isso dá de pensar … Çinçeramente

 

Mozão esteve a inaugurar  a Estação de Tratamento de Água  de  Sabié, cuja construção anda na casa dos 220 milhões de USD (incluindo rede de distribuição). Foi categórico, o Mozão, com uma linguagem Sustenta, terra-terra, hídrica, dizia, típica: " Não vai faltar água no Grande Maputo, Durante 1 ano". E ponto final! Ninguém poderá vir dizer que não tem feito cuidados higiénicos e afins por falta de água. Agora, Mozão, é conseguir que esta gente não desperdice... Educação ambiental é assunto sério, mas ainda estamos a debater rasteiras  e, antes, foram as "Max Saias"... Çinçeramente

 

Campeonato Africano de Futebol de Praia! Parabéns aos nossos bravos rapazes, pese embora tenham "morrido" na praia!? Segundo lugar, bem, vamos ao mundial que vai decorrer na  Rússia, em Agosto, aposto, com olhos sonhadores, A.K.A 1400 Sacos!? Pelo sim, pelo não, uma coisa é certa, sabemos jogar descalços, na areia, pelo que devemos despejar carradas de areia no Estádio Nacional do  Zimpeto, no Estádio da Machava, no Conselho Municipal da Cidade de  Maputo, no Ministério dos Transportes e Comunicações, nos Correios de Moçambique, criar um Instituto Nacional Para a Proteção da Areia da Praia, para ficarmos Sidaticos, “I mean”  galácticos!? Tanta coisa turva, e afinal, o problema, são as chuteiras? Çinçeramente.

 

Até para semana. Sem Camisa? Já é Inverno, e a vida é fria, cuide - se!

 

Palávras-Chave: Mbangui, Legalizar, Mbangui, Legalizar, Mbangui, Legalizar, Carradas, Areia,  praia.

 

Çinçeramente

Em Moçambique, existe uma outra violência e tão ou menos cruel que a da insurgência terrorista: a violência das expectativas criadas pelas promessas de desenvolvimento. Hoje à Norte (com a TOTAL), ontem ao Centro (com a VALE) e antes à Sul (com a MOZAL e a SASOL). Isto para falar do que vem de fora. E cá dentro: o Plano Prospectivo Indicativo (PPI), o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARPA) e o programa SUSTENTA, a mais recente menina dos olhos do governo, para citar alguns exemplos. Destes, dos gerais aos específicos, uns até sucumbiram à nascença. Consta que na altura da apresentação do PPI, o programa que venceria o subsdesenvolvimento em 10 anos (1980-1990), o então Presidente Samora Machel, sem que se tivesse apercebido que o microfone estava ligado, dasabafara para o colega de lado, na mesa do presidium, algo como “Isto não vai dar em nada”. E assim continua.

 

Certamente, ao vivo e a cores, o leitor esteja a perceber o ponto e eu não me importaria a ficar por aqui Porém, antes que termine, segue uma estória que me arrepia, sempre que a recordo. Foi nos tempos do PARPA, a primeira década do século em curso, e convidara um amigo a participar em sessões de divulgação e capaciação sobre o PARPA que eram organizadas, passe a semelhança, por uma Organização Não Governamental (ONG) da praça. Era o papo do momento e ele, prontamente, concordara, tendo participado de forma pontual, assídua e activa em todas as sessões, que decorriam das 12 às 14 ou das 18 às 20 horas. Embebecido pelos propósitos e conteúdos do PARPA e das sessões e ainda pelo ambiente optmista criado por este saudoso documento, o meu amigo deixara de provindenciar – nos períodos das sessões – a sua habitual e caliente companhia que a sua então namorada tanto adorava. Esta, obviamente insatisfeita, e não sei por que cargas de àgua, dizia para ele abrir o olho, pois estava a ser enganado e a servir a agenda de outros. "A da ONG, a do governo e a dos parceiros" segundo as suas próprias palavras.

 

Na altura, 2006/7, eu não levara a sério estas sábias e proféticas palavras. Contrariamente, o meu amigo levara e tratara de demovê-las e, pelos vistos, com sucesso, pois a namorada passara a participar, entusíasticamente, nas sessões. Um convicente “Juro amor que desta vez o país saírá da pobreza” fora tão amoroso e profundo quanto os afectivos e eficazes beijos de Domingo à tarde, na beliche do "Tangará" - o lar de estudantes do campus da UEM.

 

Há dias, e a propósito de mais uma fracassada expectativa de desenvolvimento, com a saída daTOTAL (ainda que não clara e sem que os famosos biliões caíssem nos cofres do Estado ou nos bolsos dos que já se entricheiravam nas galerias do Orçamento do Estado), o meu amigo ligou-me do exterior - agora vive fora de tão zangado com as infelizes promessas de desenvolvimento - e confessou o quanto se sentia cruelmente violentado e, recordando da então namorada, ainda confessou que se sentia tão amargurado por a ter contariado.

 

“Ela estava certa!". Assim, e bem arrependido, o meu querido amigo dera por terminada a chamada e eu, subscrevendo-o, por terminado o texto, mas antes uma dúvida: existirá alguma possibilidade jurídica para uma providência cautelar contra as recorrentes e inglórias promessas de desenvolvimento? Se não, é também uma outra (e cruel) violência!

terça-feira, 08 junho 2021 08:17

O "pecado" dos cambistas da farra!

Na Pérola do Índico, um grande golpe financeiro foi executado. As contas bancárias dos envolvidos estavam a transbordar. O aroma das verdinhas americanas criava novos mafiliges da praça. A mola era tanta. Alguns já nem conseguiam gerir a mesma. Compravam tudo que aparecia na sua frente, até espaços sagrados e mágicos da capital moçambicana – cidade de Maputo. A farra era tanta para alguns, no meio de tanta fome e sofrimento da maioria.

 

De repente a bomba rebentou. As pessoas tinham que ser detidas. Independentemente se participaram ou não do crime, desde que tenha visto a cor ou os centímos dos dólares tinham que residir no xilindró. Neste grupo de detidos estavam dois jovens cambistas que eram simples colaboradores de uma das casas de câmbio usadas pela rede e que pelas somas movimentadas pelos mafiliges, apenas o proprietário da casa de câmbio é que podia realizar as transacções.

 

Na saga das detenções ou com a correria em mostrar serviço e a busca pelas grandes manchetes em jornais da praça, o sistema de justiça e a mídia alistaram e divulgaram os nomes dos cambistas em questão que na altura da grande farra, o único "pecado" foi serem funcionários da casa de câmbio – coitados! Sem piedade, os visados foram atirados para as masmorras. Mofaram na prisão, por um crime, onde nem chegaram a degustar as verdinhas e o aroma dos dólares e meticais que os outros saborearam e abusaram deles.

 

No princípio, os cambistas eram simples testemunhas, mas na sede da Procuradoria-Geral, acabaram por serem envolvidos e arrolados como arguidos, levados para os calabouços. Sem dó e nem piedade, os seus nomes e caras foram parar em grandes artigos dos jornais, televisões, websites e rádios. Os tipos já estavam queimados.

 

A corda como sempre, acabou arrebentando para o lado mais fraco. O patrão ou proprietário da casa de câmbio que movimentava as elevadas somas e interagia com os mafiliges, este nem foi chamado para depor ou mesmo para explicar os contornos das transacções. A sua vida corre a mil maravilhas, enquanto isso, os seus colaboradores vivem em constante insônia contando tirsos, jogando cartas pelas madrugada nas celas, na varanda de casa e rezando dia e noite rigorosamente, em busca do santificado perdão!

 

A vida dos homens já não é a mesma! O destino quis que estivessem no lugar errado o tempo todo e hoje estão atirados à desgraça por um jogo que não jogaram. Os homens vivem ansiosos e substituíram o velho hábito de contar maços de dinheiro para a contagem de horas e dias, aguardando que alguém sensato, os liberte do sofrimento penitenciário, espiritual e social imerecido. Coisas da vida na Pérola do Índico!!!

quinta-feira, 03 junho 2021 07:10

Libertem Barrabás!

Tenho um vizinho que entra todos os dias na minha casa e pede um copo de água gelada. Nunca me pediu comida, jamais mostrou qualquer interesse nesse sentido, mesmo que me encontre à mesa, na varanda, onde gosto de estar sozinho, em silêncio, olhando para a natureza e a degustar de alguma iguaria. É um homem resoluto que tem sempre a bíblia debaixo do braço onde quer que esteja, com certeza o livro Divino será o talismã desta figura a quem todos chamam Barrabás.

 

É um celibatário como eu,  porém não há nada de profundo que nos liga para além da proximidade geográfica e do ritual do copo de água, somos muito diferentes e ele deve ter percebido que não tenho capacidade de levitar na órbita em que ele gravita, por isso não me dá cavaco. Já conversamos em poucos momentos, mas esses encontros eram afinal  um ensaio que acabou não dando em  em nada, Barrabás desistiu da minha companhia.

 

Barrabás fala em parábolas, busca incessantemente os sentidos escondidos do Génesis ao Apocalipse, passando pelos Provérbios onde a Sabedoria de Deus eleva-se e depois espalha-se sem perder fulgor, por todos os rios abudantes da bíblia. E toda esta avalanche parece, aos olhos da sociedade, ser o motivo da louura deste indivíduo com verbo afinado e infinito vocabulário. Diz-se em todo o lado que Barrabás é um demente, eu nunca acreditei nessa afirmação sem qualquer base científica.

 

Chamam Barrabás ao meu vizinho, eu também o chamo assim, pois em momentos de aparente raiva, ele cerra os punhos e grita, libertem Barrabás! Grita assim também quando entra na minha casa, e eu adoro ouvir esse refrão que me dá um terramoto por dentro, libertem Barrabás!

 

Posso estar no quarto a descansar, mas quando oiço o grito de guerra do personagem que mora aqui ao lado, salto logo da cama porque Barrabás quer um copo de água geleda para matar a sede. Nunca o recusei e jamais quis imaginar o que aconteceria se um dia eu dissesse a ele que estou cansado de te dar de beber. Se calhar nesse dia estaria a perder um guia.

 

Provavelmente esteja na casa dos sessenta, transborda saúde. O cabelo, revolto com o de Sansão em fúria, não está propriamente limpo. Ele também não é uma pessoa propriamente cuidada, contudo, no seu interior, existe uma alma ardente, acesa por cima de extensas fogueiras. Há quem diz que não, que Barrabás está apagado por dentro, ele é a sobra das cinzas, senão não gritaria com raiva ordenando a libertação de um ladrão perigoso que é o próprio Barrabás.

 

O real Barrabás já esteve na eminência da morte, pendurado na cruz ao lado de Jesus Cristo que era vaiado, humilhado. E uma voz ressurgiu perguntando, destes dois aqui, um será libertado, qual deles é que vós quereis que seja poupado? E a multidão respondeu, libertem Barrabás! Libertem Barrabás! Libertem Barrabás!

 

E hoje o meu vizinho não se cansa de repetir aquele turbilhão de vozes, libertem Barrabás! Libertem Barrabás! Libertem Barrabás! Faz isso nas ruas, nos labirintos dos subúrbios onde vive, e também quando vem à minha casa pedir um copo de água gelada, num gesto que ultrapassa todo o meu entendimento.

quarta-feira, 02 junho 2021 10:44

"Porra, isto é que é unidade nacional!”

Assim, e com tamanha firmeza conclusiva, gritara o barman enquanto desligava a chamada que acabara de receber. O grito fora de tal ordem, que cada um dos presentes, no lobby bar do hotel, pensara que o grito fosse para ele ainda que soubessem, suponho, o endereço de um provável destinatário. Até ao momento da chamada, a conversa, à mesa do bar, girava em torno da possibilidade de integração dos barmen e dos taxistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para sustentar a posição, o barman contara que já impedira, e não uma e nem duas vezes, que alguns clientes dessem por terminado as respectivas vidas. A bebida certa e o papo adequado constavam do ritual de medicação para os problemas bem patentes no rosto de cada paciente, digo cliente. O mesmo, com uma e outra diferença, acontece com os taxistas, que até encaminham os pacientes para o barman mais próximo, e este, dependendo do diagnóstico, procede em conformidade com o protocolo.

 

Lembro-me deste episódio porque acabo de receber uma encomenda de Tete, remetida por um colega ocasional de um seminário nacional realizado, há alguns anos, por coincidência, no mesmo hotel do barman, então um conclave de cidadania e da diversidade nacional em plena da capital do país. Na verdade, lembro-me do barman, um natural da fronteira entre as províncias de Gaza e Inhambane, que se juntara a um dos taxistas da praça do hotel em prol de uma campanha de sensibilização do MISAU (Ministério da Saúde) para que este integre, no SNS, as respectivas profissões. É pena que agora, em tempos de pandemia, o dito hotel encontra-se encerrado e, por conseguinte, não se tenha notícias do barman e nem do estágio real da campanha, embora, por estes dias, tenha circulado, nas redes sociais, de que a mesma não fora por aí além por conta de um lobby, e muito forte, vindo da baixa da cidade, no sentido de constar, no caderno reivindicativo, a mais velha profissão do mundo.

 

Certamente que o leitor esteja curioso quanto eu estivera logo que ouvira o grito do barman bem como a razão da lembrança. Já conto. O barman, notando a acirrada curiosidade que me abatera, diz baixinho: “Era um hóspede que esteve cá na semana passada. Uma das noites tive que o socorrer como tenho sempre feito”. E mais adiante, já com a voz acima do baixinho, acrescenta: “Ele é um natural de Niassa, vive e ligou-me de Lichinga, informando de que virá alguém deixar uns quilos de feijão para mim”. No final, e novamente baixinho e com a voz enrugada, desabafa: “Esta é que é a verdadeira unidade nacional, promovida pelo povo e não a dos políticos”.

 

P.S: Do barman a lição de que a almejada unidade nacional é feita de “detalhes tão pequenos da nossa vida” e que passam despercebidos, mas que fazem uma tremenda diferença. E fora a lição, é também importante que se retenha o propósito da citada campanha do barman. Oxalá, perspectivo, que a cobertura total e o acesso universal ao SNS sejam, finalmente, uma realidade e de que, uma vez alcançados, não se aconselha que os diversos serviços sejam gratuitos, em nome e defesa da resiliência de um dos subsistemas mais pressionados do SNS da Pérola do Índico.

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