Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta de Opinião

sexta-feira, 14 maio 2021 08:46

Não sejam antipatriotas

Contestar os subsídios aprovados para os funcionários e agentes da pensão do povo é uma autêntica histeria contra os mais nobres valores do patriotismo. É não gostar de desenvolvimento. Desenvolvimento sustentável. E harmonioso.

 

Não encontro explicação melhor. Aqueles funcionários merecem todo respeito. Trabalham com devoção, afeição e rigor para garantirem o conforto necessário de que é merecedor o precioso sono dos seus hóspedes. Dizia um dos mais idolatrados hóspedes que aqueles funcionários trabalham até altas horas da noite, preparando as sempre ovacionadas e barulhentas sessões de sono. Digam-me, vocês antipatriotas, se não merecem, todo este afinco, o devido respeito.

 

Aqueles hóspedes da pensão do povo fogem de todo tipo de incómodos e outras chatices, nas suas casas, e encontram naquele estabelecimento as mais dignas e confortáveis condições para descarregar toneladas de sono. Então, não merecem hossanas, aqueles que garantem essas dignas e confortáveis condições? E não me tragam comparações, reclamando que os senhores e senhoritas de uniforme azul também sacrificam noites, passam frio e arriscam suas vidas garantindo segurança para o povo e, por isso, merecem dignidade igual. É verdade, mas aqui cada um puxa para si e para os seus. Aqueles funcionários são especiais. Trabalham no útero institucional da lei. Onde a lei ganha vida. Onde os seus hóspedes andam embriagados de regalias e, por isso, com a generosidade de repartir para os seus. Aliás, precisam de mais subsídios. Por exemplo, subsídio por verem um hóspede que, tendo ressuscitado, de repente, dum sono profundo, se põe a bater palmas sem que tenha ouvido um pingo do que se disse. Um subsídio para enxugar rios de saliva que transbordam da boca, pelos lábios gordos de um hóspede, enquanto este ressona, com a tranquilidade de um bebe acabado de mamar. Não merecem tudo isto e muito mais, aqueles funcionários?

 

Poupem-se de bombear tempestades de críticas contra os hóspedes da pensão do povo, por terem aprovado, com unanimidade, os subsídios. Eles dominam astuciosamente as teorias humanistas de gestão de pessoas e recitam, sem gaguejar, as melhores teorias de motivação de colaboradores. Só não o demonstram porque preferem o outro ofício, por sinal, o mais antigo do mundo – dormir. Sabem cuidar dos seus, são um exemplo para a sociedade. Essa história de que o país não tem dinheiro não cola. Ah, não tem? Peçamos então ajuda humanitária, internacional, para o bem daqueles funcionários. Façamos uma corrente de solidariedade nacional. Podemos contribuir com material de higiene e produtos alimentares não perecíveis. Donativos via m-pesa também servem. Tudo para garantir a dignidade daqueles célebres funcionários. Portanto, não sejam inimigos do desenvolvimento, não sejam antipatriotas.

quarta-feira, 12 maio 2021 13:50

Quando a transparência prega partidas

O  recente enredo das regalias da empresa pública EDM (Electricidade de Moçambique)  lembra-me um conselho  de um conhecido cuja trajectória profissional  são cargos de chefia na função pública. O conselho é bem simples e talvez por isso justifica que até agora ele não tenha sido beliscado. Aí vai o conselho: “Quando estás num cargo público de chefia não faça nada que possa atrair o interesse ou  a curiosidade de outros. Desenvolva o teu trabalho calado, mesmo que estejas a fazer coisas excepcionais”.  Para ele, quem assume esta postura assegura o seu cargo/tacho e quem faz o contrário, desperta o interesse e o ruído de terceiros pelo cargo e/ou pela sua governação.

 

Dito isto, e voltando a EDM, o mal do seu Conselho de Administração  foi o de ter publicado (transparência)  a famosa circular sobre a inflacionada taxa interna de câmbio e as consequências não tardaram, começando pelo linchamento popular ao contra-aviso da sua suspensão, extensiva a outras medidas  como a de que todos os pagamentos/benefícios em moeda estrangeira passam a ser em moeda nacional, convertidos ao câmbio da data do pagamento. Certamente, suponho, que os admnistradores da EDM  estejam arrependidos por terem optado por uma gestão transparente do erário público (não me consta que tenha sido uma fuga interna de informação).

 

Temo, e para fechar, que este meu conhecido tenha dado o mesmo  conselho a muitos gestores públicos e pelos vistos com um elevado  sucesso, pois só assim explica a razão de pouca ou nula transparência  no exercício das funções do grosso dos  gestores públicos. O risco é evidente: o tacho pode ruir.

 

PS: Foi notícia de que a suspensão da famosa e inflacionada  circular da EDM  e a tomada de novas medidas foi numa Assembleia Geral Extraodinária da EDM com a presença do Instituto de Gestão das Participações do Estado(IGEPE).  Agora, e sobre o mesmo assunto (câmbio e pagamentos em moeda estrangeira de remunerações e outros benefícios), resta saber do IGEPE qual é a situação de outras empresas participadas pelo Estado. Pergunto isto em solidariedade com os administradores e pensionistas da EDM, pois estes  podem ter sido injustiçados no seio da vasta família do IGEPE.

quarta-feira, 12 maio 2021 12:40

Moçambique

Povo chora

Político rouba

Terra rara

Vida soberba

 

Juventude desempregada

Sociedade acorrentada

Esperança arrancada

Pátria encrencada

 

Instituição corrupta

Incapaz governa

Nação sangrenta

Guerra eterna

 

Pérola bonita

Vida prostituta

Tribalismo aumenta

Sociedade publicitá

 

Coração despedaçado

Corpo repartido

Violência cultural

Diferença abismal

 

Humano corrompido

Terra vendida

Dívida ocultada

Mentor protegido

Omardine Omar – Maputo, Dezembro de 2020

quarta-feira, 12 maio 2021 12:35

Zabeli

Se calhar já cheguei ao ponto em que devo parar e prescrutar os últimos sinais do abismo. Sinto isso na minha incapacidade de socialização. Tento inventar novas palavras mas vejo que estou metido num beco sem saída, e o meu poço está seco, nem lama tem. Nas intervenções que tenho feito para as pedras existentes dentro de mim, a percepção é de que estou a plagiar-me em cada sílaba, e a plagiar os outros. O eco que volta dessas pedras interiores raspa-me dolorosamente a profundeza do coração, que deixou de ritmar ao compasso da juventude.

 

Sentado sozinho na minha varanda onde fumo lhamba sem parar, vejo tudo a metamorfosear-se em meu redor, e chego a conclusão que na verdade estou no limite, então o melhor é não trazer à memória as incongruências que comandam a minha vida desde o início. É melhor assim, até porque estou no palanque falando para a opacidade, ninguém me ouve, nem eu próprio me oiço. Não oiço nada, senão as mesmas palavras cansadas de mim de tanto repeti-las até a náusea.

 

Mas este silêncio que outrora debruava o  paraíso da minha luta pelo amor, transformou-se em sismo, abala tremendamente a minha alma. Nem posso chorar, a Zabeli não está aqui para enxugar meu rosto. Ligo para ela.... nada, não atende! Envio mensagens atabalhoadas pedindo perdão... também nada, não responde! Ameaço-a dizendo que vou-me suicidar se ela não voltar, e a resposta, desta vez, vem da gargalhada dos mabecos.

 

Sou o fósforo inteiro sem glória, pronto a arder e queimar-me todo, deixando a cinza que voará aos pés dos sabujos. Estou à espera da faúlha que vem devagar para este limite onde me rigozijo por ainda poder tirar algumas palavras do meu poço sem água nem lama no fundo. São as mesmas palavras, eu sei, recusadas por todos de tanto serem repetitivas até se tornarem supérfluas. Desprezíveis.

 

O que me reconforta é que vou morrer fumando lhamba enrolada em papel arrancado dos meus livros que nunguém compra. Então estou a fumar as palavras que eu próprio escrevi em noites de solidão, num quarto onde ainda sinto o perfume da Zabeli. Embevece-me fumar as palavras buriladas ora com sentimento mais profundo, ora com gozo.

 

É este o lado belo da loucura, quando a gente chega ao limite e dá conta de que perdemos a capacidade de inventar novas palavras, novo futuro, e só nos resta fumar profusamente a lhamba enrolada em papel arrancado dos livros que nós mesmos escrevemos. Livros que ninguém compra, e se ninguém os compra é porque ninguém os lê. Nem a Zabeli, que vai-me matando aos pedaços.

quinta-feira, 06 maio 2021 09:29

Breve entrevista a Luísa Diogo*

- Senhora Luísa, você tentou uma vez candidatar-se a candidato a presidente da República, depois não conseguiu. Como é que se sentiu após essa derrota?

 

- A vida é composta de batalhas intermináveis. Aliás, já ao sairmos do ventre da nossa mãe, recebemos imediatamente esse aviso através da pancadinha que nos dão no rabinho, e choramos. O normal seria sorrirmos ao ver a luz do sol pela primeira vez, mas não é isso que acontece, choramos de susto e medo perante os verdugos que nos aguardam, disfarçados no imenso brilho do próprio universo.

 

- Mas qualquer batalha perdida deixa em nós uma dor!

 

- Eu acerdito que você já assistiu a grandes jogos de futebol, e nesses jogos deve lembrar-se de ter visto um grande golo marcado por um jogador genial, mas o árbitro entende anular esse tento que até pode ser de antologia. Por isso, ao entrarmos para grandes desafios, temos que contar com aqueles que têm o machado na mão, prontos para decapitarem-nos.

 

- Então sabia que podia perder naquele jogo de candidatura a candidato a presidente da República, onde pontificavam nomes avultados, não propriamente por aquilo que fizeram para o desenvolvimento do país, mas por outrios motivos!

 

- Em todas as  minhas lutas  contei sempre com o inesperado. A vida em si é inesperada. O próprio Jesus sabia que iria lhe acontecer o pior, mas veio a terra enfrentar os chacais e jamais deixou de lutar.

 

- Continua a acreditar que um dia pode vir a ser Presidente da República?

 

- O objectivo da minha vida não se circunscreve ao poder. Há várias frentes de luta, e a de presidente é apenas uma delas.

 

- Mas a Luísa Diogo queria (quer) ser Presidente da República!

 

- Há coisas que você só pode fazer tendo o poder na mão.

 

- Mas a senhora está no poder!

 

- O problema não é estar no poder. É ter o poder na mão.

 

- Há uma contradição nas suas palavras, e pela forma como fala deixa-nos perceber que afinal há uma espécie de obsessão dentro de si nesta luta!

 

- Se há alguma obsessão dentro de mim, é no sentido de que o meu desejo fervoroso é lutar para que algumas pessoas deixem de pensar que este país é deles sozinhos.

 

- É isso que lhe move na luta por ter o poder na mão?

 

- O que me move é a luta pela justiça, pelo respeito aos direitos dos cidadãos. É isso que me move.

 

- Os seus camaradas não têm conseguido isso?

 

- Eles combateram um bom combate, mas a partir de um determinado momento degeneraram, e precisam de descansar. Então precisamos todos nós, de um novo paradigma.

 

- E acha que esse novo paradigma está nas suas mãos?

 

- (Risos)

 

- Senhora Luísa, você teve momentos de pico, continua a ser uma mulher respeitada, é temida por aqueles que não querem novas luzes. Não receia que amanhã possa sair do cume onde está, para o sopé?

 

- Primeiro, não sabia que eu era temida por aqueles que não querem novas luzes, você é que está a dizer-me agora. Outrossim, nós vivemos entre os cumes e os sopés, segundo o escritor Lucílio Manjate, e eu subscrevo. Jesus Cristo foi aviltrado, achincalhado, pisado como areia, mas há uma coisa que não conseguiram tocar nele, a alma. Então se Jesus, que é uma Pessoa Grandiosa, chegou a ser puxado até ao nível do chão, quem sou eu para não ser posto a rastejar. Mas podem acreditar, a minha alma é inabalável. Continuo a acreditar na vitória dos meus propósitos.

 

- Moçambique tem futuro?

 

- Moçambique sempre teve futuro, o que acontece é que estamos ainda no alto-mar, a ser abalroados. Mas lá chegaremos, nem que seja a bordo de uma mwadia (canoa).

 

- Há quem diz que essa mwadia é a Luisa Diogo!

 

- (Risos) Nunca ouvi essa professia

 

 

* Entrevista imaginária

* Entrevista imaginária

quinta-feira, 06 maio 2021 08:47

Ecos de Afungi: reparos para a posteriedade

A TOTAL, uma empresa petrolífera francesa, suspendeu a continuação do projecto de gás em Afungi, Cabo Delgado, alegando razões de força-maior (insegurança). Da decisão seguems, em jeito de ecos e raparos, algumas e breves notas.

 

Eco 1. Por conta das consequências nefastas que advirão da decisão da TOTAL, a classe empresarial nacional veio a terreiro, e bem alto, falou da profundeza das àguas em que se viram mergulhados os empresários, apontando para um naufrágio estimado em milhões de dólares americanos. Até aqui tudo bem (mal), mas para a posteriedade fica o seguinte reparo: alguém lembra-se de gritos quando a torneira de Afungi estava a jorrar? .

 

Eco 2. Ainda na senda da suspensão, quem ainda não se pronunciou é a entidade responsável pela elaboração do “Modus Operandi” do Fundo Soberano, mormente a condução da sua fase da ascultação pública. Sobre o silêncio, e para a posteriedade, vai o reparo: será que o processo de elaboração do quadro operacional do Fundo Soberano também foi suspenso?

 

Eco 3. Na mesma semana da decisão da TOTAL , não passou despercebido o anúncio de mais uma doação (e no quadro da ADIN, Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte). Fala-se em mais de um bilião de dólares americanos. É muita massa, mas que dá muita massada (uma delas a burocrática) e pelo histórico das doações é mais um adiamento do desenvolvimento e da afirmação da soberania. Contudo, fora este entretanto, e em jeito de raparo para a posteriedade, dói que o país não possa financiar o seu desenvolvimento com fundos da sua riqueza e no lugar ter que mendigar/depender da caridade (problemática) de terceiros.

 

Certamente que existem outros ecos e reparos, mas por enquanto estes são os que me ocorrem e para a posteriedade, em jeito de fecho, vai, à francesa , o reparo-maior:“Cest la vie!”.