Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

sexta-feira, 09 agosto 2019 07:20

A Caneta

- O que te mete mais medo? 


A pergunta era para mim. Ignorei. Era noite. A guerra dos 16 anos ainda ecoava na cabine do camião Scania que me levava ao distrito de Massingir, província de Gaza. Foi no período entre o Acordo Geral de Paz (1992) e as primeiras eleições (1994). Um papo com o Motorista e o Ajudante sobre os horrores da guerra tornava o eco mais presente. E sempre que passássemos de um local conhecido por alguma atrocidade durante a guerra eu sentia saudades da cidade capital.  


- A resposta? Insistiu o Ajudante. 


Continuei calado. Confesso que estava com medo de uma emboscada. Era tempo de paz, mas ainda uma incógnita. Perante o meu silêncio restava o Motorista. Este respondeu que não tinha medo de nada, pois os longos anos de estrada e de guerra haviam congelado os seus sentimentos. Uns segundos depois da resposta ele teve que aplicar todos os dotes de condução para imobilizar o camião diante de um repentino corte da estrada. Um senhor corte. Era o início de outros e tantos cortes até poucos quilómetros antes da Vila de Massingir. “Quem fez isto estava muito zangado". Anotou o Motorista. 


Depois da lenta travessia pelos sucessivos cortes o Motorista disse que testemunhara cortes semelhantes na zona de Chibabava, província de Sofala. Em seguida cada um foi arrolando histórias reais da guerra dos 16 anos. Umas distantes e outras próximas. O Ajudante mostrou marcas de balas no seu corpo. Eram marcas profundas de combates travados quando esteve incorporado no exército governamental. De tanto ouvir episódios de bravura do Ajudante acabei por achar que estava protegido e já não me ocorria uma possível emboscada durante a viagem. 


- E tu? De que tens medo? Era o Motorista que questionava ao Ajudante. 


- Tenho medo de caneta. Respondeu prontamente o Ajudante. 


- Caneta? Insistiu o Motorista, espantado com a resposta. 


-Eu quando vejo uma caneta tremo. Fico com muito medo. Repisou o Ajudante.


Para ilustrar o âmago da sua resposta o Ajudante pegou uma caneta e pediu que respondêssemos quem era mais forte. Pelo tamanho não havia nenhuma dúvida de que era ele, o Ajudante. A caneta mal se via na sua mão. "Só pode ser feitiço". Concluiu o Ajudante enquanto - respeitosamente - guardava a caneta no porta-luvas. Não cabia na cabeça dele de que uma caneta tão longe – em Roma, Itália – fosse capaz de parar a guerra em Moçambique que durante 16 anos a força dos homens e das armas não conseguiram. 


"Que a paz seja eterna!”. Foram as preces do "tchim-tchim" pela paz e em nome da caneta que a trouxe e também pelo momento da matinal entrada na Vila de Massingir. 


PS: Veio-me à memória este episódio porque esta semana também passei a ter medo de caneta, sobretudo a que foi usada na assinatura do Acordo da Paz Definitiva no passado dia 06 de Agosto: temo que seja a mesma das assinaturas do Acordo Geral de Paz (1992) e do de Cessação de Hostilidades (2014).

Companheiros, confesso que algo me possa ter escapado e, aprioristicamenente, peço desculpas por isso: a assinatura, ontem, do “Acordo de Paz Definitiva e Reconciliação Nacional de Maputo” terá significado, automaticamente, a restrição de alguns direitos fundamentais, em particular a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa? Noto, sem esforço, situações claras de ataques verbais, “vilipêndio público”, acompanhados de catalogações como “inimigos da paz”, dirigidas em particular a cidadãos, jornalistas e órgãos de informação que, mesmo saudando, naturalmente, a “paz definitiva” manifestam reservas quanto à sua sustentabilidade, sobretudo enquanto não se estancarem os aspectos que podem estar na origem de situações ou de ausência de paz efectiva ou de paz pobre. Bem, me dirão que os que “descarregam” sobre os que manifestam as já citadas reservas, a coberto da própria Constituição da República, estão também a exercer a sua liberdade de expressão. Gostaria de ser ingênuo, sobretudo estando por demais claro que todos os “descarregadores” pertencem ao mesmo clube político. A razão, diria o filósofo, tem, pois, razões que a própria razão desconhece!!!

terça-feira, 06 agosto 2019 07:16

Mbata Nhalégwè no lançamento do meu livro

Estou no acto do lançamento do meu primeiro livro, em 2001, na cidade de Inhambane. O título é esse mesmo: Inhambane Sem o Badalo, uma homenagem à figuras que estarão por todo o sempre ligadas aos cheiros desta cidade elevada - pela minha imaginação nas paródias - ao lugar mais sossegado do Mundo. É uma colectânea de crónias recebida com estupefação pelos cépticos, que me achavam incapaz de ressurgir das cinzas depois de longos anos chafurdando na lama. Desnorteado. Será também a obra que me fez sentir um pequeno deus, por isso autorizado a enfiar as mãos nos bolsos e assobiar em liberdade pelas ruas e pelos atalhos e pelas sinagogas, passeando em paz. Com vaidade.

 

No evento, de entre os demais ilustres e pessoas do vulgo, esteve lá um homem que vai ser lembrado eternamente pelos espectáculos de pico que proporcionava na baliza. Pela audácia. Chama-se Mbata Nhalégwè, um guarda-redes notabilizado no Clube Arrera Kwara, e depois celebrado em toda a província onde era alcunhado “guiwonga” (gato). Extravazava classe em todos os movimentos. Exuberância. Plenitude.

 

Mbata Nhalégwè ficava encostado ao poste, de braços cruzados, pernas em tesoura, quando o jogo fosse despejado – ou pelo corredor central, ou pelas “asas” - para a baliza contrária, como se estivesse à espera serenamente de alguém, ou lucubrando na memória. Mas quando o perigo corresse na sua direcção, ele dançava como um dançarino de mapiko, media os ângulos com as mãos, gritava para os defesas seus colegas, por vezes saía da área e  logo a seguir voltava a correr para o seu reduto de costas voltadas para a bola, deixando tudo o resto por conta dos sensores implantados no seu corpo e espírito.

 

Os pontas-de-lança, ou os médios ou médios-avançados, podiam desferir mortíferos remates enquanto Mbata retornava à baliza naquele movimento subreal, e este, assim mesmo, de costas para o jogo, em corrida, como um gato feiticeiro, rodopiava no ar e impedia a trajectória fatal da bola. Tinha manápulas mágicas. Buscava o esférico no ar num gesto de quem colhe, como um maroto inesperado, uma laranja no ramo mais alto da árvore. E é isto, e muito mais, que vai tornar Mbata um guarda-redes idolatrado e festejado em toda província de Inhambane, no seu tempo de glória.

 

Hoje, em 2001, vejo um homem movendo-se no corredor da sala onde decorre o lançamento do meu livro. É extraordinariamente alto, cabeleira farta, completamente esbranquiçada, parecendo de prata. Procura com os olhos uma cadeira livre para se sentar e a primeira vista não há cadeira desocupada. A sala está absolutamente cheia porque o meu nome ribomba por estas bandas. Reboa até aos bairros mais longíquos onde também serei festejado como Mbata Nhalégwè, por todas as trafulhices que andei a fazer por aqui, e pela música de blues que vou cantar, sem saber nada de blues, nem nada sobre a escala diatónica.

 

O homem não encontra lugar para sentar. Orbita sobre o seu próprio eixo lembrando os dias dos jogos das estrelas  e, resignado como nunca esteve no campo de futebol, recua e encosta-se na porta da entrada, na mesma posição habitual de quando brilhava como um astro, desde os meados da década de sessenta, até princípios da década de oitenta: braços cruzados e pernas em tesoura. Olhei para ele e reconheci-o logo, era o Mbata Nhalégwè naquele estilo característico que recusa desvanecer apesar da idade. Nesse momento falava o governador de Inhambane, bajulando-me, e eu estou pouco me lixando para as bajulações. Mas o “boss” teve que interromper o discurso quando viu um homem que se destacava pela sua peculiaridade física, encostado à porta de braços cruzados e pernas em tesoura. Era o Mbata Nhalégwè, agora convidado por “Sua Excia” a ocupar a única cadeira vaga que se dispunha na fila da frente, reservada aos “responsáveis”.

 

Lá vem ele pelo corredor, estiloso, tranquilo, sereno, transcendental. Há silêncio na sala. Todos estamos paralisados. Mbata Nhalégwè faz uma vénia ao governador, enclina-se para pegar pela mão esquerda o encosto da cadeira, antes de se sentar. É um homem longelíneo. Virou-se para a plateia e saudou-a vocalizando palavras simples que ainda hoje me ressoam na alma: “este lugar não é para mim!”. Virou-se  para o governador e disse, “muito obrigado, Excia”.

 

Houve uma forte salva de palmas. E antes de se sentar – como um mamute – Mbata Nhalégwè disse mais, dirigindo-se à plateia: “é uma uma grande honra e privilégio, participar no lançamento do livro do Alexandre, uma pessoa que fala sempre de mim como se eu fosse alguém, quando na verdade ele é que é alguém!

 

Houve outra estrondosa ovação, com as pessoas de pé, incluindo o governador da Província, que já não sabia o que fazer!

quinta-feira, 01 agosto 2019 05:56

Carta à um amigo na diáspora

Epá, como sabes, eu não uso esses dispositivos do tipo whatsap, facebook, e outros facultativos disponíveis no nosso tempo. Não tenho estrutura para isso, para além de que a minha impressão, é de que tudo isso está a levar-nos à loucura. Toda a gente anda com os celulares na mão, entre eles aqueles que ostentam os mais modernos e poderosos, malta Huwawei. Não tiram os dedos  e os olhos do ecrâ, mesmo caminhando debaixo do sol. Ou a conduzir viaturas na estrada. No átrio das escolas então não digo: os alunos conversam cada vez mais pouco entre si. Estão sentados no mesmo banco ou no mesmo chão, no jardim, mas cada um no seu mundo. Já não há terapia de grupo.

 

Mas não é para te contar estas baboseiras conhecidas por todos que resolvi escrever-te esta carta. O motivo que me leva a fazer isto é a saudade que sinto de ti. E também a necessidade de partilhar contigo alguns medos que me assolam ultimamente. Aqui continuamos a ser  mortos, meu irmão! Assim mesmo, como cabritos içados num ramo qualquer de uma árvore e decapitados a sangue frio. O pior é que esta chacina não dá sinais de abrandamento, e estamos à caminho das eleições gerais onde ninguém sabe o que vai acontecer.

 

Neste país, que também é teu, meu irmão, já ressurgem aldeias inteiras abandonadas. Outros conglomerados foram literalmente incendiados. Os nossos irmãos, aqueles que conseguiram,  saíram de lá como baratas assustadas e foram se aglomerar noutros lugares, escondidos, mesmo assim sem a certeza de nada. Vivemos de morte em morte. E aqui onde estamos, não há ninguém que nos consola. Tudo à nossa volta representa o escuro.

 

É isso, meu irmão! O meu medo aumenta porque há metralhadoras, ainda aqui dentro, mais para cá, que parecem prontas a troar de novo contra os nossos corpos. Na verdade o que mata não é aquilo que entra pela boca, mas o que sai através dela. E as palavras que temos ouvido ultimamente, nas matas e nas cidades, são um verdadeiro rastilho. Aceso. Há um receio de que a dinamite exploda.

 

Temos muitas flores por aqui, meu irmão, como tu bem o sabes. Lindas flores. Alagadas de futuro. Mas no lugar de colhermo-las para ornamentar os convívios, investimos sobre elas como pragas. Ontem as crianças cresceram ouvindo o matraquear das armas cuspindo balas sobre os corpos dos seus pais e sobre os corpos dos seus irmãos, e hoje essas mesmas crianças assistem à decapitação dos seus projenitores, em espectáculos macabros que se repetem sem fim à vista.

 

É este o nosso país, meu caro! Que vive de morte em morte. Com homens bebendo o sangue saíndo da jugular dos seus próprios irmãos, com o fim de lhes fortalecer, segundo a sua irracionalidade, a sanha assassina. Já não esperam pela chegada da noite, para ser a própria noite a vestir-lhes o capuz. Avançam à luz do dia, e assim, as vítimas contemplam, lívidas, o brilho da catana que lhes vai decapitar como reses desgraçadas.

 

Mesmo assim ainda acredito na roda da história, meu irmão. Um dia todo este sangue que escorre nas aldeias, vai ser lavado. Quem sabe!

 

Receba este meu abraço trémulo. Sucessos por aí.

É expectável que uma obra tenha ou comece por um projecto de arquitectura de acordo com os termos de referência do promotor e que cumpra as fases posteriores (projectos complementares - estabilidade, hidráulica- electricidade - e o projecto executivo), incluindo a contratação de um fiscal e do empreiteiro. A obra - depois de aprovada pelas autoridades competentes - inicia e desenrola em ritmo ditado pelas condições existentes (financeiras, materiais, tecnológicas e humanas). É suposto que assim aconteça com o processo de construção das nações. Contudo, nem sempre uma obra é feita de acordo com os ditames dos manuais. E o caso de Moçambique? 


“O país é uma obra que nasceu de um projecto concebido - em 1962 - por Eduardo Mondlane (e outros), o primeiro Presidente da FRELIMO, cujo desiderato era a liberdade, a prosperidade e a união de todos (unidade nacional) num imponente edifício que se chama Moçambique. Por razões conhecidas o arquitecto do projecto, Eduardo Mondlane, não esteve na data do seu lançamento (7 de Setembro de 1974, Acordos de Lusaka) e na data do início da obra (25 de Junho de 1975, Independência Nacional). 


Hoje, volvidos 44 anos de avanços e recuos no processo de construção, existe a forte percepção de que a obra que se esperava uma empreitada (de acordo com os manuais) descambou para uma típica autoconstrução (fora dos manuais) à boa maneira da pérola do índico. Nada confirmado, mas para o indispensável esclarecimento uma auditoria preliminar foi encomendada em resposta à seguinte questão: até que ponto foram observados todos os procedimentos e empregues os recursos adequados para uma construção sólida e duradoura de Moçambique? 


O objectivo central da auditoria passa por obter a opinião profissional e independente da análise dos dados do projecto e dos da sua execução de modo a reflectir o estado da obra e o respectivo risco a 31 de Dezembro de 2019. Prevê-se que do trabalho saia um relatório e a competente carta de recomendações. Estes documentos serão publicados no próximo ano por ocasião dos 45 anos da independência do país. Em 2023/24 será feita uma auditoria completa (final) cujos resultados serão publicados no contexto das bodas de ouro da independência nacional (2025). Uma auditoria forense - havendo razões - será equacionada nos termos a serem acordados.” 


Estava a transcrever parte de um documento elaborado pelo conceituado e multidisciplinar turbo-consultor Doutor Fofa. Por coincidência um amigo e o garganta-funda (informador secreto) de alguns dos textos publicados e de certeza de outros que advirão. O nome FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças) foi-lhe atribuído nas andanças das consultorias e de intervenções em conferências e na media, pois sempre que ele inicie ou termine uma análise recorre ao já famoso “nos termos da abordagem FOFA”. Esta frase passou a ser a sua marca. A marca do Doutor Fofa: uma figura eminente e incontornável dos meandros da luta pelo (sub)desenvolvimento sustentável do país. 


Coube a este turbo-consultor a empreitada de levar acabo a auditoria. Para tal cobrou (e foi aceite) 10% do Orçamento do Estado (OE) do ano em exercício. Uma pimba de massa como se diz na gíria popular. Na prática um outro ministério. Os argumentos de que o Estado não busca o lucro mas o interesse público e de que um consultor que se preze carece do adequado conforto para estar imune a outras percentagens foram demolidores e favoráveis para a decisão tomada. 


Para o pagamento da auditoria foi decidido que a fonte do dinheiro seria directamente do bolso dos moçambicanos. O valor por cidadão, o mecanismo para a sua colecta e a gestão do fundo seriam estudados, apresentados e operacionalizados a tempo do fecho da auditoria no presente ano e prorrogável por mais três meses. Para “um documento soberano, dinheiro soberano” foi a frase de ordem que abriu, dominou e encerrou o debate do “Consórcio Governo-Sociedade Civil” (ainda sem nome), encarregue para gerir o processo da auditoria. Porventura, o início de outros e novos tempos. 


Pela primeira vez, em três décadas e poucos anos de carreira de consultadoria, o Doutor Fofa seria pago pelo dinheiro do povo moçambicano. Todavia, o encaixe financeiro e o seu semblante não se encaixotavam com o gostinho da satisfação. Algo do tipo “o que o novo patrão implica como responsabilidade?” passava pela sua cabeça. Uma expressão adaptada da emblemática “o que a liberdade comporta como responsabilidade” - dita (por um afro-americano) a respeito e na altura da aprovação da lei que proibia a escravatura na América - que Severino Ngoenha, filósofo moçambicano, tem-se socorrido em outros contextos e sempre que necessário.  


Uma outra e possível razão (de contenção da satisfação) fosse - supostamente - o facto do Doutor Fofa achar que é o 13º da lista dos cidadãos a serem abatidos no âmbito da “Revolta dos Beneficiários”. Para mais informação desta sublevação - a revolta do eterno grupo-alvo do combate contra a pobreza cuja arena são as unidades hoteleiras - o leitor terá que ler o texto https://cartamz.com/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/2163-a-revolta-dos-beneficiarios do mesmo nome. Para quem leu o Doutor Fofa é o amigo que passou a ter medo de assinar a lista de presenças de batalhas de combate a pobreza. 


Para o início do trabalho de auditoria o consultor sugeriu e como parte da metodologia – inclusiva e participativa – um processo de auscultação aos donos da obra (o cidadão/povo). Deste exercício o Doutor Fofa espera recolher contribuições sobre o objecto em pauta. Os dados serão a posterior sistematizados de acordo com a análise FOFA ou SWOT, na língua inglesa, quando se pretende marcar a diferença. 


E sem marcar diferença termino o texto ciente de que cada moçambicano está em condições de conduzir a sua própria auditoria/avaliação e emitir uma opinião independente quanto ao facto da “obra Moçambique” ser uma empreitada ou autoconstrução bem como em relação ao estado e risco da mesma a 31 de Dezembro de 2019. Mãos ao cérebro. Saravá! 


PS (i): uma obra do estimado leitor (acabada ou em construção) pode servir de ponto de partida para a sua opinião. Aliás, acredito que este final de semana (ou um outro recente) tenha por lá passado com um sobrinho - recém-graduado em área afim - para a devida apreciação (técnica). Aposto que o sensato sobrinho não emitiu a real opinião por culpa do abarrotado “coleman”, penosamente castigado de tanto ser usado como anexo enquanto é o conteúdo principal das visitas à obra. Ademais, caso o sobrinho não tenha pedido o contacto do mestre/pedreiro ou tenha questionado com desdém “quem fez/está a fazer?” aconselho ao “mano” que fique preocupado quanto ao estado e risco da sua obra.  


PS (ii): seria recomendável que o fim de um mandato fosse acompanhado por um relatório de auditoria/avaliação independente da governação e a respectiva carta de recomendações. Estes documentos seriam uma ferramenta útil de (a) avaliação do desempenho e adequação ao contexto dos principais órgãos do estado, (b) estruturação do governo e (c) eleição/indicação de titulares de acordo com o perfil do e para o cargo. Para começar o acesso aos termos de referência seria importante. Ou melhor, a consulta pública deveria sempre iniciar pelos termos de referência do trabalho a ser executado. Não foi assim com o Doutor Fofa, mas fica a proposta para ser equacionada no futuro.

Este texto é escrito a respeito da febre de enchimentos que grassa o país. Todo o mundo quer encher alguma coisa: os lábios, os glúteos, os seios, os bicípites e outros músculos, incluindo o músculo que está a pensar. Isto a nível do corpo humano. Por outras esferas: os bolsos, as estatísticas, as facturas, o “chapa”, as urnas de votação, a lista das “marandzas” e por ai em diante. Uma autêntica e veloz corrida aos enchimentos. Na senda, partilho abaixo um episódio interessante (acho) de um dos empolamentos mais procurados da florescente indústria de enchimentos em Moçambique. 

 

Há uns anos um grupo de quatro funcionários de uma instituição da capital do país esteve em Lichinga, província de Niassa, numa jornada laboral. Um bónus de um final de semana pelo meio - intencionalmente encaixado para uns dias extras de ajudas de custo e de lazer com as contas pagas – foi aproveitado pelos viajantes para uma merecida tarde de sossego no Lago Niassa. E já agora: encherem a lista de locais visitados e as redes sociais com as melhores imagens (fotos e vídeos). 

 

Chegados ao Lago e devidamente instalados numa sombra de pau-a-pique os colegas foram passando a tarde na companhia de líquidos nacionais e do delicioso peixe local que é uma das atracções da bela praia do Lago. O ambiente estava agradável e o papo seguia a mesma onda. Cada um foi descrevendo peripécias de viagens anteriores em trabalho e o devido aproveitamento para uns dias de turismo. Um deles contou que certa vez conseguiu enquadrar a família numa dessas viagens de trabalho. Um outro colega disse que fez o mesmo com a diferença de ter enquadrado uma “Emília” e não a família. Em fim, outros enchimentos e com as contas pagas.  

 

A dada altura, um senhor de idade - que por ali zanzava com um saco e ares de quem estivesse em actividades de pesquisa - tomou a direcção dos “vientes” (não da terra/província). Depois de anunciar a entrada, pousou o saco e cumprimentou o grupo com honras militares. Uns minutos depois já estava palavreando sobre a sua vida, ressaltando na fala a troca do “r” pelo “l”. Na sua trajectória sobressai o facto de ter sido, no tempo do governo de Salazar, um marinheiro da armada naval portuguesa. E para quem quisesse tirar a prova dos nove o velho prometeu mostrar a farda e o álbum de fotografias. 

 

Depois de algum tempo a entreter o grupo com a sua história – uma estratégia de “marketing” – o velho exibiu o conteúdo do saco: um suposto produto que tornava resiliente o membro masculino. Segundo as palavras do velho “o membro enchia e não caia” (pressupondo a queda em combate), ditas enquanto mostrava e descrevia outras maravilhas do mágico produto. E para dar mais crédito recorreu da própria experiência, anotando que mantinha a sua mulher – bonita e muito jovem - graças ao produto e por nenhum outro motivo. A-propósito: o nome do tal produto foi ocultado para não influenciar as vendas e o potencial risco de alguns indicadores do sector da saúde sofreram uma subida negativa e considerável. 

 

Encerrada a sessão de “marketing” passou a de certificação do produto. Para tal cada um ligou para familiares e amigos a nível nacional. Muitas chamadas foram para Tete e Sofala, províncias com fama no tipo de produto em causa. Aliás e para recordar, numa das recentes edições da Facim, a principal feira de negócios de Moçambique, foi um produto semelhante – e de uma das duas províncias – que foi o mais procurado, tendo esgotado nos primeiros dias quando não nas primeiras horas. 

 

Concluído o “due diligence” o resultado favoreceu as finanças do velho. Com a aquisição os quatro colegas - animados com o produto e encorajados com o respectivo “no objection” popular - delineiam os respectivos planos e o “casting” para a necessária estreia. Pelo desfecho do “casting” o produto não se destinaria ao consumo caseiro, contrariando a experiência do velho quanto as vantagens do seu uso doméstico. Contudo, as duas abordagens concorriam para o mesmo objectivo: a manutenção.   

 

Cumprido o objectivo da ida ao Lago Niassa e na efusiva solenidade de despedida do velho marinheiro – pela companhia e pelo mágico produto - este fez questão de fazer um aviso à navegação quanto ao uso do produto adquirido. A advertência foi clara e sombria: o produto apenas funciona para situações de complemento (reanimação) e não de falecimento (ressuscitação) do ente querido. (Se) “Molleu, Molleu!”: foram as fulminantes palavras do velho marinheiro enquanto batia em retirada. Uns passos depois, notando que o grupo estava com sérias dificuldades de digestão e para que não ficasse nenhuma réstia de dúvidas, o velho - em tom jocoso e bem audível - enfatizou: Molleu, Molleu!  

 

PS (i): o recurso a certos sectores da florescente indústria de enchimentos pode ser satisfatório em curto prazo e estar a ocultar situações que possivelmente careçam de outro tipo de intervenção e para outro tipo de resultados em médio e longo prazo. Apostar em soluções de ressuscitação talvez fosse melhor e sustentável do que as de reanimação. E pelos vistos ninguém/o país não se dá ao trabalho de investir (não se enche de ideias) para criar as condições necessárias nesse sentido, incluindo o velho marinheiro do Lago Niassa. 

 

PS (ii): num texto anterior e a reboque de eleições que se avizinham, mormente quanto aos polémicos dados e ditos empolados da província de Gaza sugeri, a título de ajuda, aos gestores das eleições (CNE/STAE) que declarassem a inclusão, no recenseamento eleitoral, de dados da Faixa de Gaza (médio-oriente),quiçá, uma extensão ultramarina – e por reivindicar - do antigo Império Nguni (de Gaza). Na sexta-feira passada, a CNE veio a terreiro confirmar os dados de Gaza. Na prática a CNE reiterou a posição inicial que entra (pelo que se consta) em colisão com os dados/previsões do INE, Instituto Nacional de Estatísticas. Resumindo: Tudo na mesma. E na mesma continua também a minha sugestão.