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Carta de Opinião

segunda-feira, 15 julho 2019 06:26

Um possível legado de um mandato atípico

É sabido que Samora Machel trouxe a independência. Joaquim Chissano a paz. Armando Guebuza o caminho para a conquista da riqueza. Infelizmente, o que os três antigos presidentes trouxeram, não deixaram “tal&qual” para o actual inquilino da Ponta Vermelha, a residência oficial do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi. Às costas – do mandato (2015-2019) – de Nyusi o peso dos quarenta e poucos anos de Moçambique e de contas por saldar: restabelecer a dignidade de um país independente; materializar uma paz permanente; e concretizar as condições para um país rico/desenvolvido.  

 

Suponho que o PR – no seu primeiro dia de governação – tenha perguntado: por onde começar? Do que se viu e pelos primeiros actos – dois encontros com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, o partido-armado da oposição e arqui-rival da Frelimo, o partido-governo – a sinalização de que a paz seria o ponto de partida. E, no momento em que o PR se posicionava para definir o passo seguinte, cai o assunto das “dívidas ocultas”. No pacote, seguia um bónus de outras dívidas e por saldar: a transparência, a integridade e a prestação de contas. 

 

Num contexto atípico, um início e decurso de um mandato também atípico e de difícil gestão. Acredito que não tenha sido fácil ao PR deixar – ou tomar – decisões sobre assuntos transitados de outros governos ou sobre os quais os mais entendidos e tarimbados colegas do seu governo e cercanias (partido, assessores, entre outros) tivessem outro entendimento. Mário Soares, falecido estadista português, contava – a propósito de discussões nas sessões do governo a que presidia (e em tempos de grandes dificuldades) – que tinha perdido a conta de noites de insónias cada vez que os ministros, alguns deles, segundo Soares, muito mais inteligentes e experientes, esperassem que ele tomasse a decisão. 

 

O mandato de Nyusi – prestes a findar – herdou problemas (e outros nasceram) cujas soluções – havendo-as – ainda não geraram efeitos positivos no dia-a-dia do grosso dos cidadãos. E mesmo assim – para o espanto de alguns – o país não despencou. E abono que tenha o valioso contributo do PR para que o país não despencasse. Porventura, o melhor – que ele esperava – carecesse de outras condições que os seus antecessores não providenciaram, tanto é que o quarto andar do edifício que lhe competia dar continuidade não se encontrava à superfície: era o quarto piso dos andares do estacionamento ainda no subsolo. Outra provável razão do país não ter despencado. 

 

E por horas de fecho do mandato antevejo que o PR, no seu último dia de governação, pergunte: por onde sair? Espero que uma voz por perto diga: por onde entrou, Senhor Presidente! Neste caso pelo discurso da cerimónia de tomada de posse proferido no dia 15 de Janeiro de 2015. Uma nova leitura em jeito de balanço - à NAÇÃO - é recomendável. Vamos recordar alguns trechos: 

 

“Iniciamos hoje uma importante etapa do nosso percurso histórico como Povo e como Nação que levará Moçambique a um novo patamar de Harmonia e Desenvolvimento.”

 

“Como disse na minha campanha: o povo é o meu patrão. O meu compromisso é de servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão. O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique. E eu estou pronto!”

 

“Lutarei para que os moçambicanos sejam os donos e a razão de ser da economia, assegurando uma crescente integração do conteúdo local e a participação efectiva dos moçambicanos nos projectos de Investimento, em especial na exploração de recursos naturais…” 

 

“Promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez maior confiança e num efectivo espírito de inclusão. Este espírito de inclusão só se conquista por via de um permanente e verdadeiro diálogo. Necessitamos de construir consensos, necessitamos de partilhar, sem receio, informação sobre as grandes decisões a serem tomadas pelo meu Governo.” 

 

“Dentro de dias anunciarei a equipe governamental que a mim se irá juntar (…). Dois critérios básicos nortearão os órgãos da administração pública e da justiça: o mérito e o profissionalismo.” 

 

“Asseguraremos que as instituições estatais e públicas sejam o espelho da integridade e transparência na gestão da coisa pública, de modo a inspirar maior confiança no cidadão. Queremos uma cultura de responsabilização e prestação de contas dos dirigentes para que a que conquistem o respeito profundo do seu povo…”

 

“Eu, cidadão Filipe Jacinto Nyusi, sou o Presidente de todos vós! Tudo o que fizer e tudo o que farei será para que cada moçambicano se sinta parte do processo de desenvolvimento nacional. Mais unidos, mais fortes e mais determinados construiremos uma nação que todos celebramos como uma pertença comum. Neste acto solene, reitero a todos vós, moçambicanas e moçambicanos, no país e na diáspora, que dentro do meu coração cabem todos os moçambicanos. Vamos, todos juntos, construir um país à medida dos nossos sonhos.”

 

Um dos sonhos – e bem à medida – é a transformação do discurso oficial de tomada de posse, acrescido do respectivo balanço das promessas feitas, em discurso de despedida do mandato. Deste e de outros mandatos. Tenho a convicção que o PR, na esteira do seu inquestionável compromisso com o povo moçambicano, realizará este sonho, inaugurando um precedente histórico. 

 

Assim, no final do mandato, o PR deixaria o país à entrada do túnel (da transparência, da integridade e da prestação de contas) e com a viva e renovada esperança para uma caminhada conjunta em direcção à luz (independência, paz e riqueza) que se vê, piscando colorido, ao fundo. Em caso de concordância e assim proceder: estaremos no bom caminho, Senhor Presidente!

 

Para a História: um legado excepcional de um mandato atípico. Saravá!

quinta-feira, 11 julho 2019 06:34

O perfil para o cargo de Presidente da República

A propósito do debate despoletado por conta do desempenho do Presidente da República (PR) de Moçambique, Filipe Nyusi, numa entrevista a canais portugueses de comunicação social (RTP-África e RDP-África) - na sua recente visita a Portugal - no fundo não se estava a avaliar o seu desempenho, na aludida entrevista, mas o que cada um pensa sobre o que devia ser o perfil adequado para o cargo de PR, para o caso, em Moçambique. Na verdade, um debate adiado e que urge, tomando o interesse público sobre o assunto. 

 

Em função do perfil (barómetro para avaliação) que se pretende para um PR – e decisivo para a escolha do candidato a nível partidário – o interessado (e não necessariamente o interesse dos outros por ele) faria a sua auto-avaliação e daí - em caso de conclusão positiva – o início das devidas articulações para se apresentar como candidato. Nestas circunstâncias, em princípio, este candidato apresenta garantias e mais comprometimento na defesa e promoção do seu projecto político quer na mobilização para a sua eleição quer na respectiva implementação, em caso de vitória e até como oposição. Algo que se enquadra em parte nesta visão foi, entre nós, o exemplo de Carlos Tembe, o falecido edil da Matola. Ele partiu de um projecto pessoal (Matola no Coração) e conquistou o Partido e a Matola.   

 

Voltando a entrevista. Não tomei nenhuma posição (favorável e nem contra). Considerando que o faça, acredito que partiria de uma abordagem comparativa com outros líderes mundiais, passados e actuais. Sobre isto, tenho em memória uma intervenção, em Maputo, numa Cimeira da CPLP - e de estreia internacional – de Kumba Yala (falecido), antigo PR da Guiné Bissau. Ele fez questão de anunciar que gostaria de ser como o então Primeiro-ministro português, Engº António Guterres, actual Secretário-geral das Nações Unidas: Um orador nato e com discurso (de improviso) coerente e eloquente. Para Kumba Yala, suponho, este seria um requisito fundamental para um chefe de Governo/Estado. 

 

E para o caso interno e tendo a Frelimo como referência. Certa vez, e numa entrevista a uma televisão local, Marcelino dos Santos, membro sénior e histórico da Frelimo, referiu que a capacidade do Presidente Chissano “engolir sapos” - uma característica ímpar no seio dos presidenciáveis na altura - foi determinante para o contexto em que Joaquim Chissano foi Presidente, sobretudo na gestão dos processos de paz e de transição económica (aposta numa economia de mercado) e política (passagem para o multipartidarismo) do país. Depreende-se que para Marcelino dos Santos, a escolha de um PR depende do contexto e desafios em que esse Presidente exercerá as suas funções. 

 

Por tabela, a escolha de Samora Machel para substituir Eduardo Mondlane, depois da morte deste em 1969, foi determinante a sua qualidade de liderança e comandante da força militar, combinando com os objectivos de intensificação da luta armada rumo a independência. Ademais um sinal de demonstração de força e vitalidade ao regime português sobre a clareza do que se pretendia com a escolha de Samora Machel. Em relação ao Presidente Armando Guebuza? Pelo acompanhado a sua visão económica, entre outras características e ideias própria sobre o que o país deveria fazer - depois da chamada transição - jogou a seu favor na mobilização da Frelimo e de outras franjas da sociedade. 

 

E para a escolha do candidato para os mandatos 2015-2019/2020-2024? O que determinou? Da leitura pesam mais razões de deslocação geográfica do poder, simbolizado no cargo de Presidente. Dos candidatos do partido Frelimo que se apresentaram nas eleições internas, em 2014 (todos provenientes acima do rio Save), o voto maioritário foi para o candidato Nyusi, embora os outros candidatos tivessem mais anos de experiência e credenciais no exercício de cargos governamentais.

 

Em parte, o facto de Nyusi ser oriundo da província do oil&gas (Cabo Delgado) - o berço da libertação política do país e pelo que se consta, o da futura libertação económica - foi determinante na sua escolha. Nessa condição, entre outros, em melhor patamar para gerir politicamente o dossier – extractivo, em particular as expectativas locais (Cabo Delgado) e até regionais (outras províncias limítrofes). A ideia de que o Sul tomará de assalto os “Biliões de USD” provenientes do gás, não está em pauta por conta deste factor. Além disso, reforçado com um outro factor: O gestor- mor da “petrolífera moçambicana” é procedente das mesmas paragens.

 

Dentro da mesma lógica: as razões que ditaram a escolha de Filipe Nyusi para candidato da Frelimo - deslocação geográfica do centro de poder - será o mesmo critério para a escolha do candidato da Frelimo para as eleições dos mandatos 2025-2029 e 2030-2034 – deslocando o centro do poder do norte para o centro do país. Suponho que o candidato será da província que nesse tempo tiver maior ou expectante papel económico. Tenho a nítida impressão que assim será e que o assunto esta devidamente acomodado e fora da agenda como substância de debate partidário.  

 

Nesta matéria - escolha do timoneiro para candidato a direcção da Nação - a realidade do que acontece na Frelimo não difere tanto a dos outros partidos, observando as respectivas especificidades. Deste modo, a discussão do Perfil do Presidente da República no quadro do que se avaliou em relação ao desempenho do actual PR, na entrevista referida, continuará adiada por mais quinze anos - a menos que fenómenos contrários ao curso normal da História façam a diferença.   

 

PS (i): Uma vez que as próximas eleições estão à porta e como diz um amigo: Podemos começar a discutir a proposta dos Termos de Referência para a definição do Perfil-base do Presidente e com cenários de características específicas em função dos contextos em que a governação será exercida. Durante o próximo mandato (2020-2024) - continua o amigo - um debate nacional e o consentimento das forças partidárias e cívicas - e com ampla base de apoio e legitimidade popular - sobre o perfil acordado para um PR em Moçambique poderá ser um bom ponto de partida para influência legislativa e dos candidatos dos próximos mandatos, pós 2020-2024, sobretudo a nível das escolhas internas dos que submetem as candidaturas.  

Todos eles serão elegíveis a sumo-pontíce, no clero restrito a que pertencem. Foram escolhidos entre muitos, e recebido a missão de cintilar em palcos de nunca acabar. Sem outro propósito senão o de fazer da melodia, a própria almadia de libertação do espírto. Fizeram isso. Cantaram em revolta.  Apelaram-nos ao amor nas letras espontâneas e buriladas com sabedoria. Dançaram com todo o corpo. E o resultado é aquele que se viu, deixaram baba por onde passaram.   

 

Com Pedro Langa, Zeca Alage, Roberto Chitsondzo, juntos, Gorwane era de facto a lagoa infinita. A alma da banda eram os três. Gorhwane sintetizava-se neles. De tal modo que, mesmo havendo correntes diferentes no mesmo rio, as águas mantinham a doçura dos tempos. Os “Bons rapazes”, como Samora Machel os apelidava na sua loucura de actor, só faziam sentido com uma alma composta por aquelas três peças fundamentais. Mas hoje, eu pessoalmente não conservo o mesmo entusiasmo perante o Gorhwane. Porque a alma deste grupo está despedaçada. Ficou o Roberto Chitsondzo, e o Roberto vale por ele mesmo. É por isso que considero injusto, continuar a chamar Gorhwane a um grupo de mito, sem o Zeca Alage e sem o Pedro Langa.

 

Kapa Dêch vai ser para sempre o paradigma da juventude. Mas também este grupo será eternamente ligado ao Tony Django e Roberto Isaías, juntos. Quando se fala de Kapa Dêch, avulta imediatamente o nome de Tony. A banda pode fazer tudo, pode ir para todos os lugares exibindo uma grande perfomance, até porque na sua plêiade tem artistas de primeiro nível, mas eles próprios vão perceber que falta o Tony Django. Então isso significa que há alguma coisa que deve ser repensada. Talvez debatida. Porque se quisermos continuar com a marca de um determinado produto, temos que ter a certeza de que estamos certos.

 

Em relação ao Eyuphuru, depois da saída de Gimo Remane, era evidente que Zena Bacar estaria sozinha. Eyuphuro era Gimo e Zena. Tudo o que eles fizeram  pelo mundo e dentro do país, tinha as duas vozes como eixo principal, fazendo do grupo o cristal de Nampula e de Moçambique. A alma do ritmo macua estava nos dois, tornados um pelo compromisso que tinham com a boa música. Mesmo assim, depois da saída de Gimo, Zena manteve aquele nome sagrado, sem que ela própria se sentisse bem. Tremia nas bases, porque Eyuphuro era muito grande demais para ela. Sozinha. Sem o Gimo.

 

Sobre o Alambique tenho outro sentimento. Pode faltar o Childo. Podem ser incoporados outros elementos e novos instrumentos, mas a banda não vai tremer porque a alma está intacta. O coração do Alambique é o Arão Litsuri e o Hortêncio Langa, astros inquestionáveis com lugar cativo nas prateleiras de ouro existentes no mundo. Aliás estes dois, agora, mais do que nunca, exibem no trabalho a estabilidade dos monstros, e a criatividade inesgotável de um espírito que está sempre no auge. Alambique continua a ser a banda do futuro.

segunda-feira, 08 julho 2019 07:05

Ecos de uma Viagem Antecipada ao Séc. XXI

Corria um dos anos da segunda metade da década noventa do séc. XX. O Professor Severino Ngoenha - com ar de um futuro preocupante - irrompe o anfiteatro com um jornal na mão. Era um dos semanários da praça. Ele vinha da UEM pela Julius Nyerere. No trajecto passou pela embaixada da China (em construção) e pela então agência do Banco Fomento, actual BCI (em remodelação). No caminho ainda cruzou com as sonoras sirenes de comitivas dos órgãos de soberania.

 

O jornal, a imponente embaixada da China (em construção), a agência do banco português (em remodelação) e as barulhentas sirenes dos órgãos de soberania foram motivos para o início de mais uma palestra. Na verdade uma viagem ao temp(l)o do conhecimento. 

 

Depois de certificar a presença de todos os passageiros o Professor, na verdade o Piloto, projecta o jornal para a secretária de forma a deixar o título visível aos olhos de todos. Em seguida pergunta aos passageiros - ávidos de conhecimentos – se tinham lido. A resposta foi um harmónico Não! Depois pergunta - e para reflexão - se os passageiros notaram algo de interesse nas construções da embaixada chinesa e do banco português. Idem: Não! E por fim, pergunta se tinham ouvido as sirenes do poder. Ibidem: Não! 

 

Óptimo. Nada melhor que decolar ciente que todos estão na mesma classe (económica) da aeronave. Penso que assim cogitou o Professor-piloto. Em diante a turma embarcou para séculos anteriores - com escalas técnicas no séc. XV, XVIII e XIX - e, na volta, uma passagem - em voo rasante - pelo século XX, na altura, aterrando tempos depois no séc. XXI. Foram quase duas horas de uma alucinante viagem ao passado, presente e futuro. Depois da praxe habitual de despedida, o piloto deixa a sala de desembarque sob o olhar vertiginoso dos seus passageiros. Estes, depois de recuperados, tentam juntar as pontas que cada um foi segurando ao longo da viajem antecipada ao séc. XXI. 

 

Para começar, as pontas sobre os motivos da viagem: um título do Jornal (arrisco o “Demos”) que dizia: “Parece Sina: Os portugueses de 500 em 500 anos descobrem Moçambique”. Isto porque na altura começava a registar a entrada massiva de portugueses (e para alguns o regresso). E, historicamente, onde chegam portugueses, outras nacionalidades - tal hienas - se abeiram para colmatarem as fragilidades caninas dos lusos. 

 

O segundo motivo foi a observação feita pelo Professor-piloto sobre as duas obras. Na primeira obra (chinesa) anotou que viu chineses no chão a ordenarem aos moçambicanos que estavam nos andaimes. O mesmo na segunda obra (portuguesa). O terceiro motivo – sobre as sonoras sirenes do poder – a sinalização das benesses do poder. Os passageiros complementaram com outros exemplos de outros sectores, em particular estratégicos, e de outras situações, que não diferenciava ou assim tendia. 

 

E para reflectir, as pontas sobre o destino da viagem: A necessidade do país definir e operacionalizar o que pretende ser nos próximos tempos dentro do quadro e desafios da globalização, onde, por um lado, estão os globalizadores, e por outro, os globalizados. E, para concluir, as pontas sobre as lições e aprendizagem da viagem: Na verdade - entendo agora - quando o Professor-piloto largou os seus passageiros no séc. XXI queria que eles soubessem, se nada fosse feito, a realidade do país duas décadas depois, partindo da data da palestra/viagem. 

 

Hoje, duas décadas depois, quem passe pelas obras que pululam em Maputo e pelo país fora - e pegando como referencial a China e Portugal - vê chineses e portugueses no chão (base) a direccionarem o que deve ser feito e, nos andaimes (topo), outros chineses e portugueses a executarem as orientações. Os demais – com responsabilidades na edificação do país – estavam distraídos – a todos os níveis - na discussão sobre os direitos da poluição sonora. 

 

Foi esta uma parte da realidade encontrada pelos passageiros da viagem antecipada ao séc. XXI: A economia e as finanças tomadas por alienígenas e os indígenas aos empurrões à caça do que ainda sobrava (e também dependente) - o controle do barulhento “tacho político”. 

 

E sempre que o espaço do “tacho político” escasseia – porque, entre outros, a fila é cada vez enorme - alargam-no, ampliando a e(x)terna dependência de alienígenas. 

 

PS (i): Quando a China decidiu construir no país a sua imponente embaixada foi um sinal claro que no séc. XXI Moçambique seria uma infinita prioridade. Quem passe pela Av. Marginal não lhe passa despercebido a imponente embaixada dos gingos (americanos) em construção. A História ensina – e exemplo local não falta - que quem constrói uma embaixada daquela dimensão é um sinal que por estes lados tão já não removerá o pé. 

 

PS (ii): Perante estes e outros factos tão evidentes o país não se movimenta para arredar o pé do pedal de travão. Não se explica que se continue a desperdiçar o tempo a discutir a terminologia da paz que se segue e as condições para a ocupação de cargos. Desde os cargos do topo à base – dos mais sonoros e com carga apetitosa aos de menor sonoridade e apetência – e todos vitais na distribuição de benesses. E, infelizmente – para agravar – tais benesses são provenientes e no limite dos que fazem o business (e estes de certeza que não são os lobistas /prostitutos de negócio referidos pelo Presidente da República na recente visita à Portugal).  

quarta-feira, 03 julho 2019 13:47

*Não Adie, Ligue Agora!*

Em tempos li num texto - sobre a amizade – que um certo amigo disse ao outro que sempre que puder: abrace, telefone e convide. Abrace porque o abraço é a democracia do afecto. Telefone porque telefonar – nem que seja para dizer que está vivo – demonstra quanto a sua existência pode ser importante para os outros. Convide, porque convidar é o exercício da partilha. E partilhar não é o mesmo que dividir. É fazer dono de uma coisa vários. 

 

Ainda o texto e citando um trecho: “Se eu tivesse ouvido esse amigo, talvez hoje pudéssemos sair, tomar uns copos, falar sobre coisas e a vida. Mas a verdade é que nesse momento ele deve estar em algum lugar do planeta a dizer o que pensa a alguém que mereça a sua companhia muito mais do que eu. Não sei se o perdi: Mas será que um dia voltarei a encontrá-lo?” 

 

E se eu tivesse seguido à risca estes ensinamentos talvez não tivesse necessidade de contar o que abaixo e em breves linhas partilho. E faça-o na esperança de que cada um assuma a sua quota-parte de responsabilidades no que lhe disser respeito.  

 

“Em África cada velho que morre, é uma biblioteca que arde!”. Este é um ditado notável e célebre do historiador africano, Hampâté Bâ, que ficou historicamente lavrado e lacrado de forma indelével. Imagine um dia amanhecer com o Arquivo Histórico de Moçambique em cinzas. Ou suponha que furtem o seu laptop que até então guardava todo o seu arquivo audiovisual entre outra e diversa informação relevante, incluindo a sua tese de doutoramento por submeter na noite do dia em que o larápio achou por bem e dolo que o laptop – por arrasto o conteúdo - não lhe pertencia. 

 

O que lhe veio a cabeça é mais ou menos o meu caso por estes dias depois que o ditado de Hampâté Bâ bateu - no último sábado - uma porta muito próxima que é também minha. E numa semana bati mais vezes a porta da “Biblioteca” ardida - do que em décadas. No quintal, à sombra do limoeiro, logo à entrada, tenho tido dias - na mente - de intensas saudades do acervo oral – que sempre esteve disponível – e de que não me dei tempo para a devida consulta. Infelizmente, não estou sozinho. 

 

Hoje reconheço que se eu tivesse escutado Hampâté Bâ teria visitado mais vezes a “Biblioteca” que se foi e com papel e caneta. E teria muito mais para partilhar, tornado as vastas prateleiras do seu acervo em património democrático de todos. 

 

Infelizmente, por mais que cada um tenha ou compre mais tempo, não existirá tempo nenhum para a partilha do que ficou por absorver das “bibliotecas” africanas por conta de afazeres que se revestem - a partida - de importantíssimos e inadiáveis, deixando – a posterior - que a despedida seja de lamentação e não de celebração. 

 

Contudo, acredito que reste uma réstia de consciência suficiente e perturbante e que a partir deste momento cada um - observando as devidas as excepções - possa iniciar e manter, a prazo infinito, um roteiro de visitas às respectivas “Bibliotecas”. A fórmula é simples: Abrace, telefone e convide sempre!

 

Não adie, ligue agora! Evite que o seu telefone toque primeiro e de outro lado da linha, uma voz trémula, fale que a “Biblioteca” – que teimas em visitar - ardeu. E no final da chamada, a voz tremente e já aos prantos, ainda revele: Na noite passada (a “Biblioteca”) perguntou por ti várias vezes. 

 

Saravá “Bibliotecas” Africanas! 

 

PS (i): Na passada segunda-feira, disse a adeus a uma “Biblioteca” da família e de amigos, em particular os do Bairro 25 de Junho (Chopal). Na despedia do Tio Dias (a biblioteca que partiu) – um homem de elevada cultura de cidadania - lembrei-me de um dia, em 2013/14, ele ter questionado a prioridade governamental em instalar uma linha o Metro de superfície como uma das soluções na ligação entre os municípios de Maputo e Matola. Com certa perplexidade perguntou a quem lhe ouvia – um deles era eu - se no Metro i) as Mamanas entrariam com a trouxa dos seus negócios, ii) se o Jovem entraria com o saco de cimento e a chapa de zinco, e iii) se os sacos das compras do mercado teriam espaço. Estes são apenas alguns dos exemplos. E como prioridade, no lugar do Metro, ele recomendou que se investisse num transporte misto de passageiros e carga. E pelo que me consta, cinco/seis anos depois, este tipo de transporte foi equacionado como prioridade pela recente criada Agência Metropolitana de Transportes de Maputo e já existem passos concretos dados. Para mim, concretizado o projecto do transporte misto, este será o “Tio Dias”, seja qual for o nome oficial ou informal. Saravá, Tio Dias! 

terça-feira, 02 julho 2019 06:42

Txifuliane: a minha última machope

Estou sentado, como o tenho feito com alguma relutância nos últimos tempos, num dos bancos perfilados ao longo da marginal da cidade de Inhambane, a contemplar o sol que se vai deitar daqui a pouco. Desta vez é Txifuliane, mulher chope do interior de Zavala,  o forte motivo para eu estar aqui. Ansioso. De certa forma nervoso. E para espantar a demora, sustento o tempo de espera enquanto observo a natureza, pensando ao mesmo tempo na mulher que vai-me alimentando, aos poucos, a esperança, como o próprio gotejar da luz.

 

Txifuliane é diminuitivo de Txifule, que significa mulher sáfara. Que não faz filhos. Mas eu não olho para ela na perespectiva de gerar ou não, os filhos que até podiam estar no seu horizonte, entretanto ferido pela descompensação de não poder ser mãe. Nunca coloquei esse lado biológico como equacionante para a nossa relação, que até aqui não sei se vai produzir algo de bom, como as videiras plantadas na berma dos rios.

 

Conhecemo-nos há cerca de cinco meses, tempo durante o qual fui percebendo que Txifuliane pode ser uma criatura  muito delicada. Que vai arder à mínima faúlha, e queimar-se a si mesma, tipo emolação espiritual. Então ganho uma certa exitação, porque na verdade o meu maior medo será magoar esta alma que me parece muito leve como pluma. Por vezes chego a pensar que é melhor desistir, antes que a minha imprudência provoque fogo posto, no interior de uma mulher que está num eterno período de gestação da dor de não poder dar à luz um ser humano.

 

O que mais me atemoriza é que ela parece confiar em mim. Sinto que os pensamentos dela são de que encontrou finalmente o porto onde possa atracar com todas as bagagens em segurança. Isso é que abala a minha alma, porque nunca fui porto seguro de ninguém. Txifuliane não merece um terreno movediço que sou. Só nos olhos dela noto algo de muito profundo. De muito sincero. Quando  pronuncia o meu nome, todo o meu corpo arrepia e alguma coisa me diz que nela tudo é verdadeiro. E se for, então não a mereço.

 

Penso em tudo isso sentado neste banco da marginal, numa espera que não me dói. Txifuliane é uma mbila. Ressoa para dentro de mim com suavidade. A voz é melancólica como o cântico das rolas ao fim da tarde. E esta realidade profunda perturba-me. Estou num dilema que me pode degenerar, porque este, com certeza  será, pelo que sinto, o último sinal. Se não fosse, então tudo em mim estaria tranquilo. Mas estou a tremer. Tremo muito mais ainda quando Txifuliane me toca e diz-me em chope assim: naku dunda (amo-te).