Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Carta de Opinião

Há dias acompanhei - num dos canais de televisão da praça - uma reportagem sobre o elevado custo (160.00Mts) da portagem da ponte “Maputo - KaTembe”. O mote foi uma petição de residentes da Katembe, sobretudo de potenciais automobilistas/utentes frequentes da ponte. A reclamação-mor era a redução do valor da portagem para um nível comportável e semelhante ao valor (35.00Mts) da portagem da Matola. Outra reclamação recaia sobre os riscos da alternativa usada: estacionar os carros (sem nenhuma segurança) nas proximidades da portagem e viajar de transporte público/chapa (excesso tempo de espera e condições de viagem). 

 

Por onde alinho? Pela manutenção ou redução do valor praticado na portagem da ponte? Em benefício de mudanças na mobilidade (redução de congestionamento) e na saúde pública (redução da poluição do ar e sonora) alinho do lado que não estimule o uso de carros particulares. Dito de outro modo: alinho por políticas/medidas que restrinjam a circulação de carros particulares na cidade. E para o caso o valor da portagem funciona como meio de restrição.  

 

Também alinho por tais políticas/medidas por uma questão de justiça/democracia: os carros particulares ocupam a maior parte do espaço público (circulação e estacionamento) e transportam menos pessoas em detrimento de outros modos (transporte colectivo, pedonal e bicicleta) que ocupam menos espaço urbano e são responsáveis pela maioria das deslocações dos cidadãos. Logo: reduzir a circulação de carros particulares (reclama a minoria) melhora a mobilidade dos restantes modos de transporte (aplaude a maioria) e ainda melhora a saúde pública (beneficia a todos).    

 

Neste contexto e nas actuais (péssimas) condições de mobilidade em Maputo o foco da solução é óbvio: transporte colectivo, pedonal e de bicicleta. E uma aposta na qualidade e articulação/integração destes modos devia ser a base do conteúdo de campanhas de advocacia e da própria resposta do estado, autarquias e do sector privado. Felizmente e na área metropolitana de Maputo já existem sinais encorajadores nesse sentido (Agência Metropolitana de Transportes de Maputo e o projecto Metrobus do Grupo Sir Motors). 

 

No mesmo sentido - para o caso em apreço da petição em marcha - a melhoria das condições da alternativa usada para a travessia da “Ponte Maputo – KaTembe” - estacionar o carro e apanhar o transporte colectivo - devia ser o foco da petição dos potenciais automobilistas/utentes frequentes da ponte. O que vale atravessar a ponte no seu (confortável) veículo - mesmo que seja grátis - e ficar parado/engarrafado nos acessos da mesma?

 

PS (i). Trouxe à mesa este assunto como contributo e antevisão do debate no quadro da campanha eleitoral que se avizinha. A mobilidade urbana será de certeza um dos temas de destaque. O que os partidos esperam fazer nesta área? Como fazer? Os custos e fontes de financiamento? Não faço ideia. E por esta razão: antes de confiar (o voto) confira (o manifesto). O provérbio “confie, mas confira” é russo e foi mundialmente cunhado por Ronald Reagan, 40º presidente norte-americano (mandato 1981-1989). Assim devia ter sido no processo de concepção e construção da ponte “Maputo-Katembe”. O presente pode estar envenenado.

A nossa amizade é inabalável. Conquistamos – eu e ele – ao longo do percurso de mais de meio século que dura a nossa relação, a liberdade de nos dirigirmos um ao outro sem reservas, com honestidade. Foi nessa condição que, cansado de ver o meu amigo caminhando impotente para o pricipício, já no fim da linha, balançando ao titmo de uma carcaça inútil, falei-lhe aquilo que penso, sem filtar as palavras. Eu disse-lhe assim, meu irmão, estás um trapo de merda.

 

Pior do que tumefacto, o rosto daquele que em tempos parecia O.J.Sinpson correndo com a bola ao encontro da luz, está lívido. Arrepia olhar para ele, sobretudo nas manhãs, antes de começar a cavalgada que o vai transformar em esterco. Treme de cima a baixo e não consegue suster o olhar em seja o que for. Os lábios estão gretados, numa boca que esconde o bolor repugnante que se aloja por sobre as gengivas, onde estão embutidas duas filas de dentes completamete queimados pelo tabaco.

 

A mulher, embora continue ao seu lado suportando um cadáver que pode ser enterrado daqui a pouco sem glória, não pode fazer mais nada senão preparar as lautosas refeições que mesmo assim Chico não come, e lavar a roupa para disfarçar o corpo de um homem que é diariamente enxovalhado pelo álcool. Chico não tem peladar. O único sabor que conhece e do álcool e do fumo. Chico é a antítese de pessoa. Aliás eu disse-lhe isso várias vezes para ver se as minhas palavras serviriam para alguma coisa. Nada!

 

Ainda nem o sol ganhou plenitude e o meu amigo já está na segunda dessas “garrafinhas” que têm levado muitos jovens a esquizofrenia. Se calhar o meu amigo também está aí. Ele padece. Vê-se nos olhos esbugalhados, constantemente feridos pelo fumo que espantosamente ainda não lhe provocou a  catarata. Mas o sofrimento do Chico, agora que já está em “órbita”, é disfarçado pelo vozeirão à Barry White, cantando canções dos americanos, tipo Memphis Slim. Canta e conta histórias inacreditáveis. Desconhecidas. Levita como os cosmonautas. E provavelmente  isso é que lhe vai ajudar a descer o desfiladeiro.

 

Cada vez que falo com o meu amigo no sentido de ele vir para este lado, o meu amigo ri-se de mim às gargalhadas, abrindo desmesuradamente a bocarra repugnante. Voltei a dizer-lhe que era um trapo de merda e ele, serenamente, disse-me que eu não sabia o que estava a dizer. Pode ser verdade. Mas gosto dele, isso é que importa, e já percebi que também eu, como a sua delicada e dedicada esposa, não posso fazer nada, senão assistir à marcha de um homem que vai a execução sem capuz. Aliás vai encapuzado pelo álcool que lhe dá prazer nesta caminhada fatídica.

Um senhor de família que sempre passava pela zona, na época de férias escolares, decidiu parar para as perguntas habituais - de mais velho – a um grupo de miúdos sentados num muro. Um dos miúdos era eu. O “tio” - depois do papo protocolar - quis oferecer um bolo que lhe sobrara. O modo sugerido foi o de fazer uma pergunta e fê-lo questionando quem sabia o nome do presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Respondi com toda a certeza do mundo: Ronald Reagan (06/02/11 - 05/06/04). Corria o ano de 1985 e Reagan acabava de tomar posse do seu 2º mandato como o 40º presidente dos EUA.  
 
Veio-me à memória esta cena depois de rever um vídeo de um encontro em 1985 – em solo americano - entre Reagan e Samora Machel (1º presidente de Moçambique). Os dois foram na altura os meus presidentes. Samora Machel (e depois Joaquim Chissano) por razões óbvias e Reagan porque era o presidente dos meus ídolos (do cinema, desporto e música) e da terra das boas coisas (“jeans”, “sapas” óculos e chapéus) logo era o meu presidente. Guardo algumas lembranças dos dois. As da “amizade” com Samora Machel conto em outro momento. Neste texto apenas partilho algumas com R. Reagan. 
 
Na altura da pergunta eu já era “amigo” de Reagan. A amizade foi selada pouco antes. Foi pela TV em Novembro do ano anterior na data do anúncio da sua vitória para o 2º mandato. Desde esse dia a administração Reagan foi parte da minha agenda infanto-juvenil. Até conhecia de cor todos os escândalos e os principais secretários e subsecretários de estado americanos. No mesmo diapasão até o nome e a morada do Director da CIA conhecia (risos). 
 
Por conta desta amizade e da Guerra-Fria tive alguns dissabores. Um deles foi na 5ª 21 (Escola Secundária da Maxaquene). O "Bloco Soviético" ou "Ala do Leste" da turma liderado por um colega mais velho bloqueou o meu acesso ao lanche: sempre que chegasse a minha vez, na fila do lanche, este esgotava. Era algo como a reedição do "Bloqueio de Berlim" (fecho do acesso ferroviário, rodoviário e hidroviário à Cidade de Berlim Ocidental) feito pelos soviéticos contra os Aliados, liderados pelos EUA, que obrigou os últimos a abastecerem Berlim através de uma ponte aérea de Junho de 1948 a Maio de 1949. O mesmo com o meu lanche: durante um ano tive que usar meios alternativos, recorrendo a pontes subterrâneas com amigos da 6ª classe. Mais tarde fiquei a saber que tudo era orquestrado entre "Moscovo" e os seus agentes infiltrados no refeitório da escola.  Era o auge da Guerra-Fria (risos).  
 
As notícias por cá eram aterradoras em relação aos EUA: os imperialistas americanos. Salvo erro Moçambique boicotou a sua presença num campeonato mundial de Hóquei, que participaria os EUA, em protesto contra o imperialismo americano. Outros tempos. Quando Samora visitou os EUA fiquei confuso: como assim? Ir ao encontro e em casa do inimigo? Só mais tarde percebi que na arena internacional e entre os estados “não existe amizade, mas sim interesses”. O discurso de Samora foi claro: “queremos uma parceria de longo prazo”. Demorou, mas trinta e poucos anos depois e por outros tantos e indefinidos anos cá estão os americanos de pedra e cal. 
 
Fui crescendo com o "feeling" de um dia estar ao vivo com Reagan. Na primeira metade dos anos 90 ele anunciou que padecia de Alzheimer e a hipótese de estar com ele ao vivo adoecia à medida que ele ia despedindo. Em conversa com amigos eu dizia que iria ao funeral de Reagan.
 
Em 2004 fui convidado por uns amigos do Brasil para visitar a terra do samba e do futebol. Na manhã do dia 06 de Junho parti com destino à cidade de Porto Alegre. Logo que entrei no táxi, a caminho do aeroporto, pedi ao taxista que sintonizasse a rádio e uma voz bem audível diz: " morreu ontem Ronald Reagan, antigo presidente americano ". Fiquei estarrecido. Parecia que estivesse a receber a notícia da morte de um amigo ou de um familiar próximo. O taxista não entendeu a minha repentina tristeza. O que me confrontou foi o facto de estar a viajar ao continente americano. Estaria próximo de Reagan. 
 
Já em Porto Alegre tive que mudar os planos, pois o meu amigo e hospedeiro ia passar uns dias numa cidade do interior e voltaria depois do dia 12 de Junho, o dia dos Namorados no Brasil. Ele ia bem acompanhado e recusei o convite para segurar a velinha. Já estava triste e outra tristeza não iria aguentar, não! Como alternativa teria que fazer algo para cobrir os dias em branco. A cidade do Rio de Janeiro foi a escolha. Não fazia ideia de que a decisão foi um impulso que me levou ao "encontro" de Ronald Reagan: no Rio, Baía da Guanabara, estava ancorado o porta-aviões nuclear USS Ronald Reagan. 
 
Em 11 de Junho de 2004 foi o funeral de estado de Ronald Reagan. O Presidente George Bush (filho) declarou que seria um dia de luto nacional. Na data e por todo o mundo foram feitas homenagens. No Rio foi no porta-aviões Ronald Reagan. Presenciei a singela e sentida homenagem – dirigida pelo capitão Andres Brugal, segundo na linha de comando do navio - com outros fãs e mirones. 
 
“Cremos firmemente no que Ronald Reagan acreditava: paz, paz através da força e isso é o que representamos como seu legado, levando o nome de Ronald Reagan” disse o capitão, no fim da breve homenagem, conforme noticiado pela agência Reuters no mesmo dia. Na minha despedida, enquanto atravessava a ponte de Niterói, acenei para o “Ronald Reagan”: um Herói dos tempos infanto-juvenil. 
 
PS (i). Para o actual contexto em que se encontra a política moçambicana nada melhor que partilhar uma frase de Ronald Reagan sobre a política: “Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga. Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira”. Outra: “ A política é como o show business: você desliza por algum tempo e termina num inferno.”
 
PS (ii). Não tanto a propósito do texto: conhecemos tão bem a Casa Branca, palácio presidencial dos EUA, em detalhe (exterior e interior), incluindo a famosa sala oval, mas não conhecemos a nossa Ponta Vermelha, palácio presidencial. Será isto um detalhe ou indicador do nível democrático (de transparência) de cada país?
terça-feira, 20 agosto 2019 08:50

Passo as noites nua... sem vestimenta

 

Agora percebo que toda esta imaginação que hoje vivo é uma realidade. Uma tormentosa realidade. Diferentemente do tempo em que eu era a rainha desta terra,  vivendo por cima de todo o chão. Desprezando as minhocas, pisando-as sem misericórdia, dizendo sem reservas que nada de mal me aconteceria. Mas no fundo eu era a Dambóia, irmã do Ngungunhana, semeando espinhos em todo o lado.

 

Estou abraçada, por não ter abrigo,  a uma rocha que me rasga as mãos até ao sangramento. Porém, paradoxalmente, tenho empregados e mordomos que se revezam diariamente neste palácio onde moro cercada de ouro e diamantes, sem falta de nada. Mesmo assim os temporais incessantes não me poupam. Varrem-me em cada passo que tento dar na fuga de mim mesmo. Sou um lagarto desesperado, na luta inglória pela escalada das lindas paredes da minha casa, debroadas de rubis.

 

Mas isto já não é casa. É uma clausura, onde passo as noites sem sentir o cheiro aspergido pelas alfazemas trazidas da Etiópia. Perdi o olfacto. Estou nua por dentro da alma, sem vestimenta, apesar das roupas confortáveis que agora não valem nada depois de tudo isto. Desdenho-me em todo o ser. Repugno-me. E pior do que isso, as cobras enchem-me o quarto em substituição do tapete de veludo que adquiri sem o merecer. O medo ri-se de mim, enquanto de longe, como cavaleiros do Faraó, desembucham sobre mim as gargalhadas dos mochos.

 

Estas noites não podem ser uma alucinação. Na verdade sou eu, sentindo a penetração das esporas nas minhas vísceras, obrigando-me a trotear em rodopio no seio da própria tormenta. Já não sou a raínha. Sou uma mulher estranha perante os empregadose mordomos que sempre me temeram. O meu palácio é sombrio. Assombrado. Meu corpo e minha alma não estão quentes nem frios. Estão mornos. É por isso que se aproxima de mim toda esta bicharada. Fui vomitada pela vida.

 

Pena que eu não tenha copiado da sabedoria da formiga, e hoje estou aqui sem provento. Vazia. Abandonada. Tenho comida para mim e para os cães, e sobras para o Lázaro, mas a minha fome não passa. No fundo estou morta. Sinto que meu nome descerá para sempre com a minha carcaça. Não restarão lembranças de mim para as crianças. Muitos aspirrarão de alívio ao receberem a notícia da minha morte. Beberão o champanhe que nunca me faltou. E muito mais para festejar aquilo que eles agora desejam ardentemente: que eu sucumba. Isso é que me fulmina o ser todos o dias, nesta vida em que já não olho para o relógio, cujos ponteiros morreram como eu.

 

 

Tenho a viva recordação de um empresário da praça a defender que a escolha de Armando Emílio Guebuza (AEG) para ser o Presidente da República foi acertada e mais ainda: AEG era da área ou tinha interesses empresariais que lhe conferia credenciais para catapultar a actividade económica do país, apostando nas reformas necessárias que AEG muito bem conhecia e que a CTA (Associação das Confederações Económicas de Moçambique) na altura reivindicava. Era "o homem certo para o lugar certo e no tempo certo" conforme dito pelo referido empresário. 
 
Corria o ano de 2003 e de tantos ouvi a mesma e efusiva opinião e acredito que muitos outros concordavam com o empresário que o país tomaria outros e melhores rumos. Que eu saiba a única voz que alinhou contra e deu a conhecer publicamente (anos antes) foi o Jornalista Carlos Cardoso. À favor ou não, a verdade é que AEG ficou dois mandatos na presidência e o balanço cabe a cada um fazer. 
 
Na altura que o empresário da praça falou da sua aposta em AEG dei por mim a pensar sobre o que eu conhecia de AEG. Lembro que me veio à cabeça várias coisas sobre ele fora a vertente empresarial e os cargos ministeriais. Recordara o facto de AEG ser considerado um político nato (talvez por conta de ter sido o comissário político-mor), o "Enfant terrible" de Samora Machel (que o nomeou Ministro Sem Pasta), o "24/20" (suposta medida tomada por ele contra os portugueses e estes tinham 24 horas e direito a 20 quilos de bagagem para abandonarem o país), um grande negociador (incluindo a negociação da Paz) e um "investigador", atendendo que chefiou a comissão de inquérito para apurar as causas do acidente de Mbuzini que vitimou Samora Machel e outros membros da sua comitiva. 
 
Neste texto vou debruçar sobre um percurso imaginário de AEG no caminho da presidência e quiçá ao encontro das expectativas do empresário da praça que apostou em AEG para a Ponta Vermelha, o palácio presidencial. A imaginação parte do princípio que AEG tem faro empresarial e que quis sempre ser Presidente (ninguém foi ter com ele a sugerir essa possibilidade). Acredito que para tal e no momento em que saiu do Parlamento (2000) iniciou a sua preparação efectiva e quando assumiu o cargo de Secretário-geral da Frelimo (2002) a preparação definitiva. (Temos que actualizar a linguagem que o vocabulário do processo de paz proporciona). 
 
Na minha imaginação ele iniciou tarde e pela via errada. No sonho que tive foi mais ou menos assim: AEG inicia a sua preparação efectiva para a Ponta Vermelha no dia 04 de Outubro de 1992 quando o Governo e a RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, uma obra que teve a sua assinatura como chefe da equipe de negociação governamental. No intervalo entre o AGP e as primeiras eleições (1994) AEG escreveu e lançou dois livros: um sobre a arte de negociar a paz e como o fez até ao dia da assinatura em Roma. E o outro sobre a sua visão do que o país devia fazer para ser pujante e relevante no concerto das nações, em particular a nível regional. Ter sido Ministro dos Transportes e Comunicações constituía uma mais-valia.
 
Em Janeiro de 1995, na data (20) do seu aniversário, AEG convocou uma conferência de imprensa para anunciar que abandonava a política e que passava a dedicar 100% do seu tempo ao mundo empresarial. Na conferência anuncia também que se candidataria para presidir a CTA. No mesmo ano assume os destinos da CTA (início da preparação definitiva a caminho da presidência), deixando o cargo quando assume o de Presidente da República de Moçambique em Fevereiro de 2005. O mesmo ano e real em que assumiu o cargo. 
 
Nos dez anos em que esteve ao leme da CTA, AEG granjeou simpatia e respeito da classe empresarial nacional e internacional e dos moçambicanos, em geral, por conta dos resultados do seu trabalho quer a nível da CTA quer das suas empresas que se distribuíam por todo o território nacional, empregando milhares de moçambicanos. Em pouco tempo e para um país que acabava de sair de uma guerra o nível da actividade económica era mais do que satisfatório. Nem o Banco Mundial (BM) conseguiu na altura desregulamentar o sector do caju por conta da defesa enérgica de AEG, salvando milhares de empregos e das vilas/cidades que dependiam totalmente (ou quase) da indústria do caju. 
 
Por ter livrado a indústria nacional do caju das garras neoliberais do BM e o precedente criado tornaram AEG numa referência e premiado a nível internacional em reconhecimento da sua luta e defesa pelos interesses económicos dos países considerados pobres e em desenvolvimento. Na altura e a nível nacional os níveis de popularidade de AEG superavam aos de Samora Machel e aos da voz de João de Sousa (jornalista e relator desportivo, sobretudo futebol, da Rádio Moçambique). Foi mais ou menos neste quadro que AEG, em Janeiro de 2004, volta à vida política para concorrer ao cargo de Presidente da República pelo seu partido. Em Dezembro de 2004 AEG ganha as eleições e foi felicitado e desejado boa sorte pelo Presidente da RENAMO que até reconheceu que as eleições foram credíveis, justas e transparentes. 
 
A bagagem dos dez anos fora da vida activa partidária, parlamentar e governamental trouxeram reformas e inovadoras abordagens para esses espaços. O símbolo das mudanças foi a composição do novo Conselho de Ministros (CM): estava no CM a nata do que o país tinha do melhor e o critério partidário e das quotas não foi tido e nem achado. Ficou célebre uma frase dele numa sessão do Comité Central quando foram questionadas as suas escolhas para o governo: " Não se fazem omeletes sem ovos e os melhores ovos são sempre os do vizinho". 
 
Para AEG os objectivos do manifesto do seu partido ultrapassavam a dimensão partidária e persegui-los só com os melhores do país, incluindo os melhores do seu partido. Nos dois mandatos de AEG o país passou para o nível de desenvolvimento médio. Por isto e justamente Moçambique foi considerado a Pérola do Índico.  
 
Tempos depois de passar o testemunho ao novo presidente, AEG anunciou - numa conferência de imprensa convocada a propósito - a sua saída irrevogável da vida política. Nessa ocasião lançou um outro livro com o título "Pensei, fiz e não sei se consegui" que era praticamente uma resposta ao seu livro anterior sobre a sua visão do que o país devia fazer depois do alcance da paz em 1992 e da realização das primeiras eleições em 1994. 
 
AEG ainda aproveitou a conferência de imprensa para anunciar a criação de uma fundação com o seu nome cujo core-business era a descoberta e apoio de jovens "Enfant terrible", pois ele acreditava que são estes que mudam e dão rumo digno ao país. E assim foi o fim de um outro e imaginário percurso de AEG no caminho da presidência.
 
PS: para quem estiver a questionar o que foi feito do empresário da praça que falei no início do texto segue a resposta: ele foi quem substituiu AEG nos destinos da CTA e também na Presidência da República, concorrendo como independente e com o apoio declarado do seu antecessor. Eram novos e democráticos tempos por obra do percurso imaginário de AEG. E como sabemos não foi o percurso seguido por AEG para chegar ao cargo mais alto do país. Por ventura o resultado da sua presidência, incluindo o seu sucessor e a proliferação de lobistas no lugar de empresários responde aos meandros do percurso real por ele seguido.
terça-feira, 13 agosto 2019 13:25

O silêncio também é um sismo

Queria escrever-te uma carta de amor, daqui onde me encontro contemplando o mar da minha imaginação, mas estou  vazio por dentro, encharcado pela demora do teu beijo. Estou por de cima da calçada. Desesperado. Ardem-me por dentro as palavras sufocadas neste caminho que já não sei para onde vai. Quero gritar e sinto medo do desiquilíbrio. Faltam os carrimões,  e não tenho nada nas mãos senão o formigueiro criado pelas incertezas. Se eu cair para este lado, serei devorado pelas chamas. Se cair para aquele lado, a almofada do meu corpo serão os corpos frios das serpentes. E agora, meu amor!

 

Este silêncio está-se tornando um sismo. Cada vez que tento a repetição das canções buriladas pela solidão, para ver se espanto  a ansiedade que me caustica, a minha voz vacila mais profundamente. Não oiço nada. Nem o murmúrio do mar. Nem o vacalizar inaudível do meu próprio coração. Nem nada. O que sinto são as espigas de aço. Perfurando-me. Danificando-me a alma ardente do teu amor. Acho que tudo isto é a chegada do fim.

 

Não saio da calçada. Não consigo sair. Cada vez que tento, aumentam as labaredas do silêncio que me lavra. Sem misericórdia. Vejo os corvos rindo-se de mim neste momento em que desejo escrever-te a carta que pode ser a derradeira. Não oiço nada, meu amor. Nem o cantar sinistro do vento que muda o rumo das gaivotas. Mas eu mantenho nas mãos o papel e a caneta, sem a certeza de nada. Aliás a única certeza que tenho é de que vou ruir. Essa é a única certeza que eu tenho.

 

Meu amor! Até o blues, que sempre me fortificou em noites de medo, silenciou-se. Era o blues que me inspirava, e agora não consigo escrever nada. Nem uma carta para ti. Estou aqui de cócoras, como um guarda-redes de hóquei em patins, e o meu stick é a caneta que trago numa mão,  entretanto sem conseguir riscar o papel que seguro noutra mão. Tremo nos fundamentos do meu ser. O vento está quase a derrubar-me. Sibila as estrofes do inferno, com garrafas explodindo sangue no lugar de champanhe.

 

E agora, meu amor! Agora que o silêncio se transformou em sismo! E agora! Resta-me esperar pelo destino que o vento vai-me dar. Se me empurrar para este lado, serei devorado pelo fogo. Se me empurrar para aquele lado, também serei devorado pelo fogo. O pior é que nem posso fugir.

 

Meu amor!