Director: Marcelo Mosse

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Carta de Opinião

terça-feira, 05 novembro 2019 06:36

Vítimas da Democracia

Na senda das recentes eleições dei por mim a pensar no que um amigo sindicalista disse-me uma vez – e passam anos - sobre a maldade da democracia. A tal malvadez era a própria democracia traduzida na alternância governativa, sobretudo, a decorrente da limitação de mandatos.

 

“O meu antigo chefe é uma vítima da democracia”. Com estas palavras e enquanto indicava para mim o seu antigo chefe, o meu amigo sindicalista dava por concluída a narração do historial da exemplar governação do seu ex-superior que se viu na contingência estatutária de abandonar o cargo depois de cumprir o limite de dois mandatos.

 

“Um bom chefe e o melhor que a instituição conheceu, mas, infelizmente, a democracia impediu a sua continuidade”. Foram as outras palavras do meu amigo sindicalista e ditas com profunda e dolorosa amargura. Para ele a democracia devia ser como no futebol: em equipa que ganha não se mexe (e nem se põe à prova).

 

Este episódio veio-me à memória à corrente das reflexões corriqueiras atinentes às últimas eleições, notadamente os seus contornos a ponto dos mesmos terem ditado - eventualmente - a goleada infringida pela Frelimo aos seus opositores. Em resultado desse desfecho, tenho ouvido - amiúde e com algum desassossego - que o país devia abandonar a democracia pluralista e voltar à democracia de partido único e terceiro-mundista das pós-independências.

 

Sendo assim – face aos resultados retumbantes e aos subsequentes prognósticos do “back to the past” - quem seria(m) a(s) vítima(s) da democracia? A oposição que não se impôs? Os eleitores (que votaram na oposição e/ou que não tenham ido às urnas)?O Ocidente (os patronos da democracia)? Ou os vencedores das eleições (os candidatos e os respectivos votantes)?  

 

Procurei pelo meu amigo sindicalista (hoje um devoto democrata) que para o caso em apreço disse bem alto e em bom-tom: “Os vencedores é que são as vítimas da democracia”. Em defesa da sua posição argumentou que uma equipa que sempre ganha cansa. E por perto - não alheio à conversa - um outro amigo e das hostes dos vencedores, questiona: “Cansa ou dança?” E o primeiro – com uma dose de sarcasmo - retruca: “Um dia desses, dança!”

 

E cá entre nós - a fechar - e bem na pele das metamorfoses democráticas do amigo sindicalista: o ser ou não ser uma “vítima da democracia” é uma questão que retumba a um dilema shakespeariano. Ademais e à luz das adaptações “workshopistas” do Doutor Fofa (um militante e consultor-turbo dos meandros da sociedade civil): dançar ou indagar, eis a questão.   

quarta-feira, 30 outubro 2019 06:58

Ainda és meu irmão

Nessa altura, Maputo era a minha fortaleza (entre 2000 e 2007). E eu vivia intensamente esse tempo, sem saber que daqui a pouco iria ser levado por outros ventos. Na verdade eu já trazia muitos retalhos,  que até hoje não consegui recozê-los para reestruturar a minha espinha dorsal, que entretanto está a vacilar. Eram as noites que me fascinavam, debaixo do néon, e o iluminar psicadélico dos clubes nocturnos, onde passei muitas fatias da minha vida. Entregando-me por inteiro.

 

Também andei por aí, na gandaia dos livros, misturando-me com os poetas sempre prontos a oferecerm-me palavras que me aquecem até hoje. E eu não me canso de usá-las para me sentir livre. Faço isso amiúde, sobretudo quando a angústia me fustiga. Aliás ainda ontem servi-me de um desses versos para enviar uma sms a uma mulher que nunca mais chega, e eu permaneço nesta longa espera, não me aguarde, basta que penses em mim. É esta poesia que disfarsa as minhas dores.

 

Em Maputo, como já disse, eu deixava-me conquistar pelas noites. Embrenhava-me nelas a procura de refúgio, e uma das grutas a que sempre recorri, é o Cinema Gil Vicente, ali em frente ao Jardim Tunduro, na Avenida Samora Machel. Lembro de um dia em que o Dua apareceu naquele lugar e cantou a música do Wilson Paulo, o filho do blues man João Paulo, e o título desse tema é, Ainda és meu irmão.

 

Dá-me a mão

 

Dá-me um abraço

 

Dá um passo

 

Faz um laço

 

Ainda és meu irmão

 

Poxa! Senti  o corpo todo cedendo, como se logo a seguir  as nuvens fossem abrir-se para dar espaço ao sol. Até porque foi  isso mesmo que aconteceu. A sala toda ficou em silêncio, ouvindo o Dua. E eu fazia parte desse silêncio, sentado à mesa do João Paulo, o JP, mesmo em frente ao palco, sem me preocupar com o tempo.

 

É confortável estar ao lado do João Paulo, que bebe jack daniels honey, para catalizar a voz. Uma voz por demais rouca. Bela. Única. Inexistente em Maputo. Ele acaricia o meu braço e diz assim, este gajo canta muito bem, pa! Referia-se ao Dua. Eu disse assim para o JP, vocês os dois cantam muito, caramba! Bebeu num trago mais um duplo e disse-me assim, vai-te lixar!

 

Esses pedaços da vida ficaram-me na memória, de um tempo em que  os meus  passos eram uma verdadeira anarquia. A bebida era o meu capuz, para fechar a vergonha de urinar na alma das acácias e fingir que não me importo com nada, quando no fundo doía-me as entranhas. Mas hoje estou aqui, gozando com tudo isso. Inventado um novo futuro que me mata de ansiedade.

 

Sou um sobrivente desse cataclismo, por isso passo a vida a rir-me do meu passado, e faço um esforço tremendo para me lembrar apenas das coisas mais bonitas que eu passei, como esta de estar na mesa do João Paulo, no Cinema Gil Vicente, ouvindo Ainda és meu irmão, na voz do Dua. Que é uma verdadeira catarse.

sexta-feira, 25 outubro 2019 07:13

Eleições enquanto (in)certeza

Desde cedo, as eleições constituíram a premissa base de debate e estudos em ciência política. O “acto do voto” foi tido como fundamental para o exercício do poder através da submissão e da dominação. Entre outras variáveis, a incerteza constitui elemento fundamental para o estabelecimento de um “jogo eleitoral” em que os concorrentes possam competir em iguais circunstâncias, mesmo que tal não seja de todo desejável ou alcançável quando se pretende buscar o poder. Como aponta Przeworski (1984: 84), as posições assumidas pelos distintos actores políticos não podem determinar “os resultados do processo político”, de tal sorte que “numa democracia ninguém pode ter a certeza de que seus interesses serão vencedores em última instância”. Em uma democracia, portanto, “todos devem submeter seus interesses à competição e à incerteza”.

 

Conscientes da nossa própria limitação, somos susceptíveis de omitir outras dimensões de análise. Assim, a partir deste comentário pretendemos sugerir alguma explicação em torno do recente processo eleitoral, exercício a ser feito em dois ângulos que devem ser lidos como complementares:

 

  1. Sobre os actores do processo

Numa eleição podem existir vários actores, sendo que os primeiros e fundamentais são os que directamente participam na qualidade de eleitos e eleitores. Nestes podemos adicionar os órgãos de administração e gestão eleitoral (OAGE: STAE & CNE), os quais são fundamentais para a organização de todo o processo, que em termos de ciclo não se circunscreve ao momento e dia da eleição em si. Do que sobre as eleições de 15 de Outubro se pode extrair, verificou-se o que chamamos de “confiança nua” entre os três actores acima mencionados: OAGE, eleitores e eleitos, estes últimos identificados como candidatos e partidos políticos. Notou-se e continua a registar-se tamanha insegurança sobre o que cada actor deve fazer para garantir a incerteza eleitoral (o debate em torno dos 300 metros foi disso um exemplo). Enquanto os eleitores depositam pouca esperança em quem votam, os eleitos pouca ou nenhuma confiança encontram em quem deve organizar o processo. Os partidos não conseguem cumprir a função de limitar as escolhas do eleitorado, deixando-os assim numa situação de total e completa discotecagem no mercado eleitoral.

 

Embora não se conheçam os dados da participação eleitoral na sua globalidade, podemos avançar com a hipótese segundo a qual o crescente descrédito que existe entre os eleitores e eleitos deve-se ao vazio de propostas que se verifica nos políticos na sua globalidade, sendo que os moçambicanos não são excepção. De forma cada vez crescente, emergem “novas” formas de participação política que já não encontram acomodação na “política usual” que é exercida dentro dos partidos políticos tal e qual conhecemos e por meio do voto.

 

No que toca aos OAGE excluímos desta análise as propostas que se colocam sobre a reforma que se deve exercer, pois pensamos que não será possível encontrar modelo adequado se antes não soubermos o que realmente se busca numa eleição: a incerteza sobre o(s) vencedor(es). Pensamos que nenhum modelo será eficaz se não conseguir garantir que os vencedores não sejam conhecidos antes da realização do próprio escrutínio. Entendemos ainda que os OAGE não são um corpo estranho ao processo em si, eles emergem e se constituem a partir do próprio sistema, sendo que a sua análise deve ser vista como um todo holístico. In fine, não nos parece que o debate central se coloque ao nível do actual modelo dos OAGE.

 

  1. Sobre a resistência à mudança

Para explicar a nossa segunda hipótese nos vamos apoiar aos estudos feitos no campo da administração pública quando abordamos as possíveis razões da resistência à mudança dentro de uma organização. Assim, podemos sublinhar que o processo de mudança envolve a combinação de vários factores, sejam internos ou externos, decorrendo de forma individual ou colectiva nas organizações, o que vai desde alterações na tecnologia, implantação de programas de qualidade, mudanças na gestão, fusão, alterações nas leis por meio do governo, alterações de máquinas, o que exige adaptações, mudanças de atitude e de comportamentos por parte dos funcionários tanto da base como do topo. As fontes de resistência individuais à mudança residem nas características humanas básicas, como percepção, personalidades e necessidades.

 

A resistência à mudança começa sob certas condições: falta de clareza (os indivíduos reagem quando recebem uma informação incompleta sobre modificações que as afectarão); percepções diferentes sobre o motivo da mudança (a tendência é ver apenas aquilo que se espera ver); pressão de forças contraditórias (surge na comunicação entre os líderes e os gerentes quando o funcionário é pressionado a incorporar novos padrões em pouco tempo e estes novos padrões não estão suficientemente claros); hábito, segurança, factores económicos (medo de redução dos rendimentos); medo do desconhecido e processamento selectivo de informação (os indivíduos passam a processar selectivamente as informações para manter suas percepções intactas, elas ouvem só o que querem ouvir).

 

Colocadas as premissas acima, podemos tomar os partidos e candidatos concorrentes como organizações onde os eleitores são seus funcionários. Nessa mesma organização, antes das eleições gerais de 2019 o gestor chamava-se Frelimo (e seu candidato presidencial), sendo que a cada cinco anos se deve renovar o mandato, e dessa vez chegou-nos como proposta os partidos Renamo, MDM e AMSUI (e seus candidatos). Sobre as propostas pensamos ser necessário colocar as seguintes questões, as quais não temos respostas: estariam os funcionários (eleitores) dispostos a exercer a mudança? que garantias eram colocadas para que os funcionários (eleitores) pudessem exercer tal mudança? com que intensidade e clareza os funcionários (eleitores) receberam informação capaz de os levar a exercer alguma mudança? seria, portanto, a mudança desejável ou oportuna?

 

Concluímos que a presente eleição foi uma oportunidade que permitiu levantar mais questões do que respostas que em momento oportuno merecerão estudos aprofundados. Por hora levanta-se a necessidade de repensarmos a estratégia de como exercemos a actividade política em Moçambique, a mesma que não deve se circunscrever apenas ao momento eleitoral per si. Com o advento da multiplicação de espaços e práticas de participação política (para além do voto), exige-se maior dinamismo aos actores da cena política, sendo que a propaganda eleitoral é chamada como fundamental para além dos quarenta e três dias de campanha eleitoral oficialmente estabelecidos no país, sob pena de esperar colher um determinado feedback a partir de uma demanda incorrecta.

NandoMeneteNum texto anterior falei da reconfiguração do vocabulário popular por conta de narrativas de acontecimentos políticos, internacionais e nacionais. Hoje e no contexto das recentes eleições volto a partilhar uma parte (e adaptada) do referido texto e com alguns acréscimos cujo título também foi sujeito a ajustes para o do presente texto.

 

Na segunda guerra do golfo/Iraque (2003) foi despoletado um debate cujo foco era saber se os americanos atacariam Bagdade, a capital iraquiana, por ar ou por terra. E creio que um general americano – se a memória não me atraiçoa - tratou de encerrar o pretenso debate valendo-se da frase: “O objectivo é Bagdade!”. E de que era indiferente se a invasão fosse terrestre ou aérea. Depois, com a tomada de Bagdade e do resto do Iraque, era frequente que se registassem - num e outro local - ataques dos iraquianos que o mesmo general apelidou de “Bolsas de Resistência”.

 

Certo dia e no decurso de preparativos de um evento de “copos & papo” de um grupo de amigos subsistia a dúvida em relação a compra de um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara, atendendo a austeridade imposta pela falta de verba. O impasse foi sanado quando um dos amigos – que adequando os novos termos da guerra do golfo ao vocabulário - sentenciou à americana: “Não interessa se o barril é de Laurentina Clara ou de 2M: o objectivo é Bagdade!”.

 

O dia “D” para os “copos & papo” amanheceu com chuviscos. Um elemento de avanço - já no local de batalha e preocupado com a chuva - ligou para um outro a manifestar alguma apreensão quanto a comparência do resto da legião. E ele só ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e insignificante para impedir o assalto à “Bagdade”. Nesse dia “Bagdade” foi tomada de forma retumbante e inequívoca.

                                                                                                                            

Um outro episódio e à reboque de acontecimentos políticos resulta da sequência e contexto da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), nomeadamente, no que se refere ao acantonamento das forças militares das partes signatárias - Governo e RENAMO - em quartéis/bases até que fossem desmobilizadas ou reorientadas.

 

O mesmo conceito – acantonamento – foi acomodado no vocabulário de uma determinada residência universitária onde os quartos eram partilhados por dois a três estudantes. Nos finais de semana era comum um visitante chegar à dita residência e encontrar um ou dois quartos apinhados com a maioria dos estudantes. Segundo eles, estavam acantonados por força de outras assinaturas – as da paz biológica – que decorriam em paralelo e de forma sonorosa nos restantes quartos.

 

Recordei-me destes dois episódios a propósito das recentes eleições (15 de Outubro de 2019) e por duas situações. A primeira prende-se com as recomendações “votou, ficou” (no local) e “votou, partiu” (para casa) que se assemelham ao acantonamento forçado que acontecia na residência universitária em dias de flexões locais. E a segunda situação tem a ver com o enchimento das urnas. Isto e considerando os relatos de que as urnas foram enchidas, é suposto que a palavra de ordem tenha sido - nada mais e nada menos - a célebre frase: “O objectivo é Bagdad!”. 

 

Por fim e por alguma razão - na residência universitária e nos dias aludidos - a opção de ficar no local do voto não era necessariamente proibida. Contudo, há quem preferisse ai acantonar e observar todo o processo in loco, tal “bolsa de resistência” (ou de assistência na esperança do avesso “ficou, votou”), mas - no final do dia - insignificante para travar a grande e ofegante marcha pela tomada completa de “Bagdade”.

 

PS. Este final de semana (25, 26 e 27 de Outubro) e face a agressividade propagandística do “Eixo Jardim-Bobole” (CDM-Heineken) paira mais um impasse em relação a escolha do que sorver para deleitar a abertura da estação de verão. Mas seja como for: “O objectivo é Bagdade!” e tenha um final de semana feliz!

terça-feira, 22 outubro 2019 07:44

Chifunde... outra vez... agora mais do que nunca

Eu morava no bairro Canongola, nos arredores da cidade de Tete, e tenho o orgulho de ter assistido ao lançamento da primeira pedra para a construção da Ponte “Base Kassuende”, em 2010, na fase crucial da governação de um presidente audaz, que entretanto poderá ter sido traído pela rede de emelhar da ganância. Guebuza era a águia que percebeu na sua inteligência, que o coração da cidade de Tete não podia continuar a ser flagelado por camiões pesados, na sua passagem incessante para Zâmbia e Malawi. Por isso decidiu erguer a “Base Kassuende”, com  o fim de  desviar  os mastodontes que também contribuiam para a destruição  da ponte Samora Machel, que  une as duas margens  do grande Zambeze, abraçando a urbe e o bairro Matundo, para gáudio dos tetentes.

 

Eu estava lá, naquele torrão, praticamente nas mãos do Daniel da Costa, o escritor  exaltado  por Fernando Leite Couto, como sendo um dos maiores cronistas do nosso país, ao lado do Fernando Manuel. Couto disse de forma descomplexada, clara,  obedecendo a honestidade intelectual, que  Da Costa detém o domínio da língua portuguesa, e ferramentas literárias que fazem dele um cronista invejável. Na verdade eu tenho inveja dele. Inveja do tipo “quem me dera ser como este manyúngwe de um raio”! Ou como Fernando Manuel. Aliás, estes dois, são as minhas principais velas na dissipação da escuridão.

 

Foi uma estadia efémera, que me permitiu, mesmo assim, conhecer boas pessoas. Melhores do que eu. De entre elas a Chifunde, mulher  delicada, de cuja amizade sou indigno. Chifunde é uma almofada de sumaúma, capaz de proporcionar repouso aos errantes mais exaustos e inúteis, como eu. Sem exigir nada em troca, senão fazer votos de que depois de recobrar as energias, a etapa a seguir seja livre de escolhos.

 

E porque a vida é inesperada, Chifunde também é inesperada.  Ligou para o meu celular na manhã de ontem, nove anos depois de nos termos despedido com um “vai com Deus, meu amigo”. E ainda me lembro do profundo abraço que me fez acreditar, mais uma vez, de que a vida é bela.

 

- Sabes quem fala?

 

- Desculpa, não estou a ver quem é!

 

- Esta voz não te lembra nada?

 

Na verdade a voz lembra-me alguma coisa. Pelo sotaque pressuponho que a mulher que fala do outro  lado seja de Tete. Mas quem será? O Daniel da Costa já me tinha dito que o mais importante não é tu teres muitos contactos na tua agenda, mas estares registado em agendas de muitas pessoas. E eu consto na agenda desta criatura cuja voz me empolga. Ainda por cima nas primeiras horas horas da manhã, quando estou a preparar-me para  a caminhada de manutenção das longarinas.

 

- Podes falar mais um pouco?

 

- Estou triste, amigo, por não te lembrares desta voz que gostavas de ouvir. Dizias que, quando eu falava,  parecia o kwatchena (amanhecer)!

 

- Chifunde, meu amor!

 

- Quando é que vens me visitar, meu bem?

 

- Tu guardaste o meu número durante este tempo todo?

 

Era uma pergunta estúpida que eu fazia. Impensada. Que até podia ferir o coração da Chifunde. Mas ela, sóbria,  mostrou-me, uma vez mais, que na verdade não percebo determinadas dimensões.

 

- Eu gosto muito de ti, meu saudoso amigo. Cada palavra de tudo o que me dizias, era um grão de ouro, que  juntei e guardo para sempre no meu coração.

 

- Chifunde!

segunda-feira, 21 outubro 2019 14:24

O cota é lixado!

O resultado que à conta-gotas é publicado pelo braço operacional (STAE) da Príncipe Godido, a rua da sede da Comissão Nacional de Eleições (CNE) – por sinal o nome do príncipe herdeiro do Império de Gaza (outra vez Gaza) - e referentes às eleições de 15 de Outubro lembra-me um outro resultado e de matéria similar na arte da conquista.

 

E bem a propósito quem não se recorda de situações corriqueiras das noites de Maputo (e não só) em que uma prendada garota é cobiçada até a exaustão por todos que se fazem à discoteca. Por toda a noite e por ela passam todos – na sua maioria jovens e adultos - exibindo atributos que se resumem aos de ordem física, financeira (com algum esforço) e papista. Entre os concorrentes algumas apostas são feitas cujo vencedor será o afortunado que lograr sair com a prendada garota.

 

Uma certa noite - enquanto os jovens concorrentes afinavam as estratégias e ajustavam as apostas - um cota aproveita a brecha e se aproxima da prendada garota do dia. Ele sussurra algo no ouvido dela, arrancando-a um sorriso de matar. Em segundos os dois estavam na pista de dança. Aqui o cota capricha e incha a inveja dos mais novos. E estes – sem ideias para o contra-ataque – reconhecem que o adversário é de peso, mas concluem que não os punha em causa. “O cota não é uma ameaça, “O cota não passa de uma bolsa de resistência” e que “ O cota é um cansado”. Eram os prognósticos dos mais novos. E os novos mais velhos – feitos em grandes analistas – ficavam pelo refrão de que a dama aceitou o passo de dança apenas para se exibir e os provocar. “Uns fanfarrões”, diria o cota.

 

E o cota - acostumado aos comentários desabonatórios e sobre os quais nem liga - depois de exibir os seus dotes de dançarino e em grande estilo, acompanha a prendada garota ao seu lugar de proveniência: uma mesa que se transformara em cardápio dos olhares e apetites dos que se achavam elegíveis para o assalto às fartas riquezas da prendada garota.

 

Uma hora depois o cota abandona a discoteca. Logo em seguida foi a vez da prendada garota fazer o mesmo, deixando curiosos os ditos elegíveis. E estes se apresam à porta e desta observam a presa a entrar no velho Toyota do cota e não restavam dúvidas quanto ao vencedor da noite. No dia seguinte a confirmação do VAR (Vídeo Árbitro) - no exacto momento em que alguns dos ditos elegíveis viram o cota e a prendada garota de mãos dadas e aos beijos na praia - de que o golo aconteceu e foi legalizado.

 

Em conversa – baixa e alta - os ditos elegíveis e correligionários questionam o que terá aquele cota de excepcional? Todos tinham respostas. Uns e outros alegavam que era o taco acumulado. Outros e uns juravam que eram os anos de experiência do cota na arte da conquista e por isso sabia do que elas realmente gostam. E de outros tantos que citavam truques mágicos, pois o cota só conseguia conquistar à noite e que de dia não via “game”. Enfim, um leque de justificações para contrariarem o sucesso ruidoso do cota na praça.

 

No final da conversa – e por sinal inconclusiva no seu todo - todos os elegíveis e correligionários foram unânimes num único ponto: o cota é lixado! E o “lixado” foi a alternativa a uma outra palavra que por questões de pudor não será aqui chamada. E cá entre nós – mesmo a fechar – e adicionando o outro sucesso ruidoso da praça nada melhor que se recorrer ao latim dos juristas: Quid Juris?