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BCI

Carta de Opinião

quarta-feira, 06 fevereiro 2019 08:13

As minhas lágrimas acabaram, amiga!

 Ao Carlos Beirão, o eterno “Rei Momo” dos beireinses

 

Amiga, escrevo-te esta carta sem lágrimas nos olhos. Secaram. Acabaram. Comecei a chorar quando o pai do João ainda estava vivo. Doente. O meu rosto não parava de ser uma albufeira. Hoje é o coração que escorre e molha-me a alma toda. Já não sinto nada, senão a dor de viver sem o meu marido. Sem o meu filho, João. Que também morreu como o pai, sentado na borda da cama. Eram eles que davam luz à minha vida. Levantava-me da cama cedo por eles. A comida que eu cozinhava todos os dias era para eles. Quando fossem ao trabalho e à escola, eu ficava em casa alagada de demora. Queria que eles voltassem depressa para me abraçarem.

 

É isso, amiga, agora tudo isto é um vazio. Já não está aqui o meu marido para me dizer que as minhas mãos são leves como pluma. Ele lisonjeava-me.  Tudo o que eu fazia merecia da parte dele elogios que me davam felicidade. Se eu cometesse um erro, reconfortava-me com palavras lindas. Dizia assim: amor, as próprias estrelas por vezes são ofuscadas pelas nuvens, mas não deixam de ser estrelas, tu és a minha estrela. Falava enquanto afagava-me. Passava a mão dele por sobre o meu cabelo curto e puxava levemente a minha cabeça para o seu peito.

 

Nhenhezi, amiga, o coração dele quando batia, tinha um compasso que parecia de mapiko. E quem dançava era a minha cabeça. Mas tudo isso passou como o orvalho que seca depois de molhar alegremente o capim. É isso! O João copiava o pai. Ele também fazia-me feliz, de outra forma. Chegava perto de mim, abraçava-me e dizia assim: mãe, tá tudo bem? Eu sorria. Transformava-me em criança perante o meu o meu filhote. 

 

E hoje quando oiço a música do Carlos Beirão: Wassaíka João (João morreu), é como se o meu filho estivesse aqui ao meu lado. Este bairro de Muchatazina que tu conheceste já não é o mesmo, amiga. Mudou. Aliás toda a cidade da Beira está a mudar. Até o meu rosto mudou, já não é banhado pelas lágrimas. Mas lá dentro o coração continua a chorar. Batendo como batia o coração do meu marido, tipo batuque de mapiko. Houve um tempo que passei a ter a casa um pouco negligenciada, porém achei que isso não faria bem à alma dos meus dois amores. Voltei a dedicar-me à ela. Continua a brilhar como eles gostavam de a ver. Assim como sempre a conheceste. As fotos deles mantêm-se nos mesmos lugares. Representando aqueles que serão para sempre os meus ídolos. Isso reconforta-me. 

 

Nhenhezi, minha amiga, como vai esse Portugal? Tens te dado bem com esses tugas? As cenas de racismo que volta e meia têm-se relatado por aí ainda não te afectaram directamente? E tu como és reguila, imagino! Mas eu também não “bato cem”. Existe porventura um ndau que não seja reguila? Kkkkkkkkkkk! Pronto, minha irmã, esta carta já vai longa. Chega, antes que eu meta os pés pelas mãos, se bem que ainda não meti. Beijo, beijo.

 

Da tua amiga Dzuwa, com muita saudade.

terça-feira, 05 fevereiro 2019 13:29

Com Petição

No último mês assistimos à atabalhoadas manobras institucionais, da parte do Estado moçambicano, com vista a munir-se de ferramentas para disputar, com o Estado americano, a custódia de um dos mais preciosos arguidos (na perspectiva interna) no puzzle das falcatruas financeiras que embandeiraram o país nos mais baixos rácios de atratividade económica e para investimentos.

 

A competição pela “língua” do deputado detido na República da África do Sul obrigou as nossas instituições a revelaram “todo” o seu potencial e deu para entender com que linhas se coze o nosso “sistema” de (in)justiça. Instituições historicamente dormentes e apáticas, salvo por empreitadas marginais, emergiram da hibernação e encetaram démarches com celeridade de matar de inveja os mais rápidos dos super-heróis das revistas em quadrinhos.

 

A tão clamada “celeridade processual” foi exibida com grosseria e atropelos (datas futuristas, potenciais conflitos de interesse, atropelos aos dispositivos normativos) no afã de assegurar o resgate, digo, “transferência”, ou melhor, “extradição”, deixemos... pode ser devolução mesmo, do detido para a “pérola do índico”. A depender da vontade do nosso “sistema”, “Tio Sam” não apanha nada! Se bem que, por vezes, pela quantidade de gafes de processo e de estratégias, fica parecendo que o essencial é erguer uma cortina de fumaça para não deixar transparecer que o arguido esteja a ser sacrificado para prestar-se ao simbolismo do insipidamente necessário ritual de purificação de fileiras. Pretensa moeda de troca para a recuperação da minguante credibilidade do “partidão”, em vésperas de mais uma competição eleitoral.

 

Seja como for, fica evidente que as nossas instituições são relativamente mais fortes do que os cidadãos (infelizmente, por um tiquinho, somente). Uma pena que assim seja.  Sendo uma sociedade em construção (ainda que mais pareça em autodestruição), como cidadãos, sempre que julgarmos oportuno, devemos desafiar as instituições.  O objectivo não é, necessariamente, romper com elas ou criar cisões (isso é demasiado convulsivo e de resultados imprevisíveis), mas re-articular as formas de “sociação”, refundar (ou consolidar) os parâmetros através dos quais nos governamos, nas mais variadas dimensões (económica, política, cultural), com ética e parâmetros partilhados de previsibilidade das acções, em quadros normativos explícitos e implícitos,  relativamente consensuados.  

 

Ainda que haja quem diga que não há revoluções às meias, senão meras rebeliões, na actual conjuntura, não carecemos nem de “primaveras” e nem de rebeliões senão de efectiva contribuição cidadã, das organizações político-partidárias (inclusive do partido mais chamuscado com este imbróglio), organizações da sociedade civil, para a transformação e aprimoramento das instituições.  

 

Em termos de formas e normas há ajustes menores que podem ser feitos com o intuído de consolidar as instituições. No que concerne à performance e desempenho há muito a ser feito. Nestes nossos tempos, há toda uma batalha atitudinal a ser feita e vencida para que se faça jus à padrões de moralidade e de justiça, para um “re-encantamento” da nossa sociedade para enfrentar os desafios económicos, sociopolíticos que actualmente assumem contornos fraturantes.

 

O imbróglio das dívidas não deve ser visto como o “princípio” e ou “fim” do nosso mundo. Mas é também verdade que o assunto tem potencial de instigar rupturas em termos de atitudes de indivíduos, instituições e partidos face a coisa pública.  No mínimo, tem o potencial de contribuir para a elevação da consciência colectiva sobre a importância da observância das normas e roteiros institucionalmente estabelecimentos e não tomar, ao desbarato, as “ordens” presumivelmente “superiores”, como padrão normal, incondicionalmente aceitável e ditame de actuação do provedor público.

 

Como bem disse a outra, “precisamos de parar com o autoflagelo”. Penso que é possível e, o Conselho Constitucional, o Parlamento e demais instituições privilegiadas para a lide com a matéria em questão, continuam sendo as instâncias com potencial repor a legalidade e contribuir no restaurar da incipiente confiança nas nossas fragilizadas instituições. Como na (des)crença sobre feitiçaria, o sistema tem potencial auto-reparador, de protecção e de reprodução de si. No limite, a competição eleitoral subsiste como um dos mais radicais mecanismos de reparação, se não quisermos incluir as guerrinhas que são ainda mais devastadoras.

 

Sim, não tenho dúvidas sobre as mais completas teses sobre a “captura do Estado”. Parece até contraproducente recorrer a essas mesmas instâncias, em princípio, “capturdas” em busca de reparação. As instituições, como edifício social, são suscetíveis a erosão e, não se vislumbrando uma “távola redonda”, a curta prazo, resta-nos explorar, ao limite, as janelas e frestas que subsistem e através delas procurar penetrar na estrutura do edifício e pavimentar os trilhos da reparação. 

 

Metáforas à parte, na prática, há várias formas e possibilidades de consolidação das instituições. Entre elas, o recurso aos parâmetros institucionalmente estabelecidos para reivindicar ajustes e correções de medidas tomadas fora do quadro normativo. Esta abordagem tem também a função pedagógica de realçar a importância das instituições e as possibilidades institucionalmente estabelecidas para dirimir potenciais incongruências emanadas da operacionalização do aparato institucional. Incluindo a responsabilização individual de actores políticos eleitos para administrarem certas dimensões institucionais da vida em coletividade. Pois,  não estão isentos do escrutínio público, ou da obrigação de “prestar contas” para as constituências que representam.

 

Já que, no nosso caso, a instituição não tem a cultura de pressionar-se mutuamente de forma complementar e menos ainda de forma competitiva para a materialização do desiderato que lhes define, a actuação do cidadão, por mais inconveniente que pareça aos olhos dos que usufruem dos benefícios que as instituições também oferecem, tem potencial transformativo. Quando os três poderes compactuam com desvios normativos óbvios e, em conluio, secundam-se nos esforços para sustentar e institucionalizar suas (im)posturas é caso de dizer-se que os actores sociais abrangidos (no caso, vitimados) por essa postura devem reservar-se o direito e articular todos os dispositivos legalmente estabelecidos para sinalizar para a gravidade do desvio institucionalmente incorrido e o potencial desestruturante de persistir-se nessa senda.  Não obstante a aspiração de perenidade e de longevidade de muitos dos acordos assumidos, pactos sociais são suscetíveis à radicais alterações de vontades (e humores) dos pactuantes e podem demandar rearticulações e ajustes para manterem-se relevantes e funcionais.  A capitalização das ferramentas de governação dos pactos talvez seja a maior expressão de compromisso com os princípios que norteiam o pacto e a salvaguarda da integridade dos pactuantes.  Neste sentido, a petição que os cidadãos assinam, deve ser lida como expressão maior de compromisso com o todo, com o interesse colectivo e com o bem comum.

 

Formalmente, exige-se duas mil assinaturas para que eventuais peticionários sejam acolhidos pelo Conselho Constitucional de modo a que o objecto da petição seja considerado. A deliberação do CC é soberana, irrecorrível e irrevogável. O CC é a instância mãe, de reposição das nossas mais sublimes aspirações. Os Senhores e Senhoras que habitam aquela instância, são (ou deveriam ser) os guardiões da constitucionalidade, do interesse colectivo, acima de eventuais disputas de facções e das constituências (grupos de interesse) que povoam este espaço comum que chamamos Moçambique. Na cadeia hierárquica de instituições a que se pode recorrer o CC é a última nos termos da legalidade estabelecida. Depois disso, nirvana ou, pela nossa índole histórica, sem querer ser determinista, o caos! Ora, mas também existem as instâncias internacionais multilaterais, algumas das quais se afirmam pela defesa de direitos humanos e outros.  Ainda que sejam negativamente conotadas como “mão-externa”, essas entidades também tem o potencial de pressionar e influenciar o curso de políticas e decisões internas. No presente caso, tratando-se de fraude de proporções multinacionais, o recurso a tais entidades não deve ser descartado. 

 

Em 2016, a Sociedade Civil submeteu uma petição requerendo a ilegalização das dívidas contraídas pela ou em nome da EMATUM, posteriormente inscritas no orçamento do Estado. Na altura, o argumento apresentado centrava-se na não observância da lei orçamental, que preconiza que os avales atribuídos à EMATUM só poderiam ter sido atribuídos mediante aprovação da Assembleia da República. Faz hoje 581 dias sem resposta! O fragilidade e lentidão do CC, não deve desestimular os peticionários. Pelo contrario, devem persistir na pressão e inventivo ao CC para assumir as suas funções e dar resposta estruturada e fundamentada sobre o sue parecer /decisão.

 

Mais recentemente, as novas revelações sobre os contornos do endividamento e as detenções realizadas  mundo a fora, começam a lançar luz à inquietantes zonas de penumbra encobertas por actos deliberados de sonegação de informação, por parte de actores e instituições implicadas, concorrendo para o esvaziamento da auditoria mandatada pelo nosso próprio governo, mas arquitetada para não encontrar matérias a auditar, na vã expectativa de dissipar o diferendo e voltarmos a cair, nas graças dos “parceiros de cooperação” doadores” e outras chamadas “mãos-externas”, a que historicamente recorremos para peditórios, negócios ou negociatas”.

 

Uma vez mais, as instituições da sociedade civil, recolheram cerca de duas mil e quatrocentas assinaturas para secundar a petição pela revogação das dívidas da PROINDICUS e MAM, empresas atreladas ao imbróglio atuneiro, cada vez mais associados a aventuras ilícitas, salvo por melhor apuramento das entidades internas e externas de investigação.  

 

Nosso desafio, como cidadão, é contribuir para o fortalecimento das instituições, um jargão amplamente propalado, mas raramente evidenciado e ou experimentado nos nossos debates ou troca de farpas públicas. As instituições não se fortalecem por si só, pela vontade dos detentores do poder, alguns dos quais tem se mostrado renitentes subvertores das frágeis instituições de que dispomos.

 

Assim como já houve contribuições consideradas produtivas da parte do cidadão ou das organizações da sociedade civil, como aquando do desenvolvimento da lei da família, lei de imprensa e outros, o acto de os cidadãos demandarem um posicionamento por parte de instituições que deveriam ser relevantes, evidencia o ampliar da consciência sobre a importância da utilização dos espaços de diálogo entre os cidadãos, seus constituintes e as instituições.

 

O fortalecimento das instituições passa por um diálogo permanente entre os cidadãos organizados, nos moldes institucionalmente estabelecidos, como este de agregar 2000 assinaturas e a reação dos órgãos estabelecidos para funcionarem como interlocutores. Independente da reação das instituições, o importante é que não se quebre e nem violem os espaços constitucionalmente inscritos para  interlocução e que as instituições se posicionem como actores capazes de satisfazer as demandas dos cidadãos ou interlocutores, se quisermos usar expressões ainda mais conciliatórias.

 

Como se pode depreender, com o engajamento (organizado) na mobilização e recolha das mais de 2000 assinaturas requeridas, da parte dos cidadãos, não há fraqueza em observar os trilhos institucionalmente legalizados. Neste caso, cabe às instituições demonstrarem que existem e que são suficientemente competentes para cumprirem, com a autonomia que lhes deveria ser devida, com o seu mandato. Infelizmente, até aqui, a instituição tem insistido em permanecer em ensurdecedor mutismo, defraudando seu próprio mandato e propósito. Enquanto isso, a consciência e a capacidade organizativa e dialógica do cidadão vai se consolidando, deixando a nú o deficit operacional que caracteriza o nome das instituições que indivíduos vestem em prossecução de interesses que a olhos de muitos cidadãos não são defensáveis no quadro de promoção e proteção do interesse colectivo.

 

Não sou dos que acreditam que todo e qualquer cidadão vive competindo pela governação das instituições do Estado e que qualquer mobilização social seja uma forma de escamotear o desejo de poder e não necessariamente advogar por acções que complementem as funções do Estado e aprimorem o capital institucional e, consequentemente, consolidem-se paramentos que concorram para a melhoria da qualidade da governação. É preciso descansar as azagaias dos que acreditam que todos os que questionam eventuais desmandos no quadro institucional estão sedentos por desfrutar das benesses do Estado. Nos seus modestos e imodestos postos, a maioria dos cidadãos batalha pelo seu pão, aspira apenas pela estabilidade e transparência nas regras do jogo, igualdade de oportunidades, ética na política e na gestão da coisa pública. Nada mais!

 

Cristiano Matsinhe

 

5 de Janeiro de 2019

segunda-feira, 04 fevereiro 2019 11:45

A disputa por Manuel Chang

O debate sobre a extradição do até aqui deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, continua a alimentar muitos comentários e prognósticos sobre o seu futuro. Essencialmente, as posições que mais vingam são duas: extraditar Chang para os Estados Unidos da América ou para Moçambique. A manutenção de Chang na África do Sul seria uma terceira, mas não tem sido muito considerada, pois é generalizada a ideia de que África do Sul tem pouco ou nenhum interesse na sua prisão. Os que advogam que Manuel Chang deve ser devolvido para Moçambique o fazem partindo do princípio de que é em Moçambique onde estariam localizados os bens de Chang e que a recuperação desses seria melhor conseguida se o processo correr aqui; que foram instituições Moçambicanas que foram prejudicadas, que ele é moçambicano, e que toda a trama fora realizada em Moçambique, e tantas outros argumentos que, quanto a mim, fazem pouco sentido, se não apenas as últimas tentativas de segurar o vento pelas mãos.

 

Para começo de conversa, qual é a instituição moçambicana que foi burlada? Quem são os tais bondholders? A favor de que moçambicano se pretende recuperar os bens que Chang e os seus camaradas adquiriram com o dinheiro das dívidas? Até onde eu percebo este processo, Chang e os seus amigos não roubaram dinheiro de Moçambique e nem transferiram valores ou coisa alguma para o exterior que se possa pretender recuperar. O que se sabe é que ele e os amigos montaram um esquema fraudulento, protegidos pelo regime de então, e enganaram algumas instituições e indivíduos lá do hemisfério norte, dizendo que estavam a fazer negócio em nome dos moçambicanos.

 

Portanto, aqui não há que se falar de recuperação dos bens de Chang que estão em Moçambique para pagar aos moçambicanos. O que os moçambicanos revindicam é que o seu nome seja retirado desta tramoia ou maracutaia (como diria Lula da Silva, quando também era do povo) e não aceitarem pagar uma dívida da qual não viram se quer de que cor era o tal dinheiro. Se há alguém que tem direito a revindicar que os bens sejam recuperados e lhes sejam pagos os dinheiros roubados, são as instituições e indivíduos que compraram esta dívida montada na calada da noite em algum lugar que só eles podem explicar. Das dívidas ocultas, Manuel Chang não deve dinheiro aos moçambicanos, deve sim aos gringos e é por isso que estão a trás dele para cobrar o lhes deve.

 

O dinheiro que Chang, e outros que governaram nos tempos da outra senhora, nos deve é do Tesouro, do Banco Austral, do BCM e outros dinheiros dos quais ainda não nos esquecemos. Sobre esse os moçambicanos ainda vão cobrar. Em relação às dívidas ocultas, os moçambicanos não pretendem receber dinheiro nenhum, apenas não querem ser obrigados a pagar nenhuma dívida ilegal e inconstitucional que em nada contribuiu para as suas vidas e, por isso, dizem EU NÃO PAGO!

 

Parece estar claro que os maiores interessados em que Chang seja de facto julgado, e bem julgado, são aqueles de quem ele e os seus camaradas roubaram dinheiro, aqueles que compraram a dívida oculta. Os moçambicanos querem apenas tirar o nome do país deste imbróglio e ficarem longe destas dívidas, e assegurarem-se que não haverá nenhuma possibilidade de serem obrigados a pagar o que não devem. O esforço titânico de trazer Chang para Moçambique, que conta com o apoio incondicional do seu partido, da PGR e do Tribunal Supremo, não mais é que uma tentativa de evitar que Chang e os outros enfrentem a justiça Americana e, de facto, paguem o que devem a quem é devido. 

 

É sintomático que, depois de vários comentários indicando que o TS citou leis revogadas, que o pedido formulado à Assembleia da República não é o mais adequado para o caso; que a anuência da AR para que Chang seja preso sem que lhe tenha sido retirada a sua imunidade viola a lei e a Constituição da República, nenhum destes órgãos tenha reagido a estes comentários nem se mostrado pronto a corrigir tais erros. Esta indiferença pode revelar uma desorganização desorganizada para favorecer Manuel Chang e, por via dele, os restantes camaradas na lista. É muito estranho que o Juiz Conselheiro do TS, Dr. Sebastião Rafael, conhecedor profundo das leis, em particular as criminais, com larga experiência em vários sectores da administração da justiça do nosso país, formador, docente universitário e estudioso do Direito, não tenha visto estas incongruências que, como diria o saudoso presidente Afonso Dhlakama, “até os passarinhos viram”.  Se Manuel Chang for, por uma eventual hipótese, extraditado para Moçambique (como alguns já vaticinam) poderá se considerar um homem livre. O mesmo tribunal que pediu a anuência da AR para permitir que Chang fosse preso, será o mesmo tribunal que vai mandar o cidadão e Deputado Manuel Chang ir em paz e em liberdade, por a sua prisão se mostrar ilegal e inconstitucional. Para a defesa de Chang bastará citar o Estatuto do Deputado e a Constituição para dizer que, como Deputado Manuel Chang não pode ser detido, salvo em caso de flagrante delito, e indicar que as leis que fundamentam a sua prisão foram revogadas. Mantendo-se o status quo Manuel Chang regressaria a Moçambique com a sua im(p)unidade ainda intacta.

 

Se a nossa justiça quiser recuperar alguma dignidade, é chegada a altura de parar com as manobras para inviabilizar a extradição de Chang para os Estados Unidos da América; se a AR, ou melhor a bancada que apoia a extradição de Chang para Moçambique, quiser se reconciliar com o povo, é melhor fazer o que é de lei, retirar-lhe primeiro a imunidade parlamentar para vermos a seriedade com que pretender lidar com este assunto. Por enquanto, o meu parecer é de que Chang deve ser julgado nos EUA e o povo moçambicano deve ser liberto de qualquer responsabilidade em relação às dívidas.

sexta-feira, 01 fevereiro 2019 07:38

Fátima Mimbiri não vai “morrer”

Cinco razões: Não há causa; Ela é Mulher; A experiência mostra que essa não é uma acção de resultados desejados; O “timing” também é mau (sendo ano de eleições, e num momento em que a imagem do partidão está na lama) e não está fechado o assunto Chang; O resultado seria catastrófico ainda.

 

Não há causa? Há sim. Ela, através do CIP, das Televisões que a chamam e a colocam no ar, com o Facebook que não fecha a conta a dela, etc, estão a dar espaço para que ela “abra a boca”. Isso é que é “causa”: Boca Aberta, Boca Grande ou Boca Irrequieta. Todavia, do mesmo jeito que era impróprio, em 1970, uma mulher usar calças e hoje é normalíssimo e, até fica bonito, porquê até hoje não se olha como algo normal, uma cidadã ser um “alto-falante”? É que, as escolas de jornalismo estão aos pontapés pelo país e, aquilo que se ensina, continua a ser a mesma coisa em todas elas: “ensinar a difundir informação; talhar a sociedade de pensamento crítico”. 

 

Portanto, “calar” Fátima não resultaria tão eficazmente, porque os mesmos espaços de aprendizagem e os de difusão, manter-se-ão intactos, activos e com maior força ideológica e, em pouquíssimo tempo, surgiriam novas “Fátimas”. Para quê criar uma Nossa Senhora de Fátima moçambicana? 

 

Ela é Mulher? Sim. A FRELIMO sabe como têm sido cruciais e preciosas as mulheres, no geral (não somente as da OMM), para a mobilização e propaganda ideológica à seu favor. Exemplos recentes do Brasil ou mesmo EUA aonde a onda feminina fez diferença nas urnas devia ajudar a decidir nestes momentos de grande confusão. Talvez Bolsonaro tivesse tido uma luta menos estafante, uma vez que a outra parte era apoiada pelos “Lulistas”, uma ala outrora fragilizada. Todavia, o descuidado discursos de Bolsonaro e irritadiço para as mulheres jogou a seu desfavor funcionando como um “enxame de vespas” em ataque contrário. Em Moçambique, viveu-se um certo tempo e de vazio, com as ausências de figuras femininas de proa, aonde Lina Magaia ou Alice Mabota se destacam.

 

A sua ascensão gradual e natural, prova que Fátima Mimbiri não escolheu a posição que hoje tem. Ela foi eleita pela massa popular como irmã, mana, mãe, amiga, vizinha querida, etc, e defensora de seus ideias. Nada do que ela tem dito tem sido diferente do que os demais disseram. Joaquim Chissano e Tomás Salomão, por exemplo, falaram demais para pessoas que não são da FRELIMO - mas sim, são a própria FRELIMO. Há dias, Samora Machel Jr. pronunciou-se, igualmente, em relação às dívidas e, coincidentemente, defendeu aquilo que é o enunciado do CIP, sem se esquecer de pedir uma reunião para debater tais situações na FRELIMO.

 

Todavia, todos esses ditos, não só destes FRELIMISTAS, mas também de outras figuras de relevo, até mais importantes que a Fátima na sociedade moçambicana, não têm tido o mesmo peso ou impacto pois, o que o Povo quer, é ouvir, é confiar e seguir o próprio Povo e, a Fátima Mimbiri é o povo falando para ele mesmo. O discurso dela não é mais bonito, o mais organizado, o mais intelectual que os demais, mas vinga ou penetra nas pessoas pois tem o “tempero popular”, dada a sua espontaneidade. Calar Fátima pode significar um tiro contra todas as mulheres moçambicanas. Seria igual a pedir guerra à Al Quaeda: “nunca se desafia para luta alguém que não tenha medo de morrer” – provérbio popular jihadista. Uma pergunta (que não responderei) à este propósito: quantos homens já venceram uma briga comprada contra uma mulher?...

quarta-feira, 30 janeiro 2019 05:30

A época do parte-pernas está quase a voltar

Malta Salema, Macuane já não mais são os alvos. Outros fala-baratos dos programas da STV e MIRA-MAR idem, malta Nuvunga, etc, não são mais apetecíveis para virarem muchuchu de galinha. Esses do CIP, que andam aí a distribuir camisetes, ora fazem cobertura do julgamento em Kempton Park ora promovem abaixo assinados para irem submeter lá no CC, também não criam ganas de serem dados tiros como aqueles do CISTAC, ou então tramá-los, mandando para o Tribunal, acusado-os de uns crimezinhos iguais aos que Matias Guente sofreu. Nem vocês do Facebook, que não param de bombar informações e opiniões... bombam posts, bombam comentários, bombam caricaturas, bombam vídeos de Trump, bombam tudo, mas, mesmo irritando os boisses, não interessam… Pois, todos, desta vez, não criaram nada! Não são culpados… Não foram vocês que fizeram aquela peça chinesa ir acabar em Modderbee…

 

Os que vão abrir a época de Parte-Pernas são esses, que era suposto serem trabalhadores dos boisses. Esses que agora estão a fingir obedecer e trabalhar mas, meia volta, sabotam fazendo-se passar por incompetentes, esquecidos, trapalhões, lerdas, etc. Esses vão acabar por conhecer a fúria dos homens do poder. Do verdadeiro poder. É que os do poder, do verdadeiro poder, não são burros não! A missão sempre esteve Muitíssimo bem clara: resgatar a peça chinesa antes que ela dê a língua com os dentes e sujar a todos. Trazer esse diabético antes de ele bufar aqueles nomes que estão codificados no Relatório da Kroll só para reduzir a pena dele… Trazer, imediatamente, esse tomador de sumo de maracujá e nada de se falar “daquilo ali” de extradição para os EUA. Se é que estavam a precisar de “help”, isso foi dado, uma vez que, até o Ramaphosa foi chamado para dar dicas e, com ele foi visto esse truque de protocolos da SADC. Portanto, nada de ladainhas… Pois: missão dada é missão cumprida. Porém, estão aí a preferir fingir serem lerdas.

 

No tempo do bem bom, para receber flats, não eram lerdas. Quando foi para expedir “aqueles” despachos de Subida de Cargos, não se comportaram como trapalhões não, acertavam na data, invocavam Leis actuais e tudo. Quando a fome ou a vontade de luxúria aparecia, iam pedir dólares e viagens na classe A e, nessa altura, não vislumbrou-se nada de incompetência em vocês. Agora, porquê é que, estão TODOS, ABSOLUTAMENTE TODOS, estupidificados? É um conluio? Falem… É isso? Heeeiiimmm? Olha, vamos lá parar com brincadeiras. VÁMO LÁ PARÁR COM ESSA CENA DE BRINCAR POOORAAAAAA… Digam lá: Vocês vão ou não trazer o Indivíduo C para a Pérola do Índico? Vão ou nãoooo?

 

É que estão a irritar, sabe? Como é possível um Juiz Conselheiro, que falou-se bem com ele e explicou-se o que era para fazer, de modo a ajudar a Buchili no resgate de Chang, de repente, começar a se fazer de maluco, citando leis revogadas? QUATRO Leis revogadas?????? 1,2,3 e 4. Um erro seria normal, mas 4????? Faz-se isso? É erro isso mesmo? Esses do facebook, esses analistas de meia tigela, podem ser enganados sim. Gostam eles de ver aquilo para vos chamar de parvos, incompetentes, etc. Eles que fiquem aí a pensarem que você Juiz Conselheiro, um Venerando Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, Dr. Rafael Sebastião, virou incompetente e trapalhão. Mas nós não!!!! NÓS NÃÃÃÃÃÃOOOO... É bom te pores a Pau… Ou essas tuas perninhas vão virar canja.

 

A outra é aquela senhora. Demos a ela a cadeira de Presidente da Assembleia, naquela ladainha de igualdade de direitos e tal. Agora, já virou as costas. Esqueceu de onde bebeu o primeiro leite? Quer sabotar né? Como é possível uma pessoa como você convocar uma reunião para dia 29 de Janeiro de 2019, mas esse ofício que convoca estar datado de 24 de Fevereiro de 2019? Esses do Facebook pensam que te enganaste… Que foi porque tudo se fez às pressas. Mas no Topo não há burros. É que, só um deputado já tem direito a um ADC e, imagina você mamã? Seria possível você, teu ADC, teu Vice, etc., errarem uma carta de menos de 100 palavras? Não brinca ouviu? NÃO BRINCA. E para piorar, a tal reunião da Comissão Permanente, foi presidida pelo mesmo Edson que foi, outrora, severamente criticado por Venâncio Mondlane e acabou por ser substituído por Sérgio Pantie em 2016. Quer dizer, foram buscar uma pessoa que faz lembrar problemas. Isso não é erro não. É vontade de criar celeuma no Povo só para estragar os planos dos poderosos, se fazendo passar por maluco. Vocês não são malucos…

 

E você Buchili… Ohh Buchiliiii… Bichilê… Você não aprende mesmo? Não sabias que esta jogada toda só teria pernas mesmo, se depois de anunciar que tens 16/18 arguidos, começasses imediatamente, a prender de “mentirinha” alguns? Não sabias mesmo? Se até no Facebook, nas TV´s, nos jornais digitais, já antes do dia 8 de Janeiro de 2019 se dizia como agir. Custava mesmo descodificar alguns nomes? Alguzinhos só… Uns dois? Para servir de matéria forte de modo, que a Justiça Sul-Africana olhasse isso e desse provimento à possibilidade de o Tomador de Sumo de Maracujá merecer voltar para seu país ou então, na pior das hipóteses, ser julgado na Terra do Rand, que não é igual a ir para Nova Iorque... Mas, não sabias disso mesmo? Você está a brincar… E já não é a primeira vez.

 

Machado existe! Martelo tem também! Pistolas então? Rapazes corajosos para partir ossos das penas já nem se fala, são muitos. Será que é preciso começar a partir pernas para vocês pararem de dar esse espectaculizito de palermice? Vocês sabem que os “grandes” sempre tiveram noção de que, de IDIOTA vocês nada têm? Heim? Vocês querem que o regime caia não é? Só pode ser isso… Só não podem sair á rua, corroborar com “aqueles” e falar, também, de “Limpeza de Fileiras” ou “Não Se Pode Rotular Todos da FREL, Enquanto Foram Só Meia Dúzia” porque não dá. Mas, nos vossos corações, querem que o Changuito vá a terra do Trump e acabe connosco… É isso né? Estão do lado da oposição?

 

Então, antes que A ÉPOCA DE PARTE PERNAS SEJA DADA COMO ABERTA, fiquem a saber que JÁ ESTÃO AVISADOS. Acabou esse espectáculo de falsa incompetência, de irreais esquecimentos, de inexistentes trapalhices e de lerdices estúpidas…

FAÇAM O QUE VOS MANDARAM OU...

quarta-feira, 30 janeiro 2019 05:28

O comboio dos bitongas não volta mais

Ao Fazal Lacá, um machope nascido em Inharrime, e que Niassa arrebatou até à morte.

 

Não era só dos bitongas, mas também dos machopes. Misturava as duas etnias em carruagens com bancos de madeira, e uma ou duas com estofos de napa para os privilegiados. Mexia com os locais por onde passava, fazendo tremer a terra. Parava em estações e apeadeiros do tipo “farwest”  - para embarque e desembarque - estendidos ao longo de uma extensão de cerca de noventa quilómetros entre a cidade de Inhambane e a vila de Inharrime. Era uma festa. Proporcionada por uma máquina à vapor numa altura em que não se falava, como hoje, da poluição do ambiente. E esse tempo não dá indicações de que vai voltar um dia.

 

Estou apinhado num “chapa”. Sou uma lenha. Que se junta à outras lenhas que vão compor um feixe  pronto para ser destruído a qualquer momento numa curva ou numa ribanceira, ou ainda num embate frontal irresponsável. Porém o que me reconforta apesar desse desconforto é que aqui dentro, onde mesmo assim estamos todos sentados, não há algazarra. O nosso silêncio colectivo dá total liberdade à música que se ouve nas colunas que libertam som equalizado. Boa música, em volume baixo para  o sossego da alma!

 

Lá vamos nós. De Inharrime à cidade de Inhambane. De “chapa”. Apertados. Oiço o som dos pratos da bateria anunciado a entrada em cena de Hugh Masekela que vai cantar o embalsamante “Stimela”. Transformando o pequeno autocarro que nos transporta como sardinhas desdenháveis numa agradável discoteca. E toda essa levitação do espírito faz esquecer o sofrimento do corpo. Ao mesmo tempo que me recordo do tempo em que nesta terra tivemos um “stimela” que fazia parte da nossa história. Mas do registo desse “poema lírico”, ficaram apenas os hangares transformados num mamarracho, e uma locomotiva negligenciada. Lembrando-nos que aquele comboio era um poema dos bitongas. E dos machopes.  

 

Arrancaram os carris. De aço. Como se estivessem  a arrancar-nos o coração. Sem nos dizerem nada. Sem direito à consulta. Vieram buscar as locomotivas e as carruagens e os vagões. Meteram tudo em grandes camiões e foram-se embora. Deixando-nos com a saudade da música que o comboio cantava para dentro de nós: “pouca-terra, pouca-terra, pouca-terra”. Hoje já não há nada disso. Aliás, Eusébio Johane Ntamele já cantava: “khombo la mina mamana, va ranga hi mbilu va lhomula” (que azar é o meu, mãe: a primeira coisa que fizeram foi arrancar-me o coração). E se te arrancam primeiro o coração, o quê que vai restar de ti?

 

Tudo aquilo era um regalo. Por exemplo, quando a máquina apitasse, anunciando a chegada, homens e mulheres e velhos e crianças e paralíticos, desciam como várias ondas do mar que vão ser despejadas na estação. Ou no apeadeiro. Uma parte deles ia receber os familiares ou amigos. Mas a grande  maioria  ia apenas celebrar a chegada do comboio. Que traz no seu bojo passageiros distribuidos entre os bitongas e os machopes. Todos queriam abraçar a máquina com os olhos e a alma.

 

Os vagões vinham cheios de lenha. Troncos para os fogueiros. As carruagens de carga abarrotavam de mandioca fresca, milho, farinha de mandioca, mel, ananás, manga e quejandos. Cumplicidade. Os Caminhos de Ferro de Moçambique por estas bandas não faziam muito dinheiro com o empreendimento. Contudo davam alegria às pessoas. Ofereciam vida. Quase de graça. Também hoje se calhar as máquinas à vapor não façam parte do nosso tempo. Mas a poesia celebra-se eternamente.