O recente evento climático ocorrido na zona Centro do país com maior incidência na cidade da Beira, é um exemplo claro da lentidão com que o País caminha para o desenvolvimento sustentável inclusivo. O IDAI, para além das 603 mortes registadas, destruição de diversas infraestruturas, destampou por um lado um debate (antes esquecido) sobre a necessidade de um sistema de gestão ambiental estruturado e funcional. Por outro lado, colocou á prova a capacidade das nossas instituições em lidar com temáticas ambientais.
Nesta minha curta reflexão, lanço um olhar crítico sobre a fragilidade das nossas políticas públicas ambientais, encarnadas na perspetiva centralizada o que se reflete na limitação dos governos locais para dar resposta eficaz aos desafios causados pelos desastres naturais e definir estratégias rumo ao desenvolvimento sustentável. Antes porém, é importante mencionar que nas duas últimas décadas, a problemática ambiental e municipal vem sendo abordada de forma conjunta, principalmente porque se supõe que o Conselho Municipal é a autoridade mais próxima da população e também porque é a entidade territorial e demográfica onde é estabelecida de forma directa as relações entre a sociedade e o ambiente.
O caso da Beira, inicialmente caracterizou-se por uma sequência de “conflitos de poder/atribuições” entre/do Município, Governo provincial e Governo central onde pela deficiência da nossa institucionalidade ambiental era visível a limitação do Conselho Municipal em implementar um “plano maestro” da sua autoria e ao mesmo tempo, apoiado pelo marco normativo as grandes decisões para a reconstrução da Beira continuam dependentes do Governo Central. Uma posição que contrária às diversas perspetivas defendidas por especialistas da área, documentos das Nações Unidas, incluindo Valdivieso (2018) que defende que as autoridades Municipais são as que melhor podem dar respostas pós eventos climáticos, já que é a entidade que melhor conhece as necessidades dos Munícipes e a estrutura do seu território, podendo o governo central estar sujeito às propostas desta entidade local.
Nesta mesma linha, a Agenda 21 também defende a necessidade da participação plena das autoridades locais no estabelecimento de disposições ambientais e na planificação e execução de políticas nacionais ressaltando a importância dos governos locais na implementação das políticas de desenvolvimento.
Com esta reflexão, não pretendo invalidar a grandiosidade das acções que estão sendo levadas a cabo pelo Governo Central desde a ocorrência do IDAI, mas sim alertar sobre a necessidade de uma interação inclusiva e de interdependência entre este e as entidades locais, especialmente numa Cidade como a Beira - com uma longa e reconhecida história de gestão Municipal. O recém-constituído Gabinete de Reconstrução Pós- Ciclone IDAI, não deverá funcionar como um organismo “impositor” emanado de um plano de acção que ignora a perspectiva do Conselho Autárquico para a reconstrução da Beira. A título de exemplo, em países como Chile, propenso a desastres naturais, as comissões de reconstrução são formadas sob uma base local e dirigidas pelo Alcalde (Presidente do Município) da região afectada contando na sua estrutura com membros do Governo Regional e Central como fiscalizadores da acção local.
Ora, se o conceito de desenvolvimento sustentável se refere ao bem-estar social inclusivo, então é importante que se criem condições que possam levar ao alcance dessa meta, e isso passa por estabelecer e assumir o município como a “entidade central”, representativa e mais próxima da população afectada. Sendo esta, a entidade que melhor conhece as necessidades e inquietudes dos seus munícipes, bem como os melhores mecanismos para estabelecer um diálogo eficaz. Não se pode alcançar com êxito um desenvolvimento sustentável inclusivo com decisões de nível global, para problemas locais.
Belarmino Augusto Lovane.
No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa celebramos o papel essencial de uma imprensa livre, não só como meio de transmissão de notícias fiáveis e exatas, mas também como pilar da democracia. A qualidade dos processos democráticos está ligada ao estado da liberdade de expressão, bem como à liberdade e ao pluralismo dos meios de comunicação social. Não há democracia sem uma imprensa verdadeiramente livre.
Meios de comunicação social livres, diversificados e independentes, que assumem a grande responsabilidade de garantir que as notícias transmitidas ao público são verificadas e corretas, constituem a própria base de uma sociedade aberta e pluralista. O jornalismo de investigação desempenha um papel de fiscalização necessário, que ajuda o público a responsabilizar os governos e as instituições, a todos os níveis, pelas suas ações e obrigações. No entanto, constatamos cada vez mais tentativas para reduzir o espaço de que dispõem os meios de comunicação social livres, sendo também comprometida de forma sistemática a sua credibilidade, e demasiados jornalistas perderam a vida ou colocaram-na em risco por terem exposto verdades inconvenientes.
Este ano, a 26.ª comemoração mundial aborda os desafios que os meios de comunicação social enfrentam atualmente nas eleições em tempos de desinformação, bem como o seu potencial para apoiar a democracia, a paz e a reconciliação. A desinformação tem um elevado potencial para influenciar negativamente os processos democráticos e os debates públicos em todo o mundo, e a União Europeia não é exceção.
É por esta razão que lançámos o «Plano de Ação da UE contra a Desinformação»(*), que reforça a resposta europeia para aumentar a resiliência das nossas sociedades contra a desinformação. O plano procura melhorar a deteção da desinformação, a coordenação e adesão das ações da União e dos Estados Membros, a mobilização do setor privado para cumprir os seus compromissos, a sensibilização do público e a capacitação dos cidadãos. Uma democracia saudável assenta num debate público aberto, livre e justo e é nosso dever proteger este espaço e não permitir que seja difundida desinformação que alimente o ódio, a divisão e a desconfiança em relação à democracia.
A UE está a promover meios de comunicação social livres e justos, não só a nível interno, mas também a nível mundial, nas nossas relações com países terceiros, nomeadamente através do financiamento de projetos específicos que reforcem o jornalismo de qualidade, a liberdade de imprensa e o acesso à informação pública. Com o jornalismo livre sob pressão crescente, a UE reitera a sua determinação em defender a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social dentro das suas fronteiras e em todo o mundo.
(*) Alta representante da União Europeia, por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (3 de Maio de 2019), que se celebra amanhã.
O membro do júri disse que estavam bem vestidas, por isso deu a nota máxima. Eu esperava o contrário. Uma repreensão. Gravosa. A princípio pensei que fosse ironia. Enganei-me. Era a verdade em si. Ou seja, alguém privilegiado na cadeira do julgamento exaltava mulheres com partes sensíveis do corpo à mostra, cantando canções Divinas. Ou pelo menos inspiradas na Palavra. Ainda por cima em público. Exultando. Os vestidos não têm mangas. Nem alças. Começam de onde começam os seios, dando liberdade total à imaginação corporal de quem vê aquilo. A parte inferior, para além de ser curta, acima do joelho, liberta uma racha que pode ser perturbadora. Quer dizer, ficamos sem saber se aquelas senhoras estão ali para nos transmitir mensagens do Criador, ou para nos oferecer o espectáculo da fisionomia.
Não estou a dizer que as pessoas estão proibidas de vestir de acordo com as suas vontades. Nem pouco mais ou menos, mesmo sabendo que o corpo não nos pertence em absoluto. Não estou a dar qualquer dica de como as mulheres devem proceder para respeitar a sua intimidade. O que eu acho é que em determinados lugares e circunstâncias, seria de bom senso que elas examinassem cuidadosamente a sua endumentária. Até porque num festival de grupos corais, as letras que suportam as canções são maioriatariamente inspiradas na Bíblia. Evoca-se Deus nesses eventos, e Deus merece todo o respeito e vénia, mesmo ao nível das roupas que vestimos.
Mónica Malambique, minha vizinha, bebia ao nível dos alcoótras. Era fumadora inveretada. Ia à Igreja todos os domingos glorificar à Deus, exalando os cheiros da bebida e do tabaco, incomodando quem estivesse perto de si. Um dia uma amiga, farta de tudo aquilo, disse-lhe assim, Mónica, achas que Deus pode esvaziar-se em ti com os cheiros emanados dessas porcarias que andas a consumir? Nesse estado, minha irmã, estás a perder o teu tempo, a tua vinda para aqui é vã.
Na verdade o Altíssimo não habita onde há cheiros de vícios. As mensagens de Deus também, quando transmitidas por uma mulher vestida de determinada forma, podem perder o valor, por mais bela que seja a voz. Quer dizer, de um ser feminino trajado daquela maneira, mesmo cantando parábolas celestiais, eu não sei se Jehová vai-se aproximar. Pode ser ainda verdade que tudo isto seja uma má imitação de outras terras e de outras culturas, como aqueles que obrigam as negras a emagrecer para participarem numa passagem de modelo, quando é dado irrefutável que a elegância da negra está na fartura de carnes.
Mas tudo isto pode significar que estamos em delírio. Senão as mulheres não seriam consagradas bispas e autorizadas a subir ao altar para proferir sermões, com os homens a escutarem cabisbaixos, quando Deus determinou que a cabeça da mulher é o homem. E se assim é, como é que uma mulher vai pegar na bíblia para orientar o povo? Isso no mínimo é um vitupério. Por isso não admira que essas mesmas mulheres vão aos concursos corais vestindo mini-saia. Ainda por cima para cantar a Bíblia. E todos nós batemos palmas.
(outro prisma sobre o IDAI)
O ponto de partida para que quase todos os quadrantes do mundo, hoje, preocupem-se com o meio ambiente, foi a Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII. Com a evolução da indústria na diáspora europeia, coadjuvada pela frenética pressão das ideias liberais e de acumulação do capital, abriu-se um precedente na história da deterioração dos ecossistemas pela acção humana. A contaminação de rios e do ar por poluentes; o despejo de produtos químicos nocivos; o smog em Londres, conhecido como "a névoa matadora" e, mais à frente, os bombardeamentos atómicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki, realizados pelos Estados Unidos contra o Império do Japão; foram acontecimentos que, pela magnitude do seu impacto, fizeram brotar a consciência sobre a necessidade de se assumir uma forma de estar dos países sem, no entanto, prejudicar as gerações vindouras.
Houve entre os anos 1970 e 1990 uma série de acordos, convenções e leis, que surgiram com a finalidade de tornar o crescimento económico menos nocivo ao meio ambiente. Este assunto beliscou atenção de ambientalistas como Rachel Carson e da comunidade científica que preocupada com único objecto de estudo (meio ambiente), concluiu que o principal factor da deterioração da atmosfera é a acção humana com foco na industrialização. Ela é responsável pelo acelerado aquecimento do planeta dada a alta concentração de gases do efeito estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). A grande herança destas acções nocivas foi a destruição da camada de ozono que traz os perigosos raios ultravioletas do Sol que atingem a superfície da Terra. Acções nocivas dos países do ocidente tiveram impactos sobre o meio ambiente em solo africano. Evidências mostram que, sendo África o continente que se localiza nos dois principais hemisférios, quer a destruição do ozono, quer a o agravamento do efeito estufa, têm impactos directos sobre sua temperatura e afectam a saúde, o meio de vida, a produtividade agrícola, a disponibilidade de água e a segurança geral do povo africano. Sobem os níveis do mar pelo aquecimento global e, por conseguinte, ocorre a erosão costeira. As secas, o stresse causado pelo calor e as enchentes levaram à redução da produtividade nos campos de cultivo e na pecuária. As doenças trazidas pelo aumento da temperatura, ilhas de calor e pela baixa qualidade do ar. Estes problemas causados à agricultura e pecuária por conta da agressão aos ecossistemas pelo ocidente abriram outro precedente em África. Os povos africanos, sobretudo os rurais, passaram a exercer maior pressão sobre o meio como queimadas descontroladas à busca de alternativas de subsistência. Isto pressupõe que os fenómenos atmosféricos que assolam África pela sua vulnerabilidade, não teriam igual impacto se os países ocidentais industrializados não tivessem indiscriminadamente agredido o meio ambiente ao longo da história.
Sucede que várias conferência já foram realizadas sobre o meio ambiente e desenvolvimento. Desde o “Eco-92” ao COP21, os países industrializados vem prometendo ressarcir aos países de economias periféricas pela noção do impacto das suas acções sobre os estados afectados sem quaisquer culpas. A Agenda 21 que estabelece a pertinência de cada país comprometer-se a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual organizações e todos os sectores da sociedade poderiam encontrar soluções para os problemas ambientais, não mereceu o devido respeito se observarmos o que a história registou enquanto atitude por parte de quem realmente tem obrigações. Os países do "primeiro mundo" não ressarciram os periféricos. As acções observadas, mais do que serem insuficientes e incomparáveis às enxurradas de doações à Notre-Dame que quase se engasga pelo entulho pecuniário, quando deviam ter um carácter de cumprimento de obrigação, vestiram traje de filantropia. A honestidade intelectual manda dizer que Moçambique é parte integrante dos povos afectados pelas acções dos países ocidentais industrializados. Recentemente, em Março de 2019, Moçambique foi violentamente atingido pelo ciclone IDAI que se mostra até hoje com sinais indeléveis. Das reacções vindas do exterior, sobretudo dos países industrializados, tiveram na íntegra uma catalogação altruísta. A honestidade, justiça e “desbranqueamento” da história não foi tão forte ao ponto de nenhuma força externa ter feito menção ao cumprimento de dever.
Ora, este tratamento dividiu opiniões na esfera pública. Uns prestaram vénia à atitude e outros como o escritor angolano José Agualusa assumiram tal atitude como algo que não estivesse além das obrigações dos países industrializados. Uma espécie de reconciliação com a história. É precisamente esta posição de Agualusa com qual me identifico, a dívida ocidental que nunca foi paga à “plebe” e o injusto “ruído” da filantropia.
Circle Langa
Não precisamos de despejar – do camião basculante que somos - sobre a cabeça deles, o graniso das nossas dores acumuladas. Bastam as palavras buriladas nas canções que ainda vamos cantar. Não precisamos irmãos, de acender os pneus da nossa revolta nas ruas construídas com o sangue dos nossos antepassados e com o nosso sangue também. Nem de lançar o fogo sobre as viaturas espampanantes que eles compraram com as feridas da nossa fome. Nada! Vamos deitar as lanças ao chão e preparar os nossos corpos para a dança porque a noite está a chegar ao fim. Está a amanhecer.
Somos o feixe da lenha cortada nas matas sugadas pela cobiça sem fim. Ninguém nos quebrará. À um feixe não se quebra. Somos a avalancha que está a vir e eles estão com medo. Tremem nos poros da insensatez. Estão constantemente a mergulhar as pálpebras do coração frio no vinho tinto alagado de sangue. Estão de alaia numa vigilância vã, porque a casa deles não tem a guarda da razão. Mas o maior medo que lhes habita é das canções que ainda vamos cantar nas praças, agradecendo o raiar do Sol que terá chegado para todos.
A melodia das canções compostas nas nossas frustrações, e a força premonitória que elas irão transportar, vai-lhes penetrar como lâminas implacáveis, cortando-lhes aos pedaços o coração que nunca tiveram. Muitos deles fugirão daqui para lugares onde jamais encontarão a paz. Outros ficarão escondidos em buracos reais e imaginários. Temerão as suas próprias sombras e chegarão ao ponto de não saber se estão vivos ou se estão mortos. Outros ainda optarão pelo suicídio. Mas tudo isso será o claro sinal de que a noite para nós terá chegado ao fim.
Nós não somos a albufeira. Somos o rio em si que vibra, lançando para as margens toda a escória. Hevemos de oferecer flores aos pombos nesse dia que está perto, e a melancolia da rolas, nesse mesmo dia, vai ressurgir retumbante nas nossas vozes. Cantaremos canções antigas do Machongueze, que usava o seu pànkwè para dar vazão aos sentimentos. Profundos. Entretanto calcinados pela megalomania deles. Cantaremos, irmãos, nesse dia que está perto, a música de Salvador Maurício, “Os ratos roeram tudo/Amor acabou/Tristeza ficou/A vida caíu na miséria”.
As praças estão à nossa espera para nos acolher no testemunho das estátuas. Onde acamparemos dias e dias cantando em homenagem ao amanhecer. Ao fim da noite. Estaremos lá sem armas porque a violência não faz parte da nossa formação. As nossas armas são as palavras interrompidas pelas balas e pelas marretas e pelas poções de veneno. São essas palavras feitas canções que levaremos às praças nesse dia que está perto.
Jubilaremos como David, engrandecido pela sua humildade. Somos o rastilho da paz, aceso para explodir na dinamite do amor. Somos a catarata das águas que beberemos daqui a pouco nesta longa espera. Nesta longa luta das mentes onde passamos a vida toda na penumbra. Fazendo corte aos abastados sentados por sobre os lombos da nossa desgraça. Mas essa longa noite está chegando ao fim, irmãos. Está a amanhecer.
O meu livro teve o seu lançamento na passada 2a feira, no auditório do BCI, com a sala preenchida com imensos amigos, os grisalhos ganharam por larga maioria. Senti-me feliz com a presença dos meus companheiros da Associação Académica, dos grandes escritores Luís Bernardo Honwana e João Paulo Borges Coelho, de personalidades por quem tenho enorme respeito (Rui Baltazar, Magid Osman, Hélder Martins, José Norberto Carrilho), de colegas e, sobretudo, de tanta gente amiga da minha geração. Foi uma cerimónia simpática, com bonitos discursos de José Furtado, em representação do BCI, de Nelson Saúte, o meu editor, de Calane da Silva, que fez uma generosa apresentação do livro (discursos em anexo).
José Furtado foi pródigo em dar-me títulos elogiosos (professor, director, bastonário, especialista), até falou do surgimento de um romancista (lamento desiludi-lo). E confessou não ter resistido a pugnar por um final feliz para aquela empolgante história de amor. Estamos de acordo, sou sempre pelo final feliz, como nos bons tempos de Hollywood (a história de amor tem um final feliz; mas a história maior?).
O Nelson fez uma confissão diferente: No início de 2018, o Álvaro perguntou-me se eu poderia ler o livro dele. Confesso que fiquei sobressaltado. Para além de o ler, ele quereria que eu o editasse. Quando criei a Marimbique, há mais de 15 anos, perseguiu-me um objectivo simples: publicar os livros de que gostasse. Ora, quando um amigo, que se estreia, nos entrega um original, coloca-nos perante um embaraço: e se o livro for mau? Como se diz a um amigo que o livro que nos confia não merece o nosso entusiasmo? Felizmente para mim, o Nelson achou que o livro passava, foi a minha sorte porque é um magnífico editor, à moda dos bons editores ingleses. Ele falou, a dado ponto das infindáveis correcções do autor, que me lembrou um poeta célebre que se transformava num terror para os editores pois que, sempre que tinha provas para rever, devolvia-as num livro praticamente novo. O Nelson não sabia que o meu nome do meio é Picuínhas.
No seu discurso, disse coisas que para mim também são muito importantes:
A escola, a universidade e os meios de comunicação deixaram de ser lugares e circunstâncias de promoção do gosto pela leitura. Existem gerações inteiras que fazem cursos universitários sem terem lido ou praticado o hábito da leitura de livros, de todo o género de livros. Leram fotocópias, escarrapacharam os artigos que viram na Internet e que copiam para as suas dissertações enganosas. … Vejo com dramatismo esta situação. Que futuro se pode haurir de um país que se afunda na ignorância e na incultura?
O Calane também fez muitos elogios na sua cuidada e pormenorizada análise de “Um Rapaz Tranquilo”, considerando-o simultaneamente como um diário memorialista, um romance e um texto epistolar, saudando-me pela coragem na abordagem deste tema de pluralidades ideológicas e identitárias, de memória, de retrato e análise de bons e maus momentos por que passou o país e suas gentes no antes e no depois da conquista da independência, um tema tratado com minúcia e sem rodeios.
Eu fui o último a falar, numa intervenção sem gravata. Contei do porquê do livro, fiz os agradecimentos devidos – não por serem da praxe mas porque eram sentidos – e disse umas piadas sem muita graça. Também assinei autógrafos. E o meu estimado Notícias publicou uma extensa reportagem sobre o lançamento, graças ao Leonel Matusse.
Apesar do cuidado posto na revisão, o livro ainda tem erros, já tem uma errata. Agradeço que me vão informando do que forem descobrindo ao longo das vossas leituras.
E pronto, o capítulo literário da minha vida está encerrado, não vos maço mais com “Um Rapaz Tranquilo” e as minhas memórias imaginadas.