Esta terça-feira, a Tanzânia, no extremo norte de Moçambique, registou o seu primeiro óbito. Trata-se de um homem de 49 anos de idade que sucumbiu à pandemia em Dar-es-Salam. De acordo com a última actualização, a África do Sul, gigante económico do continente africano e vizinho de Moçambique, registou 1326 casos e três óbitos.
A comissão de Direitos Humanos da África do Sul diz que continuará a monitorar a observância dos direitos humanos durante a vigência do bloqueio de 21 dias.
Num comunicado divulgado esta terça-feira, a comissão informou estar a par das imagens que circulam nas redes sociais, dando conta do uso excessivo da força por parte de alguns elementos do exército e da polícia contra pessoas que não cumprem as restrições impostas durante o bloqueio.
O Zimbabwe disponibilizou 600 milhões de dólares para apoiar um milhão de famílias vulneráveis nos próximos três meses para mitigar o impacto do Covid-19. No país vigora desde segunda-feira o bloqueio total de 21 dias para conter a propagação da pandemia.
Caso seja necessário, recursos adicionais poderão ser alocados, enquanto os sectores produtivos da economia receberão alguns incentivos fiscais para reduzir o impacto do Covid-19
Estas medidas foram anunciadas pelo ministro zimbabueano das Finanças e Desenvolvimento Económico, Mthuli Ncube. O presidente do Zimbabwe, Emerson Mnangagwa, disse que o bloqueio de 21 dias não é um castigo, mas sim uma oportunidade para salvar o povo do Zimbabwe. Até agora, Zimbabwe confirmou sete casos de coronavírus com uma morte.
Na Zâmbia, o número de casos confirmados subiu para trinta e cinco. No entanto, um paciente permanece gravemente doente. O país poderá decretar o “lockdown” caso seja necessário. Outro vizinho de Moçambique, o e-Swatini, confirmou até agora nove casos sem nenhum óbito.
Por seu turno, o Malawi, um pequeno país de dezoito milhões de habitantes encravado dentro de Moçambique, ainda não registou nenhum caso de coronavírus.
As autoridades malawianas decretaram estado de desastre nacional por tempo indeterminado com o encerramento de escolas e universidades, mas as fronteiras continuam abertas. Moçambique partilha a mesma fronteira com a África do Sul, e-Swatini, Zimbabwe, Zâmbia, Malawi e Tanzânia.
Por razões sócio-económicas vivem e trabalham naqueles países milhares de moçambicanos. Ao nível global foram confirmados 801061 casos de coronavírus com 38749 mortos.
Faustino Igreja
É já um dado adquirido que os moçambicanos terão, nos próximos dias, de ficar em isolamento no contexto da mitigação da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Esta segunda-feira, o Chefe de Estado decretou o Estado de Emergência para todo o território nacional, a começar às 00:00 horas do dia 01 de Abril até ao próximo dia 30 de Abril.
O Centro de Integridade Pública (CIP) apresenta, na sua mais recente newsletter, um conjunto de propostas que devem ser adoptadas pelo Governo, no quadro da declaração do Estado de Emergência, cujo objectivo central é evitar a propagação vertiginosa da pandemia em território nacional.
Para já, entende a organização da sociedade civil que o Governo deve investir com particular atenção na protecção social das camadas mais desfavorecidas. Essencialmente, o CIP assenta as propostas que traz em três pilares: “A segurança de rendimento, protecção social e protecção de emprego; reforço das medidas de prevenção (sector da saúde); e a cadeia de distribuição e comercialização”.
Estatísticas oficiais, de acordo com o CIP, apontam que entre 55 a 60% da população vive na pobreza no país, o que equivale a cerca de 18 milhões de moçambicanos e o Executivo gasta abaixo de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) para apoiar os agregados familiares pobres e vulneráveis em forma de assistência social.
Prossegue, esta organização da sociedade civil, que 88% da população economicamente activa trabalha no sector informal, incluindo a agricultura de subsistência, advertindo, no entanto, que qualquer medida de isolamento para conter o alastramento da pandemia sem tomar em conta o real quadro do país não surtirá os efeitos pretendidos.
Dados tornados públicos, esta segunda-feira, pela Directora Nacional de Saúde Pública, Rosa Marlene, apontam para o não registo de qualquer infecção pela Covid-19 nas últimas 24 horas, tendência que se vem registando desde domingo último. Marlene, que falava na tarde de ontem, em Maputo, no balanço diário da evolução da pandemia, avançou que o país continua com oito cidadãos infectados pelo novo coronavírus.
No domínio da “segurança do rendimento, protecção social e protecção de emprego”, o CIP defende que para que as pessoas possam, de facto, isolar-se deve haver segurança dos seus rendimentos, dedicando atenção particular às que se encontram no sector informal.
Para este último grupo (sector informal), considerou, entre outras, a organização, o desembolso de um pagamento único, independentemente do seu histórico de contribuição, ao já inscrito no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS); os informais inscritos no Instituto Nacional de Acção Social (INAS), sejam elas beneficiárias ou pessoas na lista de espera, desembolso de subsídios equivalentes ao dobro do subsídio actual durante os próximos seis meses; aos trabalhadores informais que não estão inscritos nem no INSS e nem no INAS, a opção a curto prazo seria a introdução de uma cesta básica e, a longo prazo, a sua integração na lista de espera do INAS e promover a sua inscrição no INSS.
Igualmente, neste pilar, o CIP afirma: “alguns serviços essenciais terão de continuar incluindo: venda de produtos de primeira necessidade (alimentos e medicamentos), segurança, transporte, etc. Devem ser introduzidas medidas de higiene e segurança no trabalho, incluindo acesso à água e saneamento, e a pulverização de espaços públicos. Neste aspecto, os órgãos de governação descentralizada têm um papel crucial, uma vez que têm a dimensão contextual de cada província/município e podem desenhar medidas que se enquadram em cada área territorial; devem ser evitadas medidas punitivas, optando pela sensibilização e diálogo, em vez de uso de medidas de repressão. O CIP reforça que as associações de trabalhadores informais devem ser incluídas no processo de decisão de medidas que afectam este sector”.
Para o caso dos trabalhadores do sector formal, a segurança do rendimento, de acordo com esta organização, “requer maior flexibilidade no processo laboral, de modo a poder trabalhar desde casa, onde possível; a prevenção de discriminação e exclusão relacionada ao Covid-19; a extensão do subsídio por doença (do INSS) àqueles que estão doentes, em quarentena ou cuidando de doentes; férias colectivas remuneradas em casos em que as empresas têm de suspender as suas actividades temporariamente; e a aplicação de rigorosos procedimentos, incluindo no cálculo de indemnizações, em casos em que as empresas têm de fechar as suas portas permanentemente”.
No sector da Saúde, o Centro de Integridade Pública, sem o desprezo das que vêm sendo implementadas, insta o reforço das medidas de prevenção no país e apresenta algumas propostas complementares.
No rol das propostas, o CIP destaca a necessidade de “solicitar apoio dos órgãos locais do estado para mobilizar secretários dos bairros e régulos para dar suporte às Direcções Provinciais de Saúde na monitoria do estado de saúde dos moçambicanos recém-chegados da África do Sul; identificar hospitais (ou centros de tratamento) que tratem enfermidades relacionadas apenas com síndromes gripais (sabe-se que já foi feito para Covid-19), a sugestão aqui é encaminhar as pessoas que tenham sintomas de gripe no geral para centros devidamente identificados; Pode-se recorrer a campos de jogos para isolar pessoas com essas enfermidades das outras; e apetrechar, através do reforço de equipamento, camas e condições adequadas para funcionamento, os hospitais e centros de saúde já existentes de modo a garantir o tratamento efectivo desta e outras enfermidades minimizando as infecções”.
Ainda no reforço das medidas de prevenção, o CIP sugere a inclusão da Associação de Médicos Tradicionais (AMETRAMO) para que estes ajudem na divulgação das mensagens nas comunidades; usar o braço social das igrejas para disseminar medidas de prevenção e informações sobre a Covid-19 junto dos seus fiéis; “recorrer ao serviço de mensagens (sms) enviadas através das redes de telefonia móvel, para mandar mensagens mais enriquecidas em termos de conteúdo, por exemplo, sugerindo reforço de medidas de prevenção (lavar as mãos e permanecer em casa); indicando os números de emergência em caso de mal-estar por sintomas gripais (estas mensagens podem ser disseminadas igualmente em línguas nacionais) Instruir as televisões pública e privadas a difundir mensagens de prevenção de forma inclusiva, incluindo linguagem gestual e línguas nacionais, e enfatizando o papel crucial da mulher que exerce a educação das crianças”.
Na cadeia de distribuição e comercialização, a organização da sociedade civil propõe que o Governo deve “manter em funcionamento os estabelecimentos de venda de bens e serviços de primeira necessidade e sectores de suporte, bem como dar continuidade à monitoria de possível especulação de preços; mapear agricultores com excedentes agrícolas, por exemplo Niassa, Tete e Manica, comprá-los e usar todos os meios de transporte disponíveis para abastecer províncias com défice de produção; disponibilizar insumos agrícolas e incentivos para produção acelerada de alimentos nas zonas agro-ecológicas, deve iniciar o quanto antes; e iniciar campanha de promoção de hortas caseiras a nível nacional”.
O Centro de Integridade Pública aponta como principal desafio do Governo a disponibilidade de recursos para financiar acções que possibilitem um isolamento social de toda a população. (Carta)
Moçambique estagnou, desde o último sábado, em relação ao número de pessoas infectadas pelo coronavírus (Covid-19). Esta segunda-feira, o Ministério da Saúde (MISAU) informou que o país continua com apenas oito pessoas infectadas pelo novo coronavírus, sendo que seis são casos importados e dois são de transmissão locais.
Porém, apesar destes dados, segundo a Directora Nacional de Saúde Pública, Rosa Marlene, que falava no seu habitual briefing à imprensa, sobre a actualização de dados sobre os efeitos da Covid-19 no território nacional, “estes dados não podem iludir as pessoas, tendo em conta que se trata de casos iniciais e, se formos a reparar, a partir do anúncio do primeiro caso até ao oitavo, houve uma evolução rápida”.
“Não nos devemos, em nenhum momento, iludir. A epidemia pode ser silenciosa, mas de facto os casos podem estar a ocorrer, então, temos de ficar atentos e fazermos a vigilância activa, fazendo a testagem de todos os pacientes com sintomas gripais e tomar as medidas preventivas para que a evolução continue sendo lenta”, afirmou.
Nas últimas 24:00 horas, disse Marlene, foram testados, pelo Instituto Nacional de Saúde (INS), 14 casos suspeitos e todos se mostraram negativos. Até esta quarta-feira, o INS havia testado um total de 231 casos suspeitos.
A Directora Nacional de Saúde Pública avançou ainda que, actualmente, o país conta com 124 contactos que estão, neste momento, recebendo assistência do sector da saúde. Referiu, entretanto, que infelizmente tem sido notórios ainda os casos em que as pessoas não estão a cumprir com as recomendações do Presidente da República sobre as enchentes em locais públicos.
“Temos estado a notar que as pessoas continuam em reuniões de mais de 50 pessoas, o que não podemos e nem devemos, tendo em conta que estes eventos sociais são de várias ordens, como praias, celebrações religiosas, fúnebres, entre outras”. (Marta Afonso)
Depois de, no último domingo, “Carta” ter trazido algumas evidências de que alguns médicos, enfermeiros e assistentes da saúde têm estado a trabalhar desprotegidos em meio a uma pandemia que assola o mundo e que, só em Moçambique, já infectou oito indivíduos, dos 223 suspeitos, o sector da saúde veio, esta segunda-feira, dar a sua explicação.
“O ideal seria que, em todas as unidades sanitárias, tivéssemos material de protecção e é o que queremos fazer. Neste momento, recebemos material de protecção que estamos a distribuir e esse material será priorizado àquelas pessoas que trabalharem directamente com pessoas com suspeita de coronavírus”, disse a Directora Nacional de Saúde Pública, Rosa Marlene, no início da sua explicação, quando abordada pela nossa reportagem acerca do cenário testemunhado pelo Jornal, nas maiores unidades sanitárias da cidade de Maputo e do país.
“Carta”, lembre-se, fez uma ronda pelos Hospitais Gerais de Mavalane, José Macamo e pelo Hospital Central de Maputo (HCM), onde constatou que, em diversos departamentos, era possível verificar que alguns funcionários da saúde não traziam máscaras, luvas e, em alguns casos, falta de cuidado em desinfectar as mãos antes e/ou depois de atender os pacientes.
“O que vamos fazer é a instalação de uma entrada nas unidades sanitárias e vamos colocar pessoas completamente equipadas para fazer o rastreio e todo aquele que, clinicamente, se chegar à conclusão de que se trata de alguém que está, possivelmente, com coronavírus, vai ser orientado para uma unidade sanitária dedicada para este tipo de doentes. Mas se se chegar à conclusão clínica de que não se trata de coronavírus, mas sim de uma infecção que pode ser uma pneumonia normal, então, estes vão para outros locais que talvez, pela quantidade de material que temos, nestes casos, nem todas as pessoas terão de estar completamente equipadas”, explicou Rosa Marlene. Contudo, Marlene afirmou que o sector da saúde vai garantir que os que estiverem na linha da frente, a ver os pacientes com sintomas do coronavírus, estejam completamente protegidos.
Questionada sobre a existência ou não de equipamento suficiente para a protecção dos médicos, Marlene respondeu: “não há equipamento suficiente, no sentido de que há pessoas que não estão expostas e não estão em alto risco de se infectar, através dos doentes. Mas, aquelas pessoas que lidam directamente com os pacientes suspeitos, como por exemplo as pessoas que atendem os doentes para fazer a triagem, estão equipados e os que também vão atender estarão equipados e os equipamentos que temos são diferenciados consoante o nível de risco a que as pessoas estão expostas”, acrescentou. (Marta Afonso)
É uma situação que contada parece mais uma peça teatral da Companhia Teatral Gungu. Mas não. Aconteceu. E aconteceu num dia em que a Edilidade da capital do país lutava com os vendedores informais, da baixa da cidade.
Foi no passado dia 13 de Março, por volta das 16:00 horas, que cinco agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), afectos à 1ª Esquadra da PRM, na Cidade de Maputo, torturaram dois funcionários da Companhia Teatral Gungu, alegadamente porque pretendiam extrair confissões dos mesmos.
Conforme consta numa participação submetida à Procuradoria-Geral da República, a nível da Cidade de Maputo, os cincos agentes, um deles identificado por Luís Caranguejo, terão “chamboqueado” um dos colaboradores que, segundo apuramos, havia sido operado no ano passado.
Segundo consta do documento em nossa posse, nesse dia, o referido funcionário foi agredido com 16 chambocos, 10 nas nádegas e seis em diferentes partes do corpo. Durante a agressão, diz a nota, “um dos agentes terá pego numa lâmina e cortado certas partes do corpo”. A nota sublinha que a tortura se prolongou até às 10:00 horas do dia 14 de Março.
Conforme contam colegas próximos dos funcionários torturados, que trabalham naquela companhia teatral há mais de seis anos, tudo começou quando a direcção da empresa, alegadamente, notou o desaparecimento de certo equipamento de produção de programas televisivos, tendo sido acusado o referido funcionário por ter sido um dos primeiros a chegar naquele local de trabalho.
Nesta senda, narram as nossas fontes, os responsáveis da instituição encontraram no “desaparecimento” do equipamento, uma forma de se “livrar” de alguns funcionários, visto que a pressão dos trabalhadores já era maior, devido aos atrasos salariais, falta de contratos de trabalho (de funcionários com mais de três anos), despedimentos constantes e sem justa causa, a falta de pagamento da segurança social obrigatória e pagamento de salário em numerário para fugir ao fisco.
Segundo apuramos, os dois jovens terão sido torturados na 1ª Esquadra da PRM, por recomendação da direcção da Companhia, actualmente representada pela actriz Joanete Rombe, porém, garantem as fontes, com anuência do proprietário, Carlos Gilberto Mendes, actual Secretário do Estado do Desporto, conforme demonstram as mensagens trocadas entre os funcionários violentados e o proprietário da instituição.
Numa das mensagens trocadas, um dos funcionários comunica que fora torturado pela Polícia e, em resposta, Gilberto Mendes diz: “porquê abriste, se o MC tinha dito para não mexeres? E porquê desapareceu o que tu querias ver e mais nada? Eu não vou interceder. O processo vai andar e vocês vão esperar pelo julgamento na cela. Depois de cumprirem os cinco anos de pena vão procurar saber quem foi o vosso colega que vos quis prejudicar. Eu não me posso sacrificar por você para ser apunhalado pelas costas”.
A versão da Gungu e arrogância da Joanete Rombe
Na tarde desta quinta-feira, a nossa reportagem entrou em contacto com Joanete Rombe para ouvir a versão da Direcção da Companhia e estação televisiva. Num tom agressivo e intimidatório, Rombe disse que tudo não passava de fofoca e que iria processar o nosso Jornal, caso o assunto fosse veiculado.
Rombe afirmou que os funcionários são “ladrões” e que irão responder em Tribunal porque o processo já estava a correr na polícia. Acrescentando, a fonte avançou que não estavam a pagar os salários, devido ao COVID-19.
Com tiques de arrogância, Rombe foi respondendo as nossas questões aos berros, durante os 30 minutos de conversa. Disse que na Companhia Teatral Gungu, assim como na Gungu TV, não havia despedimentos compulsivos e sem indemnização e que os referidos funcionários estavam de férias, uma versão que os visados não confirmam.
Rombe nega que tenha dado orientações aos agentes da PRM para que torturassem os funcionários em questão, mas reconhece que a Polícia terá levado os mesmos e que os advogados da instituição iriam mover céus e montanhas para que os funcionários pagassem o material em questão.
“Carta” procurou ouvir Carlos Gilberto Mendes, mas sem sucesso.
Comando Provincial da PRM na Cidade de Maputo
No intuito de entender o modus operandi dos agentes envolvidos, “Carta” interagiu com Leonel Muchina, Porta-voz da Corporação, na capital do país, tendo dito que não tinham registado essa ocorrência. Sublinhou: “em todas as Esquadras da Polícia da República de Moçambique não existe tortura”.
Muchina explicou que os processos recebidos nas Esquadras são encaminhados para o Serviço Nacional de Investigação Criminal para dar seguimento e que há respeito pelos direitos humanos. “Este não é nosso procedimento, não existe tortura em todas as esquadras do país”, assegurou a fonte.
Refira-se que o processo encontra-se a correr na Procuradoria-Geral da República, na Cidade de Maputo, há mais de uma semana, tendo inclusive os funcionários em questão reunido provas e exames feitos num médico legista. (Omardine Omar)
Está iminente a declaração do Estado de Emergência, na República de Moçambique, devido à propagação do novo coronavírus, pandemia que já infectou cerca de 700 mil pessoas, em todo o mundo, das quais oito no território nacional. A recomendação saiu da Primeira Sessão do Conselho de Estado para o quinquénio 2020-2024, que teve lugar na passada sexta-feira, em Maputo.
Composto por 21 membros, o Conselho de Estado usou das suas competências, descritas na alínea b) do artigo 165, da Constituição da República, conjugado com a alínea b) do artigo 2, da Lei n˚ 5/2005 de 1 de Dezembro, que regula a organização do Conselho de Estado e define o estatuto de seus membros, para aconselhar Filipe Jacinto Nyusi a enveredar pela declaração do Estado de Emergência, como forma de conter a propagação do Covid-19.
De acordo com a Constituição da República, no seu nº 1, do artigo nº 281, o Estado de Emergência só pode ser declarado, no todo ou em parte do território, “nos casos de agressão efectiva ou eminente, de grave ameaça ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública”.
O Covid-19, tal como referimos, já infectou oito pessoas, sendo seis casos importados e dois de transmissão local. Todos os casos foram identificados na cidade de Maputo, sendo que os infectados já mantiveram contacto com 103 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde. No total, já foram testados 217 casos suspeitos.
Aliás, ontem, a Directora Nacional da Saúde, Rosa Marlene, admitiu haver falhas no rastreio das pessoas com sintomas da pandemia Covid-19, bem como no acompanhamento de cidadãos que vivem distante, o que revela o risco a que o país está exposto face à pandemia.
Mais de 20 países declararam o confinamento obrigatório, em todo o mundo, como forma de evitar a propagação da pandemia, que já causou mais de 32 mil óbitos, sendo 10 mil na Itália, o país mais arrasado pela doença. Na África Austral, alguns países também optaram pelo recolher obrigatório, como a África do Sul e a Angola. Já o Zimbabwe e o Reino de eSwatini optaram pela restrição de entrada de cidadãos estrangeiros, excepto os que residem e trabalham naquelas nações vizinhas.
Para perceber os impactos sócio-económicos que o Estado de Emergência poderá ter no país, “Carta” conversou com Tomás Vieira Mário, Director-Executivo do Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação – SEKELEKANI e João Feijó, investigador auxiliar e coordenador do Conselho Técnico do Observatório do Meio Rural, uma organização da sociedade civil que se dedica à pesquisa de temáticas agrárias e desenvolvimento rural.
Os dois académicos defendem que qualquer medida que for tomada, com vista a conter a propagação do Covid-19, no âmbito do Estado de Emergência, deverá ter em conta a realidade económica do país.
“Não se pode copiar de forma mecânica o que foi feito pela África do Sul”, Tomás Vieira Mário
Admitindo que a declaração de Estado de Emergência, no território nacional, é oportuna, tendo em conta a propagação da doença, Tomás Vieira Mário defende que qualquer medida a ser tomada deverá ter em conta as características específicas, em particular económicas, do país.
Mário rejeita qualquer hipótese de confinamento total da população, afirmando que, se tal acontecer, as medidas podem ser mais devastadoras para o tecido social moçambicano que os próprios efeitos do novo coronavírus.
“Não se pode copiar de forma mecânica o que foi feito pela África do Sul ou outros países. Coloco fora de hipótese o fecho total do país, porque o país não tem condições para tal”, afirma o também Presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, advogando a possibilidade de o Presidente da República declarar um Estado de Emergência parcial, restringindo a circulação numa determinada área ou em certos períodos do dia.
“Esta será a maior crise, depois da guerra”, João Feijó
Por seu turno, João Feijó afirma: “qualquer medida a ser tomada não pode ser vista sob ponto de vista médico, mas também sob ponto de vista económico”.
Feijó defende que o país irá enfrentar a maior crise, depois da guerra civil, apesar de sublinhar que nenhum país está preparado para enfrentar esta crise e muito menos para ficar confinado.
“É preciso que se tome cuidado com as medidas a serem tomadas, tendo em conta a situação económica do país, pois, Moçambique não se pode comparar com a Itália, África do Sul ou mesmo qualquer país da região. Cada país tem as suas especificidades”, afirmou a fonte.
Por essa razão, Feijó revela que o seu maior receio não são precisamente os efeitos que a doença poderá causar ao país, mas a situação em que estarão as famílias moçambicanas, caso o Presidente da República opte pelo confinamento total dos cidadãos.
“Podemos ter uma revolta de fome. Estamos num país que depende de doações e é irrealista que o país poderá ter apoios para garantir a assistência alimentar às famílias. Pela primeira vez, o país vai contar consigo mesmo. O período também não permite que se mobilize pessoas a produzir produtos básicos para a alimentação”, referiu a fonte, sublinhando a necessidade de a sociedade ser solidária para garantir a eficácia das medidas a serem tomadas com vista o combate desta pandemia.
“É necessário que a sociedade seja solidária, pois, temos a mania de ignorarmos o outro. Quem tem trabalhador deve continuar a pagar salário. Não podemos contar com o Estado porque o nosso Estado é frágil”, sublinhou a fonte.
Referir que o Estado de Emergência pode durar até 30 dias, de acordo com o artigo 283, da Constituição da República, sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram a sua declaração.
Durante esse período, determina o artigo 286 da Lei Fundamental, podem ser tomadas algumas medidas restritivas da liberdade das pessoas, tais como a obrigação de permanência em local determinado; detenção; detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; busca e apreensão em domicílio; suspensão de liberdade de reunião e manifestação; e a requisição de bens e serviços.
Lembre-se que, no passado dia 20 de Março, o Presidente da República anunciou a suspensão de aulas em todos os estabelecimentos públicos e privados, desde o ensino pré-escolar até ao superior; a não organização de eventos que contem com a participação de mais de 50 pessoas, salvo actividades de interesse estritamente público; a suspensão da emissão de vistos de entrada para Moçambique; a imposição de medidas de protecção por todas as instituições públicas e privadas; o reforço das medidas de vigilância para se garantir o pleno funcionamento da cadeia de abastecimento; e a obrigatoriedade de quarentena domiciliária de 14 dias para todos os viajantes, que estiveram em países com casos confirmados de Covid-19. (Abílio Maolela)