Quinhentos e dezasseis (516) supostos terroristas foram detidos na vizinha República Unida da Tanzânia, desde o ataque terrorista levado a cabo àquele país da região da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), em meados de Outubro último.
A informação foi avançada este fim-de-semana pelo Chefe da Polícia Tanzaniana, Simon Sirro, à margem da assinatura de um Memorando de Entendimento entre esta e a Polícia moçambicana, tendo avançado que os indivíduos serão extraditados para Moçambique, onde serão julgados por crimes alegadamente cometidos na província de Cabo Delgado.
Segundo a fonte, os detidos fazem parte do grupo que terá atacado a região de Kitaya, naquele país vizinho, em Outubro passado. Entre os detidos, revelou, fazem parte cidadãos tanzanianos, moçambicanos, somalis, ugandeses, burundeses, congoleses e ruandeses. Os mesmos encontravam-se “refugiados” no território tanzaniano, devido às ofensivas das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
Já o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, afirmou que a informação disponibilizada pelas autoridades tanzanianas tem contribuído para travar o terrorismo, na província de Cabo Delgado. Sublinhou que a cooperação com a Tanzânia visa obter, de forma pormenorizada, as motivações das acções terroristas protagonizadas pelo grupo. (Carta)
Duas crianças perderam a vida e outras três encontram-se feridas, no distrito de Gondola, província de Manica, vítimas da explosão de uma granada, ocorrida semana finda, na região de Zimpinga 1, no Posto Administrativo de Amatongas.
Segundo apuramos, os menores, com idades compreendidas entre cinco e 12 anos de idade, terão encontrado o engenho nas matas daquela região, durante um passeio rotineiro em busca de cogumelos. Após encontrar o explosivo, conta a família, os petizes terão levado este para casa, a fim de descobrir de que tipo de objecto se tratava.
Chegadas em casa, as cinco crianças, por desconhecimento, começaram a destruir o engenho, com recurso a prego, o que causou a explosão. Aliás, a família, que também não conhecia o engenho, conta que durante o processo de “destruição”, o mesmo terá libertado algumas faíscas, algo que não foi tido em conta pelos petizes e muito menos pelos mais velhos. Duas crianças perderam a vida no local e duas encontram-se internadas no Hospital Provincial de Chimoio. A quinta vítima foi transferida para o Hospital Central da Beira.
Moradores de Zimpinga 1, ouvidos pela nossa reportagem, responsabilizam o Estado pela tragédia, pois, no seu entender, a guerra de desestabilização terminou há 28 anos, pelo que, não encontram razões para a manutenção de engenhos explosivos naquela região. Lembram que aquele ponto do país foi declarado “livre de minas”, depois do trabalho de desminagem feito pela ONUMOZ e diversas empresas de desminagem.
Referir que “Carta” não conseguiu obter qualquer reacção por parte das autoridades policiais. (Carta)
O Ministério da Saúde (MISAU) anunciou, esta segunda-feira, a ocorrência de mais duas vítimas mortais, causadas pela Covid-19, elevando o total de óbitos para 126. Trata-se de dois pacientes do sexo masculino, de 62 e 64 anos de idade, que faleceram ontem, na cidade de Maputo.
O MISAU reportou ainda o diagnóstico de mais 72 novas infecções pelo novo coronavírus, sendo 31 na cidade de Maputo, 20 na província de Maputo, 11 na província de Gaza, cinco na província da Zambézia, quatro na província de Tete e uma na província do Niassa. Assim, 15.109 pessoas já foram infectadas por esta pandemia, sendo que 1.750 ainda continuam infectadas pelo vírus.
Referir que um total de 32 pessoas encontram-se internadas em todo o país, sendo 30 na cidade de Maputo, uma na província de Tete e outra na província da Zambézia. Ontem foram anunciadas cinco altas hospitalares (uma na província de Sofala e quatro na cidade de Maputo) e quatro novos internamentos, todos na cidade de Maputo.
Sublinhar que 78 pessoas foram declaradas curadas da Covid-19, das quais quatro na província do Niassa, seis na província da Zambézia e 68 na capital do país. Assim, o país conta com um total de 13.229 (87.6%) recuperados. (Marta Afonso)
O Ministério da Saúde (MISAU) anunciou, este domingo, o registo de mais uma vítima mortal, causada pela Covid-19, doença provocada pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com o MISAU, a nova vítima mortal foi registada no último sábado, na cidade de Maputo, onde perdeu a vida uma cidadã de 40 anos de idade. Assim, o número total de vítimas mortais subiu para 124.
No que diz respeito às novas infecções, as autoridades da saúde reportaram o diagnóstico de mais 54, sendo 35 na cidade de Maputo, 11 na província da Zambézia, três na província de Nampula, três em Maputo província e outra na província de Tete. O MISAU diz ainda ter registado quatro altas hospitalares e mais dois internamentos, todos na cidade de Maputo, totalizando, neste momento, 35 internados nos Centros de Internamento, em todo o país, dos quais 91.4% encontram-se na cidade de Maputo.
As autoridades da saúde afirmaram ainda não terem registado nenhum caso recuperado da infecção pelo novo coronavírus, pelo que, o país continua tendo 13.151 (87.5%) pessoas recuperadas da doença. No total, 1.758 continuam infectadas pelo vírus. (Marta Afonso)
A vida e obra de Carlos Cardoso foi marcada por vários momentos. Nas edições anteriores desta publicação, trouxemos (por via de depoimentos) Carlos Cardoso, enquanto director da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e a batalha a favor da produção da cannabis sativa para o consumo. Desta vez, a paragem é na Assembleia Municipal de Maputo, onde Carlos Cardoso fez-se membro na sequência da realização das primeiras eleições municipais, em 1998. Foi pelas mãos do movimento Juntos Pela Cidade (JPC) que o conceituado jornalista chegou ao órgão. O JPC, que surgiu em 1997, é fundamentalmente produto da junção de sinergias entre Carlos Cardoso e o médico e pesquisador Philipe Gagnaux.
E é, precisamente, à porta de Philipe Gagnaux que batemos, ao longo desta semana, para perceber um pouco da “aventura” do jornalista investigativo pelas bandas da política activa. Gagnaux aponta Carlos Cardoso como peça-chave para o fortalecimento do Juntos Pela Cidade, que nasce da coincidência de ideias de ambos. Em meio a gargalhadas, Philipe Gagnaux contou-nos que ele não era o candidato que Carlos Cardoso queria para dar a cara pelo movimento e que só ficou porque já não havia outro. Conta que acabou ficando como o porta-estandarte do movimento porque o namoro a um “bispo conceituado da praça”, feito por Cardoso, não saíra tal como augurara.
O Juntos Pela Cidade, contou Gagnaux, é produto da necessidade de participar activamente na governação da autarquia de Maputo e de dar voz aos que não tinham voz. Desconstruir a ideia de que só poderia fazer parte de um órgão de governação, seja ele local ou central, quem se candidatasse suportado por um partido político, fosse ele da posição ou oposição, foi outro pressuposto que norteou a criação do movimento, disse Gagnaux. Na memória, Gagnaux tem, para além da incessante recusa de Carlos Cardoso em usar a gravata, o “barulho” para construção e sem descurar da manutenção das estradas da urbe. Pela batalha, Carlos Cardoso dá nome a uma rua no bairro da Polana-Caniço, arredores na Cidade de Maputo.
Acompanhe, nos parágrafos que se seguem, excertos da conversa com Philipe Gagnaux, alusiva à passagem dos 20 anos do cobarde assassinato de Cardoso.
Em que circunstâncias conhece Carlos Cardoso?
“Ouvia falar de Carlos Cardoso como jornalista, mas, de facto, foi quando estava a preparar-me para obter apoio e conselhos para me candidatar às Eleições Autárquicas (1998), um dos meus interlocutores influentes disse-me que Cardoso também tinha um projecto semelhante e que estava à procura de um candidato. Nessa altura, propunha um bispo conceituado da nossa praça. Na altura, o bispo declinou o convite e mais tarde nos encontramos. Tenho de admitir que ele não me queria como candidato do Juntos Pela Cidade (JPC). Mas, na falta de melhor, juntamos forças. Eu, ele e mais uns 13 outros fomos eleitos para a Assembleia Municipal de Maputo”.
Cardoso foi peça-chave para o Juntos Pela Cidade?
“Ele foi fundamental para o fortalecimento do movimento e pôs à disposição toda a experiência e o Jornal por fax que publicava na altura. Trouxe e juntou vários líderes de várias associações para o Juntos Pela Cidade. O projecto abarcava vários objectivos. O primeiro era participar na governação autárquica fora dos partidos políticos. Segundo, mostrar aos capazes, mas menos corajosos, que era uma realidade e que não era arriscado participar como independentes e, por fim, queríamos também dar voz aos sem voz”.
Batalhas do Juntos Pela Cidade?
“Não me lembro de grandes batalhas. Nós sempre remamos contra uma Assembleia, em que nós tínhamos apenas 20%. Ou seja, estávamos em minoria. Lembro-me dos projectos de estradas que o Cardoso defendia com unhas e dentes. Ele queria que se fizessem estradas de pavês por acreditar que eram aquelas que duravam mais, isto, se não houvesse roubos de pavês e com a manutenção mínima se mantém para sempre. E, graças a isso, há uma rua que está no bairro da Polana Caniço, que acabou por se atribuir o nome dele. Também lutamos para que o Jardim Zoológico voltasse a ser entregue aos munícipes. Lembro-me que, na altura, tudo que nós propuséssemos a Assembleia votava contra, no caso a maioria que era da Frelimo. Então, uma vez decidi fazer o contrário dizendo: que não devemos entregar o jardim Zoológico aos munícipes porque não ia ser bom e aí a Assembleia votou dizendo que se devia entregar. Infelizmente, quando saí do interior da sala, ao invés de ficar caladinho coloquei-me a rir e a dizer que eu queria que se entregasse o Jardim aos munícipes. Alguns dias depois, convocou-se uma nova sessão para reverter aquela decisão e foi muito engraçado. Na altura, nós fazíamos muito barulho. Eu, Carlos Cardoso e mais alguns intervenientes tínhamos uma particularidade muito engraçada. Não havia disciplina de voto. Cada um expunha as suas ideias, mesmo que fossem contrárias dentro do grupo”.
Êxitos conseguidos pelo movimento?
“Acabamos por impor uma Assembleia Municipal, onde a disciplina de partido ou de voto não existia. Permitiu que existisse uma independência no voto. Outro sucesso é que mostramos que os cidadãos podiam ser eleitos. Que eles podiam ter uma vida activa. 20% da Assembleia era de membros não filiados a partidos, sendo que o próprio Juntos Pela Cidade era uma associação e não um partido. Carlos Cardoso recusou-se sempre a usar a gravata eu também raramente o fiz. Outra coisa que me ocorre é que, no segundo mandato, eu decidi vetar a entrega da chave à Rainha da Inglaterra. Achei que o Município não tinha nada a ver com a Rainha da Inglaterra e que não havia porquê ela merecer a chave. Se existisse algum motivo, que o Governo Central arranjasse uma condecoração ou uma homenagem para Rainha”.
E como era a convivência?
“Convivi muito pouco com Carlos Cardoso, exceptuando quando tínhamos algumas reuniões para debater assuntos importantes. Fui algumas vezes ao jornal dele para publicarmos, ajudarmos em logos, coisas assim. Durante a campanha, ele foi um dos indivíduos mais activos. Ele e mais outros. A maior parte das pessoas eram preguiçosas e o trabalho era feito pelos mesmos. A memória que eu tenho é ele a dizer que não usava a gravata, a irritar-se e a lutar para que estradas fossem arranjadas e feitas como devem ser. Que se criasse uma equipa de manutenção constante das estradas”.
Sente que o legado de Carlos Cardoso, enquanto activista, está a ser seguido?
“Penso que é mais geral do que específico. Acabou por haver muitas estradas feitas em pavês e ele defendeu isso. O mais importante é ele, sendo membro do partido, ter mostrado que podia participar num movimento cívico. Isso não era incompatível razão pela qual o Juntos Pela Cidade nunca foi um partido. Nós queríamos que mesmo quem está vinculado ao poder central pudesse ter uma participação de uma forma isenta e neutra ao nível das autarquias. Ele veio provar que qualquer pessoa poderia fazer isso. Mais tarde foi assassinado e não penso que tenham sido represálias ligadas a isso, no entanto, é possível que seja mais um factor”. (Ilodio Bata)
Carlos Cardoso foi um jornalista cujo percurso, enquanto profissional, é obra para as novas gerações. As suas lutas, mormente contra depredação do bem público, inspiraram, no passado, e, até hoje, são fonte para quem olha para o jornalismo como fonte para gerar mudança e garantir o bem-estar social. No seu portefólio, contabilizam-se várias frentes, mas, desta vez, é da marcha para a legalização do consumo da cannabis sativa e da luta para salvar a indústria do caju que nos vamos centrar. E, para o efeito, nada melhor que Abdul Carimo Issá, o “Buda”, que viveu, de perto, para contar como tudo aconteceu. Buda é categórico quanto ao desfecho que a empreitada conheceu: ainda era demasiado cedo para o que ele e Carlos Cardoso sonharam à data.
Sem mágoas, Abdul Carimo Issá diz que depois de ver frustrada a pretensão de ver aprovada uma lei que legalizava a produção de cannabis sativa para o consumo, concluíram que estavam a anos-luz para a realidade que país vivia em meados da década 90, pese embora outros países já haviam avançado nesse sentido. Aliás, reconhece que não conseguiram convencer os parlamentares, apesar da enorme campanha que fizeram à boca da sessão que, praticamente, chumbou o propósito que perseguiam. Na altura, Buda era deputado e vice-presidente da Assembleia República.
Sobre o Caju, Buda diz que Carlos Cardoso bateu-se com garra e determinação para que a indústria não afundasse. Conta que Cardoso chegou a preparar-se para entrar em greve de fome contra as políticas do caju, em Moçambique, que na verdade era consequência das imposições do Banco Mundial. Acrescenta que Cardoso, ainda em jeito de protesto contra o que entendia ser destruição da indústria do caju, ponderou montar acampamento no Gabinete do Primeiro-Ministro, realidade que espevitou a elaboração da lei para proibir a exportação da castanha de caju como matéria-prima, um processo em que participaram activamente Kekobad Patel, Sérgio Mondlane e próprio Cardoso.
Encontre, a seguir, excertos da conversa com Abdul Carimo Issá, que nasce a propósito da passagem do 20º aniversário do desaparecimento físico de Carlos Cardoso, uma referência obrigatória no jornalismo moçambicano.
Como conhece Carlos Cardoso e como era a convivência?
“Eu creio que conheci primeiro a esposa de Carlos Cardoso do que o Carlos Cardoso. Conhecia já o Carlos Cardoso, mas não convivia com ele. Praticamente, a minha conivência com ele começa a partir do momento em que começou a viver com a Nina Berg, porque ela dirigia um projecto da Danida de apoio do sistema de administração da justiça em Moçambique, em particular, uma comissão que existia na altura de reforma da lei da Família e mais tarde evoluiu para Unidade Técnica de Reforma Legal. Então, a Nina é que dirigia este projecto e aí estabelecemos relações. Conheci a Nina porque ela veio a Moçambique com mais uma colega para estudar a experiência dos Tribunais Populares e eu era Juiz na altura. Foi nestes encontros que a gente passou a conviver e a Nina ficou em Moçambique e passou a viver com Carlos Cardoso e tornamo-nos amigos nestas circunstâncias, fundamentalmente porque tínhamos valores e princípios comuns. Portanto, eu, Carlos Cardoso, Dr. João Carlos Trindade e Dr. José Norberto Carilho éramos um grupo e convivíamos muito próximos. Era habitual Cardoso passar refeições na minha casa, passar refeição em casa do Carilho, passar refeição em casa do Trindade. A defesa do património público e o combate à corrupção eram valores que a gente cultivava. E quando ele sai do mediaFAX e decide montar o Metical, eu e mais outros fomos as pessoas que ajudamos. Cada um deu um ar condicionado, uma máquina de escrever e montamos o Metical naquela garagem que toda a gente conhecia. E era habitual sempre que eu saía, nessa altura já estava na Assembleia da República (AR), era deputado e vice-presidente, passava para ir apanhar o Carlos Cardoso porque ele não conduzia, não sei porquê. Passava pela minha casa ou pela casa do Trindade, ou seja, estávamos sempre juntos. E, normalmente, ia para lá, juntamente, com Marcelo Mosse, para fechar a redacção. Para ver o editorial daquele dia, sugerir alguma coisa. Era esse o nosso dia-a-dia e naquele momento estavam a acontecer muitas coisas ao mesmo tempo. Havia a fraude no Banco Comercial de Moçambique, apropriação de terras na cidade de Maputo e o Cardoso estava nesse combate”.
Lobby para legalização da Cannabis sativa?
“Eu havia feito um estudo sobre a Cannabis. Eu fiz um estudo sobre a cannabis porque ainda na faculdade tive um professor chamado Geraldes de Carvalho, isto em 1976, que nos deu um trabalho prático em grupo que se resumia no seguinte: um velho camponês lá na sua aldeia sem acesso à comunicação, à rádio e sem a televisão e jornal e o mesmo cultivava a cannabis (vulgo soruma) para o seu consumo pessoal. Ele não sabia que era crime, Quid Juris? E foi mais ou menos nesse sentido. Há um princípio na lei, em que a ignorância não aproveita a ninguém. Você não pode invocar que não sabe. Era um professor interessante. Ele punha algumas questões porque tinha sido professor em Chókwè. Aquilo marcou-me muito e eu como era Juiz e recebia casos de consumo de soruma. Nem era de tráfico. Então, resolvi estudar o problema da soruma, através de um estudo que a União Europeia fez durante 10 anos para demonstrar que, afinal, a soruma não era tão viciante ou aditivo como era o tabaco, o chocolate ou café. Eu resolvi escrever, semanalmente, um artigo com base neste livro que se chamava «Droga e Direito». Fui escrevendo e os artigos saíam no jornal Domingo, uma vez por semana. Por causa disso, esta matéria aproximou-me do Cardoso. Outras matérias já me haviam aproximado do Cardoso, mas esta, ainda mais. Então, iniciamos, os dois, uma campanha para liberalizar o consumo. Não estávamos a falar do tráfico. Estávamos a falar de liberalizar o consumo. As pessoas não podiam ser presas pelo facto de estarem a consumir uma certa quantidade de soruma. As pessoas deveriam poder produzir soruma para o seu consumo. Essa era a ideia central. Mas, acompanhávamos aquilo que estava a acontecer em todo o mundo. Em todo o mundo, a planta da soruma estava a ser usada não só para produzir a substância alucinogénia que é a cannabis, mas, fundamentalmente, estava a ser usada para a indústria de produção de cerveja, batom, pasta dentífrica, blue jeans. Eu e o Cardoso fizemos um estudo e conseguimos trazer, de fora, produtos feitos de cannabis, onde um blue jeans era o dobro de umas normais. A fibra era muito mais apreciada que a de algodão. Então, começamos a desenvolver isso e a defender que Moçambique deveria aproveitar. Cardoso tinha uma informação que eu não tinha. Que na África do Sul, apesar de que não tivesse sido liberalizada, junto à Suazilândia, havia uma área de produção do Governo-sul-africano do Apartheid que produzia e que era exportado para Holanda. Eu, em 1995, comecei a fazer a lei de tráfico de drogas que é a lei que está hoje em vigor, a 3/97. Começo a fazer esta lei e, inclusivamente, estava a trabalhar com DEA (Drug Enforcement Administration) dos EUA. Eu, Cardoso e Mia Couto (escreveu artigos, como biólogo no Metical)”.
“Proponho, na minha lei, que as pessoas não deviam ser punidas por produzir cannabis para o seu consumo. Que se devia permitir, como em alguns países, uma certa quantidade. O problema da cannabis e toda a paranoia que foi criada à volta dela, não foi mais do que uma guerra entre as tabaqueiras contra a cannabis. Se não houvesse esse lobby das tabaqueiras junto da Organização Mundial da Saúde. Se houvesse liberdade para as pessoas produzir a cannabis, tenha a certeza absoluta que esses tabacos que se fumam hoje não se fumavam aqui. Toda a África, toda a Ásia, toda a América Latina estariam a fumar a sua cannabis. Portanto, isto não era mais do que um lobby. Eu fiz o projecto de lei e depositei na AR e no dia do debate, em plenário, fizemos uma mesa muito grande à entrada do órgão com todos esses produtos feitos de cannabis para mostrar as pessoas a utilidade que podia ser feita. Houve pessoas que, na altura, criticaram-me, mas hoje reconhecem que estavam erradas. O grande problema que sinto é que nós estávamos avançados para o contexto que vivíamos. Não tínhamos tido a capacidade para convencer, portanto, de convencer todo aquele grupo de parlamentares sobre os benefícios. Na altura, havia filhos de muitos dirigentes envolvidos na droga e alguns estavam sentados na AR. Então, falar da liberalização da cannabis era um tabu. Esse é o problema pelo qual não vingou a nossa proposta. Mas, há uma coisa que pouca gente sabe, não é proibida a produção da cannabis, em Moçambique, com base nesta lei 3/97. Não é proibido produzir. Nós, na altura, defendíamos, primeiro, que as pessoas não deviam ser punidas por produzir cannabis para o seu auto-consumo, segundo, defendíamos a produção da cannabis para indústria farmacêutica e, terceiro, para indústria de tecidos. As pessoas não estavam preparadas. O contexto era diferente, mas de qualquer das formas, tive o cuidado de pôr na lei que a produção da cannabis para efeitos medicinais não é proibida, mas carece da autorização do Ministro da Saúde, do Interior, da Indústria e Comércio. Está lá na lei. Não foram regulamentadas as condições de segurança em que se deve produzir até hoje. Mas, não há nenhuma proibição na lei para produzir para efeitos medicinais”.
Como é que Dr. Carimo, o Carlos Cardoso e outros que haviam abraçado a causa digeriram o fracasso?
“Eu e o Cardoso fizemos uma introspecção e chegamos à conclusão que estávamos muito avançados para o contexto e que não foi suficiente a nossa campanha de mobilização junto dos parlamentares, de modo a compreenderem a nossa ideia. Não ficamos assim muito incomodados. Eu lembro, numas das intervenções durante o debate, o General (Alberto) Chipande ter dito: «agora compreendo quando vou lá para o planalto (Cabo Delgado) vejo aquelas pessoas tem bicicleta, tem mota, tem rádio afinal são essas coisas que andam a vender» (risos). Ele percebeu que a produção da cannabis organizada e com segurança produz riqueza para o país. E nós temos variedades de cannabis e muito apreciadas até para o consumo. Mesmo que não seja autorizada a produção da cannabis para o consumo que seja para a exportação, assim como você produz insulina para exportação. Mas, era um tabu muito grande este assunto da cannabis”.
Não houve uma espécie de arrependimento depois que a tentativa falhou?
“Não. Eu continuei a fazer a minha luta e, até hoje, continuo, apesar de Cardoso não estar comigo. E tenho um pedido junto do Ministério da Saúde para ser autorizada a produção da cannabis para efeitos medicinais. Portanto, estou a aguardar e já fui chamado duas vezes ao Ministério para dar mais detalhes. Portanto, estou a aguardar que haja uma regularização dos sistemas de segurança para essa produção. Essa foi a luta mais intensa que eu tive com Carlos Cardoso”.
E o Caju?
“Havia um grande debate ao nível da sociedade e o sector empresarial estava dividido. Havia uma CTA que tinha uma posição muito ambígua, mas muito favorável em defesa dos seus associados (comerciantes) muito favorável à exportação do caju como matéria-prima. E havia a associação dos industriais, na altura, dirigida por Kekobad Patel, que defendia a industrialização da castanha de Caju. O debate estava todos os dias no Metical e o Cardoso estava contra as políticas do Banco Mundial (BM), que não eram mais do que uma imposição. Eu próprio recebi o director do Banco Mundial na Assembleia da República e disse-lhe que iria fazer uma lei que proibia a exportação da castanha de caju como matéria-prima e ele, claramente, opôs-se. Eu disse-lhe que iria exercer a iniciativa de lei como deputado. Pouca gente sabe, talvez a única pessoa que saiba seja o Patel, o Cardoso pouco tempo antes de eu fazer a lei, no calor do debate do Caju, tinha estado adoentado e eu nem cheguei a saber. Mas, ele um dia aparece junto a mim, ele sabia que eu era defensor, e diz: «olha fui fazer um check up com a Dra. Paula Perdigão e ela disse-me que estou bem e eu estou a preparar-me para entrar em greve de fome contra a política de caju em Moçambique». Eu disse: Meu Deus do céu. Cardoso vivia intensamente este problema. Achava que estávamos a ser roubados e que a nossa indústria estava a ser destruída e emprego estava a desaparecer. O Cardoso sentia isso. Cardoso dizia que iria entrar em greve e que sentar-se-ia no Gabinete do Primeiro-ministro. Entro em contacto com Patel e falo com Boaventura Mondlane (Secretário-Geral do Sindicato do Caju na altura) e, de seguida, decidi que a melhor coisa era fazer uma lei para proibir a exportação da castanha de caju como matéria-prima. Juntamo-nos no meu gabinete, eu, Carlos Cardoso, Kekobad Patel e Carlos Mondlane e preparamos a lei do caju que está em vigor até hoje. Quando depositamos na AR (Sérgio Vieira também subscreveu) a discussão ficou muito dividida porque havia muitos lobistas no parlamento e defensores da exportação da castanha, inclusivamente, ganhavam comissões com isso. Industriais não havia quase nenhum. Então, foi preciso encontrar um compromisso e não proibir a exportação da castanha, mas criar uma sobretaxa para limitar a exportação da castanha e é assim que esta lei foi feita nesta altura. Transformou-se numa lei onde foi introduzida uma sobretaxa para reduzir aquela apetência para exportar a castanha de caju. Creio que a taxa deve ter começado com 18% na altura. Não é por acaso que ali onde o Cardoso foi assassinado há ali um cajueiro. É pela luta dele que nós plantamos ali um cajueiro”.
Como foi para o Cardoso ver que aquilo pelo que lutavam tinha produzido alguns resultados?
“Queria mais. Mas, ele sentiu que valeu a pena a luta que ele fez. Valeu a pena. Porque sabe, Ilódio, houve uma grande traição nesse processo. Moçambique inicia, em 1991, o processo de privatização do sector empresarial do Estado e muitas dessas fábricas que tinham sido abandonadas tornam-se empresas estatais e os nossos empresários candidataram-se e compraram. E o Banco Mundial, a seguir, faz uma política de liberalização. Foi um golpe. Isto é que magoou mais o Cardoso, e para além de que ele defendia que se devia incorporar mais-valia na castanha e que havia mais benefício para Moçambique com a industrialização da castanha do que propriamente exportando. Ele desmontou todo o lobby que havia no Banco Mundial com especialistas indianos”.
E a convivência nos últimos anos da sua vida?
“Cardoso era um indivíduo muito teimoso. Era uma pessoa de convicções muito fortes e procurava o conhecimento. Se não soubesse de um assunto porque envolvia equações económicas ele procurava a quem soubesse. Quem lhe explicasse o assunto. Se não soubesse algo relacionado com Biologia, ele procurava o Mia Couto. Cardoso até morrer nunca deixou de investigar a morte de Samora Machel. Nunca deixou de investigar a morte de Samora Machel. Cardoso estava em tudo aquilo que dissesse respeito à integridade. Tudo que dissesse respeito à honestidade. Cardoso, para mim, era o Jornalista sem medo, tal como General Sem Medo, e ele não admitia em circunstância nenhuma ter de ficar calado quando a obrigação dele era falar”.
De que momentos marcantes das lutas o Dr. Carimo tem em memória e nos pode contar?
“A luta contra o gangsterismo que havia tomado o Estado. A primeira vez que ouvi que o Estado estava gangsterizado foi com Carlos Cardoso, dois ou três anos antes da sua morte. Cardoso era visionário. A primeira vez que alguém falou do Estado capturado foi Cardoso, mas é verdade que o Marcelo (Mosse) depois devolveu um trabalho com os sul-africanos sobre o Estado Capturado. A luta contra o abuso do bem público, contra a corrupção, a favor da cannabis, a favor do caju, tudo aquilo em que Cardoso acreditava que era benéfico para o país. Ele fazia daquilo uma causa. Uma vez eu estava na AR e Cardoso foi buscar-me lá porque descobriu que estavam a fazer exame na hoje Universidade São Tomás, do secundário, e ele tinha em mãos o exame vendido. Fui tirado da AR para ir falar com o director para dizer está aqui o exame (risos). Cardoso era irreverente. (Ilódio Bata)