Um estudo sobre Moçambique, publicado pela Universidade das Nações Unidas, defende que os líderes políticos devem envolver-se com a população rural para travar riscos de insurreição como em Cabo Delgado e promover o desenvolvimento.
“Outro caso que aponta para a necessidade de os líderes políticos se envolverem com a população rural no centro e norte do país é a província da Zambézia”, indicou o estudo, financiado pelo Reino Unido.
“A sua população jovem com mais de cinco milhões de pessoas, quase toda rural, será difícil de controlar se se sentirem excluídas do processo de desenvolvimento”, notou.
Ou seja, “a pobreza existente, a desigualdade e a falta de inclusão irão gerar frustração, que deve ser abordada e não reprimida”.
O retrato é feito no novo relatório “Desenvolvimento económico e instituições – Moçambique numa encruzilhada: um diagnóstico institucional”, consultado ontem pela Lusa.
“Um exemplo do que aqui dizemos são os acontecimentos, em Cabo Delgado, que são um sinal de alerta”, advertiu.
“Os conflitos e a insurreição militar em curso mostram onde a exclusão e as políticas extrativas conduzem, mesmo quando é possível controlar quase toda a oposição política secular”.
O país precisa de “líderes visionários e corajosos” para suceder a Filipe Nyusi, que terminará o segundo e último mandato daqui a quatro anos, defendeu, acrescentando que “há definitivamente pessoas que preenchem tais critérios na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo)”, partido dominante e assim assumido pelo estudo.
“Não existe um conjunto único de arranjos institucionais que possa garantir que Moçambique evitará um cenário de desenvolvimento do tipo angolano”, pelo que, “a questão fundamental” é saber que tipo de inovações institucionais podem contribuir de alguma forma “para a construção de um contrato social para o desenvolvimento nacional e para refrear os piores excessos de procura de rendimentos improdutivos e corrupção”.
As receitas provenientes da exploração de gás natural na bacia do Rovuma propiciam uma oportunidade única, a par das “capacidades de união que o partido [Frelimo] possuiu em tempos (…) para evitar a balcanização do país, tanto geográfica como economicamente”.
Outro alerta é feito em relação ao exterior, considerando que “Moçambique terá, nos próximos anos, de gerir governos estrangeiros com os seus próprios interesses comerciais e de segurança, que são diferentes do foco tradicional dos doadores na redução da pobreza, democracia e direitos humanos”.
O relatório é o resultado do estudo Diagnóstico Institucional de Moçambique (MID, sigla inglesa), uma colaboração entre várias instituições de pesquisa internacionais e analistas locais, para identificar fragilidades que restringem o desenvolvimento económico e indicar possíveis reformas.
Os parceiros incluem o Governo moçambicano, o Centro de Estudos de Economia e Gestão (CEEG) da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane e a Universidade de Copenhaga (Dinamarca).
O estudo faz parte de uma iniciativa internacional de pesquisa chamada Economic Development & Institutions (EDI) financiada pelo Governo do Reino Unido, gerida pelo Oxford Policy Management (OPM), com nove estudos temáticos sobre Moçambique publicados como WIDER Working Papers, documentos da Universidade das Nações Unidas.
A violência armada em Cabo Delgado, norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e 45 mil pessoas deslocadas para províncias vizinhas, sem habitação, nem alimentos suficientes, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba. (Lusa)
A Covid-19 matou mais três pessoas em Moçambique, anunciou, esta segunda-feira, o Ministério da Saúde (MISAU). As três vítimas perderam a vida no último domingo, na cidade de Maputo. Trata-se de dois pacientes do sexo masculino, com 49 e 70 anos de idade, e uma paciente de 66 anos de idade. Assim, o país soma um total de 116 óbitos causados pela Covid-19.
Na actualização feita esta segunda-feira, as autoridades da saúde reportaram o diagnóstico de mais 66 novas infecções, sendo 62 na cidade de Maputo e as restantes nas províncias de Cabo Delgado, Maputo, Zambézia e Inhambane, que notificaram uma nova infecção cada. Em termos cumulativos, o país conta com 14.514 casos positivos do novo coronavírus.
No que tange às hospitalizações, o MISAU informou ter registado quatro altas hospitalares (três na província de Maputo e uma na cidade de Maputo) e seis novos internamentos, todos na capital do país, totalizando 51 pacientes actualmente internados nos Centros de Isolamento da cidade de Maputo (49) e das províncias de Sofala (um) e Zambézia (um).
Entretanto, mais 56 pessoas recuperaram da doença, sendo 10 na província de Maputo, duas na província de Inhambane, 23 na província de Gaza e 21 na cidade de Maputo. Assim, Moçambique conta com 12.599 (86.8%) recuperados da Covid-19 e 1.795 casos activos. (Marta Afonso)
O Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Nampula, Paulo Vahanle, denunciou, semana finda, uma suposta perseguição política, protagonizada pelo Governo – através dos Ministérios da Economia e Finanças e da Administração Estatal e Função Pública – e pelo Gabinete Central de Combate à Corrupção. A denúncia foi feita em conferência de imprensa.
Segundo Paulo Vahanle, semanalmente, o Conselho Municipal da cidade de Nampula, que está sob sua gestão desde Março de 2018 (após o assassinato de Mahamudo Amurane), recebe um processo relacionado com casos de corrupção, implicando a sua pessoa, seus vereadores e funcionários.
Aliás, o autarca avança que não irá mais receber equipas de auditoria, sobretudo, a que se desloca para aquela edilidade esta segunda-feira, porque as mesmas auditam fundos que nunca recebeu. “Essa auditoria quer ver os balancetes, os trabalhos sobre o PERPU [Programa Estratégico Para A Redução Da Pobreza Urbana]. Em 2018 e 2019 não recebi esse fundo. Como é sua Excia. Ministro da Economia e Finanças vai mandar uma equipa para vir auditar um valor que não entrou no município?”, questionou o autarca, eleito pela lista da Renamo, a 10 de Outubro de 2018, para um mandato de cinco anos.
Para Vahanle, trata-se de uma perseguição política, protagonizada pelo Governo da Frelimo contra os municípios geridos pela Renamo. “Isso atrapalha-nos porque estamos a sofrer esta intimidação, esta ameaça, esta perseguição sem motivos, porque somos da Renamo. Quando entro em contacto com outros municípios, dirigidos pela Renamo, o cenário é o mesmo, mas os outros municípios (na gestão da Frelimo) não existem auditorias”, afirma.
Em torno dos processos criminais, o mayor da terceira maior cidade do país disse: “todos os dias são notificações. O que nós sabemos é que detectamos cidadãos, funcionários do Conselho Municipal que desviavam fundos. Arrolamos e entregamos a quem de direito. Hoje, todas essas situações mudaram para os vereadores e para o Presidente do Município”, considera Paulo Vahanle.
Lembre-se que o Município de Nampula está sob gestão da Renamo, desde Março de 2018, depois de Paulo Vahanle ter ganho a segunda volta das eleições intercalares com 58,6% de votos, tendo renovado o mandato a 10 de Outubro do mesmo ano, depois de ter encabeçado a lista da Renamo, naquelas que foram as primeiras eleições autárquicas nas quais elegiam-se cabeças-de-lista. (Omardine Omar)
O académico moçambicano Régio Conrado, doutorando em Ciências Políticas, no Instituto de Estudos Políticos de Bordéus, na França, defende que “o Estado moçambicano perdeu parte da sua capacidade de proteger as suas populações”. A “tese” vem a propósito dos ataques terroristas ocorridos em algumas aldeias do distrito de Muidumbe, província de Cabo Delgado, entre os dias 31 de Outubro e 11 de Novembro, em que mais de uma centena de pessoas foram executadas pelo grupo terrorista.
Em entrevista à “Carta”, Conrado avançou que o escalar da violência naquele ponto do país revela que o “Estado, em Cabo Delgado, está, senão, em vias de desaparecimento”, pois, “perdeu grande parte da sua capacidade de actuação”. “Sabemos que onde isso ocorre é porque o Estado perdeu a capacidade de se impor de forma permanente e perene”, explicou.
“É preciso aceitarmos que, mesmo com todos os esforços e sacrifícios das Forças de Defesa e Segurança, a situação, em Cabo Delgado, não se diferencia daqueles lugares onde a autoridade do Estado foi ou está sendo substituída pelos terroristas (...). O último massacre, de Muidumbe, não constitui um facto novo em si”, acrescentou a fonte, para quem o que se viveu naquele ponto do país é a amplificação da violência encetada pelos terroristas na província de Cabo Delgado.
“Ou seja, o massacre ocorrido é, por um lado, parte integrante de todo e qualquer terrorismo que é de criar medo, terror, sentimento de angústia profunda no meio das populações e, por outro, é uma forma de levar as populações a aderirem de forma massificada a estes grupos, como forma de evitarem a violência sobre eles”, esclareceu.
Segundo Conrado, todos os estudos sobre terrorismo indicam que os massacres, a violência extrema e a destruição massiva são partes integrantes das estratégias da ampliação da publicidade dos grupos terroristas, sobretudo, quando querem ganhar importância internacional.
“Se é verdade que a morte por decapitação de muitas dezenas de nossos irmãos é uma clara demonstração que este grupo está a evoluir nos seus métodos, é preciso dizer que isso pode revelar que o grupo não só ganhou mais confiança, mas também ganhou gosto pela morte, que é um dos elementos centrais nesses grupos”, destacou.
Socorrendo-se da obra Handbook of terrorismo (Manual do terrorismo, tradução em português), publicado, em 2019, pelos investigadores Erica Chenoweth, Richard English, Andreas Gofas e Stathis Kalyvas, o académico sublinha que quando há massacres, em situações de terrorismo, é porque o Estado perdeu parte da sua capacidade de proteger as suas populações. Contudo, “é preciso dizer que este tipo de actos não é fácil de controlar e nem se trata de incompetência do Estado, pelo contrário, é demonstração de que um Estado, como o nosso, com poucos meios, não pode por si mesmo conseguir garantir total protecção das populações”.
“Os terroristas pretendem deslegitimar o Estado diante das populações, criar conflitos entre o Estado e as populações, mostrar a impotência do Estado e até das próprias empresas privadas ou consultores militares envolvidas no conflito. Não podemos esquecer que aquele massacre faz parte das estratégias de propaganda ao nível local e internacional. Ao se introduzir este tipo de actos, revela-se que a situação (de segurança), em Cabo Delgado, degradou-se imensamente”, afirmou.
“O Estado moçambicano, particularmente as Forças de Defesa e Segurança (FDS), muito está a fazer para conter aquela situação muito complicada, porém, como sabemos, o combate ao terrorismo é uma das coisas mais complexas que existe hoje. Penso que o Estado deve chegar à conclusão que este tipo de actos (macabros) vai continuar e pode agravar-se de forma mais ou menos consistente. Enquanto a nossa capacidade de intervenção, de redução da capacidade do(s) grupo(s) terrorista(s) envolvido(s) for menor, este tipo de situações vai, infelizmente, continuar”, conclui Régio Conrado.
“A situação da Mocímboa da Praia e de Muidumbe deve mostrar ao Estado moçambicano que é o próprio Estado que está aqui em causa e que as suas capacidades estão aquém dos desafios ali existentes. Isto não é um problema de ausência de vontade das FDS, é um problema estrutural dos Estados frágeis, onde a incapacidade de garantir a segurança das populações é a sua principal característica”, sublinha.
Entretanto, entende que não podemos permitir que as Forças de Defesa e Segurança se sintam desamparadas, pois, “é isso que os terroristas querem”. “Sem moral e nem sentimento de pertença a uma pátria que lhes ama, nenhum exército ganha guerras”, atirou. (Omardine Omar)
Indivíduos ainda desconhecidos mataram, na passada quinta-feira, na vila-sede do distrito de Nangade, província de Cabo Delgado, um comerciante informal, que em vida respondia pelo nome de Issa Ayubo.
De acordo com as informações apuradas pela “Carta”, a acção aconteceu por volta das 19 horas, no interior da residência da vítima. “Não sabemos quem são, apenas ouvimos três tiros. As pessoas puseram-se em fuga”, disse uma fonte próxima à vítima, que contactou a nossa reportagem.
Até ao momento, não se conhecem as razões da sua morte, mas sabe-se que a vítima terá sido detida pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) em meados deste ano, suspeito de ser fornecedor da logística alimentar do grupo terrorista que actua em alguns distritos da província de Cabo Delgado, incluindo Nangade. Entretanto, garantem as fontes, foi restituído à liberdade um mês depois.
Refira-se que Issa Ayubo dedicava-se à venda de peças de bicicletas, motorizadas e à venda de electrodomésticos. É descrito pelos seus próximos como um indivíduo simpático e social. (Carta)
Numa nota publicada esta quarta-feira, a vice-Directora da Amnistia Internacional (AI) para África Austral, Muleya Mwananyanda, defende que o mundo “não pode continuar a fechar os olhos ao sofrimento dos civis” vítimas dos ataques terroristas, na província de Cabo Delgado, no norte do país.
Tomando como base o genocídio verificado no Ruanda, em 1994, em que a ONU assumiu o seu fracasso, Muleya Mwananyanda afirma que o cenário que se vive na província de Cabo Delgado é um sinal de que a história se repete e que os civis “estão, mais uma vez, a pagar o preço da inacção da comunidade internacional”.
A fonte sublinha que a população das regiões afectadas pelos ataques terroristas continua a viver com medo, receando novas investidas por parte daquele grupo, assim como das Forças de Defesa e Segurança que, na sua óptica, “cometeram violações dos direitos humanos em nome de insurgentes”.
Por essa razão, aquela organização internacional insta a ONU a agir para fazer frente à escalada da violência na província de Cabo Delgado, através da criação de um mecanismo internacional independente para lidar com os crimes em curso sob o direito internacional e as violações dos direitos humanos.
Lembre-se que, esta semana, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, manifestou a sua preocupação em relação aos últimos episódios relatados na província de Cabo Delgado. De acordo com fontes locais, mais de uma centena de pessoas pode ter morrido no distrito de Muidumbe, numa acção descrita como retaliação às investidas das FDS. (O.O)